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Relações Internacionais (R:I) - A internacionalização da questão de Timor-Leste

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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.25 Lisboa mar. 2010

 

A internacionalização da questão de Timor-Leste

 

José Júlio Pereira Gomes

Diplomata. Embaixador de Portugal na República Checa. Em 1999, chefiou a missão portuguesa de observação do processo de consulta popular em Timor-Leste. Entre outras funções desempenhadas, esteve colocado na Missão Permanente de Portugal junto das Nações Unidas em Genebra onde foi responsável pelas questões dos direitos humanos e desarmamento.

 

O artigo trata o processo que levou à internacionalização da questão de Timor-Leste após a invasão e ocupação indonésia, ocorrida a 7 de Dezembro de 1975. O modo como o problema foi examinado na e pela Organização das Nações Unidas constituirá o essencial da análise, embora a questão de Timor-Leste tenha sido discutida em muitas outras instâncias e fora internacionais.

Palavras-chave: Timor-Leste, ONU, Portugal, Indonésia

 

The internationalization of the East Timorese question

This article deals with the process that led to the internationalization of the East Timorese question, after the Indonesian invasion and occupation that occurred on December 7, 1975. The way how the question has been examined in and by the United Nations constitutes the core of the analysis, despite the question being discussed at other international forums.

Keywords: East Timor, United Nations, Portugal, Indonesia

 

Podemos situar a questão da internacionalização de Timor-Leste em vários momentos da sua história: no século xvi, quando os Portugueses chegaram ao território; quando se verificaram vários conflitos com os holandeses (séculos xvii e xix) para a fixação de fronteiras[1]; na II Guerra Mundial, quando se discutiu, em particular, o problema da neutralidade de Portugal no conflito, se deu a invasão australiana – seguida pelo Japão – e se debateu o destino a dar ao território no final da guerra[2]; ou, ainda, em 1960, quando pela Resolução 1542 (XV), de 15 de Dezembro de 1960, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) colocou Timor-Leste («Timor e suas dependências») na lista dos territórios não autónomos e, como tal, titular do direito à autodeterminação.

Proponho-me, no entanto, examinar apenas o processo que levou à internacionalização da questão de Timor-Leste após a invasão e ocupação indonésia, ocorrida a 7 de Dezembro de 1975. O modo como o problema foi examinado na e pela Organização das Nações Unidas (ONU), constituirá o essencial da minha análise, embora a questão de Timor-Leste tenha sido discutida em muitas outras instâncias e fora internacionais.

 

PROCESSO DE DESCOLONIZAÇÃO (1974-1975)

Em 1974, quando se dá a mudança de regime em Portugal, Timor vivia numa relativa calma e abandono. As elites locais participavam de uma ou outra forma na administração pública local e não existia qualquer movimento de libertação nacional reivindicando a descolonização do território. A Indonésia, pelo seu lado, não tinha, até então, feito qualquer reivindicação sobre o território[3].

É a mudança política verificada em Portugal em 1974 que coloca na agenda a questão da autodeterminação.

E, nessa sequência, surgiram em Timor basicamente três posições quanto ao futuro do território corporizadas, no essencial, em três partidos: i) a União Democrática Timorense (UDT), que defendia a continuação da ligação a Portugal, pelo menos durante alguns anos; ii) a Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN), que defendia a independência; iii) a Associação Popular Democrática Timorense (APODETI), que defendia a integração na Indonésia[4].

Estas posições de base vão evoluir no decurso do processo de descolonização, entre o 25 de Abril de 1974 e a invasão a 7 de Dezembro de 1975. Foi, nomeadamente, o caso da UDT que, depois de defender a fórmula de uma «autonomia progressiva… à sombra da bandeira de Portugal» e a «integração de Timor numa comunidade de língua portuguesa», acabou por aderir à tese da independência e, mais tarde, defendeu ou aceitou a integração.

 

POSIÇÃO DE PORTUGAL

A posição de Portugal foi a de, no plano dos princípios, aceitar qualquer solução, desde que a mesma resultasse de um acto livre de autodeterminação dos timorenses. O ambiente político internacional e o clima político reinante em Portugal nos anos 1974-1975 não era, porém, de molde a credibilizar a ideia de que Portugal poderia continuar a assumir a responsabilidade pela administração de Timor; a menos que isso fosse o desejo claro e incontestado da grande maioria da população de Timor e não implicasse custos financeiros e humanos excessivos para um país em profunda mutação política e em grave crise político-económica.

Ao mesmo tempo vários responsáveis políticos portugueses exprimiram, de variadas maneiras, a opinião de que o território não teria capacidades nem recursos para se constituir em Estado independente[5].

Desta maneira – e ainda que não o tenha defendido expressamente, a nível oficial –, Portugal acabou por, objectivamente, credibilizar a opção de integração. Isso resulta do facto de não considerar possível, nem revelar o desejo, nem dispor dos meios, para continuar a administrar o território por muito tempo e de se considerar irrealista a opção de independência, deixando assim como única alternativa possível, na prática, a integração na Indonésia[6].

O facto de Portugal, ao longo do processo, ter mantido um diálogo privilegiado com a Indonésia sobre o futuro de Timor – politicamente compreensível e mesmo necessário – acabou, no entanto, por fornecer alguma legitimação às suas pretensões.

Julgo que são de destacar, em particular, três encontros entre Portugal e a Indonésia.

O primeiro tem lugar em Lisboa, a 16 de Outubro de 1974. A delegação indonésia foi chefiada pelo general Ali Muertopo e encontrou-se com o Presidente Costa Gomes, o primeiro-ministro Vasco Gonçalves e o ministro dos Negócios Estrangeiros Melo Antunes. Antes já o embaixador da Indonésia em Bruxelas, Frans Seda, se tinha deslocado a Lisboa, em Julho de 1974.

Segundo relatos credíveis, Portugal terá aceite que a integração seria o melhor para Timor. O então ministro para a Coordenação Interterritorial, Almeida Santos, em visita a Timor nessa altura, recebeu um telegrama para, em público, não colocar a independência ao nível das outras duas opções[7].

O segundo encontro tem lugar em Londres, a 9 de Março de 1975. A delegação da Indonésia é chefiada pelo general Muertopo e encontra-se com os ministros Vítor Alves, Almeida Santos e o secretário de Estado do ministro dos Negócios Estrangeiros, Jorge Campinos[8]. Portugal terá afirmado então que nada faria para dificultar a integração de Timor na Indonésia, e nada faria a favor da ligação a Portugal. Mais, Portugal terá dado conselhos à Indonésia quanto à forma de cativar os timorenses para a sua causa, sugerindo-lhe, por exemplo, a substituição do cônsul em Díli, a ajuda económica a Timor e uma melhor utilização da Rádio Kupang[9].

O terceiro encontro realiza-se em Roma, de 1 a 2 de Novembro de 1975. Os ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Indonésia (Melo Antunes e Adam Malik) discutem aí a situação crítica que se vivia no território, sem a presença de qualquer força política timorense e assinam um «memorando de entendimento». A Indonésia, dando mostras de grande duplicidade – pois preparava activamente a invasão – apoiou o principio da retoma das conversações «entre Portugal e todos os partidos políticos» timorenses e declarou reconhecer «Portugal como a única autoridade em Timor Português até ao momento em que o Povo de Timor Português possa exercer os seus direitos legais de autodeterminação». A Indonésia, por outro lado, propõe a Portugal a criação de uma força militar conjunta para intervir em Timor, o que Portugal rejeita[10].

À fragilidade da posição portuguesa juntou-se uma situação política difícil em Timor-Leste, com uma radicalização de posições e um agudizar das divergências entre as forças políticas timorenses que inviabilizaram a formulação de uma posição consensual, que Portugal pudesse apoiar.

Descontadas as nuances e flexões que exibiu ao longo do processo, Portugal acabou por, objectivamente, rejeitar a possibilidade de continuar por muito tempo com a responsabilidade de administrar o território, por incapacidade política e económica de, naquela altura, assegurar essa responsabilidade, e por temer acusações de neocolonialismo.

A Lei 7/75, de 17 de Julho, que finalmente definiu o processo de descolonização de Timor, determinava a eleição de uma Assembleia Popular, em Outubro de 1976, a quem caberia decidir o futuro político do território. Mas a lei deixava claro que Portugal cessaria «todas e quaisquer prerrogativas de soberania e administração» a partir do «terceiro domingo de Outubro de 1978».

A posição portuguesa retirou, em particular, credibilidade àqueles que em Timor – como a UDT – preconizavam a continuação de uma ligação estreita com Portugal. E terá sido uma das causas da mudança de atitude dos líderes da UDT, que passaram a defender a independência, tendo mesmo estabelecido, em Janeiro de 1975, uma aliança com a FRETILIN, que veio a desfazer-se a 27 de Maio do mesmo ano. Mais tarde, temendo o predomínio da FRETILIN, a UDT tenta obter a independência sozinha, através do golpe de 10-11 de Agosto de 1975, com o argumento que só uma independência controlada pela UDT seria aceite pela Indonésia[11]. Finalmente, derrotada pela FRETILIN, passam a defender ou a aceitar a integração na Indonésia, que formalmente solicita, na chamada declaração de Balibó de 29 (30) de Novembro de 1975[12], depois de a FRETILIN ter declarado a independência, a 28 de Novembro de 1975.

 

POSIÇÃO DA INDONÉSIA

A Indonésia definiu, desde o princípio, que a única opção era a integração.

Esta posição, assumida em 1974, contrariava aquilo que tinha sido até aí a posição oficial da Indonésia e o seu anticolonialismo militante, ainda que menos marcado depois do afastamento de Sukarno pelo golpe militar de 1965. Com efeito, até aí, nunca a Indonésia tinha reivindicado a anexação do território.

A argumentação básica para esta mudança era a da inviabilidade de um Estado independente que, para sobreviver, se tornaria inevitavelmente numa quinta coluna de potências estrangeiras, isto é, da Rússia ou da China comunistas. O que era inaceitável para a Indonésia e mal visto pelo Ocidente, em plena Guerra Fria.

A Indonésia, sabe-se hoje, lançou desde o princípio, em 1974, uma «operação especial», político-militar, tendo em vista a anexação de Timor-Leste. Pacificamente, se possível, ou pela força, se necessário, como veio a suceder[13].

 

POSIÇÃO DA AUSTRÁLIA

A Austrália defendia, igualmente, que por razões de estabilidade regional, a única opção era a integração. Disse-o à Indonésia logo no início do processo e revelou-se disponível para, activamente, ajudar a materializar essa opção. Mas considerava necessária uma decisão válida dos timorenses nesse sentido[14].

Acabou, no entanto, por aceitar que tal integração fosse feita pela força, esperando que a integração se tornasse um facto consumado. E veio a reconhecê-la, de jure, logo em 1979.

Aparentemente, todos os actores internacionais, exteriores a Timor-Leste, achavam que a melhor opção para Timor era a integração na Indonésia. Menos os interessados, os timorenses, que revelavam pouca simpatia por essa opção.

 

INTERNACIONALIZAÇÃO

Quando, a 7 de Dezembro de 1975, a Indonésia consuma a invasão de Timor-Leste, quase ninguém acreditava que fosse possível reverter essa situação. A integração de Timor-Leste era dada como irreversível.

 

OCUPAÇÃO IRREVERSÍVEL

No plano militar, a vitória da Indonésia parecia não oferecer dúvidas, dada a desproporção das forças em presença.

No plano político, a Indonésia tinha muitos trunfos do seu lado.

O clima de Guerra Fria, de confrontação entre o Ocidente e o mundo socialista, que atingia nesse momento um pico importante com a derrota dos Estados Unidos no Vietname, no Laos e no Camboja, favorecia a Indonésia. O regime indonésio resultava de um golpe sangrento, realizado em 1965, essencialmente contra o Partido Comunista Indonésio, de inclinação pró-chinesa[15]. A Indonésia era vista no Ocidente como um baluarte anticomunista. Podia pois contar com o seu apoio ou tolerância contra a vitória da FRETILIN que era descrita, mal ou bem, como sendo um movimento de inspiração comunista.

Por outro lado, a Indonésia podia também beneficiar das divisões do mundo comunista e da rivalidade entre a URSS e a China Popular.

A URSS terá considerado que a questão de Timor-Leste não merecia um empenho activo e, embora votando ao lado de Timor-Leste, nada fez para contrariar os intentos da Indonésia, sua aliada objectiva na rivalidade sino-soviética, a que então se assistia.

A China Popular, que de facto apoiou de forma mais activa a causa de Timor-Leste, estava ainda em plena Revolução Cultural, não podendo dar – em razão da sua capacidade e estilo de actuação internacional – um apoio decisivo para contrariar a integração.

A Indonésia era – e é – uma importante potência regional do Sudeste Asiático e membro-chave da ASEAN. Sendo a maior nação muçulmana do mundo, poderia contar também com a solidariedade dos países muçulmanos.

É verdade que, em grande medida pela acção diplomática do grupo dos cinco palop e da liderança timorense no exterior, a Indonésia não conseguiu, no entanto, evitar a adopção de resoluções condenatórias por parte do Movimento dos Não-Alinhados, de que era membro muito influente, como sucedeu em Colombo, em 1976, e Havana, em 1979.

Pelo seu lado, Portugal, a potência administrante, vivia em 1975, uma crise política grave. Recorde-se que a invasão indonésia se dá alguns dias após o golpe de 25 de Novembro de 1975. Naquele momento, Portugal tem sérias dificuldades para formular uma política coerente para Timor-Leste e muito menos de a levar à prática de forma consistente.

Finalmente, apesar de ser claro o domínio de facto da FRETILIN, uma boa parte da elite timorense, dos quadros da administração pública, aceitavam a integração; porque a desejavam de facto ou porque não viam alternativa política credível. Este facto fornecia, aparentemente, um bom ponto de partida para que a Indonésia viesse a conseguir obter a aceitação da integração por parte da população. 

A Indonésia tenta explorar este trunfo, apresentando a invasão como o envio de «voluntários» em resposta a um pedido dos timorenses e colocando formalmente timorenses nas posições-chave da governação de Timor.

 

INTERNACIONALIZAÇÃO NOMINAL (1975-1976)

Após a invasão, Portugal leva, finalmente, o assunto ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, dando origem ao que chamaria a internacionalização nominal ou formal da questão de Timor-Leste.

Isto é: o problema de Timor-Leste passa a estar na agenda das Nações Unidas (nu), do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral mas, depois dos debates de 1975 e 1976, fica adormecido até meados dos anos 1980, altura em que lentamente começa a reviver, para a partir do massacre de Santa Cruz, ocorrido a 12 de Novembro de 1991, se afirmar claramente, no plano internacional, como um problema real a carecer de solução.

No próprio dia da invasão, a 7 de Dezembro de 1975, Portugal escreve ao presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) declarando-se «incapaz de restabelecer a paz em Timor ou de assegurar que o processo de descolonização seja concluído de modo pacífico e negociado, com respeito pela Carta e resoluções das NU».

Portugal pede então uma reunião urgente do CSNU de modo a pôr fim à «agressão militar Indonésia» e permitir que «o processo de descolonização continue sob os auspícios das Nações Unidas».

Importa notar que até este momento, até à invasão, Portugal tinha-se recusado a «internacionalizar» o processo de descolonização de Timor-Leste. As Nações Unidas iam sendo informadas da evolução do processo mas a sua condução continuava nas mãos de Portugal.

Mesmo depois de a FRETILIN ter declarado a independência (a 28 de Novembro de 1975) e de os partidos integracionistas terem de imediato declarado a integração na Indonésia[16], Portugal, em cartas ao secretário-geral das NU de 29 de Novembro de 1975 e de 1 de Dezembro de 1975, pede a cooperação das NU e anuncia que, dada a situação, «será obrigado a recorrer aos órgãos internacionais competentes», mas não o faz, ainda.

As razões para Portugal não ter internacionalizado o processo de descolonização antes são múltiplas. Poderíamos enumerar as seguintes. Em primeiro lugar, por uma questão de orgulho nacional. Entregar o processo às NU seria revelar incapacidade. Acresce que, se conduzíamos, mal ou bem, o processo de descolonização em África (em particular em Angola e em Moçambique) não faria sentido não o fazermos em relação a Timor-Leste.

Em segundo lugar, nessa época, a capacidade das NU, incluindo o CSNU, para intervir na solução de conflitos era limitada, paralisada que estava, em período de Guerra Fria, pela rivalidade entre o Ocidente e o campo socialista.

Finalmente, a Indonésia não o desejava. A Indonésia terá considerado que para atingir os seus intentos – a integração – seria mais fácil fazê-lo através da eventual cooperação e acordo de Portugal do que através das NU. Portugal, de resto, sabendo isso, aquando do encontro de Londres, em Março de 1975, ameaçou internacionalizar o conflito, caso não fosse possível obter um acordo sobre o processo de descolonização, fazendo assim pressão sobre a Indonésia.

Colocado o assunto ao CSNU este adopta, quinze dias depois (a 22 de Dezembro de 1975) e por unanimidade, a Resolução n.º 384 (1975). A ag, por seu lado, tinha adoptado dias antes, a 12 de Dezembro de 1975, a Resolução n.º 3485 (XXX) sobre o mesmo tema.

Ambas as resoluções respondem, na sua formulação, às necessidades do momento: condenam a intervenção da Indonésia; exigem a retirada «sem demora» das suas forças e o respeito do direito à autodeterminação do povo timorense e reafirmam a condição de Portugal como potência administrante.

O CSNU encarrega o secretário-geral de acompanhar a execução da sua resolução e de enviar, com urgência, um representante especial a Timor-Leste para examinar a situação e para tomar contacto com todas as partes no território e todos os estados interessados de modo a assegurar a aplicação da resolução.

O director-geral das NU em Genebra, Vittorio Winspeare Guicciardi, é nomeado, a 29 de Dezembro de 1975, representante especial do secretário-geral e efectua uma visita à região, entre Janeiro e Fevereiro de 1976, estando cerca de três dias em Timor-Leste.

Na sequência dessa visita o CSNU volta a reunir-se e a 22 de Abril de 1976 adopta nova resolução.

Nessa nova resolução, a n.º 389 (1976), o CSNU volta a exigir a retirada das forças indonésias e o respeito do direito à autodeterminação do povo timorense; solicita ao secretário-geral que acompanhe a execução da resolução, mantendo em funções o seu representante especial, e que informe o CSNU «tão cedo quanto possível». Portugal, na sua intervenção perante o CSNU, tinha especificamente solicitado o prolongamento do mandato do secretário-geral, o que foi aceite.

A resolução é aprovada sem votos contra, mas os Estados Unidos e o Japão abstêm-se, demonstrando assim a inexistência de vontade política de confrontar a Indonésia e tornando claro que a acção das NU era mero pró-forma para salvar as aparências.

Com efeito, anos mais tarde, o embaixador representante permanente dos Estados Unidos no CSNU declarou que tinha instruções para agir de modo a que as NU fossem totalmente ineficazes em qualquer medida que tomassem[17]. E assim aconteceu[18].

Entretanto, no território, a Indonésia consumava a ocupação e procurava legitimar a sua presença.

Dias depois da invasão, a 17 de Dezembro de 1975, é formado em Timor um «Governo Provisório» chefiado por Arnaldo dos Reis Araújo[19], líder da APODETI. A Indonésia passa a dizer que só retiraria os seus «voluntários» mediante um pedido do «Governo Provisório» e este, obviamente, não o solicita.

A 31 de Maio de 1976 a Indonésia faz reunir em Díli uma «Assembleia Popular», constituída por 37 membros, que aprova o pedido de integração.

A Indonésia convida o CSNU a visitar o território ao mesmo tempo que uma delegação indonésia o faria para, supostamente, apurar a real vontade dos timorenses. O CSNU declina o convite.

A 17 de Julho de 1976, o Parlamento indonésio aprova, por unanimidade, a Lei 7/76, que incorpora Timor-Leste como a 27.ª província indonésia. Em Dezembro de 1976, a Assembleia Geral das NU, pela Resolução n.º 31/53, rejeita essa integração e considera que o povo timorense não teve ainda a oportunidade para exercer livremente o seu direito à autodeterminação. A partir de 1976, no âmbito das NU, a questão de Timor-Leste começa a perder relevância.

O CSNU, embora o pudesse fazer, não volta a examinar a questão. O secretário-geral embora dispusesse de um mandato do CSNU para agir, não o faz. A Assembleia Geral adopta anualmente uma resolução sobre o tema, mas os apoios são cada vez menores. A resolução aprovada pela Assembleia Geral em 1975 contou com uma clara maioria absoluta (72 votos a favor, 10 contra e 43 abstenções). Mas em 1981 já só votam a favor 54 países, e há 42 que votam contra e 46 abstenções.

Em 1982, perante o risco de se perder a votação, Portugal decide mobilizar-se. Apesar dessa grande mobilização a resolução (37/30) é adoptada à tangente, com 50 votos a favor, 46 contra (na realidade foram 48, pois dois países que não participaram no voto declararam que votariam contra) e 50 abstenções.

A generalidade dos países ocidentais não apoia a posição de Portugal. A maioria abstém-se. Países importantes como os Estados Unidos, a Austrália, o Canadá, o Japão, a Nova Zelândia e a Turquia, votam contra. Apenas a Irlanda, a Islândia, Chipre e a Grécia – por razões que se compreendem se nos recordarmos da situação vivida no Norte de Chipre – votam a favor.

O elemento positivo da resolução de 1982, que se veio a revelar posteriormente de grande importância, foi o facto de ela pedir ao SG para «iniciar consultas com todas as partes directamente envolvidas, com o objectivo de explorar formas de obter uma solução global do problema».

O secretário-geral deveria apresentar um relatório na sessão seguinte da Assembleia Geral, em 1983. Mas com o pretexto de que as consultas prosseguiam o tema foi sucessivamente adiado até 1999, permitindo assim manter a questão de Timor-Leste formalmente na agenda das NU.

A acção de Portugal no âmbito das Nações Unidas, de 1976 até meados dos anos 1980, é reduzida limitando-se a pouco mais do que a pronunciar a intervenção anual no plenário da Assembleia Geral ou no Comité de Descolonização[20].

É essencialmente a liderança timorense no exterior (em que se destacam José Ramos-Horta, Abílio Araújo, Roque Rodrigues, Mari Alkatiri e José Luís Guterres), com o apoio activo dos cinco países africanos de língua oficial portuguesa, que mantém a questão viva e promove a apresentação de resoluções na Assembleia Geral das NU.

Essa relativa inacção de Portugal manifesta-se, curiosa e sintomaticamente, na nossa primeira participação no Conselho de Segurança, de 1979 a 1980, e ainda na nossa primeira participação na Comissão dos Direitos Humanos (1979-1981)[21]. Com efeito, não encontrei qualquer registo que demonstre os termos utilizados, uma ou outra dessas posições, para promover a questão de Timor-Leste[22].

O silêncio de Portugal, em particular no Conselho de Segurança, que formalmente mantinha a questão na sua agenda, por força das resoluções 384 (1975) e 389 (1976), só se explica, parece-me, pelo sentimento de impotência e a convicção de que, naquela altura, não era possível alterar a situação.

Na verdade, chegámos ao CSNU no momento em que a resistência militar à ocupação parecia ter recebido um golpe fatal, com a morte em combate, a 31 de Dezembro de 1978, de Nicolau Lobato, o seu primeiro verdadeiro líder.

A relativa inacção de Portugal, no plano internacional, durante este período, foi naturalmente muito criticada pelos representantes da resistência[23] e mesmo pelo bispo Ximenes Belo que, na carta que dirigiu ao secretário-geral das NU, em 1989, acusa Portugal de querer «deixar ao tempo a resolução do problema».

Como explicar esta inacção?

Para além do reflexo das posições de partida quanto ao que Portugal achava ser o melhor ou politicamente possível para Timor, arriscaria as seguintes razões. Como antes referi, a generalidade dos dirigentes políticos portugueses, mesmo que o não dissessem abertamente, considerava a situação de integração como irreversível. O colosso indonésio não abandonaria o território e não parecia existir então nada nem ninguém que o fizesse mudar de posição[24]. Os primeiros anos de ocupação são anos da consolidação da democracia em Portugal. A questão de Timor não era uma prioridade num momento em que o próprio regime está permanentemente em questão.

Nos primeiros anos de integração o território está praticamente isolado do mundo exterior, sendo escassas as notícias e impossíveis de verificar as que nos chegam. A cnn e a internet ainda não existiam! O próprio Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) não tem acesso ao território nestes primeiros anos[25].

Num contexto de Guerra Fria exacerbada quase todos os nossos parceiros ocidentais apoiavam a Indonésia. Ora, depois da perda do império colonial, e de uma breve tentação terceiro-mundista, Portugal tinha optado por se integrar, ou reintegrar, plenamente nas estruturas do mundo ocidental: NATO, Conselho da Europa e União Europeia. E nesse ambiente Portugal sentia-se completamente isolado e incapaz de obter apoios para a sua posição.

A nossa defesa da causa timorense era vista, pela generalidade dos nossos parceiros, como uma atitude quixotesca, desprovida de realismo político.

Alguns países ocidentais faziam mesmo pressão junto de Portugal para deixar cair a questão[26]. Outros sugeriam que a defesa da questão de Timor poderia afectar a defesa dos interesses nacionais, não apenas junto do Ocidente mas também de alguns países muçulmanos aliados da Indonésia.

Nesta fase do processo, Portugal considerava que o problema de Timor-Leste era um problema político, que estava entregue aos órgãos competentes das Nações Unidas (ao CSNU, à Assembleia Geral, ao secretário-geral e ao Comité de Descolonização, o chamado Comité dos 24). Não fazia sentido abrir novas frentes, como, por exemplo, os Direitos Humanos, para tratar da questão.

A Indonésia estava numa posição de força e para ela o problema de Timor-Leste não existia, recusando-se por isso a qualquer negociação. Portugal, ao contrário, tinha por objectivo convencê-la a discutir e a negociar. E para isso não parecia, então, que fosse acertada uma política de confrontação.

Por outro lado, se a integração era vista como irreversível – ou se prolongaria por muito tempo –, então o melhor seria tentar melhorar de imediato as condições de vida dos timorenses e proteger a sua distinta identidade social, cultural e religiosa, antes que fosse tarde. Para isso, era de novo preciso obter a boa vontade da Indonésia, o que não se conseguiria com uma hostilização sistemática e virulenta.

Neste contexto, a ideia da abertura de um consulado português em Díli, com a consequente aceitação da integração, chegou a ser sugerida como a melhor maneira de defender a identidade timorense[27].

Foram todos estes factores que tornaram difícil elaborar e executar uma política que, simultaneamente, defendesse o direito à autodeterminação dos timorenses e tivesse em conta a difícil realidade política de então e as perspectivas quanto à sua evolução.

Mas, apesar desta relativa inacção, importa dizer que Portugal não deu nenhum passo em falso que prejudicasse a causa de Timor nem deixou de continuamente denunciar a ocupação e de defender o direito dos timorenses à autodeterminação não comprometendo nunca, por actos ou omissões, a sua posição de potência administrante.

É, aliás, curioso notar que é no momento em que se consuma a integração de Timor, e que começa a ser claro que as NU nada fariam para desalojar a Indonésia que, em Portugal, a Assembleia Constituinte aprova (a 31 de Março de 1976) o artigo 297 da Constituição de 1976, que dizia: «Portugal continua vinculado às responsabilidades que lhe incumbem, de harmonia com o direito internacional, de promover e garantir o direito à independência de Timor Leste».

 

DA INTERNACIONALIZAÇÃO NOMINAL À INTERNACIONALIZAÇÃO EFECTIVA

A partir de meados de 1980, Timor, de uma causa perdida, começa lentamente a afirmar-se como um problema sério a carecer de solução, o que vem a ser possível em 1999.

Esta mudança resulta essencialmente de três factores:

i) Da sobrevivência da resistência interna à ocupação.

ii) Da mudança da percepção internacional do problema de Timor-Leste.

iii) Da mudança de regime na Indonésia.

 

i) Sobrevivência da resistência interna à ocupação

O factor determinante dessa mudança foi, antes de mais, o facto de, contrariamente à expectativa da generalidade dos observadores, a resistência interna à ocupação, incluindo no plano militar, continuar viva ao fim de tantos anos, apesar de não ter qualquer apoio exterior.

Não foi a acção no exterior que gerou a internacionalização da questão de Timor, mas antes a persistência da resistência no interior que alimentou e possibilitou essa internacionalização.

Xanana Gusmão, numa mensagem aos timorenses na diáspora, a 1 de Maio de 1991, dizia acertadamente: «Tudo o que se desenrola, aí, no exterior, tem sido a resposta à situação desenvolvida no interior da Pátria.»[28]

A Igreja Católica timorense veio a desempenhar um papel de grande importância, não só no apoio espiritual, humano e material que deu ao povo – e mesmo aos membros da resistência – mas também na legitimação e credibilização internacional da resistência.

A Igreja Católica, após a invasão, colocou-se ao lado do povo, que passou a encontrar nela apoio e local de refúgio. Isso levou a que de igreja com uma influência reduzida na população no momento da invasão, viesse a registar uma grande adesão, com baptismos e conversões em grande número. A Igreja Católica resiste às tentativas de silenciamento que a Indonésia – e mesmo o Vaticano[29] – tentam impor. Depois de um período de relativo silêncio a Igreja Católica timorense começa a fazer ouvir a sua voz, denunciando a situação.

Num documento de 1981, elaborado pela Igreja de Timor-Leste, e dirigido aos religiosos indonésios, afirma-se que «a vontade do povo de Timor-Leste, aliás como desde o início, é ter o direito de determinar o seu próprio destino e não os massacres em massa que têm sido levados a cabo pelos seus vizinhos». E continua: «Também confessamos que ainda não compreendemos porque razão a Igreja Indonésia e a Igreja Romana não declararam oficial e abertamente a sua solidariedade com a Igreja, religiosos e povo de Timor-Leste. Talvez este seja para nós o golpe mais duro.»

Nesse mesmo ano de 1981, o bispo D. Martinho da Costa Lopes, que foi administrador apostólico de Díli de 1977 a 1983[30], denuncia, publicamente pela primeira vez, os crimes do Exército indonésio e pede, em carta dirigida à Caritas australiana, ajuda para o povo esfomeado.

A Igreja Católica denuncia não apenas a situação grave que se vivia, mas também reforça a ideia de que não estávamos apenas perante uma resistência armada isolada, mas perante uma rejeição generalizada da ocupação. Por causa dessas denúncias o bispo D. Martinho da Costa Lopes é afastado, sendo nomeado seu sucessor, em 1983, D. Ximenes Belo, considerado mais próximo das posições indonésias.

Porém, pouco depois, D. Ximenes Belo acaba por surpreender, ao assumir claramente a defesa do povo timorense e a necessidade da realização de um referendo, o que faz nomeadamente em carta que dirigiu, a 6 de Fevereiro de 1989, ao secretário-geral das NU e onde diz que o povo timorense estava «morrendo como povo e como nação».

Por outro lado, a liderança timorense consegue reforçar a sua unidade interna e muitos dos que tinham defendido ou apoiado a integração, juntam-se à resistência.

A 31 de Março de 1986 é assinado, em Lisboa, o acordo de «Convergência Nacionalista» que marca a unidade entre os líderes da FRETILIN e da UDT no exterior. Uma parte importante dos líderes da UDT, organização que tinha sido instrumental no processo de integração, vinham agora denunciar a ocupação e reforçar as fileiras da resistência diminuindo a legitimidade da ocupação.

A unidade entre as várias componentes da resistência política no exterior deu depois um salto qualitativo com a criação do Conselho Nacional de Resistência Timorense (CNRT), na Convenção de Peniche de 23 a 28 de Abril de 1998[31].

 

ii) Mudança da percepção internacional

Ao factor interno, que foi determinante, veio juntar-se um ambiente internacional mais favorável à defesa da causa timorense e que começou a verificar-se a partir de meados dos anos 1980. A mudança da percepção internacional do problema timorense deu um salto qualitativo com três acontecimentos ocorridos nos anos 1990: o massacre de Santa Cruz, a prisão e julgamento de Xanana Gusmão e a atribuição do prémio Nobel da Paz ao bispo Ximenes Belo e a José Ramos-Horta.

Citarei alguns factores dessa progressiva mudança internacional, incluindo acontecimentos em Timor-Leste, que, por sua vez, tiveram grande impacto internacional.

a) As conversações/negociações no âmbito das nu.

Na execução do mandato da Assembleia Geral, resultante da Resolução 37/30 (1982) o secretário-geral das NU vai promover, a partir de 1983, encontros com os ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Indonésia, o que permite dar alguma visibilidade ao problema.

Por imposição da Indonésia – que, numa primeira fase, se recusa a qualquer contacto com Portugal por considerar não haver nada para discutir, aceitando apenas falar com o secretário-geral e só em 1985 aceita um encontro a três – as discussões não tocam no cerne da questão e concentram-se, num primeiro momento, na questão da melhoria da situação humanitária tendo sido obtido, em 1985, um acordo sobre um programa de repatriamento humanitário e reunião de famílias (que já vinha desde 1979) e o repatriamento de antigos funcionários públicos, a cargo do CICV.

Depois, é debatida a possibilidade da visita de uma delegação parlamentar portuguesa, que chegou a estar prevista para ocorrer no final de 1991.

É no contexto destas conversações/negociações que se acorda no estabelecimento de um diálogo intratimorense, que colocou frente a frente timorenses favoráveis à integração e à independência. A primeira reunião deste tipo tem lugar na Áustria, em Junho de 1995.

E é no âmbito destas conversações que, em 1997, se iniciam verdadeiras negociações sobre o fundo do problema e, finalmente, se negoceia o acordo que levou ao referendo de 1999.

Apesar do alcance limitado que estes encontros tiveram, durante muitos anos, eles foram – logo que as condições internacionais o permitiram – o fio condutor e o palco central do processo político de negociação internacional que levou à independência de Timor-Leste.

Não foi por acaso que os Acordos de Nova York de 5 de Maio de 1999 são assinados, segundo as minhas contas, na 14.ª ronda de negociações ministeriais iniciadas em 1992 (retomadas depois de terem sido interrompidas após o massacre de Santa Cruz de 1991).

b) O papel da União Europeia

Com a entrada de Portugal na União Europeia (UE), a 1 de Janeiro de 1986 (então Comunidades Económicas Europeias), Portugal passou a poder utilizar a voz da UE para defender Timor.

Não foi um processo fácil, nem linear, dada a falta de convicção da generalidade dos nossos parceiros, mas foi possível ir introduzindo o tema de Timor na agenda da UE, nomeadamente nas suas relações com a Indonésia e a Associação do Sudeste Asiático (ASEAN), o que veio a revelar à Indonésia, progressivamente, os inconvenientes da sua posição.

O Parlamento Europeu adoptou a primeira resolução sobre Timor-Leste a 16 de Junho de 1980, referindo-se a Timor-Leste de forma algo confusa como «ocupação desta região pela Indonésia». Mas no ano da nossa adesão, em 1986, o Parlamento Europeu aprova, a 10 de Julho de 1986, uma nova resolução sobre Timor-Leste em que acolhe a posição do Governo português sobre o tema[32].  

c) A questão da violação dos direitos humanos, como denúncia da política indonésia

O Ocidente, e em particular a UE, veio a considerar, progressivamente, que a protecção e defesa dos direitos humanos é um aspecto central da nossa política externa. Houve que convencer os nossos aliados que, de facto, em Timor se assistia a uma flagrante violação dos direitos humanos, a começar pelo direito à autodeterminação.

Esta frente de combate, se assim me posso exprimir, foi aberta não por Portugal, mas por algumas organizações não governamentais (ong) e por peritos internacionais de direitos humanos que, em 1982, introduziram o tema nos órgãos das Nações Unidas que se ocupavam desta temática, a saber: a Comissão dos Direitos Humanos (CDH) e a sua subcomissão para a protecção de minorias, que se reuniam em Genebra todos os anos.

Com efeito, no Verão de 1982, a subcomissão, por proposta do perito francês, Louis Joinet, adopta uma resolução condenatória da Indonésia, mas também do silêncio da comunidade internacional.

Com essa resolução, a subcomissão submeteu directamente à CDH um projecto de resolução. E esta, em Março de 1983, aprova-a com 16 votos a favor, 14 contra e 10 abstenções. De novo os únicos países ocidentais que votam a favor são a Irlanda e Chipre. Todos os outros se abstêm (Finlândia, França, RFA, Itália, Países Baixos e Reino Unido) ou votam contra (Austrália, Canadá, Japão e Estados Unidos).

Portugal é de algum modo apanhado de surpresa por este desenvolvimento e, sintomaticamente, nas intervenções que então faz perante a subcomissão e a CDH, lamenta justamente o facto de a comunidade internacional não prestar atenção ao drama dos timorenses.

A Indonésia reage e mobiliza-se com o objectivo de retirar o assunto da agenda, o que vem de facto a conseguir. A CDH só volta a adoptar uma posição pública sobre a questão em 1992, após o massacre de Santa Cruz. A subcomissão, sendo composta por peritos independentes, foi adoptando, quase todos os anos, novas resoluções sobre o tema[33]. A partir de 1985, Portugal passa a suscitar este tema de forma activa e sistemática na CDH e na subcomissão.

Apesar da impossibilidade de fazer aprovar resoluções pela CDH, dado o apoio de que a Indonésia gozava, tinha sido aberta uma nova e importante frente de denúncia da situação no território. Esta plataforma, essencialmente de denúncia da situação, permitiu-nos – a Portugal, às ONG e à oposição timorense – fazer sentir à Indonésia os custos internacionais da sua política.

d) A visita do Papa João Paulo II a Timor-Leste

O Papa João Paulo II decide incluir Timor-Leste na visita que fez à Indonésia, em 1989. Na altura, a Indonésia tentou apresentar a visita como significando a aceitação da integração, tanto mais que o Papa não praticou o gesto de beijar a terra, o que sempre fazia quando visitava um país estrangeiro. Mas a visita, realizada a 12 de Outubro de 1989, forneceu uma excelente oportunidade para os jovens timorenses denunciarem a situação no território a assim chamar a atenção da comunidade internacional para o problema.

e) A queda do Muro de Berlim e a dissolução do império soviético

A queda do Muro de Berlim, a 9 de Novembro de 1989, e a subsequente dissolução do império soviético marcam uma mudança significativa na situação internacional.

Esta mudança foi altamente favorável à causa timorense. Não apenas porque a queda da URSS e do bloco socialista retirava força ao argumento, que a Indonésia sempre utilizou, do «perigo comunista» de um Timor independente, como, muito mais importante, tornou claro que não há situações irreversíveis. Isso era claramente demonstrado com o renascimento de nações ocupadas há mais de quarenta anos, nomeadamente os países bálticos.

f) Acção junto do Tribunal Internacional de Justiça

Em 1991, Portugal apresentou uma queixa no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), contra a Austrália, sobre a legalidade internacional do acordo que este país tinha assinado com a Indonésia, a 13 de Dezembro de 1989, para a exploração do petróleo do mar de Timor, considerando que esses dois países não poderiam dispor das riquezas dos timorenses sem o seu acordo o que, na circunstância, só Portugal poderia dar, como potência administrante.

O TIJ, na sua decisão de 30 de Junho de 1995 – altamente controversa – rejeitou a queixa por razões processuais (por 14 votos a favor e dois contra), considerando que para examinar a queixa portuguesa o tribunal teria de examinar a «legalidade» da acção indonésia e esta não era parte no processo. Mas o TIJ declarou – e isso foi muito importante – que Timor-Leste «permanece um território não autónomo, e o seu povo tem direito à autodeterminação».

g) Massacre no cemitério de Santa Cruz

O massacre de Santa Cruz, ocorrido a 12 de Novembro de 1991, marca uma mudança de paradigma no tratamento da questão de Timor-Leste pela comunidade internacional.

Não por ter ocorrido. Timor já tinha sido palco de muitos e mesmo mais graves massacres. Mas desta vez, graças à presença de jornalistas estrangeiros, como Max Stahl, Allain Nairn e Amy Goodman, o massacre foi filmado, o que possibilitou a sua divulgação nas televisões do mundo inteiro. A Indonésia, que vinha pretendendo que tudo estava bem em Timor-Leste, é desmentida de forma irrefutável.

A partir desse momento, e a partir desse facto, acontecimentos que eram más notícias para a resistência acabavam por transformar-se em oportunidades para defender a causa de Timor-Leste.

Foi o caso da prisão de Xanana Gusmão, um ano depois, a 22 de Novembro de 1992. Aquilo que à primeira vista seria uma vitória para a Indonésia, a prisão do líder da guerrilha, seguida aliás da prisão ou morte dos seus sucessores (prisão logo no ano seguinte, em Março de 1993, do seu sucessor Ma’Huno e morte acidental, a 11 de Março de 1998, do novo líder, Konis Santana[34] e morte ainda de outros líderes importantes como David Alex) acabou por fornecer à causa timorense uma excelente plataforma para a denúncia da ocupação[35].

Xanana Gusmão na prisão tornou-se para muitos o Nelson Mandela da causa timorense[36].

Podemos dizer que Xanana Gusmão na prisão tornou-se uma arma mais eficaz contra a Indonésia do que se tivesse continuado a dirigir as operações militares na montanha.

Se, nos primeiros anos, a componente militar tinha sido essencial para legitimar e credibilizar a resistência, agora, na nova situação, após o massacre de Santa Cruz, a acção política tinha-se tornado fundamental para defender a causa timorense. E a prisão acabou por fornecer ao líder da resistência um palco mais eficaz que as montanhas de Timor.

É curioso que na sua defesa, em 1993, Xanana Gusmão dá conta desta mudança de prioridades. Reconhece a derrota militar. Mas, acrescenta, a Indonésia deve reconhecer a sua derrota política e, de forma premonitória, diz: «a ruptura com a actual situação é uma necessidade histórica. Se hoje não se faz, o futuro será testemunha da irreversibilidade das mudanças.»[37]

h) Atribuição do prémio Nobel da Paz

A internacionalização, isto é, o reconhecimento de que Timor-Leste estava subjugado pela força e em violação dos seus direitos, obtém pleno reconhecimento internacional em 1996 com a atribuição do prémio Nobel da Paz ao bispo D. Ximenes Belo e a José Ramos-Horta. Este prémio, atribuído não apenas ao líder da Igreja Católica mas também ao líder da resistência no exterior, torna a legitimidade da luta dos timorenses inquestionável.

O massacre de Santa Cruz, a prisão de Xanana Gusmão e a atribuição do Nobel da Paz consagram a internacionalização efectiva da questão de Timor-Leste.

A partir deste momento, a imagem da Indonésia começa a estar seriamente afectada e a sua capacidade de manobra internacional fica limitada.

Timor-Leste tinha-se tornado uma «pedra no sapato» da Indonésia, como então terá afirmado o ministro dos Negócios Estrangeiros indonésio, Ali Alatas. A Indonésia começa a revelar alguns sinais de desconforto e alguma abertura para procurar novas vias para a solução do conflito.

i) Novo dinamismo das Nações Unidas

É neste novo contexto que Kofi Annan – que iniciou em Janeiro de 1997 o mandato de secretário-geral das Nações Unidas –, se vai empenhar de forma activa no cumprimento dos «bons ofícios» que a Assembleia Geral lhe tinha atribuído pela Resolução n.º 37/30 de 1982 aproveitando plenamente as potencialidades do novo ambiente internacional.

Sem demoras, logo a 12 de Fevereiro de 1997, nomeou o embaixador Jamsheed Marker (antigo embaixador do Paquistão nas NU), seu representante pessoal para a questão de Timor-Leste, o qual, ainda nesse ano, entre 16 e 23 de Dezembro de 1997, visita a Indonésia e Timor-Leste, encontrando-se com Xanana Gusmão na cadeia de Cipinang.

Era a segunda vez que um representante do secretário-geral das NU visitava Timor. Mas a primeira – então um representante especial – tinha ocorrido vinte e um anos antes, no já distante ano de 1976.

Na ronda de conversações entre os ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Indonésia, realizadas de 19 a 20 de Junho de 1997, a Indonésia revela, pela primeira vez, disponibilidade para discutir a fundo o problema.

O processo político, no âmbito das Nações Unidas, entra numa nova fase. As «conversações» entre Portugal e a Indonésia passam a designar-se «negociações», incluindo ao nível de «altos funcionários»[38] e não apenas ministros, e passam a ter por objectivo «explorar possíveis arranjos políticos para Timor-Leste sem, neste momento, determinar se esses arranjos conduzirão a uma solução transitória ou a uma solução definitiva da questão».

 

iii) A mudança de regime na Indonésia

Mas tudo isto não era suficiente para desatar o nó górdio que a ocupação representava. Por si só, a condenação internacional não chegava para alterar a situação. O regime indonésio estava suficientemente blindado e preparado para resistir à condenação internacional, apesar dos efeitos negativos que a questão implicava para a imagem internacional da Indonésia. O regime continuava a não revelar a flexibilidade necessária para resolver o problema. Essa inflexibilidade fazia parte da sua natureza, de regime autoritário personalizado pelo Presidente Suharto.

Em qualquer caso, a Indonésia temia que uma cedência em Timor pudesse ter um efeito dominó, que colocasse em causa a unidade do país, atendendo nomeadamente à existência de movimentos separatistas activos, em particular no Aceh e Irian Jaya, e à existência de tensões nas várias componentes da nação indonésia (Molucas, Sulawesi).

Era necessária uma mudança do regime vigente na Indonésia para abrir o caminho à efectiva solução do problema de Timor-Leste. E assim foi. A crise financeira asiática de 1997 provocou ondas de choque na Indonésia com os estudantes e a população a exigirem reformas políticas e económicas. A partir de Fevereiro de 1998, os manifestantes nas ruas de Jacarta passam a pedir a demissão de Suharto.

Muitos vinham especulando com a ideia de que só com a saída de cena do Presidente Suharto seria possível introduzir as necessárias reformas democráticas no sistema e isso, por sua vez, permitiria encontrar uma solução para Timor-Leste.

Mas, apesar dos seus 76 anos de idade, Suharto faz-se reeleger, a 10 de Março de 1998, já em plena crise, para um sétimo mandato. O mandato vai durar pouco tempo. A 21 de Maio de 1998, dois meses depois de ser reeleito, o Presidente Suharto demite-se. E o seu Vice-Presidente, Habibie, sucede-lhe no lugar. O Presidente Habibie traz para a governação uma agenda reformadora, em sintonia, aliás, com o movimento político em curso na Indonésia.

Relativamente a Timor-Leste, o Presidente Habibie torna claro que a questão constitui um problema que importa resolver. E decide tomar a iniciativa e proceder a uma importante mudança de posição.

 

A PROPOSTA DE AUTONOMIA

A 18 de Junho de 1998, o ministro dos Negócios Estrangeiros Ali Alatas vai a Nova York oferecer ao secretário-geral das NU a concessão de um estatuto de autonomia especial para o território, dentro da Indonésia. A Indonésia propunha-se dar uma autonomia geral ao território guardando para o governo central as competências relativas à defesa, às relações externas e a alguns aspectos monetários e fiscais. Na sequência desta oferta, o segundo semestre de 1998 é preenchido com intensas negociações sobre o conteúdo, alcance e modo de implementação da proposta de autonomia, através de reuniões a nível ministerial e de altos funcionários.

Ao mesmo tempo, os ventos de abertura que se verificavam na Indonésia chegam a Timor, o que leva a tensões e conflitos sérios, uma vez que as forças indonésias não estavam preparadas para conviver com as actividades dos partidários da independência.  

A autonomia, como forma transitória de preparação de um processo de autodeterminação, era desde há muitos anos defendida pela resistência timorense. A proposta indonésia ia, assim, no bom sentido. Mas continha, fundamentalmente, uma falha: a Indonésia pretendia que a autonomia fosse a solução definitiva da questão de Timor-Leste. Em si mesmo, esse facto não constituiria um problema, desde que os timorenses tivessem a possibilidade de, democraticamente, escolher ou rejeitar a autonomia. Sem isso, a fórmula de autonomia só poderia ser, para Portugal e para os timorenses, uma fórmula provisória, até que fosse dada aos timorenses a oportunidade de decidirem o seu futuro.

Ora a Indonésia não aceitava então a realização de uma consulta ou referendo aos timorenses. Mais, a Indonésia continuava a negar aos timorenses a participação directa nas negociações pelo que a sua liderança não tinha sequer acesso formal aos documentos que estavam sobre a mesa das negociações.

Este impasse veio a ser ultrapassado por uma segunda e radical mudança de posição por parte da Indonésia.

A 27 de Janeiro de 1999, a Indonésia anuncia à imprensa que a proposta de autonomia só poderia ser uma solução definitiva. Se os timorenses a não aceitassem então a Indonésia estava pronta para se retirar de Timor.

A Indonésia admite, pela primeira vez, duas ideias que até aí eram tabu: que a integração não era irreversível e que seriam os timorenses a decidir o seu futuro.

Para a mudança de posição indonésia terá contribuído a mudança de posição da Austrália e, nomeadamente, uma célebre carta que o primeiro-ministro australiano, John Howard, enviou ao Presidente Habibie, a 19 de Dezembro de 1998.

Curiosamente, nessa carta a Austrália elogia a proposta de autonomia dentro da Indonésia e considera que é a melhor opção para Timor. Mas lamenta que as negociações, conduzidas pelas NU, não estivessem a produzir os resultados desejados, havendo um endurecimento de posições em Timor-Leste. Uma das deficiências das negociações, considerava o primeiro-ministro australiano, era o facto de elas não incluírem os próprios timorenses. Por isso, sugere a carta, a Indonésia deveria negociar directamente com os líderes timorenses, pois se por essa via chegassem a um acordo, a dimensão internacional ficaria resolvida[39]. Esta crítica/sugestão do aliado australiano parece ter enfurecido as autoridades indonésias.

Mas, com toda a probabilidade, a alteração de posição indonésia deveu-se não apenas a esta carta mas a um mais simples cálculo político. A proposta de autonomia, como fórmula de integração definitiva na Indonésia, não tinha sido recebida com grande entusiasmo por parte dos timorenses. Os defensores da independência, a quem ela efectivamente se dirigia, receberam-na com reservas, e, quando a aceitavam, tornavam claro que a consideravam uma etapa no caminho da autodeterminação e independência.

A Indonésia dava-se conta que corria o risco de conceder uma autonomia alargada, por alguns anos, para mais tarde ver os timorenses escolher a independência. A Indonésia acabaria por suportar os custos políticos e económicos da autonomia, sem qualquer vantagem.

A experiência colhida em Timor-Leste, ao longo do segundo semestre de 1998, mostrava que os timorenses iriam utilizar a maior abertura democrática, que a autonomia implicaria, como uma plataforma política para promover a independência e criticar a Indonésia.

Presumo que, para Habibie, a fórmula «autonomia provisória», vista de Jacarta, só traria inconvenientes. A Indonésia teria de continuar a lidar com o problema de Timor por mais alguns anos; seria inevitavelmente criticada; pagaria a factura e, no final, o mais certo seria os timorenses exigirem a independência, o que significaria uma real humilhação.

É curioso que a Indonésia tenha referido aos seus interlocutores os custos económicos que tinha de suportar com Timor-Leste, dizendo que o território não geraria mais do que sete por cento das suas despesas. No contexto em que a Indonésia vivia e face à imensidão dos problemas que enfrentava, incluindo os movimentos separatistas em Aceh e Irian Jaya, compreende-se que a Indonésia quisesse «ver-se livre» definitivamente do problema de Timor-Leste. E a «autonomia provisória» não seria mais que um adiamento.

 

OS ACORDOS DE 5 DE MAIO DE 1999. A CONSULTA POPULAR

A nova proposta indonésia acabava assim por oferecer mais do que na altura se pedia[40]. Com efeito a resistência timorense aceitava a atribuição de um estatuto de autonomia provisória por alguns anos (entre três a cinco) e só depois se deveria realizar um acto de autodeterminação que, no seu entender, daria obviamente origem à independência[41].

Assiste-se então a uma grande aceleração do processo negocial que muda, de facto, de natureza.

Até aí – na segunda metade de 1998 e princípios de 1999 – discutia-se, essencialmente, o conteúdo da proposta de autonomia, com a Indonésia a limitar o seu âmbito e Portugal a tentar garantir a maior autonomia possível.

A partir de agora o importante passou a ser os termos da consulta, que até aí não estava sequer em discussão.

Para Portugal, o conteúdo exacto da proposta de autonomia, tornara-se irrelevante. No novo contexto negocial a autonomia passou a ser apenas uma proposta indonésia. Era do interesse dela fazer uma boa proposta se queria que fosse aceite pelos timorenses[42]. Reflexo disto é o facto de nos acordos de Nova York se dizer, no preâmbulo, que a proposta de autonomia teve por base um projecto apresentado pelas NU «com as alterações introduzidas pelo Governo indonésio».

Os termos e as condições em que os timorenses seriam consultados constituiu então um dos pontos fulcrais das negociações, tendo estado três alternativas na mesa: i) consulta através de uma recolha de opiniões a fazer pelas NU; ii) eleição de um conselho de representantes que por sua vez decidiriam (opção defendida por Xanana Gusmão e os bispos de Timor); e iii) votação directa[43].

Acabou por ser aceite a votação directa, isto é: um referendo, mas que foi designado oficialmente de «consulta popular», dada a oposição indonésia ao termo «referendo».

Como resultado das negociações, Portugal e a Indonésia assinam, a 5 de Maio de 1999, em Nova York, três acordos (um Acordo Principal, com um anexo, um Acordo sobre as Modalidades da Consulta Popular e um Acordo de Segurança), regulando os termos e os efeitos da consulta popular.

Às Nações Unidas foi atribuída a responsabilidade de organizar e conduzir a consulta. Esta tinha de ser realizada a curto prazo pois o Presidente Habibie desejava levar o seu resultado à nova Assembleia Legislativa indonésia, que seria eleita a 7 de Junho e teria a sua primeira sessão em Agosto.

As NU tiveram assim de constituir em tempo recorde uma missão – a UNAMET (United Nations Mission in East Timor) – para realizar a consulta eleitoral (operações de recenseamento, campanha eleitoral e consulta) que deveria ocorrer a 8 de Agosto e, depois de adiada, se realizou finalmente a 30 de Agosto de 1999.

Nesse dia, os timorenses rejeitam a autonomia e dão uma vitória clara à independência[44].

A Indonésia, ao mesmo tempo que aceitava a consulta, vai criar e apoiar grupos de milícias armadas com o pretexto da necessidade de autodefesa dos partidários da integração. Estas milícias tornam-se um instrumento de pressão e terror, tentando com isso condicionar o voto dos timorenses. Tendo perdido o voto, a Indonésia, essencialmente através das milícias armadas, desencadeia uma onda de violência com o aparente propósito de colocar em causa os resultados ou para, pura e simplesmente, satisfazer um desejo de vingança contra a humilhação que acabava de sofrer nas urnas.

Depois de alguma hesitação, a Indonésia aceitou que o CSNU, ao abrigo do capítulo vii da Carta da ONU, constituísse uma força militar de intervenção (a INTERFET) com o objectivo de restabelecer a paz e a segurança (Resolução 1264, de 15 de Setembro de 1999).

O Parlamento indonésio revogou, a 19 de Outubro, por unanimidade, a lei que a 17 de Julho de 1976 tinha anexado Timor-Leste como a 27.ª Província Indonésia.

Timor entrou assim numa fase de transição, em que foi administrado pelas Nações Unidas (através da UNTAET, criada pela resolução do cs 1272, de 25 de Outubro de 1999) até 20 de Maio de 2002, data da declaração de independência como República Democrática de Timor-Leste.

Timor-Leste tem vindo a beneficiar, desde então, de uma missão de apoio das NU.

 

CONCLUSÃO

A independência de Timor é, essencialmente, o resultado de três factores. Em primeiro lugar, a independência deu-se porque o povo timorense soube resistir, defender a sua causa e aceitou pagar um preço elevadíssimo pela sua independência. Em segundo lugar, a independência foi possível, em 1999, porque o regime indonésio do Presidente Suharto ruiu, o que abriu uma janela de oportunidade que os timorenses e a comunidade internacional souberam aproveitar. O processo que levou à independência de Timor-Leste foi um processo complexo e resultou de múltiplos factores. Cada actor deste processo, em função dos seus interesses e das suas capacidades foi aproveitando as oportunidades e moldando a história, na medida do possível. Mas a circunstância de a Indonésia deter o controlo efectivo do território; o facto de ser uma potência regional muito relevante e o facto de contar com um grande apoio internacional, permitiu-lhe influenciar de forma significativa, por vezes mesmo ditar, as condições que levaram à independência de Timor. O tempo e o modo da consulta devem-se em larga medida a exigências da Indonésia e ao seu calendário político e eleitoral. As regras de segurança da consulta foram uma imposição da Indonésia, com as consequências que se sabem. Nesta questão, tão central para a credibilidade do processo, foi a Indonésia que fixou os termos da equação: ou aceitávamos a consulta sem garantias reais de segurança ou não havia consulta. Para utilizar uma imagem conhecida, diria que os timorenses foram colocados perante a espada e a parede. Decidiram saltar a parede, do modo e com as consequências que se conhecem.

Em terceiro e último lugar, o papel de Portugal. Não há dúvida que Portugal deu um contributo decisivo para o processo que levou à independência.

Apesar das limitações e contradições da posição de partida, em 1974-1975; apesar de algumas flutuações, menor activismo ou descrença nos primeiros anos de ocupação, Portugal nunca se acomodou nem aceitou a política do facto consumado.

Portugal soube manter sempre intacta a sua posição de potência administrante e nunca abdicou de reivindicar o direito dos timorenses à autodeterminação. E logo que as condições políticas internacionais se revelaram mais favoráveis, soube agir de forma a maximizar as oportunidades e garantir o exercício do direito à autodeterminação dos timorenses.

Ao examinar o papel de Portugal no processo que levou à independência de Timor-Leste, podemos talvez especular e colocar a seguinte pergunta: Sem a acção de Portugal Timor-Leste ter-se-ia tornado na mesma independente? Ou, ao contrário, não o teria conseguido, como sucede com algumas situações internacionais, com algumas semelhanças com o caso de Timor-Leste, mas que não contaram com o apoio de uma potência administrante e não obtiveram de facto a independência? Pensemos no Aceh, em Irian Jaya, que detêm um estatuto de autonomia especial na Indonésia, ou no caso do Sara Ocidental, ainda por resolver.

Às perguntas especulativas só se pode responder com especulações. Parece-me evidente que sem a acção de Portugal a história teria sido diferente, mas é difícil dizer com segurança que Timor-Leste não teria, na mesma, obtido a independência. O processo de dissolução do império soviético e o (re)nascimento de várias nações (países bálticos, Arménia) ou a independência da Eritreia, mostram que a existência de uma potência administrante não é conditio sine qua non para que um povo ou uma nação subjugada e determinada a ser livre obtenha a sua independência, desde que as condições internacionais o possibilitem.

 

NOTAS

[1] Pelo Tratado de 1851 com os Países Baixos, Portugal cede Flores e Solor e recebe Maubara e uma quantia em dinheiro. Ver ainda: Acordo de Demarcação de Fronteiras, de 1858, e Sentença Arbitral de Haia, de 1913.

[2] Cf. Mota, Carlos Teixeira da – O Caso de Timor na II Guerra Mundial. Lisboa: Instituto Diplomático, 1997.

[3] A Indonésia, o grande vizinho, estabelecida como nação independente a 17 de Agosto de 1945, nunca, até 1974, tinha manifestado o desejo de anexar o território. Pelo contrário. A Indonésia declarava na Assembleia Geral das NU, em 1960, que apenas reivindicava o território pertencente às Índias Orientais Holandesas, acrescentando não manter qualquer reivindicação sobre Timor-Leste ou Bornéu, embora esses territórios se encontrassem no arquipélago indonésio. O Presidente Sukarno visitou, de resto, Portugal nos finais dos anos 1950. Recorde-se que a Indonésia era, ela própria, fruto do processo de descolonização e uma das firmes defensoras desse processo. Cf. Ramos-Horta, José – Timor-Leste, Amanhã em Díli. Lisboa: Dom Quixote, 1994, pp. 120-131.        [ Links ]

[4] Foram ainda criados mais dois partidos de reduzida expressão: a Associação Popular Monárquica Timorense (KOTA) e o Movimento Trabalhista Democrático Timorense.

[5] Almeida Santos, ministro da Coordenação Interterritorial (MCI), com a responsabilidade pela descolonização, declarou em Agosto de 1974 em entrevista ao jornal Expresso que a independência «total» de Timor seria «de um realismo atroz», acrescentando: «A independência total é inviável por razões de carácter financeiro, a ligação indonésia torna-se inviável por causa do desinteresse da Indonésia e fica uma última alternativa, que é a ligação connosco.» Quando mais tarde, em Outubro de 1974, visitou o território, ficou surpreendido com o «portuguesismo» dos timorenses e considerou então que «nada poderá ser mais honroso para os Portugueses e o seu Governo» que a ligação a Portugal desde que desejada pela grande maioria da população de Timor. Pires, Lemos – Descolonização de Timor, Missão Impossível. Lisboa: Dom Quixote, 1991, pp. 46, 48.

[6] Ângelo Correia em intervenção na Assembleia da República, a 6 de Janeiro de 1976, criticou severamente a condução do processo de descolonização em Timor-Leste, que considerou se deveria antes designar de «recolonização». Examinando o problema, considerou que a opção de «independência imediata» levaria a «um neocolonialismo económico-militar, ou à extinção da nação, ou, por último, à manutenção de uma situação de permanente subdesenvolvimento letárgico». A integração na Indonésia não lhe parecia «desejável» dadas as diferenças culturais e religiosas, inclinando-se assim para, sob várias condições, uma «fórmula institucional permitindo uma ligação temporária e limitada a Portugal». Assembleia da República – Os 25 Anos da «Questão de Timor-Leste» no Parlamento Português. Vol. i, 2000, pp. 65-66.

[7] Pires, Lemos – Descolonização de Timor, Missão Impossível, p. 50.

[8] Segundo a Austrália, esta reunião era para ter sido, por proposta de Portugal, uma reunião secreta entre Portugal a Indonésia e a Austrália, com o objectivo de manter por alguns anos uma administração portuguesa com o apoio económico da Austrália e da Indonésia e só depois haveria um acto de autodeterminação. Department of Foreign Affairs and Trade (DFAT) – Australia and the Indonesian Incorporation of Portuguese Timor, 1974-1976. 2000, pp. 167, 169, 172.

[9] Pires, Lemos – Descolonização de Timor, Missão Impossível, p. 125.

[10] Ibidem, p. 305.

[11] O golpe é feito na noite de 10 para 11 de Agosto em nome do «Movimento para a unidade e independência de Timor-Dili». Pires, Lemos – Descolonização de Timor, Missão Impossível, p. 226.

[12] A declaração é assinada pela APODETI (Guilherme Maria Gonçalves), KOTA (José Martins), UDT (Francisco Lopes da Cruz) e Partido Trabalhista (Domingos C. Pereira). Aparentemente, não foi assinada a 29 de Novembro em Balibó, mas antes em Bali, a 30 de Novembro. Por outro lado, segundo telegrama da Embaixada australiana em Jacarta, de 2 de Setembro de 1975, parece que Lopes da Cruz, presidente da UDT, já tinha assinado essa declaração a 1 de Setembro, e segundo os planos do Governo indonésio deveria ser divulgada logo que a FRETILIN declarasse a independência. Mais, existem relatórios na imprensa indonésia, a 3 de Setembro, dando conta da existência desse pedido de integração. Department of Foreign Affairs and Trade (DFAT) – Australia and the Indonesian Incorporation of Portuguese Timor, 1974-1976, pp. 372 e 386.

[13] A «operação especial» (OPSUS) para a integração terá ficado a cargo do general Ali Murtopo, chefe do célebre Centre for Strategic and International Studies (CSIS). Num telegrama da Embaixada da Austrália em Jacarta, de 24 de Fevereiro de 1975, é dado conta que a decisão de anexar estava tomada ao mais alto nível. Faltava saber o «quando» e o «como». O Governo indonésio tentaria todos os meios antes de recorrer à opção militar, que seria a «última opção». Department of Foreign Affairs and Trade (DFAT) – Australia and the Indonesian Incorporation of Portuguese Timor, 1974-1976, pp. 198 e 376.

[14] Encontro do primeiro-ministro da Austrália com o Presidente Suharto a 6 de Setembro de 1974, em Yogyakarta. Department of Foreign Affairs and Trade (DFAT) – Australia and the Indonesian Incorporation of Portuguese Timor, 1974-1976, pp. 95 e 163.

[15] Tal acontecimento tinha levado à ruptura das relações diplomáticas entre a Indonésia e a China Popular.

[16] Através da chamada Declaração de Balibó, cf. nota 12.

[17] Em memórias publicadas em 1978, Daniel Patrick Moynihan diz: «O Departamento de Estado (Estados Unidos da América) quis que a ONU fosse totalmente ineficaz em qualquer medida a tomar. Essa tarefa foi-me confiada e executei-a não sem considerável sucesso», citado por Ramos-Horta, José – Timor-Leste, Amanhã em Díli, p. 22.

[18] Recorde-se que logo em 1978 a Austrália reconhece a integração «de facto» e em 1979 «de jure» de Timor-Leste na Indonésia. Os Estados Unidos, embora reconhecendo que um acto válido de autodeterminação não tinha ocorrido, aceitam igualmente a integração.

[19] Tio de Abílio Araújo, que foi líder da FRETILIN, Ramos-Horta, José – Timor-Leste, Amanhã em Díli, p. 88. O segundo governador foi Guilherme Gonçalves, liurai de Atsabe e membro da APODETI (12 de Novembro de 1977-1982). Depois foram nomeados Mário Carrascalão (1982-1992) e Abílio Osório Soares.

[20] Em 1976, o ministro dos Negócios Estrangeiros, José Medeiros Ferreira, dedica dois parágrafos à questão de Timor no discurso proferido perante a Assembleia Geral das NU, a 7 de Outubro, para, no essencial, dizer que a questão estava entregue às Nações Unidas e que, embora Portugal não estivesse disposto a reconhecer «de jure» a integração, estava pronto para aceitar «um consenso das Nações Unidas sobre esta questão», na certeza de que esse consenso respeitará os princípios das NU sobre este tema. Ferreira, José Medeiros – Éléments pour une politique extérieure de Portugal démocratique. Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1976, p. 74.

[21] Voltámos a estar no Conselho de Segurança em 1997-1998 e na CDH em 1988-1993 e em 2000-2002.

[22] As resoluções adoptadas em 1979 (Resolução 34/40) e 1980 (Resolução 35/27) pela Assembleia Geral das NU sobre a questão de Timor-Leste, não fazem qualquer referência a uma eventual acção de Portugal nessas instâncias. Mas a resolução adoptada em 1980 (35/27) faz referência, por exemplo, ao comunicado do Conselho de Ministros de Portugal, de 12 de Setembro de 1980, no qual se anuncia uma iniciativa diplomática para obter a descolonização de Timor-Leste.

[23] Ramos-Horta, José – Timor-Leste, Amanhã em Díli, p. 35.

[24] É certo que a resistência militar tinha-se revelado mais capaz do que se supunha, mas as notícias que chegavam do território davam conta de que estava a ser dizimada. Nos primeiros quatro anos de resistência (1976-1979), a quase totalidade da primeira direcção da FRETILIN é morta, presa ou rende-se.

[25] O CICV chega ao território em Setembro de 1975 e sai em Dezembro de 1975; regressa em 1979 e sai em 1981; regressa em 1982 e suspende em 1983 regressando em 1985. Quando está presente tem, no entanto, sérias restrições ao exercício do seu mandato.

[26] A França ameaça em 1983 passar a votar contra, em vez da abstenção, na Assembleia Geral das NU. Ramos-Horta, José – Timor-Leste, Amanhã em Díli, p. 237.

[27] Ibidem, p. 217.

[28] Ibidem, p. 329.

[29] O Vaticano ficou colocado numa posição difícil, ao ter de conciliar a defesa da Igreja timorense, logo os interesses dos timorenses, com a necessidade de agradar à Indonésia, a maior nação muçulmana do mundo, mas onde uma pequena elite católica detém uma grande influência. A posição política do Vaticano teria sido mais confortável se os timorenses tivessem aceite a integração. E essa «preferência» não deixou de se revelar nas acções e omissões do Vaticano.

[30] Até 1977, a Igreja Católica foi chefiada pelo bispo português de Díli, monsenhor José Ribeiro.

[31] De alguma forma substitui o Conselho Nacional de Resistência Maubere (CNRM), fundado em 1988 por Xanana Gusmão, como estrutura agregadora da resistência no interior. José Ramos-Horta era o porta-voz no exterior. O CNRM nunca contou com a participação da UDT, por discordar, entre outros aspectos, da utilização do termo maubere.

[32] A questão de Timor-Leste foi objecto da atenção de outros parlamentos, nacionais ou internacionais. Assim, o Conselho da Europa adoptou uma primeira resolução em 28 de Junho de 1991; a Assembleia Paritária dos países ACP/CEE, adoptou, por unanimidade, uma primeira resolução em 1987. Além disso muitos parlamentares fazem petições, organizam audições, eventos etc., como aconteceu desde cedo no Congresso dos Estados Unidos.

[33] Em 1983, a subcomissão volta adoptar uma resolução mas não utiliza a faculdade de submeter directamente um projecto de resolução à CDH. No entanto, em 1984 e 1985, a questão de Timor-Leste está ainda oficialmente na CDH, mas no chamado processo confidencial. Em 1985 o caso é arquivado.

[34] Taur Matan Ruak assume então o comando operacional das falintil.

[35] Esta fraqueza, no plano militar, levou mesmo Konis Santana a passar a liderança do CNRM para José Ramos-Horta no exterior (carta de 14 de Agosto de 1993). Ramos-Horta, José – Timor-Leste, Amanhã em Díli, p. 375.

[36] Alguns observadores ocidentais perceberam isso imediatamente. Recordo-me do que disse, na altura da prisão, o Embaixador da França junto das Nações Unidas em Genebra e actual conselheiro diplomático do Presidente Sarkozy: «Os indonésios acabam de cometer um grande erro ao criar um Nelson Mandela.»

[37] Ramos-Horta, José – Timor-Leste, Amanhã em Díli, p. 357.

[38] A primeira reunião dos altos funcionários (Senior Officials Meeting) tem lugar logo a 4 de Agosto de 1997. Marker, Jamsheed – Timor-Leste – Relato das Negociações para a Independência. Lisboa: Instituto Diplomático, p. 339.

[39] «In the end, the issue can be resolved only through direct negotiations between Indonesia and East Timorese leaders. If you can reach agreement directly with the East Timorese, then the international dimensions would take care of themselves, or at least be much easier to deal with.» DFAT – East Timor in transition 1998-2000, p. 181.

[40] O bispo Belo terá declarado à imprensa: «my position is that we have not be given enough time to prepare ouservels for independence, but if we are not given time then we must receive whatever we are granted», DFAT – East Timor in Transition, 1998-2000. p. 42.

[41] José Ramos-Horta apresentou em 1992, no Parlamento Europeu, em Bruxelas, um «Plano de Paz» que previa uma «Fase Humanitária» de um a dois anos; uma «Fase de Autonomia», de cinco a dez anos, e só depois a realização de um acto de autodeterminação. Ramos-Horta, José – Timor-Leste, Amanhã em Díli, pp. 311 e segs.

[42] A Indonésia acabou por colocar-se entre dois fogos, pois não pretendia que a generosidade quanto a Timor fosse aproveitada por outros movimentos separatistas (Marker, Jamsheed – Timor-Leste – Relato das Negociações para a Independência, p. 439).

[43] Marker, Jamsheed – Timor-Leste – Relato das Negociações para a Independência, 435.

[44] Com uma participação de 98,9 por cento dos 451 796 eleitores inscritos, 78,5 por cento dos votos válidos (344 580) votam pela independência (CNRT) e 21,5 por cento (94 388) votam pela autonomia (UNIF, Frente Unida para a Autonomia).