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Segurança da criança hospitalizada na UTI: compreendendo os eventos adversos sob a ótica do acompanhante
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Artigo Original
 
Silva T, Wegner W, Pedro ENR. Segurança da criança hospitalizada na UTI: compreendendo os eventos adversos sob a ótica do acompanhante. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2012 abr/jun;14(2):337-44. Available from: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v14i2.12977.

Segurança da criança hospitalizada na UTI: compreendendo os eventos adversos sob a ótica do acompanhante

 

Safety of pediatric intensive care inpatients: understanding adverse events from the companion’s perspective

 

Seguridad del niño internado en UTI: comprendiendo los eventos adversos bajo la óptica del acompañante

 

 

Thiago da SilvaI, Wiliam WegnerII, Eva Neri Rubim PedroIII

I Enfermeiro, Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, nível Mestrado Profissional, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Enfermeiro Assistencial Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre/RS. Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: thiago.silva@santacasa.tche.br.

II Enfermeiro, Doutor em Enfermagem. Professor Titular, Centro Universitário Metodista. Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: wiliam.wegner@metodistadosul.edu.br.

III Enfermeira, Doutora em Educação. Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: evapedro@enf.ufrgs.br.

 

 


RESUMO

A segurança do paciente é temática, vem sendo incluída nas práticas do cuidado em saúde, como uma estratégia para orientar medidas que promovam a segurança da criança hospitalizada. O objetivo desta pesquisa foi descrever os eventos adversos identificados pelo familiar/cuidador em uma Unidade de Tratamento Intensivo Pediátrico (UTIP). Trata-se de pesquisa qualitativa exploratório-descritiva realizada com treze familiares/cuidadores em um hospital pediátrico de Porto Alegre-RS, no período de março a abril de 2009. Utilizou-se entrevista semiestruturada como técnica de coleta dados que foram analisados mediante análise do tipo temática. Das informações emergiram as seguintes categorias: Falhas no processo de comunicação; Práticas não seguras relacionadas à atuação profissional; Requisitos para segurança do paciente na UTIP. A criança neste ambiente encontra-se exposta frente à assistência ofertada. Acredita-se que a segurança da criança hospitalizada em UTIP necessita da incorporação de práticas de cuidado seguro como cultura institucional direcionada a prevenir eventos adversos.

Descritores: Segurança; Hospitalização; Criança; Comunicação; Enfermagem.


ABSTRACT

Patient safety is a theme that has been included in health care practices as a strategy to guide measures that promote the safety of pediatric inpatients. The objective of this study was to describe the adverse events identified by the relative/caregiver at a Pediatric Intensive Care Unit (PICU). This explorative-descriptive and qualitative study was performed with 13 relatives/caregivers at a pediatric hospital in Porto Alegre-RS in the period between March and April of 2009. Data collection was performed using semi-structured interviews, and the data was submitted to thematic analysis. The following categories emerged: Failures in the communication process; Unsafe practices related to the workers’ conducts; and Requirements for patient safety in the PICU. The children in this environment are vulnerable to adverse events in view of the service that is provided. In order to guarantee the safety of PICU inpatients and avoid adverse events, the institution must adopt safe care practices in its culture.

Descriptors: Safety; Hospitalization; Child; Communication; Nursing.


RESUMEN

La seguridad del paciente es una temática que está siendo incluida en las prácticas del cuidado en salud como estrategia para orientar medidas que promuevan la seguridad del niño hospitalizado. La investigación objetiva describir los eventos adversos identificados por el familiar/cuidador en una Unidad de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). Estudio cualitativo, exploratorio-descriptivo, realizado con 13 familiares/cuidadores  en hospital pediátrico de Porto Alegre-RS, entre marzo y abril de 2009. Se utilizó entrevista semiestructurada para recolección de datos, estudiados mediante análisis temático. Emergieron de las informaciones las siguientes categorías: Fallas en el proceso de comunicación; Prácticas inseguras relacionadas a la actuación profesional; Requisitos de seguridad del paciente en la UTIP. El niño se encuentra expuesto en este ambiente a la atención ofrecida. Se cree que la seguridad del niño internado en UTIP necesita de la incorporación de prácticas de cuidado seguro como cultura institucional, enfocada a prevenir eventos adversos.

Descriptores: Seguridad; Hospitalización; Niño; Comunicación; Enfermería.


 

 

INTRODUÇÃO

A segurança do paciente é uma temática emergente que vem sendo discutida nas práticas de cuidado em saúde, as quais podem apresentar circunstâncias que predispõem a eventos adversos. Nos últimos anos, as instituições de saúde vêm se preocupando com a segurança do paciente, pela ocorrência acentuada de falhas nos serviços de saúde. Eventos adversos são definidos como um resultado indesejado e negativo decorrente do cuidado prestado aos pacientes, não estando atribuído à sua doença de base. A segurança do paciente pode ser definida por iniciativas que possibilitam a prevenção do erro na atenção à saúde, sendo influenciado por ambiente de trabalho, dimensionamento de pessoas, políticas administrativas, questões culturais e coletivas de indivíduo para indivíduo(1).

A preocupação com a segurança do paciente surgiu na década de 1980 com a publicação do relatório To Err is Human, o qual revelou que 44 mil a 98 mil pessoas, aproximadamente, morriam nos Estados Unidos por ano devido a erros relacionados aos serviços de saúde. No ano de 2004, foi criada a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, objetivando reduzir a vulnerabilidade de erros relacionados às práticas assistenciais para garantir um cuidado seguro(2-3).

Diante dos estudos, observa-se que os cuidados de saúde prestados de forma insegura vêm resultando no aumento da morbimortalidade, o que torna isso uma preocupação global, pois muitos erros poderiam ser evitáveis a partir da implantação de indicadores de segurança, como programas de monitoramento de qualidade na assistência ofertada aos pacientes hospitalizados(4).

O processo de comunicação ativo dentro dos serviços de saúde pode ser um dos fatores de monitoramento de qualidade na assistência diante dos cuidados ofertados aos pacientes. A comunicação é um fator de competência diária de todos os profissionais de saúde, pois estabelece uma interação com a criança e o familiar/cuidador, sendo um indicador no processo terapêutico, principalmente dentro de uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). Dessa forma, possibilita um cuidado mais humanizado, ao utilizar uma escuta sensível para esclarecer dúvidas quanto ao tratamento, diagnóstico e a todos os procedimentos que serão realizados. O processo de comunicação efetivo, quando adotado de forma interdisciplinar, favorece uma linguagem única, sendo traduzida em uma assistência em saúde segura, evitando as informações imprecisas, as quais podem predispor a um evento adverso (EA)(3,5).

A hospitalização pode acarretar diversos prejuízos na vida de uma criança, sendo algumas delas as normas rígidas estabelecidas nos serviços de saúde, principalmente em uma UTIP. Identificam-se como normas e rotinas que desrespeitam os direitos da criança e do adolescente, quando estes estão hospitalizados: o familiar/cuidador não poder permanecer em tempo integral ao lado da criança durante um procedimento; não participar de forma efetiva do cuidado da criança dentro da UTIP; ter que se ausentar no momento de discussão das equipes de saúde (rounds) diante de suas condutas a serem adotadas; limitação do número de visitantes; não permanência de mais de um familiar/cuidador no momento da visita, ou seja, a criança durante a hospitalização na UTIP não consegue ter a presença de seus pais ou familiares/cuidadores concomitantemente(6-7).

No contexto de doença e hospitalização em uma UTIP as condições clínicas dos pacientes oscilam entre limites estreitos de normalidade. A criança torna-se passiva, deprimida, assustada, rebelde e vulnerável, pois depende não só do adulto cuidador como do cuidado intensivo da equipe de saúde para sua sobrevivência. O familiar cuidador faz parte desse cenário, sendo a figura materna a mais presente. Na maioria das vezes, diante da complexidade da situação, o cuidador desenvolve um olhar aguçado, sendo questionador, curioso, inseguro, o que pode ser muitas vezes interpretado como um familiar inflexível, invasivo e indesejado pela equipe de saúde, por ele estar indagando sobre o que está acontecendo com seu filho(6).

A segurança e a proteção devem estar inseridas no contexto da hospitalização, pois é de direito da criança a garantia de assistência à saúde, já que o não atendimento a esse direito pode ser considerado como negligência e violência, podendo ocorrer em diversos âmbitos(6).

Em uma Unidade de Tratamento Intensivo, os eventos associados a medicamentos, equipamentos e outros da esfera administrativa, podem ser extremamente prejudiciais devido às próprias condições em que a criança se encontra no processo do cuidar(8).

Os profissionais da enfermagem, pela especificidade da profissão, são os que mais se aproximam do paciente. Percebe-se que, mesmo planejando suas ações dentro de rotinas, critérios, protocolos, eles deparam-se muitas vezes com o inesperado: um evento adverso. Frente a esse tipo de problema, encontra-se dificuldade de saber como agir ou mesmo notificar(9). Portanto, nos serviços de saúde, esses eventos são muitas vezes velados, atenuados ou mesmo ocultados, impedindo que os usuários percebam como são lesados em seus direitos.

É fundamental garantir o direito de atenção e cuidado às crianças e à família em uma UTIP, principalmente pelos inúmeros fatores envolvidos que podem ocasionar a produção de eventos adversos, prejudicando diretamente o desenvolvimento e a recuperação da saúde dos envolvidos. A partir disso, surgiram as questões de pesquisa que orientaram o estudo: O familiar/cuidador identifica momentos em que a atenção em saúde representa risco e/ou eventos adversos ao seu filho/criança na UTIP? Quais são os principais eventos adversos identificados pelo familiar/cuidador no cotidiano da UTIP?

O objetivo deste artigo é identificar os eventos adversos observados pelo familiar/cuidador durante a hospitalização da criança na UTIP e descrever as estratégias que podem representar a segurança/proteção da criança e família nesse cenário.

A relevância do estudo para a enfermagem está vinculada à garantia de qualidade e segurança no cuidado à criança hospitalizada. Acredita-se na importância da proteção integral da criança e da família durante a hospitalização e que a segurança desses indivíduos deve ser garantida mediante o conhecimento dos eventos adversos e o estabelecimento de mecanismos de proteção nos cenários de cuidado. Espera-se que as instituições de saúde desenvolvam uma cultura de segurança quando oferecem atenção aos usuários dos serviços.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa do tipo exploratório-descritivo. As pesquisas qualitativas não definem todos os conceitos nos quais mostram interesse, mas procuram estabelecer os significados a partir do que está sendo estudado, possibilitando a descoberta de novos conceitos e/ou possibilidades(10). A investigação foi desenvolvida na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) de um hospital filantrópico de grande porte de Porto Alegre/RS, no período entre março e abril de 2009.

Os sujeitos selecionados foram 13 familiares/cuidadores (12 mães e um pai) que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: estar acompanhando o filho hospitalizado na UTIP, ser o responsável legal e ter idade superior a 18 anos.

A coleta das informações se deu por meio de uma entrevista semiestruturada, que permite ao pesquisador elaborar um roteiro com uma série de questões a serem exploradas com os entrevistados, possibilitando uma maior profundidade e interação entre ambos(11), sendo elaboradas cinco questões abertas: sobre a importância do acompanhante durante a hospitalização infantil; sobre a compreensão que cada familiar tinha sobre a segurança do paciente quando internado; sobre as falhas cometidas pelos profissionais; sobre a capacidade de identificar os erros cometidos pelos profissionais e o que fazer ao dar-se conta das falhas; e se a atuação dos profissionais poderia representar risco à saúde da criança hospitalizada.

O processo de coleta de dados iniciou-se após o conhecimento das rotinas estabelecidas pela instituição e a apresentação dos pesquisadores aos sujeitos da pesquisa. As entrevistas foram previamente combinadas com os sujeitos, sendo realizadas em uma sala reservada e gravadas em áudio, tendo duração média de 30 minutos. A escolha dos sujeitos deu-se por conveniência e com o critério de saturação das informações, o qual permite uma flexibilidade quanto ao número de informantes. A partir da 12ª entrevista, observou-se que as informações começaram a apresentar um mesmo conteúdo e decidiu-se concluir com 13 participantes.

Para a análise das informações, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo do tipo temática(12). Os participantes foram codificados pela letra P, acrescida de um algarismo numérico, sucessivamente. Os fragmentos extraídos das falas dos participantes foram representados em unidades de significado (US), seguidas de algarismos numéricos, sucessivamente.

As questões éticas foram respeitadas e empregadas de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa em Seres Humanos, conforme a resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(13). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do referido hospital e aprovada (sob o nº 2.088/09). Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir do processo de análise foi possível compreender alguns aspectos inerentes à segurança da criança hospitalizada na UTIP e os eventos adversos sob a ótica do familiar/cuidador e os requisitos para uma assistência segura e humanizada. Os resultados do estudo serão apresentados em três categorias que serão desenvolvidas a seguir.

Falhas no processo de comunicação

Sabe-se que, nos cenários de atenção em saúde, as informações são aspectos importantes para garantir a segurança do paciente. Quando a comunicação não é estabelecida de forma efetiva e ativa entre profissionais, pacientes e familiar/cuidador, é possível que resulte em danos, principalmente dentro de uma UTIP, onde as informações podem ser complexas e detalhadas. Afinal, o familiar/cuidador pode desejar saber o que está acontecendo com a criança hospitalizada.

Foi possível perceber como a falta de informações completas e precisas dificulta o entendimento dos familiares/cuidadores. Além disso, a falta de comunicação entre a equipe e a família contribui para que a segurança fique comprometida. As falas ilustram esse fato:

[...] não fez cirurgia porque estava com uma infecção, fui informada que estava normal, no outro dia já estava alterada. Qual dessas versões é verdadeira? Cada um fala uma coisa [...] P01 (US12).

[...] rounds, eles pedem para sair da UTIP, mas a gente quer uma resposta depois, muitas vezes eles passam por cima, não temos estas respostas [...] Tem muitas coisas que eles falam que você não entende, e daí eu fico quieto [...] P01 (US15).

[...] um médico faz uma coisa, chega outro e faz outra. A gente confia por achar necessário, observo isso, mas ninguém me explica nada [...] P02 (US15).

Ninguém me explica o porquê dos medicamentos que ele toma, [...] por ser leigo e precisar que atenda ele, a gente acaba aceitando o que eles oferecem. P12 (US11).

Por meio das declarações, observa-se uma insatisfação do familiar/cuidador frente às informações recebidas, consideradas limitadas e identificadas como omissão de informações, ou seja, falta de transparência do processo de cuidado. Nos relatos identifica-se que o familiar/cuidador também se sente excluído do tratamento, do diagnóstico e do prognóstico da criança, tornando-se mais ansioso e inseguro. O familiar/cuidador tem o direito de receber explicações e orientações conforme sua necessidade, em linguagem acessível e compreensível.

Compete aos profissionais da saúde que atuam nesse ambiente desenvolver a habilidade de compreender o ser humano diante da sua complexidade, estabelecer o processo de escuta, promovendo o acolhimento através de uma linguagem verbal e de forma humanizada. As informações fornecidas aos pais devem falar a respeito do estado de saúde do seu filho, do diagnóstico, do tratamento, do prognóstico, dos medicamentos, dos exames e de tudo o que for feito com ou para seu filho(14).

Diante dos relatos, observa-se que alguns profissionais que atuam nesse ambiente, mais precisamente a figura médica, identificada nas menções, realizam ações sem contextualizar e tampouco explicam os objetivos para a realização de qualquer procedimento ou até mesmo na mudança de sua conduta frente à situação. É um direito do familiar/cuidador obter informações precisas sobre o estado saúde/doença da criança hospitalizada, entender o que está acontecendo e quais ações serão realizadas(15).

A comunicação nesse processo da hospitalização é fundamental para garantir a segurança da criança, assim como é importante a discussão da necessidade de a equipe de saúde estabelecer o cuidado de forma humanizada, visualizando a criança e a família como seres humanos que precisam de cuidados integrais(16).

Pelos relatos, percebeu-se que o fato de o familiar/cuidador precisar se ausentar durante passagens de plantão, rounds, procedimentos, entre outros, deixa-os um tanto irritados e frustrados. Eles não entendem o motivo dessa postura dos profissionais, de não quererem compartilhar a discussão do estado de saúde da criança e também não lhes explicarem as razões para tal. As passagens a seguir discutem isso:

Eu acho muito errado aqui na UTIP [...] esta coisa de ter que sair, não entendo o porquê nunca ninguém me explicou o porquê não posso ficar ali, realmente não entendo [...] P05 (US18).

Eu não acho certo mandarem sair na hora dos procedimentos, pois não sabemos o que estão fazendo, se estão escondendo alguma coisa [...] P09 (US3).

O familiar/cuidador tem o direito de acompanhar o seu filho em tempo integral, podendo optar por sair ou não quando lhe for solicitado. Observou-se que essa opção não existe na unidade e, por ser uma norma institucional, é algo impositivo e não opcional. Dessa forma, a criança e o familiar/cuidador tornam-se mais vulneráveis durante o cuidado, sendo mais um aspecto que contraria os direitos da criança, principalmente quanto à segurança da criança hospitalizada(15,17).

A comunicação entre a equipe de saúde é fundamental para garantir a segurança e a proteção da criança hospitalizada e oferece subsídios para tranquilizar o familiar/cuidador. As informações sobre o estado de saúde da criança necessitam ser discutidas previamente entre todos os envolvidos na assistência para evitar informações diversas e imprecisas.

Os mecanismos para garantir a segurança do paciente na UTIP frente às dificuldades na comunicação entre familiar/cuidador e equipe de saúde convergem para a readequação da linguagem e da terminologia. A equipe de saúde poderia dispor de momentos de discussão junto ao familiar/cuidador, objetivando a oferta de informações precisas e contextualizadas, conforme a situação da criança, listar os principais encaminhamentos para o seguimento dela na UTIP e rever normas/rotinas hospitalares impostas dentro dos serviços de saúde, muitas das quais vão de encontro aos direitos da criança hospitalizada. É fundamental que o profissional da saúde que assiste a criança preocupe-se em propiciar um diálogo claro e aberto com os familiares/cuidadores, a fim de amenizar as dúvidas, os medos e as inseguranças presentes no dia-a-dia da hospitalização.

Práticas não seguras relacionadas à atuação profissional

Em alguns relatos, foi possível identificar que os familiares/cuidadores percebem que as práticas assistenciais podem gerar riscos para/com os seus filhos, porém não buscam respostas para seus questionamentos. A falta de padronização e até mesmo a não aplicação de um protocolo assistencial pode ser um fator resultante para uma assistência não segura, sendo um potencializador de eventos adversos, o que dificulta a atuação dos profissionais em uma UTIP, além de ocasionar imprecisão e superficialidade no cuidado à criança internada. Tais aspectos podem ser identificados conforme os relatos:

[...] um cateter no pescoço, estava com NPT há dois dias, devido a isso não ia sangue para aquele braço, deu uma trombose, perguntei o que houve me falaram que estava mal colocado [...] minha filha só não perdeu o braço porque Deus não quis, mesmo assim ela perdeu a pontinha dos cinco dedos agora ela só tem os toquinhos. P02 (US11).

Várias vezes tentando puncionarem ela, o braço dela chegou a ficar roxo, picotado, ficou horrível [...] sempre a mesma pessoa tentando [...] ficaram quinze, vinte minutos tentando, e a criança chorando. P02 (US16).

[...] Eu já vi várias coisas com ela, numa passagem de sonda vesical, a urina não estava descendo, chamei ninguém viu nada [...] quando trocou o plantão, a guria da noite viu o que aconteceu, colocaram a sonda e não abriram o clamp. Eu falando, falando para vários profissionais que a sonda não estava funcionando e ninguém me dava bola. P04 (US9).

[...] o dedo da minha filha está queimado por causa do saturômetro. Eu falei para médica e enfermeira que isso aconteceu por falta de cuidado [...] era eu que cuidava. P04 (US4).

Ele ficou com um enorme machucado na cabeça, tem que estar virando ele, alguns vêm, fazem a medicação e saem [...]. P09 (US19).

Um evento adverso grave pode comprometer diretamente a recuperação e a saúde da criança hospitalizada. O evento adverso poder ser entendido como uma ação diferente do pretendido, um plano incorreto sendo traduzido como erro, expondo a criança a riscos desnecessários durante a prestação de cuidados de saúde, sendo muitas vezes traduzidos em sequelas e gerando traumas por toda a vida(2).

A punção venosa em criança é um procedimento difícil e complexo que exige, além de técnica, tranquilidade, cooperação, experiência e avaliação do melhor local. É um dos mais dolorosos tipos de procedimento realizados na criança hospitalizada. Por isso, é importante a identificação de fatores associados a uma maior incidência de complicações para que estas possam ser reduzidas e a criança seja beneficiada frente a um procedimento seguro.

Um compromisso ético assumido pelos profissionais da saúde desde sua formação é a garantia da segurança do paciente durante a atenção em saúde. Nos dias de hoje, os serviços de saúde buscam a qualidade total, tentando promover a máxima satisfação e o mínimo de riscos ou falhas que possam comprometer a segurança e a qualidade do cuidado em saúde. Entretanto isso nem sempre acontece na prática, pois existem inúmeros eventos adversos que colocam em risco a vida do paciente pediátrico(18).

Outra situação entre as equipes de saúde dentro da UTIP é reconhecer que um som percebido pelo familiar gera insegurança e medo, que muitas vezes são desencadeados apenas como um alerta ou mesmo por um movimento da criança. Silenciar o monitor, explicando o acontecido, já pode evidenciar uma atenção ao familiar/cuidador.

Eu só enxergo risco assim no caso do monitor estar silenciado e os funcionários estão com outro paciente, tipo não ver o que acontece como já aconteceu de madrugada. Eu chegar aqui pela manhã e a minha filha está saturando 20%. P04 (US22).

[...] enfermeiros, médicos às vezes demoram para ver ele, ver se está acontecendo alguma coisa [...] enfermeira mesmo passa, olha a bomba de infusão apitando e não faz nada, às vezes pode estar acontecendo alguma coisa com a criança [...]. P01 (US8).

Os mecanismos para garantir a segurança e a proteção na UTIP, frente à insegurança relacionada à prática profissional, convergem para um planejamento prévio das ações que serão desenvolvidas diante dos procedimentos a serem executados na criança e para a educação permanente da equipe de saúde. Este é um processo de qualificação profissional que pode ser planejado a médio e longo prazo, atendendo às necessidades tanto do profissional quanto dos usuários do serviço.

Requisitos para a segurança do paciente na UTIP

Nos depoimentos, percebe-se que nem todo familiar/cuidador tem uma visão negativa do serviço. Mesmo identificando limitações na UTIP, consideram que existem profissionais que cuidam das crianças hospitalizadas como se fossem seus próprios filhos, demonstrando muito afeto e carinho, e que há tecnologias favoráveis à segurança da criança hospitalizada.

Pelo bom atendimento, médicos, enfermeiros, acredito que ele receba um bom atendimento, fez cirurgia, todo mundo fala bem do cirurgião, os aparelhos para identificar alguma coisa [...]. P01 (US04).

Tem enfermeiros, médicos ótimos, explicam. A gente fica mais tranquila, esta troca de informações [...]. P02 (US10).

Tem alguns profissionais que me passam quantas vezes tentaram puncionar [...] sei que isso não importa muito no diagnóstico dela, mas para mim, que sou mãe dela, importa [...]. P04 (US13).

Os médicos são bons, os enfermeiros são bons e estão sempre na volta, [...] hospital é muito bom, porque todas as vezes que eu tive aqui com ela vi que é muito bom. P08 (US2).

A segurança que eu tenho são os aparelhos ligados nela, o berço sempre aquecido pra manter ela quentinha, dar banho todos os dias nela também, é essa parte dos aparelhos nela. P13 (US10).

Com isso, cabe aos profissionais envolvidos procurar compreender as situações familiares, cada um dentro de seu contexto, e propor intervenções que auxiliem a lidar com as necessidades provenientes da hospitalização infantil. Dessa forma, pode-se facilitar a difícil etapa da vida desses familiares/cuidadores(19).

Nota-se que simples informações fazem toda a diferença, pois o familiar/cuidador consegue visualizar pontos positivos que influenciam para a melhora de seus filhos e ficam mais esperançosos nesse processo de hospitalização. Muitas vezes, as condições clínicas de uma criança internada em uma UTIP oscilam em limites estreitos, entre a vida e a morte.

A comunicação efetiva é algo que deve estar inserido no processo de hospitalização, principalmente dentro de uma UTIP, que trata de crianças vulneráveis a diversas situações, as quais se sentem temerosas diante da prática dos profissionais. Assim, tanto a criança quanto seu familiar/cuidador se sentirão mais seguros diante de uma relação dialógica. Sendo a comunicação uma necessidade humana básica, através dela é possível atender aos anseios do paciente em todas as suas dimensões(20).

Uma pesquisa aponta que o estado de saúde da criança hospitalizada gera uma tensão constante, tanto pela doença quanto pelo fato de a mãe tentar assumir alguns papéis de cuidadora e não receber orientações ou acompanhamentos adequados para isso. A mãe, então, acaba preocupando-se com qualquer movimentação de seu filho, não tendo com quem dividir suas angústias, desencadeando diversos conflitos, às vezes até com a equipe de saúde(14).

O atendimento à criança hospitalizada deve ser norteado por práticas seguras, com o objetivo de proporcionar bem-estar a ela e sua família. A segurança do paciente também pode ser a garantia de pertencer a uma família e a um lar, quando a equipe de saúde estabelece uma relação de empatia com os pais e familiares(7).

Percebe-se que o perfil profissional pode trazer consigo individualidades inerentes à sua prática com a criança e com a família. Entretanto, mesmo que normas e rotinas hospitalares possam afastar o profissional de saúde da criança hospitalizada e de sua família, é possível minimizar essa fragmentação e superficialidade por meio da escuta, do toque e do carinho com a criança nos momentos de cuidado.

 

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo mostraram a percepção de eventos adversos em uma unidade de tratamento intensivo, sob a ótica do familiar cuidador com enfoque na segurança do paciente em UTIP.

Uma internação em UTI é algo assustador na vida de qualquer ser humano. No caso de um paciente pediátrico que necessita desse serviço, na maioria das vezes a família relaciona a hospitalização ao sentimento de perda/morte, justamente por ser uma unidade onde internam pacientes de alta gravidade e complexidade. Os dados da pesquisa revelaram que é comum a criança e sua família encontrarem-se inseguros e desprotegidos no processo de hospitalização em uma UTIP.

Em relação aos profissionais que aí atuam, foi possível identificar uma limitação no cuidado ofertado à criança, sendo que alguns apontaram o exercício de um cuidado predominantemente tecnicista. Entende-se que a urgência de condutas pró-vida, em várias circunstâncias, pode levar a um cuidado dirigido à recuperação das funções vitais, deixando de lado a preocupação com o não dito e nem percebido no imediatismo do cotidiano.

Diante das informações obtidas pelo familiar/cuidador, percebeu-se que muitos dos eventos adversos relatados foram relacionados à equipe de enfermagem, principalmente na prática assistencial e pelo pouco conhecimento científico para realização de alguns procedimentos. Já em relação à equipe médica, verificou-se como uma negligência ao familiar/cuidador a falta de informação sobre o estado de saúde da criança hospitalizada.

Identificou-se ainda que o familiar/cuidador reconhece estratégias que podem representar a segurança da criança na UTIP, como: a presença de vários profissionais, a tecnologia avançada, a existência de profissionais de grande excelência em seu atendimento ofertando um cuidado integral às crianças e a proximidade com a família/cuidador.

Na literatura, encontram-se estudos mais relacionados ao erro médico e ao erro de medicações, mas nenhum específico sobre o cuidado ofertado à criança na UTIP sob a ótica do familiar/cuidador. Dessa forma, salienta-se a importância de a enfermagem – e das demais categorias profissionais que trabalham de uma forma direta/indireta com a saúde da criança – desenvolver mais estudos nessa temática, possibilitando conhecer novos indicadores de segurança no cuidado à criança gravemente enferma.

 

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Artigo recebido em 18/01/2011.

Aprovado para publicação em 22/04/2012.

Artigo publicado em 30/06/2012.

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