It is the cache of ${baseHref}. It is a snapshot of the page. The current page could have changed in the meantime.
Tip: To quickly find your search term on this page, press Ctrl+F or ⌘-F (Mac) and use the find bar.

Revista de Saúde Pública - IV - Report on an experiment relating to traffic accident prevention: a model used by the Panamerican Health Organization

SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31 issue4  suppl.III - Economic impact of external causes in Brazil: an attempt at measurementBy way of conclusion author indexsubject indexarticles search
Home Page  

Revista de Saúde Pública

Print version ISSN 0034-8910

Rev. Saúde Pública vol.31 n.4 suppl.0 São Paulo Aug. 1997

http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89101997000500005 

IV - Relato de experiência quanto à prevenção de acidentes de trânsito: um modelo usado pela Organização Panamericana de Saúde
IV - Report on an experiment relating to traffic accident prevention: a model used by the Panamerican Health Organization

Fernando Bueno Pereira Leitão

Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP - Brasil

 

Acidentes de trânsito. Prevenção e controle. RESUMO: É apresentado o relato de um programa relativo à prevenção de acidentes de trânsito na cidade de Bogotá, Colômbia, em 1983. A metodologia aplicada mostrou que policiamento ostensivo e preventivo produziu resultados imediatos, sendo sua adoção relativamente simples: o número de acidentes declinou de 414 para 48 acidentes ano após o Programa.
Accidents, traffic, prevention. ABSTRACT: The report of a program related to the prevention of traffic accidents in Bogotá, Columbia, in 1983, is presented. The methodology applied showed that ostensive and preventive policing produced immediate results and its adoption was relatively simple: the number of accidents declined from 414 to 48 within on year of the launching of the Program.

 

 

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento tecnológico fez com que os veículos automotores tivessem cada vez melhor desempenho, no sentido de velocidades maiores, e os preços mais acessíveis provocaram sua disseminação, fatos que foram, em parte, responsáveis pela maior ocorrência de acidentes em áreas metropolitanas e nas rodovias. Na América Latina, no ano de 1983, a Clínica San Pedro Claver do "Instituto de los Seguros Sociales" - ISS - em Bogotá, Colômbia, referiu-se a 60.000* casos de internação decorrentes de causas externas, dentre elas, os acidentes de trânsito. Conforme o "Instituto de Vias" da Universidade de Cauca, Colômbia, mantida tal incidência, haveria, em vinte anos, a ocorrência de 560.000 acidentes com 30.000 mortos e 230.000 feridos. Como conseqüência dessa situação, em 1986, o coeficiente de mortalidade por causas externas era estimado em 103,6 por 100.000 habitantes*. Como resultante desta perspectiva, naquele ano, a área de Seguridade Social, da Colômbia, solicitou à Organização Panamericana da Saúde uma consultoria com ênfase para "Urgencias Medicas, Gerencia y Administracion", visando a oferecer propostas para enfrentar essa grave situação.

O objetivo da presente parte é relatar a experiência da Colômbia, sobre acidentes de trânsito, usando o modelo da Organização Panamericana de Saúde.

 

DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO

A primeira fase da experiência objetivou conhecer, com detalhe, os aspectos da atenção aos casos de urgência em Bogotá, sendo, para tanto, mantido contato com a direção da "Clinica San Pedro Claver". Foram analisados os casos de urgência aí atendidos e avaliadas as condições da Clínica, quanto a recursos humanos, materiais e funcionalidade. Foram ainda mantidos contatos com autoridades da área da Saúde e da Seguridade Social e, visitados, também, outros hospitais envolvidos no atendimento às urgências: San Ignacio, San Juan de Dios, La Misericordia, Guavio, Meiser, de Girardot, de Choconta, de Fusagasuga, uma unidade Programatica Zonal e os três centros de urgência del Instituto del Seguro Social (ISS). Para avaliar o comportamento da população enquanto usuária da via pública, no que se referia ao trânsito, bem como às condições das vias públicas e rodovias, foram as mesmas percorridas a pé, de automóvel e sobrevoadas de helicóptero. Em decorrência dessas observações, constatou-se a seguinte situação:

1 - incidência muito alta de acidentes de trânsito;

2 - inadequada assistência na fase pré-hospitalar;

3 - sobrecarga no atendimento às urgências nos hospitais regionais e dificuldade de atendimento em hospitais locais e centro de urgência do ISS;

4 - número insuficiente de leitos para os casos de emergência;

5 - rede de comunicação com um sistema bem organizado, com médicos na área administrativa e com possibilidade de agilizar as ambulâncias da Secretaria da Saúde ou de outras entidades;

6 - existência de ambulâncias, nos órgãos de saúde, porém, mal equipadas;

7 - motoristas e socorristas ("camilleros") com cursos básicos de primeiros socorros promovidos pela "Cruz Roja";

8 - inexistência de ambulâncias com incubadoras para transporte de crianças e de helicópteros ou aviões para transporte de doentes que necessitassem de socorro urgente;

9 - excelente nível técnico e científico da área médica e de enfermagem;

10 - desrespeito às normas de segurança por parte dos motoristas;

11 - policiamento de caráter preventivo, insuficiente.

 

PROPOSTA DE AÇÃO

Diante desse quadro, foi elaborado um esquema operacional voltado, principalmente, para a prevenção de acidentes de trânsito. Numa primeira etapa, com duração prevista para 48 horas, foi definida uma abordagem referente aos aspectos educacionais do motorista e do pedestre e de avaliação das condições das rodovias e do policiamento. Sua implantação, com início às 7h de um sábado, foi planejada para a rodovia que liga Bogotá a Girardot (rodovia C), com a participação da "Policia Vial", "Direccion de Transito y Transporte", "Servicio de Salud de Bogota", "Servicio de Salud de Cundinamarca", Ïnstituto de los Seguros Sociales", "Cruz Roja". Foram destinadas 12 viaturas da polícia munidas de rádio comunicação, dez motocicletas, 150 policiais, 11 ambulâncias, 18 enfermeiras rurais, quatro auxiliares de enfermagem e 20 socorristas. Embora o esquema tivesse caráter preventivo, julgou-se necessário um apoio assistencial para eventuais ocorrências. As viaturas policiais foram estacionadas a cada 10 quilômetros, aproximadamente, de modo a estarem perfeitamente visualizadas. Junto a elas, sempre que julgado conveniente, foram localizadas as ambulâncias. Foi estacionada na parte alta de Boquerón, entre Chinauta e Boquerón "parte baja", uma ambulância de cuidados intensivos. Outras foram estacionadas em Chusaca (Cruz Roja), Subia (Cruz Roja), Ye de Fusagasugá (Servicio de Salud de Bogotá), Chinauta (Seguro Social), Boquerón Bajo (Seguro Social), Melgar (Servicio de Salud de Bogotá) e Girardot (Servicio de Salud de Bogotá). A operacionalização contou com uma divulgação prévia pela imprensa, com aconselhamento aos motorista para que fizessem revisão dos veículos, portassem seus documentos, não realizassem ultrapassagens perigosas e usassem cinto de segurança. Entretanto, propositadamente, não foi divulgada a rodovia a ser atingida. Nesta fase, foram transmitidas, aos usuários, informações de ordem educacional, como transporte de crianças no banco trazeiro, impossibilidade de ingestão de bebidas alcoólicas antes e durante a viagem, respeito à sinalização e informações prestadas, uso de cinto de segurança. O apoio à eventual necessidade de atendimento hospitalar contou com os hospitais de Cundinamarca (Girardot, Fusagasugá, Arbelaez, Caqueza, Facatativa, Villeta, Guaduas, Chia, Sopo, Zipaquirá, Tabio, Chocontá), de Bogotá (San Juan de Dios, Samaritana, La Victoria, Simon Bolivar, San José, San Pedro Claver). O projeto previa um levantamento inicial sobre o número de acidentes, de feridos e de mortos realizado nos seis fins de semana que precederam ao seu início e relativo aos primeiros 60 quilômetros de cada uma das seis rodovias que saem de Bogotá. Caso tivesse resultado positivo, com diminuição de acidentes, de mortos e de feridos, o projeto teria continuidade. Foi o que ocorreu. Realizada a primeira etapa, deu-se início à segunda. Esta foi realizada nos fins de semana seguintes, quando foram atingidas as rodovias Bogotá-Chocontá-Villapizon (rodovia A), com ambulâncias em Brileño, Alto de Sisga e Villapizon (todas do "Servicio de Salud de Bogotá") e a rodovia Bogotá-Villeta-Puerto Bogotá (rodovia B), com ambulâncias em Entrada Boyaca (Cruz Roja), Alto de Jalisco (Seguro Social) e Alto de Trigo (Cruz Roja). Nas rodovias Bogotá-Caqueza-Villaviciento (rodovia D) e Funza-Chia-Zipaquira (rodovia E) utilizaram-se ambulâncias do "Servicio de Salud de Bogotá" (duas) e do Seguro Social (uma). Em seguida, duas outras rodovias, secundárias, foram anexadas ao projeto, por sugestão da Polícia Viária: rodovia da Mesa, com uma ambulância da "Cruz Roja", e de Mesitas, com uma ambulância do "Servicio de Salud de Bogotá". Em continuidade ao planejamento, o projeto estendeu-se pelos demais fins de semana, num total de 54, ou seja, por um ano.

 

AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS

Para avaliação dos resultados foram contabilizados os números de acidentes, de mortos e de feridos em cada seis fins de semana, num total de nove conjuntos, que sucederam à implantação do projeto. Os dados foram comparados com os números encontrados em seis fins de semana, imediatamente anteriores ao início do mesmo.

Para a resolução dos aspectos relacionados ao atendimento dos casos de emergência foi, firmada a orientação quanto ao desenvolvimento de áreas específicas, como: aumento do número de leitos, implantação e desenvolvimento de um sistema de atendimento pré-hospitalar, incluindo a rede de comunicação, descentralização da atenção médica e continuidade dos programas de treinamento.

Já como conseqüência do número de acidentes de trânsito, de mortos e de feridos é que se definiu e instalou, como prioritário, o projeto operacional de cunho preventivo, fundamentado, basicamente, no policiamento ostensivo, com a perspectiva de resultado imediato. Nos seis fins de semana que precederam a instalação do projeto, haviam ocorrido, nas rodovias de Bogotá, 46 acidentes em conseqüência das seguintes causas: imprudência do motorista (20), embriaguês (7), falhas mecânicas (7), imprudência do pedestre (4), veículo fantasma** (3), imprudência do ciclista (3), imprudência do motociclista (1) e embriaguês do passageiro (1). Esses 46 acidentes foram responsáveis por 91 feridos e 27 mortos. Após a instalação do projeto, a somatória das ocorrências nos 54 fins de semana, foi de 48 acidentes, responsáveis por 83 feridos e 13 mortos. Com base nos dados que precederam o projeto, estimou-se a ocorrência de 414 acidentes/ano,valor que declinou para 48 acidentes/ano. Essa queda correspondeu a um valor 8,6 vezes menos do que a estimativa anterior (diminuição de 98,7% do total de ocorrências). A Figura mostra esses resultados.

 

 

COMENTÁRIOS

As condições relacionadas à atenção às emergências em Bogotá, em 1983, fizeram com que fossem apresentadas propostas diversas, no sentido de colaborar para a resolução do problema, como um todo. Aquelas de resultado previsto para médio e longo prazo incluíram a educação continuada da população quanto aos aspectos de trânsito e tráfego, por meio de folhetos educativos a serem distribuídos em escolas, vias públicas, locais de trabalho, a par de informações veiculadas pela imprensa escrita, falada e televisada e, "Cruz Roja"; equipagem das áreas de atendimento às emergências na rede assistencial, priorizando o equipamento para emprego de oxigênio, material para ventilação, intubação e aspiração de secreções, eletrocardiógrafo, Raios X, desfibrilador; provimento dos hospitais regionais quanto aos especialistas envolvidos em casos de urgência, nas 24 horas do dia; definição dos leitos para casos de urgência em todos os hospitais; organização da área externa dos hospitais diretamente envolvidas com admissão de casos de urgência, proibindo o estacionamento de qualquer tipo de veículo; responsabilidade da enfermagem pelo material utilizado nas ambulâncias; computadorização do sistema de classificação e admissão dos doentes a fim de facilitar o conhecimento de sua procedência, diagnóstico, tempo entre ocorrência e início do atendimento, chegada ao hospital, condição de alta e número de leitos disponíveis na rede assistencial. Quanto à comunicação, foi indicada a transferência da Central para o Hospital Universitário, pela facilidade de aí serem encontrados os especialistas capazes de atuar como reguladores do sistema, o aumento do número de canais e a integração com hospitais regionais e universitários. Em relação às ambulâncias, as recomendações salientaram a importância de equipagem para primeiros socorros, bem como a existência de uma ambulância tipo UTI para cada 300.000 habitantes. Ficou também definido que os cursos já existentes para motoristas e socorristas teriam a orientação das áreas correspondentes da Universidade.

Se estas recomendações previam, como já foi citado, resultados a serem obtidos a médio e longo prazo, a prevenção, instituída de maneira muito objetiva pelo projeto e baseada no policiamento ostensivo com a participação de ambulâncias, mostrou um resultado extremamente animador. Para sua execução, foi fundamental o interesse das autoridades da área da saúde e da seguridade social. Foi vivenciada uma postura governamental que traduziu um interesse político quanto à solução das ocorrências de trânsito. Nos mais diversos países, a morbidade e mortalidade relacionadas aos acidentes de trânsito são merecedoras da atenção da área da Saúde em decorrência, inclusive, dos altos custos de todo um processo de atendimento, além daqueles diretamente relacionados ao número de anos potenciais de vida perdidos - APVP. O interesse e conseqüente apoio governamental, na Colômbia, foi o decisivo fator do sucesso desse projeto, aliás de custo operacional extremamente baixo, uma vez que não houve necessidade de contratação de recursos humanos, nem da aquisição de equipamentos ou viaturas. Deve ser considerado, também, que o custo/benifício de um projeto como esse tende a diminuir no decorrer do tempo, certamente em conseqüência de outros fatores, como: diminuição do desembolso de recursos pelas companhias de seguro, o que por sua vez, poderá contribuir para a redução do prêmio e seu custeio; diminuição do número de feridos, proporcionalmente reduzindo os custos operacionais da área da saúde, além de contribuir para o aumento do número de leitos, então utilizáveis para casos eletivos ou para emergência clínica; redução do número de mortos e conseqüente diminuição dos APVP, pois a maioria das vítimas de acidentes de trânsito é constituída de pessoas jovens. E, então, os recursos advindos destes resultados poderão ser utilizados pela própria área da saúde em investimentos de grande importância, como saneamento básico, vacinação, desenvolvimento de recursos humanos, desenvolvimento tecnológico e outros mais que se fizerem necessários. A metodologia aplicada mostrou, para Bogotá, que o policiamento ostensivo, preventivo, produziu resultados imediatos, sendo relativamente simples sua adoção. Por outro lado, o fato de os acidentes ocorrerem por causas tão diversas, todas refletindo um errôneo comportamento do motorista e do pedestre, reforça o acerto da proposta e desencadeamento do projeto, salientando o fator psicológico exercido pelo policiamento. Aliás, pelo contato mantido com os usuários, além deste aspecto, influenciaram o resultado, outros fatores, como o apoio dos motoristas sóbrios no sentido de aceitar as recomendações que lhes foram feitas, a esperança dos motoristas em não se envolverem nem se defrontarem com as cenas comumente chocantes dos acidentes e, também, o impacto produzido pela visualização de ambulâncias.

Pela avaliação do projeto, confirma-se que a prevenção é um aspecto de primeira importância no que se refere a acidentes de trânsito, merecendo continuado interesse e apoio de especialistas, e certamente, das áreas governamentais.

 

AGRADECIMENTO

Ao Dr. Eduardo Guerra Zarate, da Secretaria de Saúde de Bogotá, pelo apoio e dedicação demonstrados durante o decorrer do projeto.

 

 

* Relatório apresentado à Organização Panamericana de Saúde, em 1986, pelo autor do presente capítulo.

** Veículo não visualizado pelo motorista em decorrência de se localizar no ponto cego de visão do carro.