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A formação do capital social em uma comunidade de baixa renda

A formação do capital social em  uma comunidade de baixa renda

Breno Augusto Souto-Maior Fontes, Universidade Federal de Pernambuco[1]

Klaus Eichner, Universidade de Hamburgo [2]

Resumo

Este artigo objetiva analisar as inserções em redes egocentradas de indivíduos de uma comunidade de baixa renda na cidade do Recife. A partir de algumas considerações iniciais sobre redes egocentradas, ensaiamos uma análise de redes construídas em uma comunidade de baixa renda. Os dados de que dispomos para análise foram extraídos de uma pesquisa empírica em uma comunidade de baixa renda na cidade do Recife. O nosso objetivo é verificar o quão de particular existe nessas populações de baixa renda, e o que se pode extrair de regularidades em redes egocentradas, e também  observar, a partir de índices de capital social construídos, que posições diferenciadas na estrutura social podem existir quando se introduz a variável "rede social". Interessa-nos particularmente discutir as hipóteses de FLAP sobre relações sociais como recursos ou como capital. Os índices construídos nos remeterão a três grandes blocos de questões: (a) o número de relações onde se inscrevem capacidades potenciais para ajudas; (b) a extensão das redes de ajuda,   função da intensidade das relações; e (c) os recursos que podem ser alocados a partir dessas relações.

As bases empíricas desse artigo dizem respeito a informações extraídas de redes egocentradas da comunidade de Chão de Estrelas, Recife. Foram aplicados 295 questionários, a partir de amostra aleatória simples em um universo de 1.131 domicílios (sendo escolhida uma pessoa adulta por domicílio).

1. Introdução

São vários os estudos sobre comunidades de baixa renda, em países  em desenvolvimento, que nos remetem a questões relativas a estratégias de sobrevivência, fluxos migratórios, organização familiar, associativismo, entre outras. Os estudos sobre redes sociais, entretanto, têm recebido pouca atenção. São, de fato, poucas as pesquisas realizadas sobre o assunto. Isso se deve a diversas razões, entre as quais, a mais importante, a relativa novidade do tema nas Ciências Sociais. Com efeito, só recentemente tem-se verificado a formação de grupos de pesquisas e de uma discussão sobre a temática. A questão das redes sociais está presente de forma significativa na agenda de pesquisa das ciências sociais a partir da década de 70, quando estudos mais detalhados sobre o assunto, bem como a introdução de novas técnicas de tratamento de dados – possível somente a partir da introdução da informática nas Ciências Sociais – fazem ressurgir um recorte de pesquisa que não é propriamente novo[3].

A temática, entretanto, não tem tido receptividade na comunidade acadêmica latino-americana. Se tomarmos como exemplo o Brasil, existem poucos registros de estudos sobre redes sociais; no campo da sociologia podemos inclusive afirmar que essa abordagem é ignorada.

Acreditamos que a abordagem das redes sociais pode trazer signicativas contribuições para o estudo de comunidades de baixa renda, introduzindo novas facetas não vislumbradas por análises tradicionais. Com efeito, a partir da ótica das relações sociais, do movimento de afiliação e desfiliação das pessoas em interações sociais empreendidas durante a sua biografia, poderemos introduzir alguns elementos bastante pertinentes para a compreensão que, embora  não sejam propriamente ignorados pela tradição das ciências sociais, não são adequadamente visualizados. Com relação às comunidades de baixa renda, já apontamos em outro lugar a relação das redes sociais e os processos associativos[4].

Este artigo irá se debruçar sobre uma questão específica: o desenho das redes egocentradas dos moradores da comunidade de Chão de Estrelas, espeficamente no que se refere ao processo de formação de capital social. Importa, também, dessacar alguns elementos que possam resultar em características particulares no processo de formação das redes sociais. Mesmo em se admitindo que haja certos elementos invariáveis nas redes egocentradas[5] - que nos  possibilita explicar alguns padrões estruturantes dos processos de sociabilidade -    estamos trabalhando com a hipótese de que os padrões de sociabilidade têm forte influência cultural,  decorrente da organização das atividades humanas no espaço físico[6].  Dessa forma, a comunidade de Chão de Estrelas apresentaria características particulares resultantes de arranjos de sociabilidade únicos.  Seria interessante também – embora em uma abordagem bastante provisória – pensarmos em estruturações particulares de sociabilidades presentes em comunidades de baixa renda[7].

A pesquisa tem como universo de investigação a comunidade de Chão de Estrelas,   localizada na zona noroeste[i] da Cidade do Recife.  Chão de Estrelas tem por limites os bairos de Campina do Barreto, Cajueiro e o rio Beberibe, limítrofe à cidade de Olinda. A comunidade de Chão de Estrelas se origina de um reassentamento de pessoas que habitavam à margem do rio Beberibe  e que foram retiradas do local para permitir que fossem feitos serviços de alargamento da calha. A partir de intensas negociações entre  moradores e órgãos do Estado, a comunidade foi alojada em uma área próxima, com casas construídas pela Companhia de Habitação do Estado de Pernambuco. Assim, há uma certa uniformidade no que diz respeito ao padrão construtivo das casas,  ao padrão urbanístico do desenho do bairro e à trajetória comum de seus moradores. O que podemos dessacar de significativo é o fato de a existência da comunidade ser decorrente do intenso processo de mobilização de seus moradores. Dessarte, ante a ameaça de expulsão, que possibilitou a transferência da margem do rio Beberibe para o que atualmente se conhece por Chão de Estrelas, é interessante observar o fato de que a comunidade estava organizada e resistiu, forçando uma solução negociada.

Decorridos quase vinte anos da implantação do novo assentamento, entretanto, ainda se pode observar uma relativa homogeneidade de sua população. Com efeito, parte significativa dos moradores é composta de pessoas que estão no bairro há algum tempo, habita há mais de cinco anos[8], e há uma relativa uniformidade nos padrões socioeconômicos (renda familiar, padrão construtivo das residências, escolaridade, etc).

Malgrado a existência de alguns moradores que ainda ocupam as margens do rio Beberibe, e que, portanto, têm condições de construtibilidade diversa da maioria, a comunidade apresenta razoáveis condições urbanísticas, tanto no que diz respeito à qualidade do material construtivo das casas (basicamente todas as casas são de alvenaria), quanto no que diz respeito aos equipamentos urbanos básicos (água encanada, luz elétrica, ruas calçadas). A maioria dos moradores (72,9% dos entrevistados) habita o bairro há mais de cinco anos[9].  Boa parte dos moradores, provavelmente, se origina dos antigos assentamentos localizados à margem do rio Beberibe. Tal fato poderá ter importância na estruturação das redes sociais da comunidade, bem como na relação desses moradores (e sua redes egocentradas) com o movimento associativo.

Os que chegaram depois de consolidado o assentamento não apresentam significativa diferença de nível de renda ou de situação de domicílio quando comparado com  os antigos.   Não existe indicação de que a área tenha passado por um processo de substituição do padrão socioeconômico de seus habitantes. Aparentemente, os novos moradores –em número minoritário– têm o mesmo padrão sócioeconômico dos que chegaram primeiro.

A situação econômica dos moradores é característica de populações de baixa renda do Recife. Com efeito, 80% dos entrevistados informaram renda mensal entre um e três salários mínimos A grande maioria das pessoas ocupadas emprega-se no setor informal ou em ocupações de baixa qualificação, e apresentam baixo nível de escolaridade (59,7% dos entrevistados cursaram apenas a Educação Fundamental).

Essa população, como vimos, mora há bastante tempo no local e tem origem predominante na Região Metropolitana do Recife (70,7% dos entrevistados nasceram em alguma cidade da RMR). São pessoas que têm, portanto, uma experiência de vida urbana. Ainda assim, verifica-se que existe uma correlação positiva entre idade e local de nascimento (0,329)[10], sugerindo que, entre os mais antigos, encontram-se pessoas que migraram para a Região Metropolitana do Recife. Das 56 pessoas que nasceram em outras cidades do Estado de Pernambuco, 69,64%   têm mais de 45 anos; das 16 pessoas que nasceram em algum outro Estado do Nordesse, 43,75%  também têm mais de 45 anos. Esses dados confirmam o que já se demonstrou para a cidade do Recife: que o processo migratório   se esgota a partir dos anos 70[11]. Os processos migratórios para esta cidade agora se concentram em movimentos intra-urbanos, ao nível da Região Metropolitana do Recife. Isso se deve ao fato de, primeiro, a cidade do Recife ter passado, nestes últimos vinte anos, por um processo de esgotamento de sua capacidade física de receber novos habitantes - o crescimento médio do Recife tem sido significativamente menor que o das  demais cidades da RMR; e segundo, a cidade ter passado por um processo de segregação social bastante profundo, com o deslocamento de populações de baixa renda para outras cidades da RMR.

Assim, já é possível observar que a Comunidade de Chão de Estrelas apresenta uma origem comum, Isso é, a maioria das pessoas veio  de um antigo assentamento à margem do rio Beberibe além de possuir uma origem predominante na Região Metropolitana do Recife. Essas informações serão de grande importância, principalmente quanto à formação das redes sociais na comunidade, dado ao fator territorialidade, comum a boa parte dos habitantes, como foi observado acima.

2. Redes e capital social: revisão da literatura

A expressão “rede social” é utilizada pelas ciências sociais como instrumento de análise que permite a reconstrução dos processos interativos dos indivíduos e suas afiliações a grupos, a partir das conexões interpessoais construídas cotidianamente[12].

Os processos estruturadores das redes sociais têm como origem as interações sociais estabelecidas pelos indivíduos, quer dizer, a estrutura de sociabilidade presente em cada um dos atores de uma interação surge com base em “certos impulsos ou em função de certos propósitos”[13] e é organizada em campos sociais, elementos de identidade de uma geografia social que permite, por exemplo, a localização dos indivíduos em uma estrutura social e as potencialidades interativas entre eles.

A noção de rede significa muito mais que um instrumento metodológico de análise de processos interativos: é um conceito central na análise dos processos estruturadores da sociedade[14]. Esses complexos processos interativos são a chave para o entendimento - segundo alguns autores -  dos fenômenos subjacentes à organização da sociedade. O fato de conhecermos as inserções dos indivíduos (a partir de suas redes egocentradas) em suas práticas cotidianas de sociabilidade nos permite inferir sobre as suas possibilidades de acessar os recursos e, portanto, deduzir qual a sua posição na sociedade; da mesma forma, nos é dado melhor compreender os mecanismos das complexas inter-relações existentes  entre as organizações; o que nos   permite uma análise bastante refinada do fenômeno do poder e da distribuição concreta dos recursos entre os diversos níveis institucionais.  O ponto central de análise para os teóricos das redes sociais se desloca do indivíduo (posição compartilhada por muitas correntes das ciências sociais), ator e unidade de análise, ou da estrutura, elemento explicativo dos processos de organização social, para as posições concretas dos indivíduos e das organizações em uma determinada sociedade segundo os padrões de estruturação das redes em que estão inseridos. Desse modo,

A análise de redes sociais parte do princípio de que o problema central dos estudos sociológicos é a noção de estrutura. Coloca-se maior ênfase na análise dos condicionantes estruturais da ação.O caminho mais direto para o estudo da estrutura social é a análise dos padrões de laços que ligam as pessoas. A análise de redes busca as estruturas profundas de sociabilidade – padrões regulares de redes -existentes por baixo dos sistemas sociais. Tenta-se descrever estes padrões e usar estas descrições para aprender como as estruturas de redes condicionam comportamentos e influenciam mudança social”[15]

Metodologicamente, a análise de redes sociais requer uma nova postura frente ao processo de tratamento e coleta de dados. A unidade de análise não são os indivíduos, com seus atributos (sexo, idade, religião, posição na estrutura social, etc.), mas a estrutura das redes. O que significa dizer que os dados a serem coletados devem orientar-se para obter informações sobre as relações sociais (que constituem agora a unidade de análise), e que os tradicionais métodos estatísticos devem também ser adequados.[16] Não está claro que o método da amostragem, largamente utilizado para extrair informações de atributos de casos individuais, possa ter sucesso quando se trata de informações sobre parâmetros de redes[17].Da mesma forma, novas técnicas[18]   são indicadas para o tratamento dos dados.

A análise das redes sociais tem experimentado um crescimento bastante intenso desde a década de 70. Baseada em princípios gerais que têm origem na teoria sociológica de Moreno (com as análises da sociometria) e Simmel (como o conceito de sociação)[19], o conceito de redes sociais vem sendo utilizado em diversas disciplinas das ciências sociais[20]. Focalizando os atores e suas estruturações em redes, bem como os desenhos dessas redes e as suas configurações de interconexões no ambiente social, o potencial analítico do conceito “redes sociais” tem sido aplicado em diversos campos de pesquisa, com múltiplas abordagens[21].

Os atores sociais (indivíduos, organizações) são entendidos a partir de sua inserção em uma estrutura de rede social.O desenho dessa rede posicionará esse ator em um ambiente social, o que resultará em trajetórias biográficas particularizadas decorrentes de sua posição, na estrutura social, e das experiências por ele vivenciadas. O que significa dizer que, se de um lado podemos encontrar determinantes na estrutura social, de outro, diferentes determinantes de importância igualmente significativas podem ser  encontradas nas ações dos indivíduos. Como afirma Galaskiewicz, “a análise de redes une as perspectivas micro e macro porque permite ao pesquisador focar sua atenção tanto na ação individual quanto no comportamento inserido em um contexto estrutural mais amplo”[22]. As trajetórias dos indivíduos não são determinadas integralmente por sua posição na estrutura social, nem pelos resultados de suas decisões. A sua inserção em uma estrutura de redes, embora de certa forma condicionada por sua posição na estrutura social, garante-lhe um certo grau de liberdade na escolha de estratégias de ação, possiblitando deslocamentos na estrutura social. Ao mesmo tempo, o formato da rede social em que está inserido lhe possibilitará de certa forma localizar-se em posições diferenciadas no acesso a recursos - mesmo considerando comparativamente indivíduos com posições semelhantes na estrutura social.

Torna-se importante destacar, ainda, o pano de fundo onde as ações dos indivíduos ocorrem  (inserções em redes com configurações ou desenhos diversos) o que nos permite explicar, por exemplo,  a importância das posições dos atores em diversos contextos de sociabilidade, resultante da complexa diversidade social encontrada nas sociedades contemporâneas. Esses complexos processos sociais se estruturam no cotidiano, que trazem elementos importantes dos perfis dos atores e de suas possibilidades de inserção em repertórios diversos de ações sociais[23].

Esse mundo da vida - distinto da sociedade civil, que corresponde à sua dimensão institucional  -   estrutura-se numa ampla teia de relações sociais: o cotidiano dos indivíduos, as suas representações sobre a “vida” e a forma como as constróem. Espera-se que, dada à complexidade do tecido social, diversos mundos de vida se estruturem, e essa diversidade resulta tanto em processos de conflito quanto na solidificação do tecido social, obtida a partir de pactos políticos. Compreendidos enquanto campos sociais, estes mundos da vida podem ser pensados como uma série de ambientes sociais, que se estruturam a partir de alguns fatores. 

Assim, as redes se estruturam, inicialmente, nessa complexa realidade social e, se considerarmos os ecologistas humanos, nesse meio ambiente físico e social. Esse fenômeno pode ser analisado a partir do indivíduo e da constituição de seus processos interativos  - amizade, parentesco, relações de trabalho, ligações territoriais, etc. -, em que os padrões de sociabilidade são pensados em relação à disposição desses atores nas redes sociais. As instituições que interagem com essas redes podem ser dimensionadas enquanto agentes potencializadores ou desagregadores .

Importa assinalar que seria possível encontrar uma relação entre o padrão organizativo das redes sociais e as práticas dos atores que nelas estão inseridos. A  análise das redes poder-nos-ia fornecer importantes subsídios para o esclarecimento de padrões de sociabilidade. Existiria, por exemplo, certos condicionantes nas relações inter-organizacionais segundo os desenhos de redes que seriam possíveis de se encontrar. Ou, como afirmam alguns autores, as explicações das possibilidades de ação coletiva seriam função das estruturas das redes onde os atores estariam inseridos.Os campos sociais definidores dessas redes se constituiriam em elementos indispensáveis para a sua análise, na medida em que, por exemplo, poder-se-ia imaginar que determinados tipos de redes sociais teriam mais probabilidade de se desenvolver em um dado ambiente social que em outro, o que resultaria em padrões de comportamento ou de práticas sociais diversos, ainda que os atores tivessem os mesmos atributos (idade, sexo, renda, etc). Seria o caso, por exemplo, de explicar por que os italianos residentes no norte do país teriam mais possibilidade de desenvolver uma cultura cívica[24], enquanto que os residentes no sul seriam caracterizados por uma postura de práticas políticas apáticas, resultantes do que Banfield[25] chamou de familismo amoral. Assim, atores sociais com características relativamente semelhantes em relação a sua posição na estrutura social, teriam práticas políticas opostas, resultantes de padrões de estruturação de redes diversos.

O que diretamente nos interessa neste artigo diz respeito à estruturação das redes egocentradas da comunidade de Chão de Estrelas, privilegiando principalmente a formação dos estoques de capital social, a partir do posicionamento dos indivíduos em redes de sociabilidade.[26] Ensaiaremos uma construção de índices de capital social que nos permitiria verificar como redes egocentradas em comunidades de baixa renda no Brasil potencializam a mobilização de recursos. Embora não possamos generalizar a respeito, tentativas de comparação com outros estudos empíricos  realizados em contextos socioeconômicos bastante distintos nos permitem estabelecer o que de comum e de particular existe nos processos de formação de capital social.

Utilizaremos como parâmetro para a construção dos indicadores empíricos o conceito de capital social tal como empregado por Flapp[27]. A questão central trabalhada por Flapp diz respeito à diferença entre as perspectivas de relações sociais vistas enquanto recursos sociais ou enquanto capital social. Ele define capital social como “uma entidade consistindo de todos os benefícios futuros derivados não do trabalho, mas de conexões com outras pessoas” (Flapp,1995:06). Isso significa que é a relação que define e não os recursos originários do estoque de capital social (tal como aparece em Bourdieu). Toda ação, portanto, representa uma decisão de investimento com relação a futuras ações. Em resumo, o conceito de capital social em Flapp é composto de três componentes: (a) o número potencial de relações de ajuda; (b) a extensão de ajuda, que  depende da intensidade da relação; e (c) os recursos que permitem o acesso às relações (Flapp,1995:5).

Mas não é somente em capital social que os atores devem investir, mas também nos capitais político e econômico. Atores tentam combinar seus investimentos em diferentes tipos de capital da forma mais otimizada possível para as suas condições objetivas. Podemos afirmar, de um lado, que Flapp enfatiza de forma mais contundente que Bourdieu  o investimento em capital social; e de outro,  que ele considera as condições institucionais – o que novamente tem efeitos sobre investimentos. 

A concepção de Flapp de uma teoria de capital social persegue a idéia de Coleman sobre a condicionalidade institucional (Institutional conditionality). Isso significa dizer que a teoria de capital social tem origem na idéia de que a ação individual sempre ocorre a partir de determinadas condições institucionais (Flapp, 1995). Analisando o agir individual enquanto ação propositiva com condicionantes institucionais, Flapp considera o conceito de capital social como possibilidade para superar algumas dificuldades de análise na teoria das redes sociais. 

O bem estar físico e a aceitação social são considerados objetivos principais do indivíduo. Flapp ainda considera – além desses dois elementos invariantes - que atores dispondo de uma quantidade grande de recursos, têm sempre melhores chances de atingir seus objetivos. E que grupos sociais diversos têm objetivos específicos.

As redes egocentradas são consideradas recursos sociais multifuncionais em relação à mediação com o objetivo central da “aceitação social”. Flapp, conseqüentemente, define recursos sociais como não somente possibilidades que apresentem uma restrição em relação ao que pode ser consumido, mas como capital social com o qual os objetivos podem ser produzidos; e que de outra forma seriam inatingíveis.

Flapp ainda considera que existem condições que causam influência sobre os efeitos estruturais de capital social, quais sejam: a possibilidade de contatos, o número de contatos potenciais, a disponibilidade de tecnologia e instituições que são capazes de substituir capital social como, por exemplo, as instituições do estado do bem estar social. Pode-se considerar duas as hipóteses principais de Flapp: (a) atores que detêm maior volume de capital social têm melhores chances de realizar seus objetivos; e (b) atores que investem em capital social antecipam o benefício potencial que podem ter.

A análise de Flapp nos permite, a partir dos questionários aplicados aos habitantes da comunidade de Chão de Estrelas, construir alguns índices de capital social, que, diferenciados segundo estrutrações particulares das redes egocentradas e seus condicionantes institucionais,  possibilitar-nos-ia determinar alguns elementos presentes nessas redes que potencializariam os processos de mobilização de recursos a partir de um determinado estoque de capital social.

Temos, dessa forma, alguns procedimentos metodológicos importantes para a construção de índices de capital social: (a) a quantidade de relações sociais com potencial de ajuda; (b) a qualidade ou tipo de ajuda disponibilizada a partir dos processos de sociabilidade existentes nas redes egocentradas; e (c) quantidade de recursos[28] disponíveis por relações. A partir desses índices, estabeleceremos tentativas de comparação entre os diversos volumes de capital social alocados pelos habitantes da comunidade de Chão de Estrelas e seus atributos (emprego, renda, sexo, escolaridade, participação política...).

Sendo um estudo exploratório, não temos uma hipótese de trabalho. Objetivamos evidenciar os padrões de sociabilidade que são mais funcionais à alocação de estoques de capital social, tal como definido por Flapp. E, a partir dessa tentativa classificatória, estabelecer alguns parâmetros de comparação com estruturações de redes egocentradas, localizadas em outros contextos socioeconômicos.

3. A estruturação das redes egocentradas dos habitantes da  Comunidade de Chão de Estrelas

Poderíamos colocar, como questão preliminar, o fato de que se poderia verificar nas redes egocentradas da comunidade de Chão de Estrelas características diversas daquelas existentes  na Europa ou nos Estados Unidos, regiões onde se encontra uma importante literatura sobre redes sociais[29]. Se de um lado existem algumas características universais relativas às redes, de outro, o fato de essas estruturações de sociabilidade encontrarem-se em um contexto socioeconômico bastante singular (em relação aos outros onde há registro de dados sobre redes egocentradas), haveria também características que seriam exclusivas desse contexto. Existiriam, portanto, desenhos de redes particulares para as comunidades de baixa renda de países da América Latina.

A análise de redes sociais nos permite pensar na estruturação da vida social a partir de relações, em pensar no fato de que “tudo aquilo a que chamamos estruturas e leis sociais não são mais nada além de estruturas e leis de relações entre pessoas” (Elias, 1994:25). No que diz respeito às redes egocentradas, os atores sociais e suas ações devem ser vistos “como interdependentes e não unidades autônomas” (Wasserman,1994), quer dizer, inserido em uma rede, onde seu desenho e características modelam de certa forma seus padrões de sociabilidade e Isso acontece de diversas maneiras: (a) a forma como têm acesso a recursos; (b) como essas redes promovem a inserção em um ambiente social, com oportunidades ou limites; (c) como esses padrões de sociabilidade moldam a estrutura social (Wasserman, 1994).

Em pesquisa sobre redes egocentradas, alguns indicadores devem ser construídos: (a) características dos indivíduos que constituem a rede; (b)   suas relações com o ego; (c) características estruturais da rede (densidade, outdegree, vazios estruturais, etc) (Wellman, 1992). Esses indicadores permitem ao pesquisador estabelecer análises comparativas das posições dos atores sociais na estrutura de redes e, dessa forma, testar algumas hipóteses. A possibilidade de se construir indicadores de rede depende, entretanto, do tipo de desenho de pesquisa empírica utilizada. Para o nosso caso, utilizamos o desenho de amostra que permitiu um levantamento cujas características são descritas na literatura por “node design”, ou seja, as pessoas foram selecionadas a partir de uma amostra aleatória, “escolhidas independentemente umas das outras, e perguntadas sobre as relações sociais estabelecidas com pessoas de sua rede (Klovdahl,1994:75). Esse procedimento não permite a obtenção de alguns indicadores de rede, pelo fato de não se ter uma rede fechada, mas apenas nódulos de estruturações egocentradas dos atores selecionados aleatoriamente. Importa, aqui, o fato de que a maneira como se procedeu ao desenho da amostra limita de certa forma as possilidades de análise dos dados. Contudo, essa limitação foi compensada por outras qualidades da amostra, como é o caso de se poder representar uma população relativamente importante (toda uma comunidade); fato impossível se se utilizasse uma amostra do tipo bola de neve, dada a escassez dos recursos. Medidas de rede como centralidade, indegree, multiplexidade e outras não puderam ser extraídas. Trabalhamos basicamente com quatro indicadores de rede, relativamente aos nódulos: outdegree, densidade e índice de vazio estrutural, agrupando-os em medidas estatísticas tradicionais (a unidade de cálculo é uma distribuição média das freqüências do número de contatos entre as pessoas entrevitadas e sua rede).

Poderíamos descrever, grosso modo, a rede dos moradores de Chão de Estrelas da seguinte forma: apresenta um índice de vazio estrutural de 0,2511, um outdegree  médio de 6,3450 (para um número máximo de contatos de 9); e um alto índice de homofilia. O indice de vazio estrutural[30]  é baixo, indicando   um número importante de relações, que, como veremos adiante, se traduz principalmente em relações de laços fortes. O alto grau de homofilia reflete a tendência das redes egocentradas de apresentarem uma homogeneidade bastante alta em relação ao perfil social de seus membros. Essa tendência é relativamente universal, verificando-se empiricamente, por exemplo, na França (Ferrand,1999) e nos Estados Unidos(WELLMAN,1983). Este grau de homofilia é relativamente alto entre os sexos, apresentando, entretanto, algumas diferenças quando controlamos outras variáveis por sexo, como nos mostra a tabela 01

Tabela n. 01

Comunidade de Chão de Estrelas. Grau de Homofilia total, segundo características do entrevistado e das pessoas que fazem parte de sua rede, e grau de homofilia por sexo.

 

Características do Entrevistado

Grau de hemofilia Total

Sexo Masculino

Sexo Feminino

Sexo Masculino

Sexo Feminino

0,737

0,729

  -

  -

  -

  -

Idade entre 18 e 25 anos

Idade entre 25 e 35 anos

Idade entre 35 a 45 anos

Pessoas com mais de 45 anos

0,534

0,255

0,296

0,379

0,628

0,412

0,458

0,474

0,490

0,193

0,235

0,333

Pessoas analfabetas

Pessoas que sabem ler e escrever

Pessoas que cursaram até o primeiro grau menor

Pessoas que cursaram até o primeiro grau maior

Pessoas que cursaram até o segundo grau

Pessoas que cursaram a Universidade

0,374

0,465

0,222

0,455

0,611

0,626

0,336

0,645

0,417

0,514

0,404

0,453

0,385

0,435

0,180

0,419

0,698

0,874

Fonte: Levantamento Direto

Obs. Para o grau de homofilia, utilizou-se do índice ETA

 

Este índice relativamente alto de homofilia apresenta, como já nos referimos acima, uma característica universal das redes egocentradas. Uma outra característica, entretanto, se revela particular à comunidade de Chão de Estrelas. Refere-se a uma tendência também descrita pela literatura:  a da persistência de laços territoriais importantes. Como afirma Simmel (1950) “as relações espaciais são somente a condição e o símbolo das relações humanas”, apresentando de certa forma a inevitabilidade do componente espacial”. Além disso, ainda segundo Simmel, a construção típico-ideal do estrangeiro como indivíduo “liberado de qualquer ponto do espaço”, desenraizado e portanto sem qualquer ligação com os territórios por onde passa, embora uma abstração, reflete algumas tendências dos laços sociais modernos: o desengajamento, o desenraizamento, a efemeridade das relações sociais.

Segundo Simmel, o estrangeiro, talvez de início longe de sua terra natal, e portanto sem ligação   com a terra que o acolhe, aos poucos vai criando raízes. O que, entretanto, não o desqualifica enquanto estrangeiro: “o estrangeiro, como o pobre é um elemento do grupo”. Mas é um elemento cuja característica principal é ser estrangeiro. Ou seja, “estrangeiros não são realmente concebidos como indivíduos, mas como tipos particulares de pessoas. O elemento da distância  não é menos considerado que o elemento de proximidade”. Essas características, é certo, são negativas. Mas também a sociabilidade particular dos estrangeiros   apresenta pontos positivos: a liberdade e a objetividade. A objetividade “não é radicalmente comprometida com os ingredientes e tendências peculiares do grupo... o indivíduo é objetivamente ligado a nenhum tipo de compromisso que possa prejudicar sua percepção, compreensão e avaliação das pessoas que o rodeiam”. O estrangeiro seria uma espécie de arquétipo do indivíduo moderno, cujas sociabilidades encontram-se desligadas   de laços morais, tornando conseqüentemente possível a livre expressão de sua individualidade e a fixação relativamente flexível a grupos de interesse. O que, ainda segundo Simmel, em um clássico texto sobre os processos de sociabilidade em grandes metrópoles[31], resultaria em uma liberdade excessiva, quase que alienante e opressora, a liberdade dos que não têm a quem prestar contas.

Aqui há uma questão interessante: a principal característica da modernidade seria exatamente a predominância dessas estruturações de sociabilidade características dos chamados laços fracos, de um lado; e do desenraizamento, da desserritorialização, do outro. Vários estudos apontam, dessarte, o “fim da comunidade”, indicando uma tendência de enfraquecimento dos laços fortes nos processos de sociabilidade.

Mas a modernidade também convive pacificamente com estruturações de sociabilidades do tipo comunitárias, com construções identitárias dos indivíduos a partir de filiações a campos culturais – aqui com o forte componente de elegibilidade – resultando   em um mosaico de estruturações identitárias e na  formação da ordem societária a partir do que rawls (1993)  designa como formação de consenso sobreposto, isto é,   grupos diversamente estruturados do ponto de vista identitário, mas em comum acordo com  algumas regras que modelam a ordem social.  Mesmo diante da constatação do fim da comunidade – estruturações identitárias construídas de forma homogênea – é possível a existência de formas de sociabilidade onde padrões de desenraizamento típicos da modernidade não se façam de forma completa[32]. Mas aqui não estaria presente enquanto forma dominante o fator territorialidade.

Um ponto interessante é que esses laços fortes em Chão de Estrelas estão  particularmente ancorados territorialmente: são os laços de vizinhança, que, como afirma Lee (1999) indicam um envolvimento mais profundo entre os membros da comunidade, uma associação bastante forte entre proximidade espacial e social; Sampson(1991), de maneira semelhante, indica a existência de uma importante relação entre tempo de residência e participação em assuntos locais; ou, segundo Foweraker (1995), esses laços geram fortes estoques de capital social, traduzidos em reciprocidade e ajuda mútua.

Aqui há uma questão interessante: mesmo sem considerar o fim da “comunidade”, quer dizer, que os laços fortes ajam de forma importante nas relações sociais contemporênas, há um certo consenso no fato de que a âncora territorial não é importante para a existência desses laços nas sociedades modernas. É o que nos mostra Guest (1999), apoiado em dados empíricos[33]. Ele afirma que nos Estados Unidos entre 1974 e 1996, houve uma “tendência linear na direção de menos padrões de sociabilidade entre vizinhos e mais fora da comunidade... pessoas estão crescentemente especializando seus laços sociais, quer seja na vizinhança ou fora dela”.  Wellman[34] e seu grupo da universidade de Toronto, também apresentam uma série de pesquisas indicando a característica predominante do descolamento da relação entre territorialização e laços fortes. Com efeito, mesmo sem desconsiderar a importância dos laços fortes, eles não se ancoram territorialmente. No limite, existiria a possilidade de estabelecimento de uma comunidade virtual. Hampton (2001) chega   a afirmar que a comunidade, definida como “relações que dão um sentido de pertencimento a um grupo, muito mais que o fato de as pessoas viverem próximas a outras”, contemporaneamente apresenta a tendência de se estruturar cada vez mais descolada do território. Possibilidade que se concretiza a partir do momento em que as novas tecnologias de comunicação se desenvolvem e popularizam.

TABELA N. 02

Comunidade de Chão de Estrelas

Características das Redes Sociais dos entrevistados

Características da Rede

Média(*)

Pessoas da Rede que moram no mesmo bairro do entrevistado (%)

77,0045

Pessoas da Rede que moram em outro bairro na cidade do Recife (%)

16,1628

Pessoas na Rede que moram em outra cidade da RMR (%)

3,1545

Pessoas da rede que moram fora da RMR (%)

0,7620

Pessoas da Rede que são parentes do Entrevistado (%)

18,9652

Pessoas da Rede que são colegas de trabalho do entrevistado (%)

4,5192

Pessoas da Rede que são vizinhos do Entrevistado (%)

62,6156

Pessoas da Rede que participam da Igreja do Entrevsitado (%)

1,3878

Pessoas da Rede que são do mesmo clube do entrevistado (%)

0,7067

Pessoas da rede que são conhecidas há menos de um ano (%)

4,8020

Pessoas da Rede que são conhecidas há mais de um ano e menos de cinco (%)

22,3002

Pessoas da Rede que são conhecidas há mais de cinco anos (%)

66,3503

Pessoas da rede com que o entrevistado mantém uma freqüência diária de encontros (%)

73,4732

Pessoas da rede que mantém uma freqüência semanal de encontros

17,6140

FONTE: Levantamento Direto

(*) Média aritmética da proporção de pessoas citadas como pertencentes à rede egocentrada dos entrevistados

O caso de Chão de Estrelas é bem diverso do que se teria em uma rede egocentrada norte-americana. Como em toda rede egocentrada, a presença de laços fortes é significativa. O que tem de característico, entretanto, é o fator territorialidade, predominante entre os participantes das redes dos moradores de Chão de Estrelas. Com efeito, como nos mostra a tabela 02, a maioria das pessoas da rede mora em Chão de Estrelas, sendo vizinhos ou parentes do entrevistado. Essa característica, entretanto, é visível em comunidades de baixa renda na América Latina, inclusive apontada em outras pesquisas.[35]  Para o caso brasileiro, Leeds (1975) nos mostra a importância dos bairros populares no Rio de Janeiro como estruturadores de laços fortes:

“As localidades como pontos nodais de interação caracterizam-se, mesmo as mais simples, por uma rede altamente complexa de tipos de relações. Os laços de parentesco mais ativos –aqueles da família nuclear, e, freqüentemente, aqueles com os parentes mais próximos, serão amplamente encontrados na localidade, especialmente nas pequenas. As amizades mais próximas, numerosas e vivas tendem a existir na localidade. A maior parte da parentela ritual de alguém tende a existir na localidade onde pode ser mobilizada mais ou menos instantaneamente. Os vizinhos, que podem ser chamados para várias finalidades, existem por definição na localidade ... Uma pletora de grupos informais tais como cliques, gangs, grupos de trabalho e outros semelhantes, bem como pequenas organizações cujos interesses e amplitude de ação são necessariamente bastante limitados ... são fenômenos da localidade”

As redes portanto, apresentariam algumas características universais, tais como para o caso das redes egocentradas, uma tendência à homofilia e um grau relativamente importante de presença de laços fortes. Teriam, entretanto, uma característica bastante particular – e aparentemente típica de comunidades de baixa renda da América Latina – que é a forte presença do elemento territorial na estruturação dos laços sociais. Essas características da rede com certeza irão se refletir na formação de capital social, como veremos nesta próxima seção.

4. A formação de capital social

A nossa análise sobre a formação de capital social em Chão de Estrelas parte de questões bem demarcadas. São basicamente três pontos: (a) o tipo de laço social e característica do capital social gerado; (b) as características dos recursos potencialmente alocados por cada estruturação de capital social; e (c) a distribuição dos estoques de capital social gerados segundo características dos entrevistados e de suas redes.

Medir capital social tem sido um desafio para os cientistas sociais. O conceito recentemente vem se tornando um “passe par tout”, uma idéia que se aplica a diversos campos, se instrumentaliza em políticas de desenvolvimento, no diagnóstico do vigor democrático, no “empowerment” de comunidades, enfim, algo com uma grandiosidade pretenciosa. Os estudos, entretanto, que se dedicam a medir capital social em determinado campo empírico, sofrem pelo fato de o conceito ser   frouxo, com muitas entradas e conseqüentemente quase impraticável do ponto de vista empírico e de sua replicabilidade. Com efeito, Como comparar estoques de capital social se os instrumentos empíricos não dão conta da amplitude do conceito ? Não devemos, entretanto, jogar a água do banho com o bebê.  O fenômeno existe e é importante para a compreensão de questões relativamente estratégicas das sociedades contemporâneas.

Neste artigo, procederemos a uma investigação das formas de capital social presentes nas redes egocentradas dos habitantes de Chão de Estrelas a partir de indicadores relativamente simples, não conclusivos, mas que nos permitirão trabalhar alguns pontos importantes do fenômeno. Inicialmente, cabe distinguir dois tipos de capital social, conforme a natureza dos recursos alocados: (a) capital social instrumentalizado pelo indivíduo, a partir de sua rede egocentrada, com possibilidades de alocação de recursos individualmente. É o caso, por exemplo, de ajudas diversas prestadas entre vizinhos, ou do  suporte dado por familiares por ocasião de doenças, etc. (b) capital social instrumentalizado pela comunidade, a partir de recursos que, embora   gerados   pelas redes egocentradas,   traduzem-se em uma ampliação da esfera pública. É o caso, por exemplo, de práticas associativas ou outras formas de manifestações políticas em que os indivíduos participam, de certo modo induzidos pelo círculo de relações a que pertencem. Esse tipo de capital social, traduzido por Putnam como Cultura Cívica, é segundo este e outros autores, importante para a consolidação de práticas democráticas em uma comunidade.

Partindo dessa divisão preliminar, surgem alguns conceitos importantes: (a) esfera pública e privada; (b) laços fracos e fortes. Esses dois campos conceituais são bastante trabalhados na literatura sobre redes e capital social e permitem já algumas conclusões sobre o tipo de recursos alocados e o padrão de sociabilidade subjacente à alocação desses recursos; Temos, assim, alguns relatos de pesquisas empíricas que poderemos comparar com a realidade de Chão de Estrelas. A natureza dos laços sociais nos permite localizar os campos de sociabilidade – público ou privado – bem como os tipos de recursos potencialmente alocados. Laços fracos e fortes remetem os atores a campos de sociabilidade localizados predominantemente na esfera pública ou privada e são mais funcionais à alocação de recursos apropriados privativamente ou   de forma coletiva.

Esses campos de sociabilidade estão presentes nas sociedades contemporâneas, embora haja um certo dissenso entre os cientistas sociais sobre a importância relativa de cada um deles, ou sobre as mudanças nos padrões de sociabilidade que a modernidade impôs. Dessa forma, há autores como Haberlas (1975) que falam de colonização do mundo da vida por uma esfera da racionalidade instrumental, típica de padrões de sociabilidade localizados na esfera pública, nos campos de sociabilidade dominados pelo dinheiro e pelo poder. Esse campo de racionalidade, embora dominante, não suprime, entretanto, o da Racionalidade Substantiva, aquela localizada na esfera do mundo da vida.

As esferas de sociabilidade também podem ser interpretadas segundo características predominantes nos laços sociais. Assim, por exemplo, Caillé (2002) estabelece uma tipologia de padrões de sociabilidade, a primária e a secundária: a primária corresponde a um “tipo de relação social em que a personalidade das pessoas é mais importante que as funções que elas desempenham”. E a secundária diz respeito a um “o tipo de relação submetido à lei da impessoalidade, como ocorre no mercado, no direito ou na ciência”. Ainda segundo Caillé, “embora não haja uma tendência ao estabelecimento mais importante das sociabilidades secundárias, a primária (esfera de sociabilidade tipicamente associada ao fenômeno do dom) continuaria presente– e até mesmo de forma indispensável –nas sociedades contemporâneas. Caillé apresenta três possibilidades ou hipóteses para a presença dos laços de sociabilidade primárias: “hipótese 01 – sob uma forma transposta, a tríplice obrigação[36] continua estruturando a esfera da sociabilidade primária, o das redes interpessoais (família, o círculo dos vizinhos, amizade, associações de conhecimento mútuo); hipótese 02: ela continua agindo vigorosamente até no seio da sociedade secundária. Nenhuma empresa, privada ou pública, nenhum empreendimento científico poderia funcionar se não mobilizasse em benefício próprio as redes de primariedade cimentadas pela lei do Dom; hipótese 03: a modernidade estaria assistindo a uma nova forma de dom, o dom aos estrangeiros”.

A literatura sobre redes sociais designa os fenômenos descritos por Caillé  como laços fortes e fracos. O conceito de laços fracos e fortes é útil para descrever o tipo de padrão de sociabilidade estabelecido, e também os tipos de recursos passíveis de serem alocados a partir desses laços de sociabilidade ou –o que é o mesmo– o tipo de capital social acumulado.

Laços fracos e fortes estruturam estoques de capital social diferentes. Os laços fortes são mais funcionais à mobilização de recursos apoiada no dom, na solidariedade ancorada em padrões de distribuição de recursos não facilmente mensuráveis, derivados de relações sociais cuja principal característica é a intensidade dos contatos e a insignificante distância social, separando os interlocutores. São laços que se localizam na esfera privada, como por exemplo os laços de parentesco e amizade.[37]

Os laços fracos, por sua vez, são aqueles que têm por principal característica a mobilização de recursos localizados na esfera pública, formando estoques de capital social cujos recursos alocados são compartilhados por uma comunidade política. É o tipo característico dos processos que estruturam a ação coletiva.

Os estoques de capital social derivados dos laços fracos resultam em uma vitalidade da esfera pública cujos efeitos foram analisados em profundidade por Putnam, tomando por exemplo a Itália. Estruturações societárias preponderantemente ancoradas em laços fortes resultam em fraca mobilização de recursos ou estoque de capital social originários da esfera pública, tanto no que se refere ao indivíduo quanto à comunidade, como nos mostra Granovetter (1983):

“Individuals with few weaks ties will be deprived of information from distant parts of the social system and will be confined to the privincial news and views of their close friends. The deprivation will not only insulate them from the latest ideas and fashions but may put them in a disavantaged position in the labor market, where advancement can depend on knowing about appropriate job openings at just the right time. Furthermore, such individuals may be difficult to organize  or integrate into political movements of any kind ... social systems lacking in weak ties will be fragmentated and incoherent new ideas will spread slowlym scientific endeavors will be handicapped, and subgroups separeted by race, ethnicity, geographic or other characteristics will have difficulty reaching a modus vivendi”.

TABELA 03

Relação entre laços fracos e fortes por tipos de recursos alocados

  Recursos: Financeiros Recursos: Saude Recursos: Emocoes Recursos: Confissoes Pessoais Recursos: Total Territorialidade
Lacos fortes
,227
,231
,184
,153
,228
,215
Lacos fracos
-,111
-,128
-,085
-,016
-,098
-,141

FONTE: levantamento direto. Utilizou-se o índice de correlação de Pearson

O dados sobre Chão de Estrelas confirmam em parte as hipóteses sobre a relação entre o tipo de laço social estabelecido e a natureza do capital social alocado. Temos,   como nos mostra a tabela 03, uma associação entre mobilização de recursos característicos de padrões de sociabilidade resultantes da ajuda mútua e laços fortes[38]  Importa assinalar que as redes egocentradas dos moradores de Chão de Estrelas são predominantemente estruturadas a partir dos laços fortes (76,21% das pessoas presentes nas redes dos entrevistados masculinos e 74,46% nas dos entrevistados do sexo feminino), mas não de maneira uniforme. As pessoas mais velhas, com menos anos de estudo e os mais pobres são o que apresentam maior proporção de indivíduos da rede egocentrada com laços fortes. Embora os dados de que dispomos não nos permitam estabelecer conclusões definitivas, isso significa que o volume de capital social alocado a partir da esfera privada é função da carência dos indivíduos; o que determina, de certa forma, que os recursos alocados a partir das redes egocentradas são estratégicos para a reprodução social dos pobres urbanos[39]. Tal fato  confirma a hipótese de Granovetter sobre a relação entre pobreza urbana e laços fortes: “a number of studies indicates that poor people rely more on strong ties than others” (p.213)

Há ainda que se perguntar sobre a existência do que Granovetter (1983)  designa de “enclausuramento” da pobreza, ou seja, o fato de que “the heavy concentration of social energy in strong ties has the impact of fragmenting communities of the poor into encapsulated networks with poor connections between these units; individuals so encapsulated may then lose some of the advantages associates with the outreach of weak ties”(p.213)

Os laços fracos, por sua vez resultam em um tipo diferente de formação de capital social, qual seja, aquele localizado na esfera pública. Essa hipótese geral também se confirma. Com efeito, como nos mostra a tabela 04, há uma relação positiva entre a proporção de laços fracos presente nas redes sociais dos entrevistados de Chão de Estrelas e o número de associações voluntárias que o entrevistado conhece.

TABELA 04

Relação entre número de Associações voluntárias citadas pelos

Entrevistados e tipos de laços sociais estabelecidos em sua rede

egocentrada

Numero de entidades Laços fortes Laços fracos
,00
75,1918
15,3266
1,00
76,4418
17,6499
2,00
73,6111
20,2778
3,00
71,8056
23,1944
4 e mais
52,6587
35,3571
FONTE: levantamento direto

Aqui há alguns pontos a considerar. Se a tabela 04 nos mostra indiscutivelmente uma associação entre laços fracos e um maior conhecimento de Associações de moradores[40] - o que indica a formação de estoque de capital social do segundo tipo – devemos também considerar que os laços fortes estão presentes, mesmo entre aqueles indivíduos que declaram conhecer um número maior de associações. Aqui há de se considerar uma característica particular das redes egocentradas dos habitantes da comunidade de Chão de Estrelas: a forte presença de laços territoriais, manifestada no significativo número de pessoas que fazem parte da rede e que são vizinhos ou parentes do entrevistado. De fato, como nos mostra a tabela 05, as pessoas que moram há mais tempo tendem a apresentar um índice de territorialidade maior, de vazio estrutural menor, e uma densidade maior, indicando tanto uma rede mais densa e formada por contatos mais intensos quanto uma forte ligação ao local, a partir de um número maior de estruturações de sociabilidade sendo processadas no bairro.

TABELA N. 05

Comunidade de chão de Estrelas

Alguns indicadores dos membros das redes  por tempo de moradia dos entrevistados: densidade, vazio estrutural, territorialidade, laços fortes e fracos

 

tempo de moradia

Densidade da rede egoc.3

Densidade da rede egoc.2

Densidade da rede egoc.1

Vazio Estrutural 3

Vazio Estrutural 2

Vazio Estrutural 1

Territorialidade

Laços

Fortes

Laços

Fracos

menos de dois anos

,7911

,6952

,2560

,2089

,3048

,7440

2,8333

69,51

14,13

de dois a cinco anos

,8915

,8220

,2613

,1085

,1780

,7387

3,1569

82,20

12,35

de cinco a dez anos

,8825

,7429

,2868

,1175

,2571

,7132

3,5000

74,29

20,57

mais de dez anos

,8501

,7263

,3616

,1499

,2737

,6384

3,3118

72,63

16,88

Total

,8659

,7489

,3065

,1341

,2511

,6935

3,3178

-

-

OBSS:  Densidade da Rede Egocentrada(Níveis de proximidade entre os membros da rede) 3 = densidade muito boa; 2 =bom; 1=  regular; Vazio Estrutural  por intensidade dos laços (3=muito boa, 2 = boa, 1 regular) Territorialidade (pessoas da rede que moram no mesmo bairro do entrevistado.

FONTE: Levantamento Direto

Assim, mesmo considerando uma relativa diversidade entre os moradores de Chão de Estrelas e o fato de haver alguns grupos sociais (os mais jovens, com maior rendimento e escolaridade) onde as redes se estruturam mais por fora do bairro, o elemento territorialidade é predominante, indicando uma estruturação de sociabilidade próxima do padrão comunitário;  mesmo nas sociedades onde  as estruturações de sociabilidade tipo “societárias” são dominantes, as sociabilidades do tipo comunitárias persistem, embora com características específicas, como nos mostra Laville(1997): “a modernidade não significa o desaparecimento da comunidade, mas a possibilidade de existência de novas comunidades parciais...Estas comunidades tomam a forma de um laço não contratual unindo os indivíduos independentes e separados...A revitalização das formas de pertencimento caminha lado a lado com a afirmação das relações societárias”.

Para o caso de Chão de Estrelas, o fator estruturador de sentimento de pertencimento a uma comunidade é o território[41], uma vez que o surgimento do bairro resultou de intensa luta junto ao setor público pela relocalização da comunidade que antes habitava precariamente as margens do rio Beberibe. O elemento de territorialidade estrutura os laços identitários, ao mesmo tempo em que é um importante vetor para explicação dos processos de mobilização coletiva. Isso porque a Territorialidade refere-se ao fato de existirme elementos presentes na sociabilidade cotidiana dos indivíduos que  estariam ligados, de forma   bastante importante, ao hábitat, lugar de reprodução social, espaço de moradia, lugar de reconhecimento simbólico do espaço construído, como parte de sua  existência cotidiana. Para o caso das associações voluntárias que lidam com a reprodução do cotidiano (aquelas que  estariam ligadas à reprodução  doméstica como, por exemplo, questões de infra-estrutura urbana, equipamentos sociais, etc), a ligação do indivíduo ao território é um elemento indispensável para a compreensão dos processos de recrutamento. Haveria, segundo Sampson (1991:45), uma intensidade de pertencimento a um espaço residencial que estaria positivamente associada ao  fato de  os indivíduos envolvidos terem maior participação em assuntos públicos da comunidade.

Esse fato explica um aparente paradoxo: as estruturações de redes intensamente ancoradas em laços fortes possibilitam a organização política e práticas de ação coletiva; ou seja, é também  possível a formação de capital social do segundo tipo, a partir de padrões de sociabilidade mais favoráveis à geração de capital social ancorado na dádiva. Isso nos permite compreender, por exemplo, uma maior participação das pessoas que moram há mais tempo no bairro. São os que vivenciaram a mobilização coletiva que originou o surgimento do bairro, a segurança de uma habitação não mais ameaçada.

Conclusões

Ensaiamos, neste artigo, uma tentativa de verificar empiricamente manifestações de capital social em uma comunidade de baixa renda de um país em desenvolvimento. Constatamos a existência do fenômeno e mesmo que as hipóteses sobre padrões de estruturações de redes sociais e capital social se confirmam para o caso da Comunidade de Chão de Estrelas. Verificamos, também, que algumas particularidades foram encontradas.

A nossa pesquisa teve um caráter exploratório, uma tentativa de instrumentalizar empiricamente algumas hipóteses sobre capital social. Reconhecemos que, sendo um trabalho de certa forma inédito , tenhamos enfrentado algumas dificuldades relativas à novidade do empreendimento, somos conscientes de que também descortinamos um novo tipo de investigação de processos de sociabilidade em comunidades de baixa renda. De fato, diversas abordagens teóricas e modelos de pesquisa têm sido empregados para a investigação dos pobres urbanos da América Latina. A análise de redes nos proporciona olhares ainda não descobertos e, conseqüentemente, resultados bastante proveitosos para a compreensão do fenômeno. No que diz respeito ao capital social, há de se acrescentar o fato de que esse fenômeno está na agenda de investigação de diversos campos das ciências sociais, com ainda muitos obstáculos de natureza metodológica a enfrentar. Há, de fato, certa dificuldade em operacionalizar empiricamente o conceito. Inclusive, pode-se dizer, que se tem verificado muito mais uma instrumentalização discursiva do conceito do que propriamente uma aplicabilidade empírica. Nesse sentido, acreditamos que este artigo traga contribuições importantes.

Vale também assinalar que a instrumentalização empírica desse conceito  aplicada a uma comunidade de baixa renda de um país  em desenvolvimento nos proporciona   testar hipóteses antes construídas para realidades de países do norte do hemisfério, o que nos permite verificar o que de geral pode-se apreender do fenômeno (Isto é, algo que tenha validade para contextos socioeconômicos diferentes), e as suas manifestações particulares. No caso da formação de capital social em Chão de Estrelas, verificamos que o  estoque daquele que designamos como de segundo tipo (o que se manifesta a partir de práticas de ação coletiva, quer dizer, na esfera pública) são tipicamente originários de estruturações de processos de sociabilidades baseados em laços fracos. Aqui  verificamos  que também se manifesta a partir de estruturações de sociabilidade ancoradas em laços fortes, devido ao caráter particular da organização política dos pobres urbanos da América Latina, como o fato de o acesso ao solo e, conseqüentemente, à habitação ser resultado de intensa luta e mobilização popular. O elemento territorial é de fundamental importância para a constituição da identidade dos pobres urbanos da América Latina: é a partir da construção do hábitat, do enfrentamento de um estabalishment que põe em posições contrárias o direito à propriedade e o direito à moradia, que as populações pobres aprendem a empreender ações coletivas. E essa construção do espaço público muitas vezes passa por estruturações de sociabilidade localizadas na esfera privada, no domínio das relações sociais típicas daquilo que a literatura sobre redes descreve como laços fortes.

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[1] Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

[2] Professor do Instituto de Sociologia da Universidade de Hamburgo, Alemanha

[3] Com efeito, há registros de pesquisas sobre redes sociais desde a década de 50,  principalmente no campo acadêmico da disciplina Antropologia Social. Deve-se também observar que os estudiosos costumam posicionar  esta tradição intelectual a partir de Simmel(1964), com seu famoso ensaio intitulado  “The web of affiliations”. 

[4]  Ver a respeito Fontes (2003).

[5] O que significa de certa forma levar em conta a existência de uma “natureza” humana universal.

[6] Seria o componente territorial, tão caro aos geógrafos

[7] Existem tentativas de dessacar padrões característicos de um “modo de vida” de comunidades pobres em países do terceiro mundo. O exemplo clássico é a famosa tese de Lewis sobre a “cultura da pobreza”, cujas conclusões implicam em um tipo de visão relativamente paternalista  do estado de carência. Ver, a respeito, LEWIS (2000)

[8] o que implica de certa forma no fato de que a memória do lugar e o sentimento de que a segurança proporcionada pela posse definitiva da habitação somente foi possível a partir da intensa mobilização popular

[9]  A ocupação de Chão de Estrelas se deu no início da década de 80

[10] O índice Eta é considerado,  com a variável local de nascimento  sendo a dependente

[11] Consultar, a respeito, FONTES(1986)

[12] Barnes, J.A Redes Sociais e processo político. In: A antropologia das sociedades contemporâneas.

Organização e introdução de Bela Feldman-Bianco. São Paulo, Global, 1987, pp. 1`59-192

[13] Simmel, Georg. Sociabilidade - um exemplo da sociologia pura ou formal. In: Simmel, Georg. Sociologia/Organizador [da coletânea] Evaristo Morais Filho. São Paulo, Ática, 1993, pp. 165-181 (p.179)

[14] Sobre o fato de a expressão “rede social” designar uma teoria social, há controvérsias. Johnson, por exemplo, examinando a literatura sobre redes sociais, afirma que muitos autores consideram que redes sociais referem-se a um conceito, operado por  instrumentos metodologicamente poderosos. Entretanto, não seria uma  teoria, no sentido de “assunções básicas estruturadas em um conjunto de proposições que estão interligadas e capazes de serem testadas”,  Johnson, Jeffrey C. anthropological contributions to the study of social networks. In: Wasserman, Stanley; Galaskiewicz, Joseph. Advances in Social Network Analysis. London, Sage Publications,  1994 (p.116)

[15] Wellman, Barry. Network analysis: some basic principles. In: (ed) Sociological Theory. 1983, pp. 155-200

[16] A teoria da amostragem, por exemplo, é questionada: “the general principle of sampling are based on the application of the theory of probability to large number of observations, and there are well established mathematical rules for judgind the reliability of sample data. There are no such  rules for judging the quality of relational data” Scott, John. Social Network Analysis: A Handbook. London, Sage Publications, 1991

[17] Scott sugere que amostras aleatórias podem ser usadas com relativo sucesso em certas ocasiões (como por exemplo em estudos de redes egocentradas), mas que em medições de propriedades globais das redes sociais esse método apresenta sérios inconvenientes. Scott ainda sugere outras prováveis alternativas: o método do snowballing; o deslocamento da análise para aspectos qualitativos das redes, desistindo de procedimentos analíticos orientados para extração de indicadores quantitativos para análise globais. (Scott, 1991: 64-65)

[18] (como por exemplo graph analysis, Vertex and edge indices, spatial representation, collections of subsets, blocked matrix and relational models) Consultar Algebraic Models for social networks.  Cambridge University Press, 1994

[19]  Para Simmel, sociação “é a forma (realizada de incontáveis maneiras diferentes) pela qual os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses” Simmel, Georg. Sociabilidade - um exemplo da sociologia pura ou formal. In: Simmel, Georg. Sociologia/Organizador [da coletânea] EvarIsso Morais Filho. São Paulo, Ática, 1993, pp. 165-181 (p.60)

[20]  Wellman, por exemplo, mostra que  “several anthropologists have shifted attention from cultural systems to systems systems of concrete ties....[defining] a network as a set of ties linking social system members accross social categories and bounded groups; many sociologists seek to treat all social structures as social network; Cientistas políticos, por sua vez, mostram que os “political processes result from the position of interest groups and nation states in large-scale structures of exchange and dependence ... The most important characteristic of these units is their position in social networks.” WELLMAN, Barry. Network analysis: some basic principles. In: ed). Sociological Theory, 1983, pp. 155-200 (pp159-161)          

[21] Ver, a respeito, BURT(1982)

[22] Galaskiewicz, Joseph. Advances In Social Network Analysis. London, Sage Publications, 1994 (p.xiii)

[23] Neste sentido, o conceito de mundo de vida é bastante esclarecedor. Ver, a propósito, HABERMAS (1994)

[24] Cf. Putnam, Robert D. Comunidade e Democracia. A experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996

[25] Banfield, Edward. The Moral Basis Of A Backward Society. Chicago, The Free Press, 1958 (Research Center in Economic Development and cultural Change, The University of Chicago)

[26] O conceito de sociabilidade aqui remete à construção simmeliana dos processos sociais. 

[27] Ver, a respeito, FLAPP(1995,1996,1988,1986,1981)

[28] estes recursos são diversos : afetivos, financeiros, religiosos, sexuais…

[29] Importa observar que não encontramos registro nas principais revistas periódicas de ciências sociais de pesquisas sobre redes egocentradas em comunidades de baixa renda no Brasil 

[30] O vazio estrutural foi calculado a partir da equação abaixo:

 onde  N é o número de pessoas na rede, Tij é a intensidade do laço entre os colaboradores i e j (forte=1; fraco=0). O  vazio estrutural mede o volume de relações entre os respondentes, a partir da relação entre o número de laços existentes na rede e o número possível de contatos (considerando-se a existência de uma matriz simétrica).

 

 

[31] ver, a respeito, Simmel (1950) e  também, a propósito dos padrões de sociabilidade em metrópoles, Wirth (1938).

[32]  ... o que implicaria na generalização do fenômeno da anomia e conseqüente perda do vínculo social.

[33] Guest trabalha com o GSS (General social Survey).

[34] ver os trabalhos de ZUMA(s\d), Wellman(1996a), Haythornthwaite(1996).

[35] Ver Lomniz, Lewis, entre outros.

[36] ... aqui Caillé refere-se à tríplice obrigação do dom: dar, receber e retribuir.

[37]  Sobre parentesco e amizade, ver  Einstadt(1984)

[38] O índice de laço forte foi estabelecido a partir de uma escala de intensidade de relação social do entrevistado com os membros de sua rede. Perguntou-se ao entrevistado qual o grau de proximidade (muito, regular, pouco, insignificante) com cada um dos membros de sua rede. As pessoas com proximidade maior foram classificadas como tendo vínculos característicos dos laços fortes, aquelas com menor proximidade foram consideradas com laços fracos.

[39] É o que também Lomnitz conclui em seu estudo sobre uma comunidade de baixa renda no México.

[40] pediu-se aos entrevistados que indicassem o número de associações de moradores que conheciam no bairro

[41]  A relação entre as redes egocentradas dos moradores da comunidade de Chão de Estrelas e a vida associativa do bairro é analisada em FONTES(2003)



[i] O procedimento para o estabelecimento da amostra baseou-se em alguns pontos:

A amostra a ser extraída deveria ser do tipo aleatória simples.

O universo da pesquisa é constituído pela totalidade dos domicílios da Comunidade. A contagem dos domicílios foi realizada a partir de um cartograma, desenhado a partir de uma planta básica da Prefeitura do Recife, e atualizado a partir de visitas ao local. Tal atualização se tornou necessária em virtude de o Cartograma disponível ser relativamente antigo (foi realizado em 1979).

Tem-se por hipótese básica que o Universo da pesquisa se apresenta  uniforme no que diz respeito às características que se pretende investigar: o desenho das redes egocentradas dos moradores da comunidade de Chão de Estrelas. A base para a extração da amostra é o domicílio. Em cada domicílio sorteado, é entrevistado um morador (houve a preocupação de se entrevistarem o chefe da família – no caso, um dos membros do casal, independentemente do sexo. Na impossibilidade, entrevIssou-se qualquer morador adulto daquele domícilio). Dessa forma, não foram consideradas as características de sexo, idade, educação., renda, etc., dos entrevistados, mas exclusivamente o fato de residir na comunidade[i].

O nosso Universo de Pesquisa é composto de 1131 domicílios. A Amostra extraída obedeceu aos seguintes critérios:

-  Nível de Confiança: 95%

Erro de Estimação: 5%

Proporção de característica pesquisadas no Universo. Como foi afirmado acima, o Universo é considerado homogêneo, o que significa inexistem características particulares à amostra. Dessa forma, consideramos p (estimativa de proporção) em 50%, o que significa que esta estimativa é considerada a maior, indicando uma não consideração de características particulares da amostra em relação ao universo.

Para a extração da amostra, utilizou-se a seguinte fórmula:[i]

N=   t2 .  p .  q .  n  

       E2(n-1) + T2.p.q

Onde:

N – Tamanho da Amostra

T2 – Nível de Confiança escolhido, em número de desvios (sigmas)

p   -  Proporção de Características pesquisadas no universo, calculada em percentagem

q    - Proporção do Universo que não possui a característica pesquisada (q = 1-p)

E2  - Erro de estimação permitido.

N  - Tamanho da população

A nossa amostra foi dessa forma estabelecida:

 

N = 2(2).50.50.1131          =       11310000

       5(2).1130+2(2).50.50           38.250

N =  295

Os domicílios foram selecionados aleatoriamente. Procurando-se evitar a aglomeração de casos (clusters) em determinadas áreas do Universo (quer dizer, em áreas da comunidade onde estavam distribuídos os domicílios), utilizou-se  a prática de sortear o primeiro domicílio aleatoriamente e em seguida distribuir os restantes em intervalos fixos. Este intervalo foi calculado a partir da proporção entre e o universo o tamanho da amostra (1131/295), possibilitando desse modo a distribuição da amostra de forma regular por todo o território onde estavam distribuídos os domicílios. Desse modo, após sortear o primeiro domicílio componente da amostra, os restantes eram escolhidos em intervalos de quatro domicílios (por exemplo, hipoteticamente, se o domicílio sorteado foi 3, os restantes foram, por exemplo 7,11,15,19,23...).