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Pesquisa Veterinária Brasileira - "Ronca", a disease of unknown etiology in cattle, characterized by a snoaring respiration

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Pesquisa Veterinária Brasileira

Print version ISSN 0100-736X

Pesq. Vet. Bras. vol.18 n.3-4 Rio de Janeiro July 1998

http://dx.doi.org/10.1590/S0100-736X1998000300001 

Sobre o "ronca", doença de etiologia obscura em bovinos, caracterizada por respiração ruidosa1

 

Carlos Hubinger Tokarnia2 e Jürgen Döbereiner3

 

 

ABSTRACT.- Tokarnia C.H.& Döbereiner J. 1999. ["Ronca", a disease of unknown etiology in cattle, characterized by a snoaring respiration.] Sobre o "ronca", doença de etiologia obscura em bovinos, caracterizada por respiração ruidosa. Pesquisa Veterinária Brasileira 18(3/4):93-98. Projeto Sanidade Animal Embrapa/UFRRJ, Km 47, Seropédica, RJ 23851-970, Brazil.

"Ronca", a disease of cattle occurring in the States of Piauí, Rio de Janeiro and Mato Grosso do Sul, is also known by the popular names "roncadeira" or "ronqueira", what means snoaring disease. Data on the disease were obtained through informations, own observations, clinical and postmortem examinations of 12 affected bovines, completed by histopathological examinations and chemical analyses of liver samples for microelements. The main symptoms are the snoaring sound during inspiration, which arises or is intensified the more one leades with the animal, irritability, continuous worsening of the nutritional state and death after a few months up to 2 years. Blood examinations, performed during the studies in Piauí, showed a normocytic and hypocromic condition; blood smears did not reveal any abnormality. At postmortem examination sometimes an orange discolouration of the liver and an orange-brown colour of the lymphnodes of the liver hilus was observed. Careful examinations of the nasal cavity, especially of the turbinates, and of the larynx did not disclose any lesions. Histopathological examinations revealed, as the main lesion, severe hemosiderosis of the liver, always seen, as well as of the spleen and lymphnodes. Chemical analyses of liver samples revealed in all by "ronca" affected animals of the three regions very low copper and very high iron values. Two bovines affected by "ronca" and transferred to a region where the disease does not occur, continued with the snoaring respiration during more than a year. At postmortem examination no lesions besides a few not related to the disease were found. Histopathological examinations revealed hemosiderosis in liver, spleen and lymphnodes, but less pronounced than in the animals affected by "ronca" which stayed at the original farm. Chemical anlyses of the liver samples of the two transferred animals revealed normal values for copper and high levels of iron, but these were lower than those found in the animals affected by the disease at the original farm. The investigation did not clarify the cause of the snoaring respiration. It is thought that the copper deficiency plays a role in the pathogenesis of "ronca", but that there will be other factors yet which participate in the development of the disease.
INDEX TERMS: "Ronca", snoaring disease, copper deficiency, cattle.

 

RESUMO.- São apresentados os resultados de estudos realizados sobre uma doença de evolução crônica em bovinos, de etiologia obscura, cuja caraterística principal é uma respiração ruidosa. Esta doença é conhecida nos Estados do Piauí, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, onde a sua ocorrência foi verificada, pelos nomes populares de "ronca", "roncadeira" ou "ronqueira". Os dados mais importantes da doença, baseados nos históricos, em observações próprias, exames clínicos, necropsias de 12 bovinos, complementadas por exames histopatológicos e analises químicas de amostras de fígado para microelementos, são a respiração ruidosa na inspiração, que aparece ou se intensifica a medida que se lida com os animais, irritabilidade, emagrecimento progressivo e morte após alguns meses até dois anos. Exames de sangue, realizados nos estudos no Piauí, revelaram uma condição normocítica hipocrômica; esfregaços de sangue não revelaram nada digno de nota. À necropsia se constatou às vezes coloração alaranjada do fígado e coloração alaranjada/marrom dos linfonodos do hilo do fígado. Exames da cavidade nasal, especialmente dos cornetos, e da laringe, não revelaram nenhuma alteração. Os exames histopatológicos evidenciaram como lesão principal hemossiderose acentuada do fígado, sempre presente, bem como do baço e de linfonodos. Análises de amostras de fígado revelaram em todos os animais afetados pela doença, nas três regiões, valores muito baixos de cobre e muito elevados de ferro. Dois bovinos afetados pela doença, transferidos para região indene, continuaram com a respiração ruidosa durante mais de um ano. À necropsia destes animais não foram encontradas lesões, além de alguns achados não relacionáveis com a doença. Nos exames histopatológicos foi constatada hemossiderose no fígado, baço e em linfonodos, porém menos acentuada que nos casos de "ronca" examinados no local de sua procedência. As análises de amostras de fígado revelaram valores normais para cobre e de ferro ainda altos, mas menos acentuados que nos bovinos com "ronca" no local de sua procedência. Os estudos realizados não permitiram desvendar a razão da respiração ruidosa. É levantada a suspeita, que a deficiência de cobre tenha influência na patogênese do "ronca", em que, porém, devem estar envolvidos ainda outros fatores para a formação do quadro.
TERMOS DE INDEXAÇÃO: "Ronca", respiração ruidosa, deficiência de cobre, bovinos.

 

 

INTRODUÇÃO

Verificamos em três regiões do Brasil distantes entre si, a ocorrência, em bovinos adultos, de doença de evolução crônica, cuja característica principal é uma respiração ruidosa; esta doença é no Piauí denominada de "ronca", no Estado do Rio de Janeiro de "mal da roncadeira", "mal do roncado" ou "mal da ronqueira" e em Mato Grosso do Sul de "ronca", "roncadeira" ou "ronqueira". A respiração ruidosa aparece ou se intensifica a medida que se lida com os animais.

Em virtude do interesse que a doença tem despertado ultimamente, resolvemos reunir e apresentar de maneira sistemática os dados por nós obtidos nos estudos realizados a respeito. Os dados sobre os estudos no Piauí foram publicados em detalhes (Tokarnia et al. 1960), os no Estado do Rio de Janeiro resumidamente no contexto de trabalho mais amplo sobre deficiências minerais (Tokarnia et al. 1971) e os no Mato Grosso do Sul estão sendo publicados resumidamente no contexto de outro trabalho mais amplo sobre deficiências minerais (Moraes et al. 1999).

 

MATERIAL E MÉTODOS

Os nossos estudos consistiram em cada uma das regiões da ocorrência da doença na obtenção do histórico, na observação de animais afetados, na realização de exames clínicos, na determinação do quadro patológico através de necropsias e exames histopatológicos, e na análise de amostras de fígado para diversos microelemetos. Nos estudos do Piauí ainda foram realizados exames de sangue, e dois bovinos afetados pelo "ronca" foram transferidos para Fortaleza, região onde a doença é desconhecida, para averiguar a influência desta prática sobre a evolução do quadro clínico-patológico.

A presença de hemossiderina nos cortes histológicos foi confirmada através das reações de azul da Prussia e de Turnbull, a de cálcio pela de von Kossa.

Para a interpretação dos valores analíticos do fígado, foram considerados os seguintes teores como normais (adequados), subdeficientes ou deficientes, baseando-se principalmente nos dados encontrados em Underwood (1977). Esses teores são, para cobre (Cu): 0-50 ppm indicam deficiência, 51-100 ppm subdeficiência e a partir de 101 ppm índice adequado; cobalto (Co): até 0,05 ppm indicam deficiência, 0,06-0,12 ppm subdeficiência e a partir de 0,13 ppm índice adequado; zinco (Zn): são considerados valores normais aqueles situados na faixa de 101-200 ppm; manganês (Mn): valores normais 6,1-12 ppm; Ferro (Fe): valores normais a partir de 181 ppm; selênio (Se): valores até 0,1 ppm indicam deficiência e acima deste valor, índice adequado.

 

RESULTADOS

Ocorrência do "ronca" no Estado do Piauí

Pela primeira vez vimos a doença no litoral do Piauí, no município de Parnaíba, nas Fazendas Reunidas (Tokarnia et al. 1960), onde recebemos o seguinte histórico: quando o gado é reunido e tocado, apareceria um ou outro animal que ficaria para trás, não querendo mais caminhar e apresentando uma respiração ruidosa. Deixando-se o animal de novo em repouso, desapareceria este ruído. O animal afetado pelo "ronca", com o tempo, iria emagrecendo, acentuando-se cada vez mais a "ronqueira", morrendo invariavelmente dentro de meio a dois anos após o início da doença. No período de 1949 a 1953 teriam aparecido aproximadamente 200 casos desta doença, de um total de cerca 1.300 cabeças de gado. Fomos ainda informados da existência na fazenda de um "mal" em bovinos adultos, caracterizado principalmente por magreza, da ocorrência de uma doença chamada "mal do estradeiro", em que o bovino apresentaria um andar como "cavalo estradeiro", também que fraturas ósseas seriam frequentes. Recebemos ainda informações que ocorreriam mortes súbitas esporádicas em gado adulto, que o índice de fecundação nas vacas seria baixo, que estas após cada parto decairiam muito e que o gado em geral não se desenvolveria bem. A carcaça de um boi aos quatro anos de idade pesaria de 120 a 130 kg.

Tivemos a oportunidade de nessa fazenda examinar 10 animais afetados pelo "ronca", com 4 a 10 anos de idade, e sacrificar e necropsiar 6 destes (Bov. 158/53, 159/53, 160/53, 29/54, 22 e 486), nos anos de 1953, 1954, 1956 e 1957.

O quadro clínico do "ronca" consistiu em magreza, pêlos ásperos e escassos; às vezes os animais já apresentavam a respiração ruidosa sem movimentação, outras vezes esta aparecia somente após movimentação. Um animal tinha diarréia (Bov. 22).

As necropsias não revelaram alterações; somente em um animal (Bov. 486) foram notadas cor alaranjada do fígado, áreas irregulares de coloração alaranjada dos linfonodos mesentéricos ao corte e áreas grandes esbranquiçadas na superfície e ao corte dos rins. Exames cuidadosos da cavidade nasal, especialmente dos cornetos, e da laringe (durante a necropsia e através de exames histológicos) não revelaram nada digno de nota nos animais afetados pelo "ronca". Os achados histopatológicos mais constantes nos animais com "ronca" foram hemossiderose do fígado, sempre presente, bem como do baço e de linfonodos, glomerulite crônica, presença de precipitados de cálcio na medula dos rins e, em parte deles, discreto a leve enfisema alveolar; um animal (Bov. 486) tinha nefrite intersticial subaguda (Quadro 1).

 

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Além dos animais afetados pelo "ronca" ainda foram examinados um animal afetado pelo "mal do estradeiro", que também foi necropsiado (Bov. 33/54), 10 bovinos afetados pelo "mal", dos quais nenhum foi necropsiado e ainda 11 bovinos sadios, dos quais 4 foram necropsiados (Bov. 103, 104, 109 e 117). O animal afetado pelo "mal do estradeiro" apresentou andar duro; os animais afetados pelo "mal" tinham estado de nutrição de mau a péssimo, pêlos arrepiados e escassos, com aspecto de desbotado, dois tinham diarréia. Os animais sadios tinham estado de nutrição regular a bom, com exceção de um animal, em que era mau (o animal tinha diarréia). À necropsia não se verificaram alterações dignas de nota no animal afetado pelo "mal do estradeiro" e também não nos bovinos sadios. Nos exames histopatológicos do animal afetado pelo "mal do estradeiro" não foram encontradas alterações dignas de nota; nos animais aparentemente sadios, a hemossiderose no baço e em linfonodos era rara, não ocorrendo no fígado de nenhum animal, e a glomerulite e os depósitos de cálcio na medula dos rins eram geralmente discretos (Quadro 2).

 

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Os exames de sangue revelaram tanto nos animais afetados pelo "ronca", o "mal do estradeiro" ou o "mal", como nos animais sadios, um condição normocítica hipocrômica. Os esfregaços de sangue não revelaram nada digno de nota.

As análises das amostras de fígado revelaram valores baixos para cobre em todos os animais necropsiados, doentes e sadios; os valores de ferro foram extremamente altos em dois animais afetados pelo "ronca", nos quais foi feita a análise para este elemento (Bov. 22 e 486). Nos demais animais (não afetados pelo "ronca") os valores de ferro no fígado eram normais ou aumentados, porém em proporção bem menor. Os valores de cobalto foram normais em todos os animais com exceção de valor indicando subdeficiência em um (Bov. 22) dos dois animais afetados por "ronca" em que este mineral foi dosado (Tokarnia et al. 1968). Os valores de zinco e manganês foram normais em todos os animais, com exceção de valores levemente baixos em zinco em dois bovinos sadios (Bov. 109 e 117) (Moraes 1998). (Quadros 3 e 4)

 

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Adicionalmente a estes animais, examinados nas Fazendas Reunidas, dois outros bovinos adultos, afetados pelo "ronca", foram levados de Parnaíba a Fortaleza, onde esta doença é desconhecida e onde após permanência de mais de 1 ano, um morreu em 20.2.59 após l dia de doença mal definida (Bov. 752) e o outro foi sacrificado em 12.5.59 (Bov. 755) (Tokarnia et al. 1968). Estes dois bovinos sempre continuaram, até o dia da morte, com a respiração ruidosa. Os achados de necropsia no primeiro animal (Bov. 752) foram rins com a superfície rugosa e cápsula aderente, e no outro (Bov. 755), pulmão com pequenos abscessos na parte cranioventral, infestação grande por Haemonchus e infestação regular por Oesophagostomum. Os exames histopatológicos revelaram no primeiro bovino nefrite intersticial crônica, hemossiderose moderada no fígado, acentuada no baço e discreta em linfonodo; no outro bovino focos de broncopneumonia purulenta, hemossiderose leve no baço e em linfonodo, e ausente no fígado (Quadro 1). As análises de amostras de fígado revelaram valores normais de cobre e cobalto (Tokarnia et al. 1968). Os valores para ferro foram muito elevados no Bovino 752 e elevados no Bovino 755; os para zinco e manganês foram normais (Moraes 1998) (Quadro 3).

Deve ser mencionado ainda aqui, que na mesma região da ocorrência do "ronca" no Piauí, no município de Parnaíba e no município vizinho de Luiz Correa, foi diagnosticada a ocorrência da ataxia enzoótica dos cordeiros, com a verificação de valores muito baixos de cobre nas amostras de fígado (Tokarnia et al. 1966).

Ocorrência do "ronca" no Estado do Rio de Janeiro

Em seguida vimos a doença no norte do Estado do Rio de Janeiro, em região litorânea, no município de Campos (Tokarnia et al. 1971). De acordo com o histórico, além da respiração ruidosa apresentada pelos bovinos, que aumentaria consideravelmente quando se lidava com eles, os animais seriam facilmente excitados; os bovinos teriam emagrecimento progressivo, até a morte, não havendo cura, mesmo levando-se os animais para outras regiões. Conseguimos examinar dois bovinos afetados pelo "mal da ronqueira" (Bov. 2276 e 2289), na Fazenda Santo Amaro.

Um desses animais (Bov. 2276) era uma vaca com 6 anos de idade. Foi examinada por nós em 8.12.1966, após ter sido tocada para a sede da fazenda. Verificamos respiração ruidosa, na inspiração. O estado de nutrição do animal era regular. Não foi possível examinar o animal mais detalhadamente, pois era muito bravo. Foi sacrificado por chopeamento e secção da jugular. Os achados de necropsia foram fígado de coloração levemente alaranjada e os linfonodos do hilo do fígado de coloração marrom. O outro animal (Bov. 2289), visto por nós em 31.5.67, também uma vaca, tinha 4 anos de idade. Verificamos nela ruído forte na inspiração. O animal era magro. Foi sacrificado por chopeamento e sangria. À necropsia se observou que a superfície de corte do fígado, como também a dos linfonodos do hilo do fígado, tinham coloração alaranjada (ferruginosa).

Em ambos os bovinos os exames histopatológicos revelaram hemossiderose acentuada no fígado, moderada no baço e acentuada em linfonodo (Quadro 1).

Os valores de cobre nas amostras de fígado, em ambos os bovinos, eram baixos, em um (Bov. 2276) adicionalmente o valor de cobalto era baixo. Os valores de ferro nos dois bovinos foram extremamente altos, os de zinco em um (Bov. 2289) no limite do normal (Moraes 1998). (Quadro 2)

Ocorrência do "ronca" no Estado de Mato Grosso do Sul

Mais tarde, vimos a doença em Mato Grosso do Sul, no município de Aquidauana (Moraes et al. 1999). Nessa região fomos informados que os casos de "roncadeira" são raros, e que ocorrem, de acordo com uns principalmente, de acordo com outros só em "gado de brejo". A doença seria observada em qualquer época do ano e afetaria mais o gado erado, com mais de 3 anos de idade. A rês estando parada, não roncaria. Os animais afetados pela "roncadeira" emagreceriam, não se recuperariam mais; outros informam, que se mudar de região no começo da doença, os animais se restabeleceriam. A causa da doença seria a nata de "ferrugem", que fica na superfície da vegetação, quando seca a água. Ocorrem na região casos de "morte súbita" na época de agosto e setembro, época em que se trabalha com o gado (na região ocorre Mascagnia pubiflora, causa de "mortes súbitas"). Tivemos a oportunidade de examinar dois animais afetados pela "roncadeira" em Aquidauana (Bov. 3515 e 3920).

O primeiro desses animais (Bov. 3515) vimos na Fazenda Esperança em 26.8.1973. Era uma vaca com aproximadamente 9 anos de idade. De acordo com o histórico, o animal estaria "roncando" há mais de um ano. Encontramos o bovino no campo, caída em decúbito lateral, com "roncadeira" acentuada; a respiração ruidosa era na inspiração. O animal foi sacrificado. Os achados de necropsia foram áreas de enfisema alveolar e interlobular nas partes caudais dos lobos diafragmáticos dos pulmões, superfície de corte do fígado de coloração alaranjada, a dos linfonodos do hilo do fígado de cor castanha, congestão dos cornetos da cavidade nasal, presença de áreas de calcificação na íntima da aorta (na fazenda foram vistas pequenas áreas ocupadas por Solanum malacoxylon, causa de calcinose). O segundo animal (Bov. 3920) vimos na Fazenda São Salvador em 14.1.1976. Era uma vaca com 4 anos de idade. Foi a nós apresentada como afetado pela "roncadeira"; estaria emagrecendo. Verificamos nela respiração ruidosa, na inspiração. Também este bovino foi sacrificado, por sangria. Constatou-se à necropsia fígado com coloração alaranjada (cor de ferrugem) e pulmões com enfisema alveolar e interlobular, afetando sobretudo os lobos apicais,

Os exames histopatológicos revelaram no primeiro animal hemossiderose moderada no fígado, moderada no baço e acentuada em linfonodos; na parede da aorta havia leve calcificação de fibras elásticas (calcinose causada pela ingestão de S. malacoxylon), no pulmão enfisema alveolar e interlobular. No segundo animal foi observada hemossiderose moderada no fígado, acentuada no baço e em linfonodo, no pulmão enfisema alveolar e interlobular. (Quadro 1)

As análise de amostras de fígado revelaram em ambos os animais valores de cobre muito baixos e de ferro muito altos, no primeiro adicionalmente valor de selênio baixo (Quadro 3).

 

DISCUSSÃO

A doença focalizada tem três particularidades. Uma é a respiração ruidosa, que se intensifica quando se lida com os animais, altamente irritáveis. A segunda é a hemossiderose acentuada no fígado, inclusive nas células hepáticas. A terceira são valores muito baixos de cobre no fígado, concomitantemente com valores extremamente elevados de ferro nesse órgão. A única alteração do aparelho respiratório foi enfisema alveolar e interlobular, constatada à necropsia ou nos exames histopatológicos, em parte dos casos, sempre de forma discreta a leve; deve ser lembrado que os animais foram sacrificados. Depósitos de cálcio na medula renal, vistos sobretudo nos casos de "ronca" de Parnaíba, são encontrados por nós com frequência em nossos exames histopatológicos de rotina em bovinos das mais diversas regiões do Brasil; não têm maior significação (Maxie 1992). A glomerulite presente em parte dos casos de "ronca", era de intensidade discreta a leve.

A transferência dos animais para outra região onde a doença não é conhecida, não aboliu a respiração ruidosa, os valores de ferro nas amostras de fígado continuaram altos, mas menos elevados do que nos animas afetados pelo "ronca" não transferidos, porem os valores de cobre se normalizaram.

Os estudos realizados não permitiram desvendar a razão da respiração ruidosa. Acreditamos que a deficiência de cobre tenha influência na patogênese do "ronca", porém devem estar envolvidos ainda outros fatores para a formação do quadro da doença. Há muitas regiões no mundo e também no Brasil onde ocorre a deficiência de cobre, condicionada ou não, mas não há descrições da ocorrência nelas de doença com as características do "ronca" (Underwood 1977, Tokarnia et al. 1988) .

 

REFERÊNCIAS

Maxie N.G. 1992. The urinary system, p. 447-538 (477). In: Jubb K.V.F., Kennedy P.C. & Palmer N. (ed.) Pathology of Domestic Animals. Vol.2. 4th ed. Academic Press, San Diego.         [ Links ]

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1 Aceito para publicação em 10 de março de 1998.
2 Depto Nutrição Animal e Pastagem, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Km 47, Seropédica, RJ 23851-970; bolsista do CNPq (305010/76-VT).
3 Setor de Anatomia Patológica (SAP), Projeto Sanidade Animal Embrapa/UFRRJ, Km 47, Seropédica, RJ 23851-970; bolsista do CNPq (309294/88-1).