It is the cache of ${baseHref}. It is a snapshot of the page. The current page could have changed in the meantime.
Tip: To quickly find your search term on this page, press Ctrl+F or ⌘-F (Mac) and use the find bar.

Produção - Vertical integration in service industries: an exploratory study at the healthcare industry in São Paulo

SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 issue1Comparing product flexibility, costs and velocity of development in the Chinese and Brazilian footwear industryDeterminants of scale efficiency in the Brazilian 3PL industry author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Produção

Print version ISSN 0103-6513

Prod. vol.21 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2011 Epub Mar 04, 2011

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132011005000015 

Integração vertical nas operadoras de assistência médica privada: um estudo exploratório na região de São Paulo

 

Vertical integration in service industries: an exploratory study at the healthcare industry in São Paulo

 

 

Gustavo M. de AlbuquerqueI; Maria Tereza Leme FleuryII, *; André Leme FleuryIII

Idrgalbuq@gmail.com, Brasil
IImtereza.fleury@fgv.br, EAESP, Brasil
IIIalfleury@usp.br, USP, Brasil

 

 


RESUMO

Arranjos produtivos têm sido feitos em diferentes setores da economia, resultando em ciclos de integração quando uma empresa torna-se responsável por etapas consecutivas da cadeia de produção de bens e serviços. Esse processo, denominado integração vertical, apresenta implicações diversas, exploradas em estudos sobre operações industriais, economia dos custos de transação, competitividade e políticas antitruste. Este estudo tem como foco o setor de saúde e objetiva levantar a percepção de gestores do setor de assistência médica privada sobre esse movimento de integração vertical, suas motivações e implicações. Através de pesquisa qualitativa realizada com gestores de empresas de saúde sobre os possíveis benefícios da verticalização, observou-se que o controle dos custos de produção e a melhoria da qualidade ou resolutividade dos serviços médicos são os principais benefícios obtidos com esse processo. Os resultados corroboram em parte os de pesquisas realizadas no contexto norte-americano, porém também identificam dimensões diferentes, características do cenário analisado.

Palavras-chave: Indústria de serviços. Saúde suplementar. Cadeia produtiva. Integração vertical.


ABSTRACT

Different production arrangements have been experienced in several economic fields. It is possible to observe integration cycles, when a company becomes responsible for consecutive stages in the production chain of goods and services. This process, known as vertical integration, generates many implications that have been analyzed by studies about operational management, transaction costs economics, competition and anti-trust regulation. Focused on the healthcare industry, this research aims to analyze the managerial perception about vertical integration in this field, aiming to gain insights about the motivations and implications of this process, not sufficiently exploited by the specialized literature. Using a qualitative approach, interviewees were asked to rank possible vertical integration benefits. It was noticed that the control of production costs and the optimization of services' quality were the main benefits of this process. Obtained results reinforce some perceptions gained at studies conducted among north american companies; however, some differences were observed, which are characteristic of the analyzed context.

Keywords: Services industry. Private healthcare. Production chain. Vertical integration.


 

 

1. Introdução

O sistema de saúde privado no Brasil, que abrange os serviços de assistência médica financiados pela iniciativa privada, corresponde a 57% de todos os gastos em saúde no país, os quais equivalem a 4,5% do PIB nacional. Atualmente as operadoras de saúde, organizações privadas que financiam esses gastos em saúde, enfrentam pressões crescentes causadas pelo aumento dos seus custos operacionais. Três fatores principais influenciam esse aumento de custos: a inflação geral, a incorporação contínua de tecnologias emergentes para diagnóstico e tratamento e a elevada taxa de utilização dos recursos e serviços de saúde.

Buscando equacionar o gerenciamento desses custos crescentes, algumas operadoras de saúde incorporaram hospitais e laboratórios, viabilizando o oferecimento de um conjunto completo de serviços para os clientes. Esse tipo de associação entre empresas é objeto de pesquisa na área de gestão de operações, que analisa e documenta diversas formas de agregação entre empresas que têm como objetivo o estabelecimento de diferenciais competitivos. De acordo com as especificidades de cada cadeia produtiva, essas associações podem ocorrer na forma de integrações horizontais, envolvendo empresas que competem num mesmo estágio da cadeia de valor, ou na forma de integrações verticais, unindo empresas fornecedoras e compradoras que atuam em estágios sucessivos da cadeia (HARRIGAN, 2003).

Estudos sobre processos de integração vertical entre participantes do sistema de saúde foram elaborados no contexto norte-americano, onde se verificou que o principal fator motivador da integração foi o estabelecimento de controles para gerenciar o aumento dos custos de produção. Para a tomada de decisão, as empresas devem considerar e analisar quais são os principais motivadores do processo de verticalização, quais são as principais vantagens relativas desse processo e verificar se a verticalização é uma tendência no setor, compreendendo quais outras estratégias são também factíveis para elas. Entre os benefícios econômicos esperados com esse tipo de iniciativa podem-se destacar a economia de escopo, a economia de integração e a racionalização de recursos; entre os benefícios competitivos esperados podemos mencionar a criação de barreiras de entrada, a proteção da propriedade intelectual, maior habilidade de estimar variações na demanda de produtos, maior inteligência sobre o cliente final, a facilitação de processos de auditoria e de alocação de recursos e o aumento da motivação. Finalmente, entre os desafios enfrentados pelas organizações em processos de integração vertical é importante destacar a diminuição da escala e o aumento dos cursos marginais do produto, a possibilidade de integrações verticais mal executadas ou mal indicadas e o distanciamento dos mecanismos de controle competitivo.

Porém, no Brasil, esses estudos ainda são poucos. Observações empíricas do mercado de saúde permitem evidenciar alguns modelos de integração entre empresas de diferentes etapas do processo produtivo. Entre os casos de integração horizontal, observam-se casos de hospitais que se associaram tendo em vista aumentar o ganho de escala e ampliar o poder de barganha na aquisição de medicamentos. Em relação aos movimentos de integração vertical, num primeiro momento os hospitais lançaram planos de saúde próprios e, numa segunda etapa, as operadoras de saúde adquiriram hospitais, voltados ao atendimento da sua clientela específica.

Apesar da relevância do tema e da importância do segmento das operadoras de saúde no Brasil, existem questões ainda não analisadas e registradas sobre essa modalidade de organização na literatura nacional. Especificamente que fatores motivam a integração vertical nesse segmento de negócios e quais perspectivas futuras relacionadas com essa integração não foram ainda formalizadas.

Buscando contribuir com o corpo de conhecimentos apresentado anteriormente, este artigo tem como objetivo analisar os benefícios alcançados com o processo de verticalização entre as operadoras de saúde e compreender quais vantagens podem fortalecer a posição competitiva dessas empresas, segundo seus gestores. Espera-se com este estudo contribuir para a literatura relacionada ao tema integração vertical, acrescentando conhecimentos relacionados a um segmento de especial importância estratégica. Este é um estudo exploratório, de caráter qualitativo, de nove empresas selecionadas.

 

2. Fundamentação teórica

A literatura sobre integração vertical começa nos estudos de economia das organizações de Ronald Coase, em 1937, e ganha corpo 40 anos mais tarde com o emprego da Teoria dos Custos de Transação (TECT) de Williamson (1979) e Klein, Crawford e Alchian (1978). Suas obras abordam os riscos e custos inerentes às relações contratuais de longo prazo, subsidiando a decisão da empresa de integrar outra etapa da cadeia produtiva em que atua, como forma de buscar eficiência sob as chamadas hierarquias. Outro enfoque teórico submetido à comprovação empírica por Grossman e Hart (1986) trata dos direitos de propriedade. Nessa teoria, a posse dos recursos ou, em outras palavras, de segmentos conseguintes na cadeia de valor elimina transações comerciais entre fornecedor e comprador e, por consequência, agrega estabilidade para o processo produtivo.

Para Williamson (1979), a definição microeconômica de integração vertical implica o envolvimento de uma empresa em mais de um estágio da cadeia de um determinado processo produtivo. Essa estratégia tem sido utilizada desde o século XIX, quando foi implementada pela siderurgia, tendo despertado atenção de estudiosos na década de 10 com a implantação da linha de montagem da Ford, que criou a necessidade de reorganização da cadeia produtiva. Ao longo do século XX, vários outros segmentos da economia experimentaram, em maior ou menor grau, iniciativas de integração em sua cadeia de valor, como as indústrias têxteis, química, eletroeletrônica, farmacêutica, de microinformática e de geração/transmissão de energia, entre outras estudadas pelas áreas de economia política e estratégia e organização industrial.

Em ambientes competitivos, diversas maneiras de associação entre empresas foram experimentadas e estudadas, com ou sem vínculos de propriedade. Considerando-se a cadeia produtiva de cada setor, podem-se empreender integrações através de propriedade e relações contratuais, seja entre empresas competidoras num mesmo estágio da cadeia de valor, a integração horizontal, ou entre empresas fornecedoras e compradoras em estágios conseguintes na cadeia, a integração vertical (HARRIGAN, 2003). Para esta autora, quatro dimensões definem movimentos de integração vertical.

1. Estágio: refere-se ao número de estágios da cadeia de valor em que a empresa participa como produtora.

2. Amplitude: descreve o número de processos produtivos desempenhados pela empresa num determinado estágio da cadeia de valor.

3. Grau: trata da proporção em que a empresa utiliza inputs originados de sua própria produção em outro estágio da cadeia de valor.

4. Forma: refere-se ao vínculo de propriedade exercido nas integrações verticais, que pode constituir-se de relações contratuais, ser de propriedade compartilhada ou propriedade exclusiva.

Após ampla revisão das pesquisas acadêmicas, Mahoney (1992) sugere que os motivos básicos que levam à integração vertical podem ser classificados em quatro categorias principais: (1) considerações sobre os custos de transação; (2) considerações estratégicas; (3) vantagens de preço em outputs ou inputs; (4) incertezas de preço dos inputs ou custos dos outputs.

A seguir são apresentados alguns pontos destacados pelos autores de diversas linhas teóricas sobre ganhos e riscos potenciais da verticalização:

2.1. Benefícios econômicos

• Economia de escopo: a produção de bens e serviços em um determinado patamar da cadeia produtiva pode tornar-se mais homogênea e especializada ao se voltar para um único consumidor (WILLIAMSON, 1979; KLEIN; CRAWFORD; ALCHIAN, 1978).

• Economia de integração: a coordenação comum de atividades minimiza o comportamento oportunista que ocorreria entre dois agentes distintos gerando maiores custos de transação. Além de suprimir overheads, a centralização do controle e a integração entre diferentes unidades de negócio podem gerar sinergias que potencializam a atividade fim da empresa (KLEIN; CRAWFORD; ALCHIAN, 1978).

• Racionalização de recursos: as atividades de marketing e comerciais podem ser suprimidas se a produção for voltada a um único consumidor, enquanto custos com distribuição podem ser minimizados considerando um ou poucos centros consumidores do bem produzido (MPOYI, 2003).

2.2. Benefícios competitivos

• Criação de barreiras de entrada para novos competidores, uma vez que se ampliam os custos e o know-how necessários para entrada no negócio. A integração vertical possibilita a uma empresa aumentar o preço de seu input e diminuir o preço de seu output como forma de criar barreira de entrada a competidores (Price Squeezing, praticado nas indústrias de aço - JOSKOW, 1985).

• Proteção de propriedade intelectual na produção de insumos ou produtos intermediários (ARGYRES, 1996).

• Maior habilidade de estimar variações de demanda de produtos seguintes na cadeia de valor contribui para direcionar a produção do bem intermediário, diminuindo os riscos associados às oscilações do mercado (HARRIGAN, 2003).

• Maior inteligência sobre o cliente final permite adaptações mais rápidas às novas tendências de consumo (HARRIGAN, 2003).

• Auditoria e alocação de recursos: a auditoria das próprias divisões é facilitada, viabilizando manter padrões de qualidade homogêneos e informações que fazem com que se possa alocar pessoal mais efetivamente entre as diferentes divisões do negócio (MAHONEY, 1992).

• Motivação: seleção, treinamento e socialização podem minimizar as divergências entre pessoas e colaborar para convergência de objetivos (EISENHARDT, 1985).

2.3. Desafios e dificuldades

Para alguns autores existe a possibilidade de ocorrerem falhas estratégicas nos processos de integração vertical ou de não serem consideradas as desvantagens inerentes ao modelo hierárquico:

• Diminuição de escala e aumento dos custos marginais do produto, uma vez que a produção é voltada a um único cliente ou pelo menos a uma quantidade relativamente menor deles (WILLIAMSON, 1979). Além disso, dependendo da escala de produção, a adoção de inovações pode também não ser financeiramente viável (HARRIGAN, 2003).

• Integração vertical mal executada: algumas empresas mantêm seus negócios relacionados com limitado grau de integração, sem explorar sinergias ou trocar conhecimentos específicos (HARRIGAN, 2003).

• Integração vertical mal indicada: outras empresas utilizam-se da verticalização apenas para compensar posições competitivas precárias e permanecem invariavelmente aquém dos resultados obtidos pelos concorrentes (HARRIGAN, 2003).

• Distanciamento dos mecanismos de controle competitivo do mercado e burocratização de processos internos podem tornar a empresa fornecedora mais defasada em relação às novas tecnologias, metodologias de gestão, canais de vendas etc. O acesso a fornecedores e a outros compradores torna-se mais restrito, diminuindo trocas de informação, de conhecimento e de experiências (BALAKRISHNAN; WERNERFELT, 1986).

2.4. Integração vertical na medicina suplementar

Devido à escassez de análises acadêmicas sobre integração vertical na medicina suplementar no país recorreu-se à literatura sobre gestão em saúde norte-americana, relativamente pródiga na década de 90, respeitando-se os diferentes contextos e proporções. Alguns autores enumeraram diversas vantagens do processo de verticalização das empresas de saúde daquele país, com ênfase nos aspectos de controle dos custos de produção e aumento do poder de negociação com fornecedores e compradores de serviços, gerando, em última análise, fortalecimento da posição competitiva das empresas verticalizadas (HIGGINS; MEYERS, 1987; BURNS; KIMBERLY; WALSTON, 1996; BYRNE; WALNUS, 1999; BEGUN et al., 2001).

Para Porter e Teisberg (2006), a integração vertical nos Estados Unidos contribuiu para diminuir a competitividade entre empresas de planos de saúde e entre prestadores de serviços médicos na medida em que estabeleceu redes afiliadas de atuação local, IDN - Integrated Delivery Networks. Essas redes são capitaneadas por empresas de planos de saúde, HMOs - Health Maintenance Organizations, que através de negociações por escala e preço, em detrimento de indicadores de resultados e valor agregado aos clientes, celebram contratos vantajosos com grupos médicos, clínicas e hospitais locais. Para que o cliente de uma HMO utilize prestadores fora dessa rede contratualmente integrada existem inúmeras restrições burocráticas e econômicas, caracterizando as IDNs como oligopólios que prejudicam a competição no setor. O Quadro 1 sintetiza algumas das principais contribuições identificadas na literatura sobre o tópico em análise.

Embora houvesse pretensões semelhantes com a integração vertical das empresas de saúde no Brasil e nos Estados Unidos, os motivadores desse movimento são distintos e os aspectos mencionados acima podem ou não constituir benefícios concretos na realidade das empresas verticalizadas da saúde suplementar no país.

2.5. Organização da medicina suplementar no Brasil

O sistema de saúde privado no Brasil, mais conhecido como medicina suplementar ou supletiva, abrange todos os serviços de assistência médica, privados ou públicos, financiados pela iniciativa privada através de pré-pagamento, desembolso direto ou reembolso, correspondendo a 57% dos gastos em saúde no país, ou 4,5% do PIB (ORGANIZAÇÃO..., 2004). As operadoras de saúde, empresas e entidades que atuam no setor de saúde suplementar oferecendo aos consumidores os planos de assistência à saúde, são classificadas em oito modalidades: administradoras, cooperativas médicas, cooperativas odontológicas, instituições filantrópicas, autogestões (patrocinadas e não patrocinadas), seguradoras especializadas em saúde, medicina de grupo e odontologia de grupo (BRASIL, 2005).

As medicinas de grupo surgiram nos anos 60 e caracterizam-se como um sistema de atendimento médico-hospitalar em rede credenciada ou própria, englobando 38,20% dos beneficiários da medicina suplementar (BRASIL, 2005). Propostas inicialmente para funcionar sem desembolso passam a contar cada vez mais com taxas para utilização de serviços. Cinquenta e sete por cento dos clientes dessa modalidade concentram-se no Estado de São Paulo, onde os planos atendem principalmente clientes empresariais.

As cooperativas surgiram em 1967 como União de Médicos (Unimeds), na tentativa de preservar a autonomia do profissional contra o "assalariamento". Ofertam planos com cobertura de hospitais e clínicas credenciados, além da rede própria de consultórios dos 97 mil médicos cooperados. Não há desembolso pelo cliente na utilização de serviços e ocorre participação dos cooperados nos lucros da holding. Representam 29,23% dos beneficiários da medicina suplementar e são territorialmente mais abrangentes que as medicinas de grupo, embora 34% dos clientes encontrem-se no Estado de São Paulo (BRASIL, 2005).

As autogestões surgiram com a implantação das montadoras no ABC paulista na década de 60 e abrangem atualmente 15,91% dos beneficiários da medicina suplementar (BRASIL, 2005). São constituídas por empresas, fundações ou associações de pessoas físicas ou jurídicas que gerenciam a assistência à saúde de seus funcionários ativos, aposentados e dependentes através de recursos próprios, rede credenciada (convênios) ou de reembolso (seguro), sem recorrer às medicinas de grupo ou seguradoras. Geralmente são financiadas em sua maior parte pelos empregadores e em menor monta pelos colaboradores destes.

As seguradoras especializadas em saúde, modalidade mais recente, originaram-se no final dos anos 70 e contemplam 12,93% dos beneficiários da medicina suplementar. São financiadas através de pré-pagamento, oferecendo reembolso integral ou não pelos serviços médico-hospitalares prestados independentemente. Nessa modalidade, 61% dos clientes são beneficiários das duas maiores empresas, concentrando-se sobretudo no Estado de São Paulo (51%). Como ocorreu no setor financeiro de modo geral, houve associação das empresas nacionais às de capital estrangeiro.

Uma característica marcante da saúde suplementar no Brasil é a fragmentação do setor, com 2.147 operadoras de saúde em atividade. Dezesseis por cento das empresas concentram 80% dos clientes e 75% delas apresentam menos de 10 mil beneficiários (BRASIL, 2005). A pequena escala tende a aumentar os riscos nesse negócio de "natureza securitária", além de dificultar negociações com prestadores de serviços e limitar o poder de investimento em serviços próprios, por exemplo. Outra peculiaridade é a baixa fidelização dos clientes, o que por muitos anos desestimulou investimentos em medidas de promoção de saúde e prevenção de doenças, caracterizadas por resultados de longo prazo.

O setor, que já contou com mais de 2,7 mil operadoras ativas em 2000, apresenta lenta consolidação, devido principalmente ao processo de cancelamento de registro de empresas pequenas que encerraram atividades. O crescimento orgânico é limitado a algumas empresas de maior porte, que muitas vezes assumiram carteiras de operadoras em dificuldades financeiras o que, em tese, traz ganhos de escala e amplia o poder de negociação com prestadores de serviços (BURNS et al., 2005).

A observação empírica do mercado de saúde brasileiro permite evidenciar alguns modelos de integração entre empresas de diferentes etapas do processo produtivo. Como exemplo de integração horizontal ou associação entre empresas em uma mesma etapa da cadeia produtiva, pode-se citar a agregação de hospitais com o objetivo específico de apresentar ganhos de escala e ampliar o poder de barganha na aquisição de medicamentos (MALIK; TELLES, 2003). Como exemplo de integração entre empresas de etapas diferentes da cadeia produtiva identificam-se dois padrões distintos ocorridos ao longo do tempo. O mais precoce, praticado entre os anos 70 e 80, envolveu alguns grupos de prestadores de saúde, majoritariamente hospitais, que constituíram empresas operadoras de planos de saúde. Essa iniciativa caracteriza o fenômeno denominado verticalização por agregar em uma única entidade agentes consecutivos de uma mesma cadeia produtiva (CARLTON; PERLOFF, 1994).

Com a estabilização econômica e a consequente diminuição dos ganhos financeiros não operacionais dos planos de saúde, iniciou-se um segundo processo de verticalização. Em meados dos anos 90, algumas operadoras de saúde, pressionadas por contingências econômicas, passaram a oferecer serviços próprios, entre os quais hospitais, focados principalmente no atendimento da sua clientela. Esse movimento foi inverso àquele verificado nas décadas anteriores, mas ambos constituíram conglomerados empresariais com o mesmo escopo competitivo (Figura 1).

2.6. Contexto do setor

A criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) propiciou o aparecimento de mecanismos de controle sobre a atuação das operadoras de saúde. A partir da Lei nº 9.656, de 1998, que padronizou os requisitos mínimos de cobertura aos beneficiários e estabeleceu limites de variação de preço entre diversas faixas etárias, minimizaram-se as possibilidades de repassar ao cliente final os custos de ineficiência de gestão das operadoras de saúde. De acordo com a legislação vigente, um plano de saúde deve oferecer cobertura mínima através de planos de referência, um plano integral incluindo todos os tratamentos, exceto odontológicos, e outros por segmento, sejam ambulatoriais (consultas) ou hospitalares, com ou sem obstetrícia. A proibição de exclusão de condições e moléstias determinadas e a padronização da cobertura mínima ampliaram as atribuições e o ônus financeiro das operadoras, ao mesmo tempo em que estas foram submetidas ao controle de preços pela ANS.

Além disso, seguindo uma tendência mundial, a assistência médica encontra-se sobre crescentes pressões de custo, nos âmbitos público e privado. Nos Estados Unidos, onde o financiamento é misto e predomina a prestação privada de serviços, as despesas em assistência à saúde como percentual do PIB elevaram-se de 7%, na década de 70, para mais de 15%, em 2005 (Center for Diseases Control, National Center for Health Statistics, 2007). No Canadá e Reino Unido, sistemas com financiamento e prestação de serviços majoritariamente públicos, os custos globais com atenção à saúde ampliaram-se em 43 e 35%, respectivamente, entre os anos de 1997 e 2002, apesar de inflação média de 11 e 9%, em cada um dos países (ORGANIZAÇÃO..., 2004).

Estudos divulgados pela Federação Nacional de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg) apontam que entre 1994 e 2000 os reajustes acumulados dos planos de saúde totalizaram 68,10%, mantendo-se inferior ao percentual de elevação divulgado pelo Dieese para o subgrupo "Assistência Médica", 194,2%. No período entre 2000 e 2004, enquanto o IPC variou cerca de 36%, os custos de internação hospitalar cresceram 138%, e a inflação médica, em 2005, teria sido de 7 a 10% superior à variação do IPCA.

Os crescentes custos com assistência médica podem ser diretamente atribuídos a três fatores distintos: a inflação, a incorporação de tecnologias mais avançadas e a elevada taxa de utilização de recursos. O primeiro fator decorre da inflação geral, geralmente o parâmetro utilizado pela ANS para avaliar os reajustes reivindicados pelas operadoras. Para os executivos do setor, "[...] a falta de um parâmetro que separe a inflação médica da inflação geral acarreta dúvidas e dificulta a negociação [...]" (CAMPOS, J. F., em O Globo, 25 de julho de 2005). Estudo de uma operadora de planos médicos aponta elevação média dos custos hospitalares de sua carteira na região metropolitana de São Paulo, entre 1999 e 2002, de 63%, ante um reajuste autorizado pela ANS de 25%, com base nos índices de inflação do período (KROPF, 2003). E, segundo levantamento da Associação Brasileira das Empresas de Medicina de Grupo (ABRAMGE), o percentual máximo de reajuste autorizado pela ANS entre 2000 e 2005 apresentou defasagem de 25% em relação à própria inflação geral, se considerado o IGP-M (Gazeta Mercantil, junho de 2005).

A incorporação tecnológica é o segundo aspecto a impactar diretamente nos custos médicos. Novos exames muitas vezes não substituem os existentes e o desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas geralmente torna os procedimentos mais onerosos. Por conta destes e de outros fatores, cirurgias de joelho reembolsadas pelas seguradoras apresentaram incremento de 224% no custo médio em quatro anos (CAMPOS, 2006). Além disso, o arsenal farmacológico apresenta gamas de opções cada vez maiores, à custa de investimentos maciços em pesquisa, manufatura e marketing, que devem ser recuperados pela indústria. A mesma lógica se aplica aos equipamentos médicos para diagnóstico e terapêutica, muitas vezes incorporados sem critérios objetivos de necessidade e custo-efetividade.

O terceiro componente com impacto em custos é a elevada taxa de utilização dos recursos e serviços de saúde. A Associação Brasileira das Medicinas de Grupo divulgou que seus 15,2 milhões de beneficiários realizam, em média, mais de seis consultas por ano, enquanto a Organização Mundial de Saúde preconiza como faixa máxima quatro por habitante por ano (ABRAMGE, 2005). A frequência e a intensidade de uso desses recursos, também conhecida como sinistralidade, podem ser atribuídas à seguinte conjunção de fatores:

• Utilização inadequada dos recursos: O usuário ou cliente, enquanto agente econômico, apresenta comportamentos influenciados pela assimetria de informação e risco moral. Apesar de direcionada pelo nível educacional, a primeira característica decorre do fato de que o cliente nem sempre pode tomar decisões sobre sua saúde baseado nas informações disponíveis. A esse fato são atribuídas consultas desnecessárias ou a procura por especialistas em casos de resolução simples, condições que podem ser minimizadas com serviços de orientação a distância, por exemplo. O risco moral, inerente a relações contratuais entre agentes econômicos, é decorrente do comportamento oportunista de ambas as partes. São exemplos de comportamentos disseminados entre clientes a utilização de planos por terceiros e a omissão de informações de saúde na adesão ao contrato, entre outras atividades não lícitas. Por outro lado, as operadoras encontram restrições para praticar seleção adversa de clientes, (comportamento oportunista) já que, pela regulamentação da ANS, elas não podem estabelecer limites para internações ou excluir determinadas doenças ou procedimentos de cobertura.

• Modelo de ressarcimento: O predomínio da remuneração por serviços realizados estimula os prestadores a trabalharem com vistas a volumes maiores de atendimento, já que no contexto dos planos de saúde a remuneração é sabidamente baixa, principalmente em se tratando de consultas médicas. Essa característica contribui para comprometer o nível de qualidade do atendimento médico, diminuindo o grau de resolutividade das consultas e estimulando práticas já arraigadas, como a busca de "segunda opinião" de especialistas, geralmente mais bem remunerados.

• Características epidemiológicas das carteiras de clientes: O aumento da expectativa de vida é uma característica demográfica mundial. Estimativas do IBGE projetam que o país terá a sexta maior população acima de 65 anos até 2025. Sabe-se que apesar do acréscimo da qualidade de vida obtido pela terceira idade, essa faixa etária está mais sujeita à ocorrência de doenças crônicas e degenerativas. Segundo estudo da OECD (1998), o custo médico per capita em populações idosas com uma ou mais doenças crônicas é cinco vezes maior. Apesar das medidas de promoção, prevenção de saúde e de acompanhamento de casos crônicos ou heavy users, as operadoras de saúde dificilmente conseguirão reduzir a sinistralidade de suas carteiras no longo prazo.

Frente a esse cenário, as empresas de planos médicos vêm adotando estratégias para tentar diminuir as despesas oriundas da utilização de serviços que, num primeiro momento, implicavam medidas restritivas para desestimular o uso abusivo de recursos. No entanto, essas medidas, essencialmente burocráticas, não distinguem o uso indevido do necessário e contribuem para atingir a credibilidade das operadoras frente a seus clientes.

Quando algumas empresas passaram a investir em serviços médicos próprios, alegou-se a possibilidade de proporcionar maior resolutividade a seus clientes, com simultânea racionalização de recursos. Esse movimento de verticalização tem como objetivo maior controle dos custos de produção e vem ocorrendo principalmente entre as medicinas de grupo com grandes carteiras de beneficiários. Essas empresas dispõem de 22 mil leitos próprios em 240 hospitais próprios ou coligados, além de 2,6 mil centros de diagnóstico. Ampliaram-se ainda os programas de promoção de saúde, de prevenção de moléstias e de acompanhamento de casos crônicos, contribuindo para estabilizar seus índices de sinistralidade. Essa iniciativa em particular contou com um modelo de programa de medicina preventiva sugerido pela ANS que, se comprovadamente implementado, eximia operadoras menores em dificuldades financeiras de constituir reservas técnicas, até prazo previamente determinado, sem sofrer intervenções fiscais ou técnicas.

 

3. A pesquisa e sua metodologia

3.1. Objetivos e métodos da pesquisa

A pesquisa de campo levantou informações sobre como o processo de verticalização das operadoras de saúde pode fortalecer a posição competitiva dessas empresas. Essa questão foi respondida analisando-se as seguintes dimensões: a) quais os principais motivadores do processo de verticalização das operadoras de saúde; b) quais as principais vantagens relativas pretendidas com este processo; e c) se a verticalização é uma tendência entre as operadoras de saúde e se existem outras alternativas estratégicas para essas empresas.

A pesquisa tem caráter exploratório na medida em que pretendeu levantar questões ainda não abordadas nessa modalidade de organização em análises da literatura nacional. Por isso foi feito um estudo de campo que, segundo Mattar (1999), constitui grande fonte geradora de hipóteses. Foram utilizadas entrevistas individuais e qualitativas baseadas em roteiro semiestruturado (Anexo 1) para elaboração de análises com caráter descritivo. Essas entrevistas tentaram abranger todos os aspectos relacionados aos processos de integração vertical levantados na literatura norte-americana de gestão de saúde (Quadro 1). Para analisar as implicações da verticalização na amostra de empresas estudadas, pediu-se que os aspectos mencionados fossem pontuados pelos respondentes, com notas entre 0 e 5, conforme a vantagem proporcionada para empresas verticalizadas em relação à cadeia produtiva tradicional. Nesse estudo empregou-se o conceito de verticalização para designar a integração vertical backward ou foward com vínculo de propriedade (Figura 1).

Por constituir uma pesquisa qualitativa e exploratória, os resultados obtidos com a análise das entrevistas não podem ser generalizados.

3.2. Caracterização da amostra

A pesquisa foi realizada entre as maiores operadoras verticalizadas que atuam na região metropolitana de São Paulo. Para identificação da amostra foram considerados os seguintes critérios:

• Atuar na região metropolitana de São Paulo: além de constituir o maior mercado de saúde do país com cerca de oito milhões de beneficiários, ou o equivalente à cobertura de 45,6% da população local, concentra atividade expressiva das maiores empresas de medicina de grupo e seguradoras de saúde, além de algumas autogestões e uma importante cooperativa médica. Consideraram-se também os aspectos logísticos de uma pesquisa envolvendo entrevistas presenciais (BRASIL, 2005).

• Pertencer à modalidade de medicina de grupo, incluindo as operadoras que inicialmente empreenderam o processo de verticalização e que, por esse motivo, provavelmente acumulam maior experiência com o processo.

• Possuir mais de 100 mil beneficiários: para oferecer serviços próprios, uma operadora precisa aplicar recursos viabilizados somente por empresas com uma grande população de contribuintes. Os serviços próprios visam atender, a priori, os beneficiários; por isso, dependem da escala da carteira de clientes da operadora.

• Possuir um ou mais hospitais próprios há pelo menos um ano. Esses serviços de saúde representam, por sua complexidade, o maior componente de despesas da empresa de planos de saúde. Nesse sentido, um processo de verticalização de uma operadora que não contemple hospitais continuaria possivelmente incorrendo em maiores custos de transação, além de essa operadora ser onerada pelos maiores custos de produção de redes credenciadas (BEGUN et al., 2001).

• Ter permanecido livre de intervenção fiscal ou técnica da ANS o que, em tese, indicaria deficiências operacionais.

Foram identificadas nove empresas que atendiam simultaneamente a esses critérios. Nessa amostra incluem-se operadoras com 120 mil a 1,2 milhão de beneficiários, com mínimo de um e máximo de sete hospitais próprios. Apenas duas das empresas iniciaram as atividades nos últimos cinco anos, operando dessa forma com 100% dos planos médicos regulamentadas pela Lei nº 9.656/98, ou seja, com padronização e sem exclusões de cobertura. Apesar disso, apurou-se nas entrevistas que as carteiras com menor tempo de evolução tendem a apresentar menores índices de sinistralidade.

Todas as empresas entrevistadas apresentam uma mescla de clientes individuais e corporativos, sendo que o percentual de beneficiários vinculados através de pessoas jurídicas varia de 60% a 90%. Como atendem clientes empresariais, essas operadoras apresentam grande volume de beneficiários das classes C e D, foco declarado das empresas.

Das nove empresas identificadas, todas concordaram em responder ao questionário. Entre os respondentes, dois eram coordenadores médicos envolvidos mais diretamente com operações médicas, e os outros sete, diretores técnicos dos planos de saúde das respectivas operadoras.

 

4. Discussão e resultados

4.1. Motivadores e benefícios da verticalização das operadoras de saúde

Esta seção apresenta os motivadores e os benefícios esperados com a verticalização das operadoras de saúde e posteriormente analisa mais detalhadamente os benefícios alcançados no processo. Embora diversos aspectos da verticalização das empresas de planos médicos estejam intimamente relacionados, procedeu-se aqui a uma análise individual de cada um dos benefícios alcançados, no sentido de facilitar a compreensão de seu impacto específico. A Tabela 1 apresenta a percepção dos entrevistados sobre os benefícios alcançados em ordem de importância, conforme a média da pontuação obtida.

 

 

Comprova-se nas entrevistas que dois benefícios esperados se concretizaram nas nove empresas estudadas. Controle dos custos de produção e garantia ou melhoria da qualidade dos serviços prestados alcançaram as maiores médias entre os 14 aspectos citados, resultado que mostra consistência com o discurso dos executivos do setor.

Os resultados indicam que o componente aumento dos custos de produção tem a mesma frequência da ineficiência e da falta de qualidade dos serviços prestados aos clientes como motivadores do processo de verticalização, diferentemente do observado pelos pesquisadores que analisaram o caso americano (BURNS; KIMBERLY; WALSTON, 1996). Esse segundo motivador parece ter tido maior importância relativa na "primeira onda" de verticalização das décadas de 70 e 80, ocorrida de modo forward (à jusante), quando pequenos grupos hospitalares constituíram planos de saúde. Aparentemente, impôs-se a concepção dos empreendedores médicos, muito focados na qualidade do atendimento. Outro fator indicado nas entrevistas foi que "qualidade do atendimento" implica presteza da resolução dos casos dos clientes. Essa resolutividade é mais facilmente alcançada em empresas verticalizadas, com maior integração entre serviços e profissionais de diferentes especialidades. Conforme exposto, a lógica de atendimento nas redes credenciadas privilegia o uso excessivo de recursos complexos e de profissionais especializados por remunerar a posteriori e, nessa óptica, implica menor eficiência e qualidade dos serviços.

As pressões da elevação dos custos médicos foram agravadas mais recentemente pelas questões de âmbito regulatório, do controle direto dos preços de planos individuais. Portanto, torna-se natural que os benefícios esperados desse processo incluam o controle dos custos de produção e a garantia ou melhoria da qualidade dos serviços prestados.

O maior controle dos custos de produção só tem sido alcançado com a conjugação da racionalização de recursos através da integração e treinamento contínuo das equipes médicas e gerenciais, além do uso intensivo dos sistemas de informação. Esse último fator foi considerado crítico pelas empresas verticalizadas, não somente por propiciar monitoramento do perfil epidemiológico e de uso dos recursos pelos clientes mas, para três dos respondentes, por subsidiar o aprimoramento dos processos logísticos das áreas de suprimentos.

Como terceiro item mais pontuado foi destacada a economia de escala, obtida especificamente nos processos de compra de materiais e medicamentos para os serviços próprios das operadoras verticalizadas. Uma medicina de grupo, com hospitais e centros de diagnósticos, consome insumos em grande volume e de modo regular, propiciando melhores condições de negociação com fornecedores. Para dois entrevistados, outro elemento que favorece as negociações é a racionalização do número de itens, já que a padronização do uso de medicamentos, próteses, materiais cirúrgicos e laboratoriais permite concentrar compras em fornecedores que oferecem melhores condições de compra, qualidade e custo-benefício. No âmbito das negociações com fornecedores, a economia de escala decorre de um maior "poder de mercado", mencionado como segundo benefício mais importante em estudos do processo de verticalização no setor de saúde dos Estados Unidos (BURNS; KIMBERLY; WALSTON, 1996).

O processo de verticalização restringiu-se a empresas de maior porte que, devido à escala de consumo de suas grandes carteiras de clientes, poderiam justificar o investimento em hospitais ou centros de diagnóstico, por exemplo. Do ponto de vista do agente prestador dos serviços pertencentes à operadora há maior estabilização da demanda pelo fluxo de clientes direcionado pela mesma entidade. É o caso de alguns hospitais comprados por medicinas de grupo (verticalização à montante, backward), ou de operadoras originadas de pequenos grupos hospitalares (verticalização à jusante, forward). Assim, na percepção dos entrevistados, houve redução das oscilações na demanda por serviços quando estes estão integrados a uma operadora.

O controle dos serviços e dos planos médicos por um mesmo agente econômico favorece, na opinião dos entrevistados, a aplicação de sistemas de informação corporativos, possibilitando melhorias qualitativas nas informações disponíveis sobre padrões de consumo da clientela, como intensidade, frequência e motivos de utilização dos serviços. Em redes credenciadas, esses dados em geral são distorcidos e menos fidedignos, principalmente por terem como fonte principal os sistemas de informação de faturamento. Vale lembrar que o modelo de ressarcimento predominante baseia-se no pagamento por serviços prestados, estimulando a utilização de recursos e falseando informações sobre as reais necessidades dos clientes.

Como consequência direta do benefício relacionado anteriormente, pode-se citar a maior possibilidade de se estimar a demanda, através da disponibilidade de informações mais completas e confiáveis nos sistemas das operadoras verticalizadas, segundo relatado pelos respondentes.

No contexto das operadoras de saúde verticalizadas, o controle sobre os serviços prestados propicia maior flexibilidade na adoção de novas metodologias administrativas e técnicas. Para os entrevistados, o uso de protocolos médicos, a padronização de medicamentos e de materiais e a utilização de modelos gerenciais tornam-se mais fáceis na medida em que grande parte de médicos e colaboradores passa a responder diretamente a uma autoridade administrativa comum entre prestador e plano de saúde, configurando o que Williamson (1979) denomina de "poder das hierarquias". Muito relacionada à questão da hierarquia, a gestão de pessoas foi mencionada como crítica no processo de verticalização por cinco dos nove entrevistados e, nada mais importante, das cinco maiores empresas. Para esses executivos, a possibilidade de selecionar e treinar colaboradores envolvidos diretamente na assistência médica, mas pautados pelos objetivos genéricos da empresa maior, como o plano de saúde, facilita a implementação de estratégias e das já mencionadas novas metodologias administrativas. Essa percepção parece refletir um benefício competitivo de integrações empresariais apontado por Eisenhardt (1985).

Dois itens, o fortalecimento da posição competitiva no mercado e a criação de barreira de entrada a novos concorrentes, estão muito imbricados e, por isso, serão comentados em conjunto. Na opinião dos executivos entrevistados, se uma empresa se fortalece por se tornar maior e mais estável com o processo de verticalização, ela dificulta a atividade de operadoras de saúde menores e, por consequência, das iniciantes, que não dispõem de capital para constituir redes próprias de atendimento com ambulatórios, hospitais e serviços diagnósticos. Essa característica, não por acaso, assemelha-se ao contexto do mercado de saúde norte-americano, onde a capacidade de investimento foi decisiva no processo de consolidação de grandes empresas de saúde (BURNS; KIMBERLY; WALSTON, 1996).

A atração de novos clientes e a fidelização dos já existentes são dois benefícios relativos da verticalização com pontuações semelhantes, mas com implicações distintas, segundo os entrevistados. A atração de clientes parece ocorrer em menor grau e é atribuída ao fato de que operadoras verticalizadas geralmente operam serviços com menor custo, economia repassada para os clientes corporativos, já que os planos empresariais não são sujeitos à regulação direta de preços imposta pela ANS aos planos individuais. Já a fidelização deve-se principalmente à melhor resolutividade dos casos de seus clientes, proporcionada nas operadoras verticalizadas pela integração entre seus profissionais e pela utilização de protocolos médicos. Vale ressaltar que, segundo alguns entrevistados, a percepção de seu público sobre os serviços próprios parece ter se alterado na última década. Os clientes de planos individuais, muitas vezes avessos às redes próprias, pela associação entre racionalização de custos e limitação de direitos e serviços, atualmente parecem perceber benefícios como a melhor resolutividade. Os departamentos de RH que escolhiam planos de operadoras verticalizadas por critérios pautados por custo, visando atender clientes do segmento operacional de suas empresas, passam a privilegiar a otimização da conveniência nos serviços como sua distribuição geográfica, para atender segmentos intermediários, até os níveis de gerência. Para os entrevistados, a capilaridade das redes próprias atrai os segmentos de renda C e D, e a concentração de diversos tipos de serviços numa mesma unidade, como ocorre com os chamados "centros médicos", são fundamentais para atrair o público do segmento B. Como unanimidade entre os entrevistados, tem-se que o segmento A, seja através de planos individuais ou corporativos, prioriza a livre escolha em rede credenciada ou através de reembolso, na medida em que valoriza marcas hospitalares e de laboratórios e a reputação profissional dos médicos.

A ampliação da oferta de serviços a segmentos determinados de clientes, mencionada por alguns autores no contexto norte-americano, foi o segundo item menos pontuado como vantagem relativa oferecida pelo processo de verticalização das operadoras de saúde. Como exposto anteriormente, a legislação em vigor padroniza modalidades de planos e veta possibilidades de exclusão de cobertura, fazendo com que serviços não disponíveis nas redes próprias tenham de ser contratados no mercado. Nos Estados Unidos, grandes empresas de saúde tendem a investir na diversificação de serviços cobertos, de modo a fortalecer sua atuação em âmbito regional (CASALINO; ROBINSON, 1996).

A diminuição dos custos de transação, comprovada por estudos em outros setores pela TECT, revelou-se o benefício com menor importância relativa para os entrevistados, sendo que, para quatro deles, não houve vantagens dessa natureza com o processo de verticalização em sua empresa. Alguns entrevistados alegaram que as estruturas administrativas responsáveis pelo monitoramento e execução de contratos com prestadores de serviços das empresas não verticalizadas têm pouca representatividade nas despesas totais e que em sua operadora ainda existe necessidade de manter estruturas de controle interno, embora de menor monta.

Como conclusão final apurou-se que, aparentemente, o intento estratégico das empresas entrevistadas tem sido alcançado em relação ao processo de verticalização, na medida em que os benefícios esperados coincidiram com os benefícios alcançados, aqueles com maior média de pontuação. Resta saber se alguns dos benefícios alcançados com baixa pontuação não poderiam ampliar sua contribuição relativa para as operadoras verticalizadas. Ou se os benefícios alcançados, em clara vantagem numérica em relação aos pretendidos, podem ser diretamente relacionados aos processos da verticalização e não a outros fatores.

4.2. Perspectivas da verticalização das operadoras de saúde

Nesta etapa buscou-se enumerar as tendências prováveis no mercado de saúde do país. Todos os entrevistados concordam que o processo de verticalização é uma tendência consolidada no setor. No médio prazo, cinco deles apontam a possibilidade de ocorrência de outros arranjos verticais que não envolvem necessariamente o vínculo de propriedade, o que contraria o enfoque de Grossman e Hart (1986). Esses autores demonstraram que a posse dos recursos integrados na cadeia produtiva agrega estabilidade ao processo com a eliminação de quaisquer relações contratuais entre as empresas.

Como exemplos foram citados o arrendamento de estruturas hospitalares para que empresas de planos médicos operem serviços de internação voltados ao atendimento de sua clientela com pessoal próprio. Ainda nessa linha, e também se baseando em acordos existentes com perspectivas de crescimento, está o arrendamento de áreas em hospitais de operadoras para grandes redes de laboratórios clínicos. Esse caso constitui um arranjo vertical, já que um contrato de longo prazo poderia direcionar a demanda dos clientes internados de uma operadora para um laboratório parceiro. O setor de análises clínicas passou por um período de reestruturação com a formação de grandes redes, algumas delas com possibilidade de atuar nacionalmente. Na opinião de três respondentes, a escala alcançada por essas redes tem duas implicações. Por um lado, elas garantem economia nos processos operacionais mas, por outro, fazem essas empresas "ganharem expressão" e adquirirem poder de mercado, pouco favorável às operadoras verticalizadas em eventuais negociações para assumir sua demanda de serviços de análises clínicas.

A longo prazo, dois entrevistados apontam a possibilidade de alteração do próprio sistema de ressarcimento, apostando na divisão do risco entre financiadores e prestadores de serviços através do pré-pagamento a hospitais e ambulatórios em detrimento ao atual modelo de pagamento retrospectivo por serviços prestados (fee-for-service). Na opinião deles, as empresas verticalizadas também seriam beneficiadas nesse cenário, já que dispõem de maior integração entre suas unidades de negócio, com informação global e melhor controle de todo o processo de atenção a sua clientela. Por esse motivo estariam teoricamente mais aptas a operar serviços próprios por meio de planejamento orçamentário, em função da maior previsibilidade de seus custos variáveis.

Como qualquer processo de reestruturação de setores econômicos, a verticalização na saúde suplementar parece alcançar alguns benefícios propagados por entusiastas do assunto. Mas, aparentemente, esse processo não contribuiu para a diminuição dos custos de transação, fato que contradiz a experiência de integração vertical das empresas de saúde norte-americanas, ou os efeitos relatados pela literatura acadêmica em ciclos ocorridos em outras indústrias. Para pesquisas futuras, permanecem a possibilidade de investigações de caráter causal como também estudos de casos em profundidade.

 

5. Conclusão

Associações entre empresas, na forma horizontal ou na forma vertical, são motivadas por considerações que incluem melhorias dos custos de transação, aprimoramento da estratégia, vantagens e redução das incertezas sobre preços de inputs e outputs. No Brasil, verifica-se nos últimos anos a intensificação no processo de verticalização da assistência médica privada.

Buscando verificar entre as operadoras de saúde quais foram os principais motivadores do processo de verticalização e quais as vantagens relativas efetivamente verificadas com esse processo, este artigo apresentou os resultados obtidos com um estudo exploratório. Embora não generalizáveis, por se tratar de uma amostra limitada de operadoras localizadas na região de São Paulo e se apoiar em entrevistas realizadas com os gestores dessas operadoras, este estudo trouxe resultados relevantes.

Os benefícios obtidos pelas operadoras de saúde em processos de verticalização incluíram o aprimoramento no controle dos custos de produção e a garantia ou melhoria da qualidade dos serviços prestados, seguido pelo incremento da economia de escala. Se por um lado esses resultados confirmam aqueles obtidos em estudos realizados na América do Norte com relação à redução de custos e economia de escala, por outro lado trazem à luz a questão da qualidade dos serviços prestados. Este estudo procura assim contribuir para a literatura relacionada com o tema integração vertical em um segmento de especial importância estratégica como é o de saúde.

 

Referências

ABRAMGE. Dados e estatísticas da medicina de grupo. São Paulo, 2005. Informe de agosto.         [ Links ]

ARGYRES, N. Evidence on the role of firm capabilities in vertical integration decisions. Strategic Management Journal, v. 17, n. 2, p. 129, 1996.         [ Links ]

BALAKRISHNAN, S.; WERNERFELT, B. Technical change, competition and vertical integration. Strategic Management Journal, v. 7, n. 4, p. 347, 1986.         [ Links ]

BEGUN, J. et al. Managed care, vertical integration strategies and hospital performance. Health Care Management Science, v. 4, n. 3, p. 181, 2001.         [ Links ]

BRASIL. Agência Nacional De Saúde Suplementar - ANS. Informações sobre beneficiários, operadoras e planos, dados do setor. 2005. Disponível em: <www.ans.gov.br> Acesso em: 08 set. 2005.         [ Links ]

BURNS, L. et al. The financial performance of integrated health organizations. Journal of Healthcare Management, v. 50, p. 3, 2005.         [ Links ]

BURNS, L.; KIMBERLY, J.; WALSTON, S. Owned vertical integration and health care: promise and performance. Health Care Management Review, v. 21, n. 1, p. 83, 1996.         [ Links ]

BYRNE, M.; WALNUS, C. Incentives for vertical integration in healthcare: the effect of reimbursement systems. Journal of Healthcare Management, v. 1, p. 34, 1999.         [ Links ]

CAMPOS, J. Artigo do presidente da FENASEG. 2006. Disponível em: <www.fenaseg.org.br>. Acesso em: 08 mar. 2006.         [ Links ]

CARLTON, D.; PERLOFF, J. Modern industrial organization. 2nd ed. New York: Harper Collins College Publishers, 1994.         [ Links ]

CASALINO, L.; ROBINSON, J. Vertical integration and organizational networks in health care. Health Affairs, v. 15, n. 1, p. 7, 1996.         [ Links ]

EISENHARDT, K. Control: organizational and economic approaches. Management Science, v. 31, n. 2, p. 134, 1985.         [ Links ]

GROSSMAN, S. J.; HART, O. D. The costs and benefits of ownership: a theory of vertical and lateral integration. The Journal of Political Economy, v. 94, n. 4, p. 691, 1986.         [ Links ]

HARRIGAN, K. Vertical integration, outsourcing and corporate strategy. Washington D.C.: Beard Books, 2003.         [ Links ]

HIGGINS, C.; MEYERS, E. Managed care and vertical integration: implications for the hospital industry. Hospital & Health Services Administration, v. 32, n. 3, p. 3-19, 1987.         [ Links ]

JOSKOW, P. Vertical integration and long-term contracts: the case of coal burning eletric generation plants. Journal of Law, Economics and Organization, v. 33, n. 1, 1985.         [ Links ]

KLEIN, B.; CRAWFORD, R.; ALCHIAN, A. Vertical integration, appropriable rents, and the competitive contracting process. Journal of Law, Economics and Organization, v. 21, p. 297, 1978.         [ Links ]

KROPF, J. Segundo seminário nacional sobre o complexo industrial de saúde. Rio de Janeiro, 2003.         [ Links ]

MAHONEY, J. The choice of organizational form: vertical financial ownership versus other methods of vertical integration. Strategic Management Journal, v. 13, n. 8, p. 559, 1992.         [ Links ]

MALIK, A.; TELLES, F. Administração estratégica em hospitais. Núcleo de Publicações e Pesquisa EAESP-FGV, 2003. Relatório de pesquisa.         [ Links ]

MATTAR, N. Pesquisa de marketing. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.         [ Links ]

MPOYI, R. Vertical integration: strategic characteristics and competitive implications. Competitiveness Review, v. 13, n. 1, p. 44, 2003.         [ Links ]

NATIONAL CENTER FOR HEALTH STATISTICS. Center for Diseases Control. State of Aging and Health in America Report. Atlanta, 2007.         [ Links ]

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT - OECD. Health policy brief, aging and technology. Paris, 1998. Working paper. Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/34/10/2097624.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2006.         [ Links ]

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE - OMS. Relatório de indicadores globais. Genebra, 2004.         [ Links ]

PORTER, M.; TEISBERG, E. Redefining health care: creating value-based competition on results. Harvard Business Review Press, 2006        [ Links ]

WILLIAMSON, O. Transaction costs economics: the governance of contractual relations. Journal of Law and Economics, v. 22, n. 1, p. 233, 1979.         [ Links ]

 

 

Recebido: 24/08/2007
Aceito: 19/05/2010

 

 

* FGV-EAESP, São Paulo, SP, Brasil

 

 


Anexo 1 - Clique para ampliar