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Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia - Carbohydrate intolerance and perinatal prognosis in pregnant women making use of antiretroviral drugs

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Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia

Print version ISSN 0100-7203

Rev. Bras. Ginecol. Obstet. vol.25 no.7 Rio de Janeiro Aug. 2003

http://dx.doi.org/10.1590/S0100-72032003000700002 

TRABALHOS ORIGINAIS

 

Intolerância glicêmica e o prognóstico perinatal em gestantes utilizando anti-retrovirais

 

Carbohydrate intolerance and perinatal prognosis in pregnant women making use of antiretroviral drugs

 

 

Patrícia El BeituneI; Geraldo DuarteI; Silvana Maria QuintanaI; Milton César FossII; Marisa Márcia Mussi-PinhataIII; Ernesto Antonio Figueiró-FilhoI; Alessandra Cristina MarcolinI

IDepartmento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FMRP-USP)
IIDepartmento de Clínica Médica, Setor de Endocrinologia da FMRP-USP
IIIDepartmento de Pediatria e Puericultura da FMRP-USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVOS: estudar o efeito das drogas anti-retrovirais sobre o metabolismo glicêmico em gestantes portadoras do HIV-1 e a ação dessas medicações sobre o prognóstico perinatal.
MÉTODOS: estudo prospectivo realizado em 57 gestantes divididas em três grupos: grupo AZT, utilizando zidovudina (n=20); grupo TT, utilizando zidovudina+lamivudina+nelfinavir (n=25), e grupo controle, gestantes normais (n=12). Obteve-se a área sob a curva (ASC) das glicemias após teste oral de tolerância à glicose com 75 g de glicose em quatro oportunidades durante a gravidez (1º=14-20 semanas, 2º=21-26 semanas, 3º=27-32 semanas e 4º=33-38 semanas). O prognóstico perinatal levou em consideração as taxas de prematuridade, restrição de crescimento intra-útero (RCIU), baixo peso ao nascer, mortalidade perinatal e transmissão vertical do HIV-1. Os dados foram analisados utilizando-se os testes não paramétricos do c2, de Friedman e de Kruskal-Wallis.
RESULTADOS: os valores da mediana da ASC foi de 11.685 mg/dL-2h para o grupo controle, 13.477 mg/dL-2h para o grupo AZT e 13.650 mg/dL-2h para o grupo TT (p=0,049). Não se observou efeito deletério dos anti-retrovirais sobre as taxas de prematuridade, baixo peso ao nascer, RCIU e índices de Apgar. Não houve nenhum caso de transmissão vertical do HIV-1.
CONCLUSÕES: verificou-se o desenvolvimento de intolerância glicêmica em gestantes que utilizaram tratamento tríplice, não sendo observado naquelas que utilizaram apenas AZT. Não houve efeitos deletérios dos anti-retrovirais sobre o prognóstico perinatal.

Palavras-chave: Anti-retrovirais. Gestação e HIV-1. Metabolismo glicídico. Prognóstico perinatal. Transmissão vertical.


ABSTRACT

PURPOSE: to investigate the effect of antiretroviral drugs on carbohydrate metabolism in HIV-infected pregnant women and on fetal and neonatal prognosis.
METHODS: a prospective study was conducted on 57 pregnant women. The women were divided into three groups: ZDV group, taking zidovudine (n=20), TT group, taking zidovudine + lamivudine + nelfinavir (n=25), and control group (n=12). Blood samples were obtained for the determination of the area under the curve (AUC) after a 75-g oral glucose test at four periods during pregnancy (1st=14-20 weeks, 2nd= 21-26 weeks, 3rd=27-32 weeks and 4th=33-38 weeks). Perinatal prognosis was based on prematurity rates, intrauterine growth restriction (IUGR), low birth weight, perinatal mortality, and vertical HIV-1 transmission. Data were analyzed statistically using the nonparametric c2 test, Friedman test and Kruskal-Wallis test.
RESULTS: the median values of the AUC were 11.685 mg/dL for the control group, 13.477 mg/dL for the ZDV Group, and 13.650 mg/dL for the TT group (p=0.049). The antiretroviral agents had no deleterious effects on prematurity, low birth weight, IUGR rates or on Apgar score. There was no case of vertical transmission of HIV-1.
CONCLUSIONS: an association was detected between the use of triple therapy and the development of carbohydrate intolerance during pregnancy. This association was not shown with ZDV alone. The antiretroviral agents had no deleterious effects on perinatal prognosis.

Keywords: Antiretroviral drugs. Carbohydrate metabolism. Perinatal outcome. Pregnancy and HIV-1 infection. Vertical transmission.


 

 

Introdução

A redução da transmissão vertical do vírus da imunodeficiência humana tipo 1 (HIV-1) com o uso de drogas anti-retrovirais caracteriza-se como um dos mais notáveis avanços para os pesquisadores desse assunto, visto que permite reduzir esta forma de transmissão em mais de 70%, no que pese a associação desses medicamentos com alguns para-efeitos. Dentre esses possíveis para-efeitos, destacam-se as alterações sobre o metabolismo glicídico, notadamente com o uso dos inibidores de proteases1,2.

Tanto o hiperinsulinismo quanto a intolerância glicêmica franca são situações conhecidas no comprometimento da saúde em humanos, aumentando o risco de diabete e a morbidade cardiovascular. Adicionalmente, a ocorrência dessa alteração metabólica durante o período gestacional é fator predisponente para complicações maternas e perinatais, representadas pela elevação das taxas de mortalidade materna, parto pré-termo e piora dos indicadores de saúde perinatal3-5. Em gestantes portadoras do HIV-1, em uso de esquemas combinados, a associação entre alterações glicêmicas e morbidade perinatal também tem sido identificada. Nesse sentido, em estudo com gestantes portadoras do HIV-1 em uso de inibidores da protease e que apresentaram teste oral de tolerância glicêmica com 50 g alterado, observou-se associação significativa entre esses resultados e restrição do crescimento intra-uterino6.

Apesar da clara associação entre o uso de inibidores da protease com eventos metabólicos glicêmicos adversos, são raros os estudos que enfatizam estas alterações em gestantes utilizando estes fármacos, assim como o resultado dessa interação sobre o prognóstico perinatal. No presente estudo se propõe avaliar o efeito das drogas anti-retrovirais sobre o metabolismo glicêmico de gestantes portadoras do HIV-1 ao longo da gestação.

 

Pacientes e Métodos

Estudo longitudinal e prospectivo realizado em Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, Brasil, no período de setembro de 2001 a março de 2003. O estudo foi realizado com 57 gestantes com idades entre 16 e 43 anos, com gestação única, independente de raça ou paridade. Dessas pacientes, 45 gestantes eram portadoras do HIV-1 e foram selecionadas no momento do seu ingresso na Divisão de Moléstias Infecto-Contagiosas em Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). As outras 12 gestantes foram categorizadas como grupo controle (clínica e laboratorialmente normais) e foram selecionadas na Divisão de Pré-Natal de Baixo Risco do HCFMRP-USP. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCFMRP-USP arrolando somente as gestantes que concordaram participar do mesmo.

Considerou-se como gestantes portadoras do HIV-1, a gestante com exames imunoenzimáticos positivos contra o HIV-1 em duas amostras séricas distintas, confirmados pelo ELISA e Western blot. Foram selecionadas apenas pacientes portadoras do HIV-1 sem uso prévio de medicações anti-retrovirais.

O grupo controle foi formado por 12 gestantes. As gestantes portadoras do HIV-1 foram subdivididas em dois grupos designados grupo AZT e grupo TT. O grupo AZT foi composto de 20 gestantes que preenchiam os requisitos para uso profilático do AZT (linfócitos CD4 >500 células/mL e carga viral <1.000 cópias/mL). O grupo TT foi composto por 25 gestantes com indicação clínica e laboratorial (CD4 <500 células/mL) para receberem terapia anti-retroviral tríplice (zidovudina + lamivudina + nelfinavir). Estes critérios são os estabelecidos pelo Perinatal HIV Guidelines Working Group Members quanto ao uso de terapia anti-retroviral na gestante7. A dosagem orientada para o grupo AZT foi zidovudina 300 mg/dia em duas tomadas diárias. Para o grupo TT, utilizaram-se zidovudina 300 mg, lamivudina 150 mg e nelfinavir 1250 mg em duas tomadas diárias.

Foram excluídas as gestantes portadoras de insuficiência renal e hepática, aquelas com história pessoal e familiar em primeiro grau de diabete melito, gestantes com índice de massa corpórea (IMC) inicial inferior a 18 ou superior a 30 kg/m2, uso de corticoterapia, não-adesão ou uso irregular dos anti-retrovirais.

As amostras sanguíneas para dosagens plasmáticas de glicemia de jejum e teste oral de tolerância à glicose com 75 g (TOTG-75 g) foram coletadas por ocasião da primeira consulta e repetidas quatro vezes ao longo da gravidez, em intervalos equidistantes de tempo: entre a 14ª e a 20ª semana, 21ª e a 26ª semana, 27ª e a 32ª semana e entre a 33ª e a 38ª semana. A área sob a curva das glicemias foi obtida considerando os valores das glicemias nos tempos em jejum, 30', 60', 90', 120' após a ingestão de 75 g de dextrose. Adicionalmente, foram aferidos o IMC, ganho de peso durante a gestação, intercorrências clínicas e obstétricas, idade gestacional no momento do parto e, finalmente, dados do parto e do recém-nascido (peso, índices de Apgar e avaliação antropométrica neonatal).

As amostras plasmáticas foram acondicionadas sob refrigeração a –70ºC até o seu processamento. O sangue para dosagem da glicemia plasmática foi coletado em tubo tipo vacutainer contendo fluoreto de sódio e EDTA, seguido de processamento dos resultados pelo método da hexoquinase, utilizando o Cobas Mira-S da Roche.

A variabilidade da concentração plasmática da glicemia durante a gestação foi valorizada considerando-se a freqüência encontrada, a mediana e a variação interquartil (respectivamente no 1º e 3º quartis). Foram utilizados os testes não paramétricos do c2, Mann-Whitney, Kruskal-Wallis para comparações múltiplas e o teste de Friedman para comparações múltiplas pareadas. Consideraram-se significativas as diferenças com p<0,05. A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa computacional SPSS 10.0.

O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.

 

Resultados

Os valores das medianas da idade materna das pacientes do grupo controle foi 22,5 anos, com variação interquartil de 6 anos. No grupo AZT foi de 24 anos (7 anos) e no grupo TT foi de 27 anos (6 anos), não sendo detectada diferença significante entre os grupos (teste de Kruskal-Wallis, p=0,13). Quanto à raça (branca e não branca), observou-se que 83, 50 e 68% das gestantes respectivamente dos grupos controle, AZT e TT apresentaram cor branca (teste do c2, p=0,14). A avaliação dos dados referentes ao tabagismo também não revelou diferenças significativas, observando-se que 91, 60 e 80% das gestantes dos grupos controle, AZT e TT, respectivamente, não eram tabagistas (teste do c2, p=0,10). Na Tabela 1 estão representados os valores das medianas derivados da aferição do IMC inicial, do IMC ao término da gestação e do ganho de peso obtido desde o momento do ingresso de todas as gestantes no pré-natal até o momento do parto das gestantes dos três grupos estudados. Pode-se observar que o IMC inicial do grupo controle, AZT e TT foi, respectivamente, 21,9 kg/m2, 24,3 kg/m2 e 22,6 kg/m2 (teste de Kruskal-Wallis, p=0,13). A análise do IMC final também delineou distribuição uniforme entre os grupos controle, AZT e TT, com medianas de 25,5 kg/m2, 27,7 kg/m2 e 26,5 kg/m2, respectivamente(teste de Kruskal-Wallis, p=0,25). Apesar do maior ganho de peso entre as gestantes do grupo controle, não se observaram diferenças entre as pacientes dos três grupos (teste de Kruskal-Wallis, p=0,10).

 

 

Os dados relativos ao número de linfócitos T-CD4+ e da carga viral do HIV-1 encontram-se na Tabela 2. Conforme esperado, a carga viral, inicialmente elevada (14.370 cópias/mL), reduziu significativamente no grupo com tratamento tríplice (TT), chegando a 40 cópias/mL. Os resultados mostram diferenças significativas entre os grupos AZT e TT (Mann-Whitney, p<0,0001). Quanto à contagem de linfócitos T-CD4+, observou-se recuperação significativa nas pacientes do grupo TT, inicialmente com mediana de 399 células/mL, chegando a 543 células/mL no final da gestação. Comparando os grupos TT e AZT, verificou-se diferença significativa entre estes números nos dois grupos (Mann-Whitney, p<0,0052).

 

 

Resultados referentes à evolução da área sob a curva (ASC) das glicemias das pacientes dos três grupos avaliados estão na Tabela 3. Observou-se acréscimo da ASC nos três grupos estudados ao longo da gestação, independentemente da terapia utilizada. No entanto, apenas no grupo TT a elevação da ASC das glicemias durante a gestação foi significativa, observando-se inicialmente uma ASC de 12.330 mg/dL-2h, atingindo 13.650 mg/dL-2h no período gestacional final (teste de Friedman, p=0,001). Adicionalmente, os resultados mostram entre 33-38 semanas de gestação ASC do grupo controle de 11.685 mg/dl-2h e do grupo TT em 13.650 mg/dl-2h, delineando significativa diferença entre os grupos (teste de Kruskal-Wallis, p=0,049).

 

 

Na Tabela 4 estão os resultados referentes a variáveis relacionadas ao recém-nascido, como a idade gestacional ao nascimento, peso, índices de Apgar de primeiro e quinto minutos e a classificação antropométrica. Observa-se que a mediana da idade gestacional no momento do parto foi 39 semanas para o grupo controle; 38,1 semanas para o grupo AZT e 38,5 semanas para o grupo TT. Quanto à variável peso observaram-se distribuições medianas de 3.250 g, 3.080 g e 3.100 g para os grupos controle, AZT e TT, respectivamente. A análise dessas variáveis e dos índices de Apgar não denotou diferenças significativas entre os recém-nascidos desta amostra (teste de Kruskal-Wallis, p>0,05). A análise da distribuição da adequação da classificação antropométrica neonatal mostra que, na presente casuística, 100% dos recém-nascidos do grupo controle apresentaram-se adequados para a idade gestacional (AIG), percentagens semelhantes ao grupo AZT com 95% e Grupo TT com 92% (teste do c2, p= 0,59).

 

 

Discussão

Os compostos anti-retrovirais diferem da maioria dos agentes farmacêuticos utilizados amplamente durante a gestação em função da carência de provas de segurança obtidas por estudos controlados que apóiem inequivocamente a sua utilização. Deve-se considerar que o uso de anti-retrovirais durante a gestação precisa avaliar dois aspectos principais: a necessidade de terapia anti-retroviral para tratar a mulher e o uso de anti-retroviral como profilaxia para reduzir os riscos de transmissão perinatal do HIV-18.

Numerosos estudos avaliando os efeitos dos inibidores da protease em adultos portadores do HIV-1 têm demonstrado a ocorrência de resistência insulínica, hiperglicemia, exacerbação de diabete melito e até mesmo cetoacidose diabética, ainda que com ampla diferença entre os resultados encontrados1,2,9.

O emprego das medicações anti-retrovirais diferem de outras medicações utilizadas durante a gestação em virtude da exigüidade de dados concernentes ao conhecimento dos efeitos advindos do uso dessas medicações para o binômio materno-fetal. Dentre os vários questionamentos, existem dúvidas sobre o papel dos inibidores da protease na potencialização do risco de hiperglicemia associada à gestação e suas repercussões sobre o feto. Sob esse contexto, dois estudos não demonstraram aumento no risco para o desenvolvimento de intolerância glicêmica durante a gestação com o uso de inibidores da protease10,11. Esses estudos, no entanto, contrapõem-se a outro estudo6, no qual se observaram taxas de 30% de intolerância glicêmica ao TOTG-50 g entre 41 gestantes em uso de terapia combinada contendo inibidor da protease.

Ao se avaliar o efeito dos anti-retrovirais sobre o metabolismo glicêmico em gestantes portadoras do HIV-1, deve-se observar, contudo, que o processo gestacional constitui, isoladamente, fator de risco para hiperglicemia. Aproximadamente 4% das gestações são complicadas por diabete melito gestacional (DMG). A prevalência, porém, pode variar de 1 a 14%, na dependência da população estudada ou do teste diagnóstico empregado12.

O DMG é definido como qualquer grau de intolerância glicêmica com seu início ou reconhecimento primário durante a gestação. Portanto, o DMG pode ser resultado de doença previamente existente, mas não identificada, de limitação da função celular b-pancreática que se manifesta quando essas pessoas encontram resistência insulínica previamente determinada, ou ainda, resultado de efeito direto do metabolismo materno ancorado nas modificações hormonais próprias da gestação12.

Um dos pontos positivos do presente estudo é a homogeneização na amostragem das pacientes estudadas, visto serem vários os fatores de risco para o desenvolvimento de DMG, destacando-se a obesidade, história pessoal de DMG, história familiar em primeiro grau de diabete melito e grupo étnico não branco. A freqüência de DMG, à semelhança do diabete tipo 2, aumenta com a progressão da idade. Dentre as diversas etnias, a freqüência de DMG, em ordem decrescente, envolve os orientais, hispânicos, negros e, finalmente, brancos13. Entretanto, em nosso meio, estabelecer classificação precisa de amostra de pacientes quanto à raça ou etnia torna-se tarefa difícil, reflexo da grande miscigenação racial existente. Entre as pacientes estudadas, optou-se pela distinção entre brancas e não brancas, sendo que, na presente casuística, os grupos avaliados foram considerados homogêneos em relação a tais parâmetros. De modo semelhante, o presente estudo caracterizou-se por homogeneidade quanto a idade materna e IMC. A média de idade das pacientes do grupo controle situou-se em 22,5 anos, 24 anos no grupo AZT e 27 anos no grupo TT. Adicionalmente, entre os critérios de inclusão optou-se por aquele que indicava mulheres com IMC inicial inferior a 30 kg/m2. Esse estudo arrolou gestantes com IMC inicial de 21,9 kg/m2, 24,3 kg/m2 e 22,6 kg/m2 entre os grupos controle, AZT e TT, respectivamente. O IMC ao término da gestação foi 25,6 kg/m2, 27,7 kg/m2 e 26,5 kg/m2 para os mesmo grupos, não havendo diferenças entre eles.

Dados preliminares registram taxa de mortalidade neonatal quatro vezes maior nos filhos de mães com DMG. As complicações metabólicas apresentadas pelos recém-nascidos incluem hipoglicemia, hipocalcemia, macrossomia, hiperbilirrubinemia e policitemia. No entanto, as complicações metabólicas decorrentes de alterações glicêmicas durante a gestação não se restrigem ao período perinatal e neonatal precoce. Atualmente, está bem estabelecido que esses eventos durante a gestação atuam também a longo prazo sobre o fenótipo dessas crianças, repercutindo em desenvolvimento prematuro de resistência insulínica, obesidade e altas taxas de intolerância aos carboidratos3,14.

Assumindo que o DMG possa ser prevenido ou completamente controlado, somente pequena proporção de efeitos adversos seriam observados5. No entanto, em estudo conduzido com gestantes portadoras do HIV-1 em uso de inibidores da protease e que apresentaram TOTG-50 g alterado, observou-se associação significante com restrição do crescimento intra-uterino nessas crianças6. No trabalho aqui apresentado, foram identificadas três gestantes com DMG, duas no grupo TT e uma no grupo AZT. Entretanto, não se identificou nenhum caso de restrição do crescimento intra-uterino. Esta diferença pode ser explicada pela pronta orientação materna a respeito das alterações metabólicas identificadas em seus TOTG e a adoção de intervenções dietéticas para controle glicêmico.

Para a interpretação da ASC glicêmica dos grupos TT e AZT, compararam-se os resultados obtidos com aqueles verificados nas curvas das pacientes do grupo controle. Um trabalho com metodologia similar, avaliando os níveis glicêmicos na ASC após o TOTG-75 g em 298 gestantes normais em dois períodos durante a gestação (17ª semana e 32ª semana), observou no primeiro período uma média de 11.196 mg/dL-2 h e no 2º período uma aumento desses níveis glicêmicos nas ASC para um valor médio de 14.562 mg/dL-2 h. Ressalta-se que esse trabalho, apesar da casuística representativa, não excluiu previamente gestantes com história familiar de diabete melito15. Os resultados do trabalho aqui apresentado das 12 gestantes consideradas clinicamente normais, após seleção criteriosa, excluindo-se gestantes com elevado IMC, as que utilizaram medicações que favoreciam anormalidades glicêmicas secundárias e aquelas com história familiar de diabete melito, mostram uma mediana e o percentil 90 da ASC de 11.100 mg/dL-2 h (14.771 mg/dL-2 h) no período de 12-20 semanas, 12.060 mg/dL-2 h (15.513 mg/dL-2 h) entre 27-32 semanas e 11.685 mg/dL-2 h (16.007 mg/dL-2 h) no período de 33-38 semanas. Comparando-se esses resultados com aqueles obtidos entre as gestantes portadoras do HIV-1 em uso de AZT exclusivamente ou esquema combinado, observou-se elevação significativa da ASC das gestantes em uso de esquema combinado (AZT + 3TC + nelfinavir). Uma das limitações do estudo aqui apresentado é a ausência de um grupo de gestantes portadoras do HIV-1 que não tivessem feito uso de anti-retrovirais durante a gestação, com a finalidade de avaliar-se a repercussão exclusiva da infecção pelo HIV-1 sobre o metabolismo glicêmico durante a gestação. Por questões éticas, a formação deste grupo não é aceitável.

Presume-se que o quadro clínico diabetogênico secundário ao uso de anti-retrovirais seja devido a resistência insulínica, geralmente cursando com hiper-insulinemia associada, semelhante ao diabete melito tipo 2. Aventa-se também que esse fato seja secundário à supressão do catabolismo da forma nuclear da proteína ligadora do elemento regulador de esteróis, favorecendo acúmulo dessas proteínas com conseqüente aumento da biossíntese de colesterol e dos ácidos graxos no fígado e resistência insulínica no tecido periférico. Outro mecanismo seria um defeito pós-receptor, resultado direto da inibição da atividade do transportador da glicose (GLUT-4) para o meio intracelular nos adipócitos e miócitos. Em outras situações, no entanto, os inibidores de proteases causam insulinopenia, similar aos quadros de diabete melito tipo 1. No entanto, ainda não se encontram estudos aprofundados sobre a fisiopatologia das alterações induzidas por estes fármacos1,9,16,17.

Do ponto de vista metodológico, o presente estudo difere dos anteriores, visto que avaliou prospectivamente as variações da ASC glicêmica de gestantes expostas a sobrecarga com 75 g de glicose durante quatro períodos durante a gestação, desde a 14ª e a 20ª semanas até o termo, e não apenas a adoção de um único valor, em idade gestacional restrita. A presente casuística confirmou o aumento significante da glicemia nas gestantes do grupo TT. Mostrou também diferença significativa entre os resultados da ASC das gestantes do grupo controle e das gestantes do grupo TT. No entanto, convém ressaltar que a diferença encontrada entre os grupos foi limítrofe, adicionado ao fato da possibilidade de erro do tipo II, ligado ao tamanho amostral. A utilização de zidovudina durante a gestação não se associou a risco aumentado de DMG. No entanto, houve associação limítrofe entre o uso de esquemas anti-retrovirais contendo nelfinavir com o desenvolvimento de DMG no período entre a 32ª e a 38ª semana, semelhante aos resultados descritos por outros autores6. Em outros estudos, em contradição aos dados verificados por Chmait et al.6 e no presente estudo, não se observou associação entre o uso de inibidores da protease e DMG10,11.

Na avaliação das variáveis envolvendo peso e classificação antropométrica neonatal entre os grupos avaliados, a presente casuística confirma estudos que demonstraram a isenção do AZT em comprometer as taxas de crescimento fetal18,19.

Estudos preliminares, avaliando exclusivamente esquemas combinados contendo inibidor da protease, identificaram associação entre a utilização destes fármacos e a ocorrência de parto pré-termo20. Nesse estudo, a contribuição do estágio da doença materna pode estar associada com o risco de prematuridade, porém, esse dado não foi conclusivamente obtido. Em 2000, o Estudo Colaborativo Europeu21 avaliou 3.920 mães e seus respectivos recém-nascidos, verificando risco 2,6 vezes maior de partos pré-termo entre aquelas que vinham em uso de esquemas combinados previamente à gestação, quando comparadas com o grupo que iniciou seu uso no terceiro trimestre. Outras variáveis intervenientes foram a contagem das células T-CD4+ e uso de drogas injetáveis, mais prevalentes no grupo de mulheres com trabalho de parto pré-termo. Na casuística aqui apresentada, não se observou diferença entre a idade gestacional e o peso do recém-nascido no momento do parto e também entre os índices de Apgar de 1º e 5º minuto nas gestações dos três grupos estudados. Estes dados são similares aos obtidos em outros estudos e metanálises, quando foi demonstrado que o prognóstico gestacional das mães e neonatal imediato entre as gestantes que fizeram uso de AZT exclusivamente ou esquemas combinados contendo ou não inibidores da protease durante o período pré-natal não foi comprometido8,22. No entanto, no Estudo Colaborativo Europeu, observou-se maior associação entre o uso de anti-retrovirais (com ou sem inibidores de protease) e maiores taxas de partos pré-termos, sem piora do prognóstico perinatal23.

Avaliação epidemiológica conduzida nos EUA de janeiro de 1990 a junho de 2000 indicou que a transmissão materno-fetal do HIV-1 ocorreu em 20% das mulheres que não receberam anti-retroviral durante a gestação, em 10,4% entre aquelas que fizeram uso exclusivo de AZT, em 3,8% entre as mulheres que receberam terapia combinada sem inibidor da protease e em 1,2% nas que receberam esquemas combinados contendo inibidor da protease24. Na casuística aqui apresentada, não se evidenciou nenhum caso de transmissão perinatal, talvez decorrente dos cuidados com a adesão às medidas profiláticas ou decorrentes do número limitado de casos para este tipo de avaliação.

Os resultados da presente casuística demonstram segurança no uso do esquema contendo o nelfinavir como inibidor da protease classificado como categoria B pelo FDA. Há necessidade, entretanto, de seguimento a longo prazo das crianças expostas aos agentes anti-retrovirais durante o período intra-útero, devido ao risco teórico relacionado ao potencial carcinogênico das drogas análogas dos nucleosídeos e referente a incertezas importantes que ainda persistem a respeito dos inibidores da protease. Adicionalmente, o surgimento de cepas resistentes a essas medicações podem vir a limitar a sua efetividade a longo prazo7. É importante, contudo, reconhecer, que o emprego de anti-retrovirais, notadamente os inibidores de protease, não pode ser considerado isoladamente, mas sim em concomitância a outras estratégias de atenção pré-natal que possibilitem a identificação acurada e precoce das grávidas de maior risco para o desenvolvimento de efeitos colaterais potenciais referentes a essas medicações, notadamente distúrbios metabólicos como o DMG e, conseqüentemente, a instituição oportuna das medidas terapêuticas, viabilizando a redução dos índices de morbidade e mortalidade materna e perinatal.

 

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Endereço para correspondência
Geraldo Duarte
Avenida Bandeirantes, 3900
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP
14049-900 - Ribeirão Preto, São Paulo
Fone: 55 (16) 602-2588 / Fax: 55 (16) 633-0946
e-mail: gduarte@fmrp.usp.br

Recebido em: 11/7/2003
Aceito com modificações em: 15/8/2003
Fonte de financiamento: FAPESP (processo nº 01/08450-8)