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Psicologia: Ciência e Profissão - Da cultura ao inconsciente cultural: psicologia e diversidade étnica no Brasil contemporâneo

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Psicologia: Ciência e Profissão

Print version ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. vol.22 no.4 Brasília Dec. 2002

http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932002000400004 

ARTIGOS

 

Da cultura ao inconsciente cultural: psicologia e diversidade étnica no Brasil contemporâneo1

 

 

Fernando Cesar de Araujo

Psicólogo Judiciário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Mestrando em Antropologia/Sociologia pela UFMG

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Dentre os muitos desafios lançados à Psicologia no mundo contemporâneo, espera-se que esse campo de conhecimento seja capaz de compreender a nova configuração do imaginário, que uma simples perspectiva subjetivista não consegue alcançar. Neste momento, a discussão das questões culturais e étnicas é um tema que emerge com força no Brasil e o reconhecimento da cultura afro-brasileira torna-se um caminho obrigatório para o saber psicológico, sendo necessários, no entanto, novos conceitos teóricos - como o de inconsciente cultural - para tornar efetiva a participação da Psicologia nessas discussões.

Palavras-chave: Psicologia e cultura, inconsciente cultural, imaginário afro-brasileiro, Psicologia Analítica.


ABSTRACT

Many challenges have been thrown to Psychology in the contemporary world. About them, we hope Psychology can understand the new imaginary configuration, which an ordinary subjective perspective isn't able to achieve. In this moment, subjects related to culture and ethnic factors have emerged strongly in Brazil. The recognition of Afro-brazilian's culture is an obrigatory way to psychological knowledge. For that it is to deal with necessary new theoretical concepts - like 'cultural unconscious' - to make more effective the participation of Psychology in these discussions.

Keywords: Psychology and Culture, cultural unconscious, Afro-brazilian imaginary, Analytical Psychology.


 

 

Interrogações são feitas a respeito da sobrevivência da Psicologia no contexto de mutações deste período a que se convencionou chamar de pós-modernidade. E o essencial é saber se a Psicologia conta com recursos que não só a façam "sobreviver", mas principalmente contribuir para a compreensão da nova ordem do mundo que nos cerca.

Importante para isso é que o olhar psicológico se volte para as identidades que se re-configuram no novo campo simbólico, onde muitas vezes a tradição interage com a modernidade.

"Globalização" é a palavra que condensa o semantismo das mudanças, e um dos aspectos mais significativos dessas mutações é a proliferação de imagens.2 Há uma compressão espacial e temporal gerada pela extrema velocidade da circulação de informações, trazendo alterações ainda não plenamente compreendidas pelo tecido social. O planeta diminui, o tempo se estreita e instala-se um "novo regime de ficção que hoje afeta, contamina e penetra a vida social" (Augé, 1998:10). Mas a questão central é a indagação acerca do conteúdo das imagens, sua sustentação, densidade simbólica e as condições de circulação entre o imaginário individual e o imaginário coletivo.

Uma nova perspectiva para se compreender a globalização passa pela articulação das noções de "global" e de "local". É o deslocamento de bens culturais primariamente locais, cruzando fronteiras e movendo-se através das paisagens, o que provoca a percepção da globalidade (Segato, 1997). Devido à diversidade cultural, nosso mundo globalizado é constantemente perpassado por um localismo de tradições - e tradição remete a uma identidade, a um sentimento de pertença, a uma comunalidade simbólica. Mostra-se, assim, nítida a necessidade de haver uma compreensão da diversidade étnica que convive num determinado espaço simbólico.

Junto com a globalização emerge, portanto, uma questão importante: a identidade e o risco de se perdê-la, pois, num mundo em mutação acelerada, o fenômeno de globalização atua como "um processo de decomposição e recomposição de identidades individuais e coletivas" (Pace, 1997:32) e uma equação passa a ligar indissoluvelmente o fenômeno da globalização e a revalorização das identidades.

Walter Boechat indica que a questão da identidade "é um problema extremamente complexo, com vertentes sociológicas, antropológicas, econômicas, e, por último, mas não menos importante, componentes psicológicos". Assinala o risco de perda de referência pessoal no mundo globalizado, onde "a nacionalidade tem suas fronteiras em mutação", trazendo o perigo de graves problemas sociais (Boechat, 1999).

Situando a questão no Brasil, com suas contradições sociais e éticas, Boechat analisa corretamente o papel das religiões na construção da individualidade e aponta para o mecanismo psicológico da projeção (do recalcado, da Sombra) como um padrão recorrente nos conflitos interétnicos. Discordamos apenas da afirmativa de que em nosso país o problema racial seja muito mais um problema de classes sociais. Na verdade, o "racismo" ultrapassa as categorias intelectuais do discurso da Política e da Economia, que trabalham prioritariamente com as noções de classes. Uma possível compreensão e superação do racismo surge apenas quando se toca o nível afetivo da questão (Sodré, 1999), fazendo uma "aproximação simbólica com o ser diferente" - no Brasil o homem negro ainda é o Outro, pois não o reconhecemos em nós mesmos!

Se o tema do racismo, da alteridade e aceitação do Outro transita pelo afeto, está portanto imerso num campo primariamente psicológico. E se o conflito interétnico é derivado de um medo da dissociação e da perda de identidade, o verdadeiro trabalho dos psicólogos é examinar os fundamentos de nossa identidade.3

 

Arthur Ramos: a Psicologia e a Antropologia Brasileiras

O nome de Arthur Ramos se acha inscrito entre os grandes pesquisadores brasileiros, e o avanço significativo que sua obra traz em relação aos estudos anteriores é a realização de uma mudança de objeto: "em vez de raças, devemos, pois, estudar culturas" (Ramos, 1979:16). Dessa forma, seus trabalhos são pontos de partida que, embora ainda limitados4 , nos possibilitam falar hoje de uma 'tradição afro-brasileira' e reconhecer um ethos negro que se sustentou no Brasil a partir da "aventura" civilizatória africana no Novo Mundo.

Mas o maior interesse pela obra de Ramos vem da aproximação entre a Psicologia e os temas culturais, afirmando que Psicologia Social e Antropologia necessitam convergir metodologicamente, pois "o comportamento humano é um precipitado psicossocial, é a resultante da personalidade integrada na sua área cultural" (id:32).

Numa época em que as revolucionárias descobertas freudianas eram praticamente desconhecidas, Ramos já manejava a conceituação psicanalítica e fazia referências a Jung em várias passagens de sua obra, sendo provavelmente o primeiro estudioso brasileiro a ter um conhecimento mais aprofundado da obra junguiana -embora um conhecimento parcial.5

Muito importante para o campo psicológico foi o conceito de "inconsciente folclórico" proposto por Arthur Ramos, que hoje, décadas depois, vem sendo trabalhado sob a forma de "inconsciente cultural", mostrando-se extremamente útil para a compreensão de modalidades de fenômenos -como o sonho e o transe religioso - situados num terreno intermediário entre o indivíduo e a cultura, o corpo e a psique, o consciente e o inconsciente.

Na análise das questões étnicas, que perpassam qualquer discussão atual sobre a diversidade cultural brasileira, Ramos foi sem dúvida um precursor, ajudando a romper a 'conspiração do silêncio' em torno da questão do negro no Brasil, já que em sua época, além de umas poucas linhas sobre a abolição da escravatura e a influência das línguas africanas no falar do brasileiro, quase nada fora produzido. Ele estava consciente desses limites e foi enfático sobre o assunto: "O problema do negro não é moda: é assunto permanente, porque ele é material de casa" (id:xxii).

Parte considerável de sua obra focalizou a religião, principalmente a vertente dos cultos religiosos afro-brasileiros, retirando-os dos 'recantos escuros' a que tinham sido relegados pela cultura oficial e criando uma base para que a Psicologia contemporânea possa manter um posicionamento crítico acerca da cultura negro-brasileira - da qual indiscutivelmente faz parte a religião. Enquanto alguns enxergam no mundo de hoje - marcado por um excesso de individualismo e abandono dos valores comunitários - uma perda de potência do sagrado, um esvaziamento do sentimento religioso, outros percebem exatamente o inverso: um florescimento religioso, com reflexos no processo de relação do homem com o mundo. As "novas sensibilidades religiosas explodem neste final de milênio" (Perez, 1996).

 

Imaginários Colonizados:

Na expansão globalizante da cultura ocidental, não foi casualmente que os conquistadores europeus buscaram efetivar uma verdadeira "colonização do imaginário" das terras conquistadas/descobertas. Gambini (1988) mostra esse processo ao analisar o papel dos jesuítas no Brasil e sua evangelização das populações indígenas, com a utilização de diversos mecanismos psicológicos, dentre eles a projeção.

Mas o alvo preferido dos colonizadores foi o imaginário negro. Os africanos, principalmente os dos grupos bantu e sudanês, eram embarcados em navios tumbeiros nos portos da África, sem nada nas mãos... ou no corpo. Eram impedidos de trazer consigo qualquer apoio material (instrumentos litúrgicos, objetos familiares, "pedaços" carregados afetivamente de lembranças), nenhum ponto possível de fixação do imaginário.

Mas o imaginário nunca pode ser limitado por meios materiais, que são apenas os apoios visíveis para as tramas ocultas e plenas de mistério das imagens. Assim, rapidamente se reconstruiu o imaginário negro no Brasil, utilizando para a recriação de seus bens simbólicos diversas estratégias de resistência cultural e política: os quilombos, as irmandades religiosas e os terreiros de candomblé. Vale ressaltar que os terreiros não são simplesmente um "templo", no sentido de construção física destinada a um culto. Eles funcionaram durante muito tempo como um escondidinho, atuando nos interstícios do poder oficial e tornando possível a transmissão e a reformulação de valores culturais. "O egbé, comunidade litúrgica, terreiro de candomblé ou simplesmente 'roça', é o pólo irradiador dessa reterritorização do homem negro na diaspora", é um núcleo reelaborador de "um patrimônio simbólico explicitado em mitos, ritos, valores, crenças, formas de poder, culinária, técnicas corporais, saberes, cânticos, ludismos, língua litúrgica e outras práticas sempre suscetíveis de recriação histórica" (Sodré, 1999:170). Dessa forma, o homem negro, em sua diaspora pelo mundo, reconstruiu sua identidade. Recriou seu imaginário. Sobreviveram seus símbolos.6

Verificamos que o candomblé, uma religião vinculada à tradição e onde a identidade é questão essencial, encontra-se num momento de grande expansão, rompendo até as fronteiras nacionais. Foi esperado que não resistisse aos novos tempos, que não suportasse uma época onde o individualismo se exerceria fortemente e o processo de globalização levaria a um desaparecimento da tradição. "Nada disso ocorreu ... Os cultos afro-brasileiros atestam a sua presença não apenas em todo o território nacional como também em países vizinhos, e até mesmo distantes, do Brasil" (id:220).

Fica portanto a pergunta: por que essa expansão do candomblé? Como sobreviveu a todas essas mutações dos tempos atuais? Sodré oferece parte da resposta, indicando que a "modernidade" dos cultos afro-brasileiros encontra-se em sua dimensão comunal. Que é justamente na prática cotidiana dos valores comunitários, "do corporal, do mítico, da memória coletiva, do ficcional, do encantamento ou enfeitiçamento" (no sentido de conquistar alguém para um destino comum), na lógica do estar próximo, da "rede", que se situa a atração do candomblé, sua potência simbólica, a vivacidade de seus símbolos. "A comunidade joga do lado do pluralismo das interpretações do mundo, em oposição à unidimensionalidade da História inventada pelo Ocidente" (id:222). A tradição presente numa perspectiva globalizada. O localismo se globalizando. O "glocal".

E se um perigo imediatamente derivado da globalização é que a proliferação de imagens esvazie cada uma delas de sentido - deixando-as ocas, descartáveis, sem substância, evanescentes nas telas - urge, portanto, encontrar onde as imagens vivem, têm corporalidade, som, cheiro, sabor, ritmo... Onde deixam de ser simples "signos" e se tornam "símbolos" plenos. Como psicólogos, nosso caminho de compreensão passa sem dúvida pelo símbolo e, ao sondar o panorama cultural brasileiro, descobrimos o "símbolo vivo" no imaginário das religiões afro-brasileiras.

 

O Mal Estar:

Transitamos até aqui pelo mundo das imagens contemporâneas, sua multiplicação e a reconfi-guração do imaginário. Falamos da globalização e sugerimos seus riscos, derivados do "intercâmbio desequilibrado de bens, símbolos e mercadorias culturais" (Sansone, 1995). Apontamos para o reflorescimento religioso, a questão das identidades e da alteridade e recuperamos a noção de tradição e seu vínculo com a questão étnica.

E é exatamente nesse compasso que acreditamos localizar-se o mainstream da Psicologia. Muitos apontam como uma questão atual a necessidade urgente de se incluir a discussão do tema étnico no campo psicológico. Não que exista um "instinto racial" ou que cada "raça" tenha uma psique diferente, pois a própria crença na existência de "raças" é uma questão ideológica, sendo ela uma noção discursiva, construída. No entanto, a "questão étnica" é um tema, um "conteúdo inconsciente" que se apresenta para muitos indivíduos, exigindo, então, espaço e reconhecimento por parte de uma Psicologia que se pretende multicultural. "Os indivíduos experienciam a vida e o mundo de maneiras típicas, não apenas porque eles compartilham uma 'natureza humana', mas também porque eles compartilham uma história, cultura, e um meio ambiente com outros indivíduos"(Adams,!999). Um desafio surge, assim, para a Psicologia, lançando-a numa revisão do próprio conceito de "inconsciente", incluindo um "inconsciente cultural" no horizonte teórico e levando-a ao multiculturalismo.

Descortinamos a importância de tal discussão no Brasil. O tema étnico é central na nação desde sua "descoberta". Persiste um "mal-estar" na cultura brasileira, que ainda busca apoiar sua identidade em modelos eurocêntricos, lançando em direção à Sombra e ao "esquecimento" a matriz africana fundante e deixando sempre a impressão de que em nossa sociedade "alguma coisa está fora do lugar" (Schwarz, 1988).

E embora no Brasil a questão étnica, num ato sintomático, venha sendo repetidamente relegada ao 'esquecimento', encontramos constantes indícios de que esse processo de repressão não vem obtendo êxito. Além dos óbvios sintomas sociais que emergem diariamente nos noticiários sob a forma de violência, com relativa freqüência o psicólogo clínico se depara com vivências pessoais que lhe são relatadas, por exemplo, sob a forma de sonhos que transitam por essas "proibidas" paragens. Infelizmente, na maioria das vezes esses conteúdos são interpretados apenas do ponto de vista subjetivo, como se dissessem respeito tão somente ao universo interior do sonhador, ignorando a dimensão social pela qual também transitam. Novas perspectivas teóricas se mostram então, imprescindíveis!

Além disto, no interior do próprio campo de formação do psicólogo, algumas questões merecem uma reflexão mais atenta: por que existe um pequeno número de psicólogos negros? Como funcionam as instituições de formação profissional de Psicologia? São abertos espaços em Congressos e Seminários de Psicologia para a discussão de questões que dizem respeito aos afro-descendentes? São oferecidas supervisões - e outras formas de preparação profissional de um psicólogo - a preços acessíveis, que possibilitem o acesso da população menos privilegiada socioeconomicamente, que é reconhecidamente negra? E as clínicas sociais de Psicologia? São suficientes para o atendimento psicoterapêutico de toda a população afro-descendente que dele necessita?

 

Inconsciente Cultural

"Nós não somos apenas arquetipicamente iguais, mas também histórica, cultural e etnicamente diferentes. História, cultura e etnicidade são circunstâncias que condicionam a natureza humana e nos diferenciam"(Adams, 1997:49).

A concepção de uma instância inconsciente puramente pessoal, derivada de desejos não satisfeitos, fruto de mecanismos psicológicos de repressão e recalque, não se mostra adequada para explicar determinadas modalidades de fenômenos - como o sonho e o transe religioso - que fazem parte de um terreno intermediário, híbrido. Essa noção de inconsciente pessoal é inoperante para explicar, por exemplo, o processo de interpretação que uma iyalorixá (mãe-de-santo) faz de um sonho que lhe é relatado por um filho-de-santo. Nessa interpretação, uma imagem onírica (como a imagem de um cachorro, por exemplo) é associada a outros símbolos do contexto cultural afro-brasileiro (onde o cachorro tem relação específica com os orixás Ogum e Obaluaye, está envolto em uma série de prescrições rituais e faz parte de um conjunto de fragmentos míticos). Partindo da concepção de inconsciente puramente subjetivo, a imagem estaria associada apenas ao mundo intrapsíquico do sonhador e a seus desejos pessoais, esvaziando a bacia simbólica onde o símbolo do cachorro se articula na cultura afro-brasileira. Estaria sendo deixado de lado o vínculo entre o estado subjetivo do sonhador- que o levou a ter esse sonho específico - e o lugar que ocupa no contexto cultural em que vive e se expressa.

Por outro lado, quando interpretamos um transe religioso como resultado de um processo psico-patológico (histeria ou regressão, como tantas vezes foi descrito), estamos ignorando um aspecto cultural extremamente importante para a população afro-descendente, que percebe o transe como a manifestação de uma divindade, transportada da distante terra de seus ancestrais para se materializar diante de seus olhos.

Esses exemplos nos mostram que utilizar a noção de 'inconsciente pessoal' para interpretar determinados produtos psíquicos mostra-se insuficiente, pois deixa de lado toda uma dimensão coletiva que também participa na formação simbólica do imaginário.

Numa perspectiva distinta, o conceito de 'inconsciente coletivo' também nos parece inadequado para essa finalidade. Embora Jung tenha retomado a clássica definição do símbolo, assumindo sua plurivocidade (não admitindo que seja reduzido a uma causalidade única) e estabelecendo uma sólida diferenciação entre signo-sintoma (unívoco) e símbolo-arquétipo (redundante), para ele o aspecto coletivo dos arquétipos estaria mais próximo de categorias naturais que de categorias culturais.

Mas nem todos os fatores coletivos são fatores coletivos naturais (ou arquetípicos), pois "muitos, se não a maioria, dos fatores coletivos são especificamente culturais ou estereotípicos" (Adams, 1997:40). Em outras palavras, a noção junguiana tende a reduzir o cultural ao natural, considerando os componentes da psique como estritamente arquetípicos, não vislumbrando que sejam também estereotípicos. Essa visão diria mais respeito a uma concepção neo-kantiana de crítica da imaginação pura do que de crítica da imaginação histórica, cultural e étnica. Se tentássemos uma outra vertente, considerando não a razão histórica, mas a imaginação histórica, passaríamos então a perceber que as categorias da imaginação têm uma dimensão histórica, cultural e étnica, não se limitando ao mundo natural.

Jung, com a linguagem e a percepção de sua época, especulou sobre as origens da diferença, que derivariam de vários níveis: o indivíduo, a família, a nação, raça, clima, localidade e História. Para tentar resolver a questão das diferenças culturais, em sua formulação do inconsciente coletivo afirma que "há diferenciações correspondentes à raça, tribo e família, além da psique coletiva 'universal' (Jung, OC 7: 235).

Jolande Jacoby (1976:68) irá desenvolver essa estratificação do inconsciente através do modelo de uma árvore genealógica psíquica, onde a raiz representaria uma força central insondável, que se alongaria para o alto, passando pelo nível dos Ancestrais Animais, Ancestrais Humanos Primitivos, Grupos de Povos (Grupos Humanos ou Grupos Étnicos), Nação, Tribo, Família, até chegar ao Indivíduo, no alto da árvore e seu produto mais recente. Todas essas diversas camadas estariam presentes no inconsciente de cada ser humano.

Por um lado, esse modelo da psique com diversas camadas psíquicas foi alvo de críticas, pois postulava uma camada racial do inconsciente, e muitos grupos culturais seriam julgados inferiores por não terem desenvolvido uma camada de consciência, que seria o produto mais recente da civilização.7

Mas, por outro lado, há que se reconhecer a modernidade demonstrada por Jung em relação à questão da 'raça' e 'etnicidade', ao criticar perspectivas eurocêntricas e demonstrar interesse pelo desenvolvimento de culturas diversas, numa abordagem compreensiva das diferenças. Na verdade, a grande falha não seria em relação à análise da diferença cultural, mas sim à absolu-tização da perspectiva psicológica nos estudos de fenômenos culturais, privilegiando exclusivamente o ponto de vista psicológico e ignorando os fatores econômicos, sociais, políticos e históricos que complementariam a visão da realidade social (Samuels, 1995).

Afirmações recentes como: "toda concepção do inconsciente ou da psique que omita referir-se às instituições sociais e processos políticos será inadequada. O indivíduo se desenvolve no terreno das relações sociais e políticas, e portanto há um nível político do inconsciente" (Samuels, 1995:78), mostram que, felizmente, se descortina uma nova perspectiva para entender o entrelaçamento entre inconsciente e cultura: "Precisamos redefinir o 'coletivo' para servir aos propósitos de uma Psicanálise multicultural" (Adams, 1997: 45).

E um caminho promissor em direção ao reconhecimento da determinação cultural no campo psicológico passa pelo desenvolvimento do conceito de "inconsciente cultural". Essa noção consegue descortinar a dimensão in-between, localizada entre o consciente e o inconsciente, o interior e o exterior, a mente e o corpo, o indivíduo e a cultura, e permite assim manter simultaneamente focalizadas as dimensões das quais os fenômenos participam, transitando nos espaços liminares, nas fronteiras.

Foi Joseph Henderson (1984) quem introduziu o termo "inconsciente cultural" que, numa representação topográfica, estaria situado entre o inconsciente coletivo e o inconsciente pessoal. Ele assinala que muito daquilo que Jung considerava pessoal hoje é percebido como culturalmente condicionado. Adams (1997) acrescenta que, igualmente, há que se reconhecer que muito do que era considerado coletivo é também culturalmente condicionado. A cultura é assim resgatada, considerando-se sua influência tanto sobre os conteúdos mais subjetivos, quanto sobre aqueles compartilhados no campo social.

Henderson reserva o termo "inconsciente cultural" apenas para os fatores arquetípicos, enfatizando principalmente o potencial de mitos e ritos8, enquanto Adams considera que o "inconsciente cultural" compreende tanto fatores arquetípicos quanto estereotípicos, isto é, comportamentos e atitudes raciais ou étnicos.

Em síntese, há duas dimensões do coletivo: a primeira arquetípica, natural, trans-histórica, transcultural, transétnica (transethnic); a outra estereotípica, histórica, cultural, étnica. E o indivíduo realiza aquisições tanto pela via inconsciente quanto pela consciência cultural - através da História, cultura e etnicidade.

O revolucionário psiquiatra martinicano Frantz Fanon também traz à tona a dimensão cultural do inconsciente num texto bastante denso, onde o autor se mostra e se implica a cada momento: "interessei-me, neste estudo, em abordar a miséria do Negro. Táctil e afetivamente. Não quis ser objetivo, aliás, minto: não me foi possível sê-lo" (Fanon, 1983:73).

No contexto de uma psicologia anticolonialista, ele utiliza o conceito psicanalítico de 'trauma' para designar os efeitos derivados da projeção de conteúdos culturais: "O problema da colonização abrange assim não apenas a interseção de condições objetivas e históricas, mas também a atitude do homem a respeito dessas condições" (id:72). O encontro com o 'homem ocidental' perturbou os horizontes e os mecanismos psicológicos de diversas sociedades, levando a uma desestruturação psíquica e cultural. Para Fanon, o negro 'se extingue': "começo a sofrer por não ser Branco, na medida em que o homem branco me impõe uma discriminação, faz de mim um colonizado, extorque de mim todo valor, toda originalidade ... então tentarei simplesmente tornar-me branco, isto é, obrigarei o Branco a reconhecer minha humanidade" (id:82).

Ao abordar o inconsciente e seus produtos, percebe que "o conteúdo dos sonhos de um ser humano depende também, no final das contas, das condições gerais da civilização na qual ele vive" (id:88).9 Aponta então para o aspecto cultural do inconsciente: "Mas o inconsciente coletivo, sem que haja necessidade de recorrer aos genes, é apenas o conjunto de preconceitos, mitos, atitudes coletivas de um determinado grupo ... esse inconsciente coletivo é cultural, isto é, adquirido" (id: 153). Em suma, Fanon percebe, através dos fatores estereotípicos, a dimensão cultural do inconsciente.

Arthur Ramos vai ter uma percepção distinta da cultura, e, ao contrário de Fanon, que se concentrou nas conseqüências psíquicas extremamente negativas do contato cultural (aculturação, desenraizamento, desculturação), preocupou-se com a sobrevivência da cultura que era subjugada, acreditando que seus elementos permaneceriam sob a forma de uma "alma étnica" ou um "inconsciente folklorico". Talvez por não ter o envolvimento afetivo de Fanon, Ramos se distancia e produz uma obra mais "intelectual" sobre a questão da cultura negra - o que abre o flanco a diversas críticas que ainda hoje lhe são feitas.

Ramos encerra "O Negro Brasileiro" falando da dificuldade de "comprehender a psychê collectiva do brasileiro", sendo o estudo das religiões apenas uma das partes do empreendimento. Ele acreditava que, no Brasil, as formas religiosas de origem africana estavam sendo aos poucos absorvidas por outras religiões, mas seus elementos essenciais permaneceriam no "folclore", onde "vão contribuir à formação desses estractos remotos do inconsciente collectivo, esquecidas a sua origem e significação" (Ramos, 1988:147).

Utiliza então o termo 'inconsciente folclórico' (folklorico) para explicar a permanência de produtos culturais africanos na psique do homem brasileiro. Ele reconhece que é necessário conhecer nosso imaginário, "e escrever a historia do Brasil, não essa das biographias e dos episodios políticos, historia automatica e estereotypada, sem ligação com a massa ethnica, mas esta outra, mais exacta, mais scientifica, das peripecias e transformações do seu inconsciente folklorico" (id:298).

Para Ramos, o folk-lore é uma "alma étnica" que permanece no espírito popular, ou, em outras palavras, "uma sobrevivência de estruturas primitivas que antecedem o indivíduo e lhe sucedem, tornando-se patrimônio comum" (Ramos, 1957:329). Esse sentido de sobrevivência é o que prevalece na acepção de Ramos e que aproxima sua concepção de outras semelhantes como "fósseis do espírito", "estratificações psíquicas", "atavismo psíquico", "doutrina dos resíduos", todas elas apontando para "a persistência dos elementos primitivos, instintivos, que jazem no cérebro de todo indivíduo" (id:330).

Parece estar ele falando de temas culturais que influenciam o indivíduo, pois localiza essas estruturas, que chama de "primitivas", numa espécie de "alma étnica", material simbólico derivado da cultura. Do ponto de vista psicológico, as sobrevi-vências seriam o conteúdo formativo do inconsciente, não só da face individual, mas também da coletiva, independente da 'fachada superficial do psiquismo consciente'. "Estas imagens simbólicas, de deuses, demônios, mágicos, feiticeiros, fantasmas, loupgarous, de todos os tempos, de todos os mitos, de todos os folk-lores, são arquétipos do inconsciente, realidades psicológicas, precipitado de uma longa experiência coletiva, através de gerações egerações" (id:332).

Carlos Byington, outro importante pesquisador brasileiro, trabalha de forma inovadora a inserção da cultura no campo psicológico e utiliza o conceito de Self Grupai ou Cultural para expressar "a totalidade das forças conscientes e inconscientes, subjetivas e objetivas atuando num grupo" (Byington, 1996:29).

Tudo aquilo que acontece na dimensão psíquica é simbólico - "cada fenômeno é símboio. O corpo, a casa, o trabalho, o dinheiro, os parentes e os amigos" -, e a consciência vai se estruturando a partir das vivências simbólicas nas diferentes dimensões e construindo a identidade do ego e do outro. "Forma-se assim uma identidade a partir, por exemplo, das características físicas, inclusive da raça, sexo, altura e suas conotações simbólicas na família e na sociedade. Em função da religião, do status socioeconômico, da profissão dos pais e, mais tarde, da sua própria " (Byington, 1988:51).

Tanto quanto o corpo e a dimensão ideativa-emocional, a sociedade e a cultura são fontes da realidade simbólica, e através de seus diferentes símbolos torna-se possível comparar as culturas e perceber suas semelhanças estruturais, sem perder de vista as diferenças históricas e culturais.

 

Em Direção à Cultura

A questão essencial é perceber que as imagens do inconsciente podem ser tanto arquetípicas, isto é, naturais (comojunge Henderson desejam), como também podem ser adquiridas através da cultura (como mostram Fanon e Ramos), mas sempre são vivenciadas pela consciência sob a forma de símbolos (Byington).

Admite-se hoje que a questão principal não é a existência de universais psicológicos e, sim, o fato de que os julgamentos etnopsicológicos são feitos em termos de específicas teorias culturais. O problema central passa então a ser a clarificação dos limites da experiência subjetiva no mundo do discurso cultural difuso e dos objetos simbólicos (Herdt, 1989:21s), isto é, a relação entre Self e cultura, ou entre imaginação e cultura. Se por um lado os construcionistas sociais (como Geertz) sugerem que nossas experiências refletem idéias e imagens sociais mais do que expressam o mundo interior, por outro lado os psicólogos mais tradicionais tentam ver essas experiências como reflexos de elementos mentais profundos, especialmente de forças inconscientes. E a solução para o impasse é superar o reducionismo inerente aos modelos psicanalíticos ortodoxos, sem contudo abandonar os conceitos referentes ao significado profundo e imaginação, considerando o papel da cultura como sistema compartilhado de significados.

A cultura deixa, então, de ser percebida como um sistema estático e extrínseco, e o Self como um sistema espontâneo e intrínseco, passando Selfe cultura a serem compreendidos de forma complementar, e não mais dicotomizada.

A Psicologia avançou em seus posicionamentos e hoje a dimensão cultural e social é parte importante na formulação de seus conceitos, não sendo mais a psique considerada como algo que acontece "do lado de dentro".10 Caminha-se rapidamente para que seja assumido o conceito de 'inconsciente cultural' e essa nova formulação, ao mesmo tempo que substitui a concepção freudiana do inconsciente de dimensão puramente subjetiva, formado por um aglomerado de vivências passadas, também ultrapassa a noção junguiana de inconsciente coletivo, que em sua primeira formulação apontava para universais humanos, sem consideração pelo lastro cultural das experiências.

Hoje, portanto, a Psicologia tem a possibilidade de lançar um olhar para a cultura e não mais subjetivar as questões sociais que emergem à nossa volta. Surge, então, o momento de refletir sobre a diversidade étnica existente no Brasil e de contribuir através do conhecimento psicológico -importante instrumento para trabalhar as questões irracionais que perpassam todo tipo de racismo e discriminação - para a superação de preconceitos seculares. Esse é o papel de uma nova Psicologia que se pretende multicultural. Esse é um desafio para os novos psicólogos de um país multicultural.

 

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Endereço para correspondência
Fernando Cesar de Araujo
Rua Alexandre Siqueira, 275-apto. 101
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CEP. 30 775-540
Tel.: (31)3411-8919
E-mail: f.c.araujo@uol.com.br

Recebido 26/04/02
Aprovado 16/08/02

 

 

1 Dedico este artigo a Maria Cristina Leão de Araújo, psicóloga judiciária que acredita e trabalha para que a cultura negra seja reconhecida no Brasil, e também a Expedito Lourenço, psicólogo 'artesão' da saúde mental, Jonte de inspiração e fé. A ambos, meus agradecimentos pelas discussões, sugestões e incentivo.
2 Na globalização estão implicados índices ideológicos, políticos e de poder. Byington denuncia o que chama de perversão da mídia em sua associação 'escravizada' com o neoliberalismo, numa "união vampiresca" (Byington, 1999). Em termos de poder existem "primeiros" e "terceiros mundos", centros e periferias (Sansone, 1995).
3 Marc Augé (1998) aponta o laço indissolúvel entre alteridade, identidade, cultura e modernidade.
4 Embora Ramos represente o início de uma reação crítica à visão evolucionista que predominava em sua época, ainda não consegue evitar essa perspectiva em seus trabalhos. Também assume as idéias freudianas de forma muito direta e sem a devida crítica, fazendo sua transposição para o terreno da cultura. Ele defende, por exemplo, que existe uma similaridade entre a psique do "primitivo, da criança e do alienado", tratando-se de "estruturas primitivo-indiferenciadas", passíveis de serem transformadas em uma "mentalidade adulta, normal e civilizada" (Cf. Ramos, 1957 e 1988). Um ponto de vista hoje superado.
5 Um importante crítico cultural da atualidade, Stanley Crouch, chama a atenção para observações feitas por Jung de que 'o riso e a forma de andar dos norte-americanos eram resultado da influência dos negros' (Crouch, 1995:148-229), algo que Ramos já destacara bem antes, na década de 30 (Ramos,1979:76).
6 "0 homem tem uma dependência tão grande em relação aos símbolos e sistemas simbólicos a ponto de serem eles decisivos para sua viabilidade como criatura", sendo o Caos, a ausência de interpretabilidade, sua maior ameaça (Geertz, 1989:114).
7 Helena Teodoro, no contexto da cultura afro-brasileira, faz uma critica nesse sentido ao dizer que "Jung considerou a estruturação psíquica do homem negro basicamente rudimentar" (Teodoro, 1986:43). Para outras criticas a esse aspecto da obra de Jung, conferir também Samuels, 1995.
8 "The cultural unconscious, in the sense I use it, is an area of historical memory that lies between the collective unconscious and the manifest pattern of the culture. It may include both these modalities, conscious and unsconscious, but it has some kind of identity arising from the archetypes of the collective unconscious, which assists in the formation of myth and ritual and also promotes the process of development in individuals" (Henderson, 1990:103).
9 "Se eu constato em seus sonhos (de negros) a expressão de um desejo inconsciente de mudar de cor, meu objetivo não será dissuadi-io, aconselhando-o a 'manter suas distâncias'; meu objetivo, ao contrário será, uma vez as causas determinantes esclarecidas, torná-lo capaz de escolher a ação (ou a passividade) a respeito da verdadeira origem do conflito, isto é, a respeito das estruturas sociais" (Fanon, 1983:84).
10 "Nós estamos cercados pela psique por todos os lados, inevitavelmente" (Giegerich, 1992). "Quando a [psicoterapia] remove a alma do mundo e não reconhece que está também inserida nele, não pode mais fazer seu trabalho ... A psicologia precisa reconhecer a comunidade, porque a psique é a comunidade. Não; comunidade é uma palavra por demais organizada e pacífica. A psique é uma cidade..." (Hillman, 1995:14-85).