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Avaliação da qualidade de vida de catadores de materiais recicláveis
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Artigo Original
 
Jesus MCP, Santos SMR, Abdalla JGF, Jesus PBR, Alves MJM, Teixeira N, et al. Avaliação da qualidade de vida de catadores de materiais recicláveis. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2012 abr/jun;14(2):277-85. Available from: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v14i2.15259.

Avaliação da qualidade de vida de catadores de materiais recicláveis

 

An assessment of the quality of life of recyclable material collectors

 

Evaluación de la calidad de vida de recolectores de materiales reciclables

 

 

Maria Cristina Pinto de JesusI, Sueli Maria dos Reis SantosII, José Gustavo Francis AbdallaIII, Petrônio Barros Ribeiro de JesusIV, Marcio José Martins AlvesV, Natália TeixeiraVI, Renato Ribeiro de JesusVII, Marcela Maria Pinto VilelaVIII, Larissa Rodrigues MattosIX

I Enfermeira, Doutora em Enfermagem. Professora Associada, Faculdade de Enfermagem (FACENF), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: mariacristina.jesus@ufjf.edu.br.

II Enfermeira, Doutora em Comunicação. Professora Associada, FACENF, UFJF. Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: sueli.santos@ufjf.edu.br.

III Arquiteto, Doutor em Engenharia de Produção. Professor Adjunto, Faculdade de Engenharia, UFJF. Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: gustavofrancis@ig.com.br.

IV Enfermeiro, Mestre em Enfermagem. Professor Assistente, FACENF, UFJF. Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: petronio.jesus@ufjf.edu.br.

V Médico, Doutor em Saúde Coletiva. Professor Adjunto, Faculdade de Medicina, UFJF. Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: marcio.alves@ufjf.edu.br.

VI Enfermeira. Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: teixeira_naty@yahoo.com.br.

VII Acadêmico do curso de graduação em Odontologia, UFJF. Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: ok.renato@hotmail.com.

VIII Acadêmico do curso de graduação em Medicina, UFJF. Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: marcelinhajf@gmail.com.

IX Acadêmico do curso de graduação em Enfermagem, UFJF. Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: larissammg@hotmail.com.

 

 


RESUMO

Objetivou-se avaliar neste trabalho a percepção de qualidade de vida de catadores de material reciclável, identificando variáveis sociodemográficas que potencialmente a influenciam, comparando resultados com outro estudo semelhante. Trata-se de estudo observacional e transversal que utilizou o questionário World Health Organization Quality of Life – 100 com 96 catadores de um município de Minas Gerais, em 2010. Os resultados mostram que os domínios com piores escores foram o psicológico, o das relações sociais e o do ambiente. Ser morador de rua, jovem, com mais escolaridade e sem companheiro contribuiu para os piores escores da avaliação global de qualidade de vida dos catadores. Há similaridade entre resultados deste estudo e de um realizado com trabalhadores de uma universidade, evidenciando-se escores diferenciados nos domínios das relações sociais e do ambiente. Conclui-se que os resultados constituem-se em subsídios para o fortalecimento de políticas públicas destinadas aos catadores de materiais recicláveis.

Descritores: Catadores; Qualidade de Vida; Saúde Pública.


ABSTRACT

The objectives of this study were to assess the perceptions of recyclable material collectors regarding their quality of life, identify the sociodemographic variables that potentially affect their quality of life, and compare the results with a similar study. This cross-sectional, observational study used the World Health Organization Quality of Life – 100 Questionnaire with 96 collectors residing in a city in Minas Gerais in 2010. Results showed that the psychological, social relations and environmental domains had the lowest scores. Being homeless, young, with a higher education level and without a partner contributed to the lowest scores in the global assessment of the collectors’ quality of life. A similarity was observed between the present study results and that of a study performed with university workers, with different scores for social relations and environmental domains. In conclusion, results provide the underpinning data to strengthen public policies aimed at the collectors of recyclable material.

Descriptors: Solid Waste Segregators; Quality of Life; Public Health.


RESUMEN

Se objetivó evaluar la percepción de calidad de vida de recolectores de materiales reciclables identificando variables sociodemográficas potencialmente influyentes, y comparar los resultados con otro estudio semejante. Estudio observacional, transversal, utilizando el cuestionario World Health Organization Quality of Life-100. Se realizó con 96 recolectores de un municipio de Minas Gerais, durante 2010. Los resultados muestran que los dominios con peores puntajes fueron el psicológico, el de relaciones sociales y el ambiental. Vivir en la calle, ser joven, con mayor escolarización y sin compañero configuró el cuadro de peores puntajes de evaluación global de calidad de vida de los recolectores. Existe similaridad entre los resultados de este estudio y del realizado con trabajadores de una universidad, evidenciándose puntajes diferenciados en los dominios de relaciones sociales y ambientales. Se concluye en que los resultados constituyen puntos de apoyo para mejora de políticas públicas destinadas a los recolectores de materiales reciclables.

Descriptores: Segregadores de Residuos Sólidos; Calidad de Vida; Salud Pública.


 

INTRODUÇÃO

No Brasil estima-se que o número de catadores de materiais recicláveis seja de aproximadamente 500 mil, estando dois terços deles no Estado de São Paulo(1).

A questão da inclusão social e produtiva de catadores vem, gradativamente, ganhando repercussão pública e espaço na agenda de governos locais (programas de coleta seletiva), tendo alcançado a agenda governamental brasileira nos anos 2000(2).  A realização de ações de apoio aos catadores, intensificadas a partir de 2003, foi avanço importante para o enfretamento da situação de precariedade vivida por esses trabalhadores(2). Entre outras, salienta-se a aprovação, em 2010, da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305), que prevê a inserção de catadores em programas de coleta seletiva municipais como requisito do Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos(2).

O catador, apesar de ter sua ocupação regulamentada desde 2002 (Classificação Brasileira de Ocupações – CBO nº 5.192-05), ainda sofre preconceitos e é estigmatizado pela sociedade devido ao tipo de atividade que executa, isto é, trabalha coletando, selecionando e vendendo materiais recicláveis como papel, papelão e vidro, materiais ferrosos e não ferrosos e outros materiais reaproveitáveis(3).

O trabalho de catação é quase sempre prejudicial ao trabalhador, que fica exposto às situações de riscos à saúde, a preconceitos sociais e à falta de regulamentação dos direitos trabalhistas. Suas condições de trabalho são precárias no que tange à informalidade, à remuneração e também pela própria condição de vida extralaboral. Ademais, outros fatores reforçam o estado em que vivem essas pessoas – à margem da sociedade – como a falta de acesso à educação, de aprimoramento técnico e de conforto físico-ambiental(1).

Além disso, mesmo que organizados em associação e ou cooperativas, se vêem ligados à administração pública, à Organizações Não Governamentais (ONGs) ou à Igreja Católica, devido a ausência de confiança em si e nos demais atores da cadeia de reciclagem(4).

Uma pesquisa de abordagem qualitativa sobre o significado do lixo na percepção de garis e catadores revelou que estes desenvolvem suas atividades por questões de sobrevivência e se sentem desvalorizados e envergonhados socialmente pelo fato de trabalharem com o lixo. Pessoas que lidam direta ou indiretamente com os resíduos sólidos estão expostas aos riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos que se traduzem como perigo(5).

A situação de pobreza em que vivem os catadores e a necessidade de garantir a sua sobrevivência e a de seus familiares, muitas vezes, os levam a ignorar tais riscos considerados integrantes do trabalho de catação(6).

A reflexão sobre a situação de vida, trabalho e riscos a que estão submetidos os catadores de materiais recicláveis, remete à avaliação da qualidade de vida desta população. O termo qualidade de vida vem sendo cada vez mais usado na área de saúde a partir dos paradigmas que se referem ao conceito ampliado do processo saúde-doença. Ambientes saudáveis que facilitem e favoreçam a saúde, especialmente o trabalho, estão associados à qualidade de vida das populações(7).

Nesse contexto, os catadores de materiais recicláveis são considerados um grupo populacional vulnerável e carecem de maior atenção, especialmente por parte dos profissionais de saúde.

A relevância da realização de estudos centrados na população de catadores, assim como de pesquisas de avaliação de qualidade de vida com enfoque nesse grupo de trabalhadores motivou o desenvolvimento desta pesquisa, cuja questão orientadora foi: qual a percepção dos catadores de materiais recicláveis de um município de Minas Gerais sobre sua qualidade de vida?

Os objetivos deste estudo foram avaliar a percepção de qualidade de vida de catadores de materiais recicláveis; identificar variáveis sociodemográficas que potencialmente influenciam a qualidade de vida desses catadores e comparar o resultado da avaliação de qualidade de vida do grupo de catadores de materiais recicláveis, com o de outro estudo que também utilizou o questionário World Health Organization Quality of Life - 100 (WHOQOL-100)(8) na avaliação de qualidade de vida .

O catador tem papel importante para a limpeza urbana e, assim, contribui com o equilíbrio ambiental a partir da sua atividade que reverte à melhor ambientação urbana. Nesse sentido, este estudo contribui para reflexões acerca da necessidade de valorizar os catadores de materiais recicláveis como trabalhadores que devem ser respeitados e considerados como agentes ambientais e, acima de tudo, cidadãos.

 

MÉTODO

Estudo observacional de delineamento transversal, realizado em um município de Minas Gerais, com 96 catadores de material reciclável, homens e mulheres, na faixa etária de 18 a 74 anos, de um universo de aproximadamente 400 pessoas que compõem a população de catadores desse município(9).

Para esta investigação, foram incluídos os catadores que estavam em atividades nas ruas, feiras livres e depósitos no período da coleta de dados. Todavia, pode-se presumir que esta amostra seja representativa da população dos catadores de material reciclável no município onde foi realizado o estudo, uma vez que foram pesquisados depósitos em várias regiões da cidade, em suma, todos os locais onde se espera encontrar essa população. Além disso, buscou-se obter um tamanho da amostra (n=96) que possibilitasse fornecer estimativa de prevalência com um erro máximo de 10%.

A avaliação da qualidade de vida dos catadores de materiais recicláveis foi realizada a partir da aplicação do WHOQOL–100, o qual consiste em um instrumento composto de 100 questões, divididas em seis domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, ambiente e espiritualidade e/ou crenças pessoais. Cada domínio é constituído por 24 facetas, compostas de quatro perguntas, e uma faceta geral, que inclui questões de avaliação global de qualidade de vida. As respostas para as questões do WHOQOL-100 são dadas em uma escala tipo Likert (intensidade, capacidade, frequência e avaliação)(8).

A coleta de dados foi realizada no período de março a setembro de 2010, por sete estudantes dos cursos: medicina, enfermagem, odontologia e arquitetura, previamente treinados pelos pesquisadores para a aplicação do instrumento. Esses estudantes receberam treinamento de oito horas relacionado aos aspectos teóricos do questionário e oito horas sobre a abordagem ao participante da pesquisa. A seguir, cada estudante aplicou um questionário e apresentou as dúvidas em reunião do grupo de pesquisa. A supervisão de campo foi realizada pelos pesquisadores para garantir o controle dos dados coletados.

Antes de ser entrevistado, o catador foi esclarecido sobre seus direitos frente à participação na pesquisa e, no caso de concordância em participar, foi obtido o consentimento formal por meio da assinatura ou impressão da digital do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Considerando o baixo grau de escolaridade dos catadores, os estudantes avaliavam a necessidade de ler as perguntas do questionário junto com o entrevistado para sanar as dúvidas. O tempo médio para cada entrevista foi de 30 minutos.

Os dados foram digitados em planilha eletrônica e analisados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS 15.0). Os escores do WHOQOL 100 foram calculados de acordo com o programa elaborado pelo grupo da Organização Mundial de Saúde(8), fornecendo valores numéricos (facetas e domínios) em uma escala de 4 a 20. Estes escores foram apresentados por meio da média, desvio-padrão e intervalo de confiança de 95%. Os dados categóricos foram tabulados utilizando frequências absolutas e relativas. A inclusão das variáveis sociodemográficas – situação de moradia, sexo, faixa etária, escolaridade, profissão/ocupação, estado civil e número de filhos – permitiu avaliar o quanto as mesmas influenciaram os escores do WHOQOL-100, através do teste estatístico ANOVA dentro da amostra. A significância foi avaliada ao nível alfa= 0,05.

Além das comparações internas segundo os fatores sociodemográficos da amostra, para validar os resultados obtidos, os dados desta pesquisa também foram comparados aos de um estudo sobre qualidade de vida com trabalhadores saudáveis de uma universidade, utilizando o WHOQOL-100(8). Estas foram possibilitadas a partir da construção dos intervalos de confiança de 95% das médias dos escores WHOQOL-100, com base nas médias e desvio padrão daquele estudo(8).

O Projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário, da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob o Protocolo CEP-UFJF 002/2010, Parecer nº 006/2010.

 

RESULTADOS

Os dados relativos às variáveis sociodemográficas estão sumarizados na Tabela 1. Dos 96 catadores entrevistados, a maioria, 71,9%, é do sexo masculino; 66,7% têm acima de 40 anos de idade; 79,2% moram sozinhos ou com a família, isto é, não são moradores de rua; 58,3% dos catadores vivem sem companheiro(a); 75% são analfabetos ou possuem o ensino fundamental incompleto; 57,3% trabalham somente com a catação de materiais recicláveis e 49% possuem até três filhos.

tabela-01

A Tabela 2 apresenta o resultado referente à avaliação global e aos seis domínios em relação às sete variáveis sociodemográficas que hipoteticamente influenciaram a qualidade de vida da população deste estudo.

tabela-02

Quanto à avaliação global do catador, morador de rua, demonstrou-se que, no que se refere à variável situação de moradia, foi estatisticamente mais baixa, em relação aos que possuíam um lar. No que concerne ao gênero (masculino e feminino), não houve diferença significativa na avaliação global da qualidade de vida. Em relação à faixa etária, os mais jovens pontuaram em média escores significativamente mais baixos na dimensão global (p=0,007). Para a variável escolaridade, foi possível demonstrar que, na avaliação global, os catadores com ensino fundamental incompleto ou analfabetos apresentaram escore médio maior do que os que estudaram o fundamental completo ou mais.

Em relação à variável profissão/ocupação, o escore médio na avaliação global não apresentou diferença significativa entre os grupos (p=0,476). O catador com companheiro(a) teve avaliação global com escore médio maior em relação aos que não possuíam companheiro(a) (p=0,035). No tocante à variável número de filhos, não houve diferença entre os grupos avaliados.

No que diz respeito aos seis domínios do WHOQOL-100, foi possível demonstrar que, nos domínios físico e nível de independência, nenhuma das variáveis representativas dos fatores sociodemográficos produziu diferenças significativas nos escores. No domínio psicológico, foram significativas as diferenças em relação às variáveis: moradia (os moradores de rua apresentaram pior avaliação, p=0,038) e estado civil (aqueles sem companheiro(a) tiveram pior avaliação, p=0,024). No domínio relações sociais, para a variável moradia, novamente os moradores de rua apresentaram pior avaliação, p=0,001; para a idade, os mais jovens obtiveram escores menores, p=0,014; também para o estado civil, aqueles sem companheiro(a) obtiveram pior avaliação, p=0,015. No domínio ambiente, apenas a variável moradia obteve significância, sendo também piores as avaliações dos moradores de rua. Finalmente, no domínio da espiritualidade, apenas a variável número de filhos obteve alguma significância (p=0,018), sendo melhores as avaliações daqueles que têm mais de três filhos.

A Tabela 3 mostra a comparação externa dos intervalos de confiança dos escores deste com outro estudo(8). Nesta comparação, constatou-se que não houve superposição nos domínios relações sociais e ambiente, os quais obtiveram médias maiores, respectivamente 15,7 e 14,0, que no presente estudo, com 14,2 e 12,8.

tabela-03

 

DISCUSSÃO

Quanto à avaliação global, a variável gênero não interferiu na qualidade de vida dos catadores de materiais recicláveis. Um número maior de homens entre os catadores de materiais recicláveis também foi encontrado em dois estudos, realizados na cidade de Santos e São Paulo, contudo a proporção de mulheres desses estudos foi menor, respectivamente, 17,8%(10) e 14%(11) do que a encontrada no presente levantamento. O fato de a presente pesquisa ter identificado um número expressivo de catadores do sexo feminino pode estar relacionado com a crescente inclusão da mulher no mercado de trabalho, apesar de essa não se dar de forma igualitária, uma vez que as mulheres continuam segregadas em ocupações de menor renda, como é o caso da profissão de catação(12).

A elevada porcentagem de catadores com idade acima de 40 anos também é um fato social que pode estar relacionado à dificuldade de inserção desse grupo etário no mercado de trabalho, que é mais favorável aos jovens. Similar resultado foi observado em outro estudo que encontrou 70% dos catadores com idade superior a 35 anos(11).

Ainda em relação à idade, corroborando este estudo, também uma pesquisa salientou que os catadores mais jovens apresentavam grau de satisfação pessoal baixo. Acrescentou que a idade afeta a maneira como as pessoas se sentem em relação ao trabalho; os jovens catadores tendem a ser menos satisfeitos com a ocupação por considerá-la desagradável e estressante(13).

Constatou-se que ser catador de materiais recicláveis e ter moradia, seja morando sozinho ou com a família, confere a este trabalhador maior qualidade de vida(10). Os catadores, de modo geral, possuem uma residência; porcentagem muito pequena mora nas ruas ou reside em depósitos de materiais recicláveis(10).

O grande percentual de catadores com baixa escolaridade apresentou diferença significativamente melhor na avaliação global do que os que têm maior escolaridade, o que é corroborado por outros estudos que mostraram que a maioria dos catadores de materiais recicláveis possui baixa escolaridade e que esta se relaciona diretamente às condições de vida(1,10). Uma questão relevante a ser considerada é que, com menor escolaridade, os catadores tendem a não possuir o conhecimento necessário para a alimentação saudável e também têm maior dificuldade para compreender a importância dos aspectos higiênico-sanitários da alimentação(14), favorecendo o aparecimento de doenças ligadas aos enteroparasitas, que prejudicam o aproveitamento dos nutrientes e causam mal à saúde(11).

A questão de trabalhar exclusivamente com a catação de materiais recicláveis é discutida em outros estudos, enfatizando-se que o direcionamento para as atividades de catação é devido à condição de desemprego, falta de opção, baixo índice de escolaridade, fatores estes que revelam uma trajetória de exclusão social(15). Um estudo mostrou que, em decorrência do alto número de pessoas sem vínculo empregatício formal, muitas residências configuram-se no próprio ambiente de trabalho informal e que todos os membros da família são envolvidos nestes trabalhos, inclusive na catação(16).

Apesar de o trabalho dos catadores de materiais recicláveis exigir forte esforço físico e a rotina do trabalho acarretar problemas associados a dores corporais, problemas osteoarticulares, hipertensão e nervosismo, no domínio físico, não houve diferenças significativas nos escores, considerando-se o nível de significância estabelecido. Os catadores, muitas vezes, possuem ocupações temporárias, irregulares, submetem-se aos riscos e discriminações e vivem em busca da garantia de sobrevivência(6). Mesmo que o trabalhador não perceba, a ocupação de catador é uma atividade desgastante para o ser humano e pode acarretar agravos à saúde(6). O contato com os resíduos sólidos, comumente causa doenças diarreicas nos catadores, as quais estão relacionadas à falta de lavagem de mãos, e doenças transmitidas por vetores biológicos e mecânicos(6).

A despeito de grande parte dos catadores ter mencionado algum tipo de problema de saúde, estes não se mostraram dependentes de medicações ou tratamento de saúde. Pode-se inferir que os mesmos não procuram tratamento de saúde por falta de tempo, falta de conhecimento sobre a importância de prevenção de agravos e promoção da saúde, dificuldade de acesso aos serviços de saúde(11) ou mesmo de aquisição de medicações(6).

A condição de trabalhar nas ruas coletando materiais desperta preconceitos em relação a esses trabalhadores, o que pode acarretar problemas de autoestima, sentimentos negativos quanto a sua vida, imagem corporal e aparência. Quando organizados em associações ou cooperativas, podem ser criativos, necessitando, para isso, de liberdade, autoestima e sentimento de pertença social(17). É importante salientar que a imagem negativa da sociedade sobre os catadores interage com a autoimagem deles, formada a partir de sua atividade laboral. De uma maneira geral, mesmo se organizando, sofrem discriminações(17).

A falta de moradia influenciou a piora da qualidade de vida dos catadores, considerando os domínios: psicológico, relações sociais e o do ambiente. A moradia está relacionada à questão de segurança, alimentação e proteção à família; contribui para a percepção da identidade e influencia o imaginário dos catadores frente as suas perspectivas de vida e relações culturais(18).

O domínio espiritualidade engloba a religião e as crenças pessoais e pode ser útil para avaliar a qualidade de vida em outras situações que não a de saúde-doença(8). A questão da espiritualidade é muito ampla e pode ser entendida como a percepção subjetiva de bem-estar da pessoa em relação à sua crença, envolvendo um componente religioso e um componente existencial – propósito e satisfação de vida, ou seja, significado da vida e da razão de viver, não se limitando a alguns tipos de crenças ou práticas religiosas(19).

Ao comparar os resultados desta pesquisa com os do outro estudo(8), verificaram-se similaridades. É importante ressaltar que a amostra daquele estudo possui como principal característica se tratar de pessoas saudáveis, trabalhadoras de uma universidade pública brasileira. O fato de os resultados dos domínios ambiente e das relações sociais terem sido mal avaliados pelos catadores mostra-se coerente, uma vez que ser morador de rua, ter baixa escolaridade e uma ocupação discriminada socialmente se contrapõe à situação de ser trabalhador de uma universidade. Todavia as similaridades em relação aos demais domínios podem significar que catadores de materiais recicláveis compartilham outro tipo de trabalho, percepções de qualidade de vida.

Salienta-se que o resultado da qualidade de vida inclui uma complexidade de fatores econômicos, socioculturais, estilos de vida e até mesmo de experiência pessoal. Nesse sentido, revelam-se claramente dois aspectos do conceito de qualidade de vida considerado neste estudo: a subjetividade e a multidimensionalidade(20). Ademais, seu caráter interdisciplinar implica a contribuição de diferentes áreas do conhecimento para o aprimoramento do conceito, e sua utilização pode favorecer a melhoria da qualidade e da integralidade da assistência na perspectiva da saúde como direito de cidadania(20).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avaliação da qualidade de vida pelos catadores de materiais recicláveis mostrou que os domínios com piores escores foram o psicológico, o das relações sociais e o do ambiente.

Verifica-se que, entre os fatores que influenciaram a percepção negativa de qualidade de vida dos catadores, destacam-se no elenco das variáveis sociodemográficas: ser morador de rua, ser jovem, possuir maior escolaridade e viver sem companheiro(a).

O fato de o jovem catador avaliar mal sua qualidade de vida nos remete a pensar que, por pertencer a essa faixa etária, é possível que ele tenha perspectiva de melhoria nas condições de vida. Estes se envolvem com esta atividade laboral, contudo não demonstram satisfação e conformismo com as atividades de catação, até mesmo porque não são valorizados como trabalhadores.

O maior grau de escolaridade de alguns catadores propiciou pior percepção da qualidade de vida, o que não aconteceu com aqueles que apresentavam menor grau de formação escolar ou analfabetismo. Pode-se inferir que o nível de escolaridade influencia o indivíduo a avaliar para melhor ou pior sua condição de vida, considerando contexto social e o enfrentamento das dificuldades de sobrevivência.

Apesar de a maior parte dos catadores de materiais recicláveis ter mencionado possuir um lar, a maioria vive sem companheiro(a), o que contribuiu, neste estudo, para a pior percepção de qualidade de vida. Somado a essa realidade, sabe-se que, no Brasil, muitos desses trabalhadores se encontram na situação de moradores de rua e/ou em condições precárias de moradia.

Embora a percepção de qualidade de vida do grupo de catadores tenha se mostrado semelhante à do estudo com trabalhadores de uma universidade, evidenciou-se um contraponto que se refere ao contexto em que esses estão inseridos, culminando em escores diferenciados no tocante aos domínios das relações sociais e do ambiente.

Ainda que os resultados desta pesquisa estejam limitados a um município do estado de Minas Gerais, estes se constituem em subsídios para a revisão e o fortalecimento de políticas públicas destinadas aos catadores de materiais recicláveis, à medida que contribuem para reflexões acerca da necessidade de garantir a esses trabalhadores direitos que configurem o exercício da cidadania.

 

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Artigo recebido em 08/08/2011.

Aprovado para publicação em 29/03/2012.

Artigo publicado em 30/06/2012.

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