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Revista Estudos Feministas - Prejudice and discrimination as expressions of violence

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Revista Estudos Feministas

Print version ISSN 0104-026X

Rev. Estud. Fem. vol.10 no.1 Florianópolis Jan. 2002

http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100007 

Ensaios

 

Preconceito e discriminação como expressões de violência

LOURDES BANDEIRA
Universidade de Brasília

ANALÍA SORIA BATISTA
Universidade de Brasília

 

 

Resumo: Neste ensaio discutem-se a construção do preconceito e a visibilidade das discriminações decorrentes, duplamente associadas à condição de emergência das diferenças: seja pela afirmação e manipulação da condição da diferença, seja por sua insistente negação ou dissimulação. Em ambos os casos, o não-reconhecimento das diferenças ou a falta de respeito a elas se fazem presentes, criando novos padrões de violência. A reflexão constrói uma ponte entre o preconceito e a violência, enfatiza as diversas formas de discriminação e exclusão, e compreende os seguintes aspectos: os parâmetros jurídicos em relação a co-existir e a re-conhecer; as ciências sociais diante da construção das diferenças/dis-semelhanças; os fundamentos conceituais da categoria 'preconceito' e suas derivantes em relação às de discriminação e exclusão social; os mecanismos do preconceito; a relação diferença – preconceito, imagem e racionalização do outro.
Palavras-chave: preconceito, discriminação, exclusão, violência.

 

 

Introdução

Às portas do novo século a sociedade em geral torna-se cada vez mais consciente das diferenças e multiplicidades sociais emergentes que a compõem, bem como da necessidade de regular os vários aspectos envolvidos nos relacionamentos sociais decorrentes dessas diferenças.1 Isso se traduz em uma identificação quase obsessiva de reivindicações que estabelecem novas linhas de demarcação no domínio das interações sociais. Estas podem ser susceptíveis de regulação com base em novos valores que pretendem gerar uma 'ética de igualdade', baseada no respeito (moral) e no reconhecimento (direito) das diferenças e dos pluralismos, que dependa cada vez menos de leis e procedimentos formais.2

Até há pouco, bater em mulheres, negros e homossexuais, por exemplo, era uma prática considerada se não corriqueira, mas despercebida como uma forma de violência na sociedade. Os alvos da violência escondiam-se no próprio sofrimento sem poder nomeá-lo, denunciá-lo ou compreendê-lo. As mudanças em curso na conscientização da sociedade traduzem-se na produção de conceitos e teorias tendentes a interpretações dessas realidades, preparando o caminho tortuoso de sua superação. Ao mesmo tempo, mulheres, negros e homossexuais, além de outras tantas ditas 'minorias', organizaram-se em movimentos cujo objetivo era, genericamente, a superação dessas situações de desqualificação identitária e sofrimento existencial impostas pela sociedade ao não reconhecer as diferenças e especificidades. A intensidade dessas novas demandas colocaram à prova a intolerância reinante e estimulam nossa diversidade criadora.

Neste ensaio propomos discutir a construção do preconceito e a visibilidade das discriminações decorrentes, duplamente associadas à condição de emergência das diferenças: seja pela afirmação e manipulação da condição da diferença, seja por sua insistente negação ou dissimulação. Em ambos os casos, o não-reconhecimento ou a falta de respeito às diferenças se fazem presentes, criando novos padrões de violência. A reflexão, que busca construir uma ponte entre o preconceito e a violência, enfatiza as diversas formas de discriminação e exclusão e compreende os seguintes aspectos: os parâmetros jurídicos em relação a co-existir e a re-conhecer; as ciências sociais diante da construção das diferenças/dis-semelhanças; os fundamentos conceituais da categoria 'preconceito' e suas derivantes em relação às de discriminação e exclusão social; os mecanismos do preconceito; a relação diferença –preconceito, imagem e racionalização do outro.

Portanto, pensar o preconceito nos parece indispensável, uma vez que este pode se constituir em uma fonte de violência. Embora seja uma categoria suficientemente ainda obscura para ser submetida ela própria a uma interrogação crítica, conforme propõe Pierre-André Taguieff,3 isso não nos impede de nos lançarmos à reflexão.

 

Os parâmetros jurídicos em relação a co-existir e a re-conhecer

Freqüentemente o poder do Estado é monopolizado por um grupo – a 'elite política', que se edifica em detrimento da presença dos demais e em certa medida os priva de todo o poder e influência. No momento em que o poder público, através da elite política, parece favorecer ou desfavorecer determinados grupos identificados por sua etnia, raça, religião, sexo, região, etc., nega a legitimidade de existir e de se exprimir de muitos outros segmentos, deixando as portas abertas às práticas preconceituosas e discriminatórias. Em outras palavras, nega a possibilidade do outro (da diferença) de ter acesso seja ao arsenal jurídico de igualdade e de eqüidade como traço ideológico dominante, seja ao reconhecimento e participação política.

A categoria social da includência/inclusão, neutralizada pelo valor negativo atribuído pela condição da diferença (de cor, raça, sexo, classe, etc.), marcou a sociedade brasileira durante séculos, o que resultou, segundo Roberto Kant de Lima,4 "numa sociedade hierarquizada, em que diferentes segmentos não têm acesso a deveres e direitos e, também, regem suas relações por diferentes 'códigos de honra'. No entanto, como somos uma República, tais diferenças se tornam objeto de estigma, não sendo capazes de despertar sentimento de universal reconhecimento como legítimos códigos de conduta".

Do ponto de vista jurídico, uma sociedade que prega a construção diferenciada e não-plural de seus membros, como signo do preconceito, que admite o acesso particulalizado de alguns, seja aos bens materiais, seja aos bens culturais, que dá valoração positiva à desigualdade substantiva de seus membros está fadada à instauração da violência nas suas variantes materiais e simbólicas.

Assim, a busca pela universalização de tratamento jurídico, independentemente dos signos da diferença, nos diversos âmbitos da sociedade, não pode ocorrer sem uma renovação dos conceitos fundamentais da filosofia jurídica e política do Estado em relação a todas as expressões de diferenças que remetem às exclusões. Essa posição trouxe à tona a questão do preconceito, cuja discussão sairia do anonimato para ser alvo de punição legal. A Lei Afonso Arinos (nº 1.390, de 3 de julho de 1951), pioneira no Brasil, considerou 'contravenção' quaisquer tipos de preconceitos de raça ou de cor. A partir de 1º de outubro de1955, passou a ser 'crime de genocídio' a destruição de qualquer grupo nacional étnico, racial ou religioso (Lei nº 2.889). E, de acordo com lei posterior (nº 7.170, de 14 de dezembro de1983), constitui-se crime contra a Segurança Nacional qualquer forma de propaganda ou expressão de discriminação racial. Com a Constituição de 1988, preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art.3º, IV), tais como a prática do racismo, constituíram-se juridicamente em 'crimes inafiançáveis e imprescritíveis', sujeitos à pena de reclusão nos termos da lei (art.3º, XLII).

O efeito dos movimentos sociais se fez sentir sobre o contexto legislativo, pois, de 1988 a 1997, a lei recebeu várias emendas abrangentes que incluem um leque enorme de outras formas e expressões de discriminação.5 Entre estas, estão aquelas específicas que se observam no trabalho. Por exemplo, os critérios relativos à ocupação diferencial dos cargos, promoções e responsabilidades dentro das empresas, ocupação essa 'determinada' por cor, sexo, origem, etc.; à admissão pela 'aparência'; às 'humilhações no local de trabalho', além de outros, discutidos em outro artigo que escrevemos – Violência sem sangue6 –, o qual analisa entrevistas realizadas com trabalhadores(as) que recorrem à Delegacia Regional do Trabalho do Distrito Federal (DRT/DF) para denunciarem práticas de discriminação. No Congresso Nacional passou, pela Comissão de Justiça e Redação da Câmara, um projeto que, se aprovado, acrescentará o artigo 136-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, do Código Penal Brasileiro. O artigo prevê a pena de detenção de um a dois anos à pessoa que "depreciar de qualquer forma reiteradamente a imagem ou o desempenho do servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica" (Correio Braziliense, de 26 de maio de 2002). Esse projeto de lei contra o assédio moral constitui-se em um dos resultados motivados pelas denúncias promovidas por tal investigação.

Portanto, os aportes jurídicos contemplaram dois pressupostos: primeiro, o de erradicar as diferenças, ou seja, visibilizar o valor de 'ser igual, de ser o mesmo', diante da lei, da Justiça, do Estado, no seio dos quais deve inscrever-se a pluralidade ou a tolerância ao semelhante; segundo, o de cidadania, de 'ser reconhecido como cidadão', por si e diante de todos, pois pertencer a um grupo ou a uma raça não pode ser objeto de julgamento ou discriminação. A propósito, "os judeus, no contexto da Antiguidade das tradições ancestrais, separavam a humanidade em judeus e estrangeiros... assim como os gregos dividiam o mundo em gregos e bárbaros", escreveu Hannah Arendt.7 Hoje ainda se divide a população brasileira em negros e brancos, ricos e pobres, mulheres e homens, etc., não como signo do direito à diferença, mas como signo de suspeição. Tais divisões remetem a uma violência moral exercida nem sempre de maneira explicíta ou visível na relação com o outro, muitas vezes recoberta por boas intenções. A diversidade do real – as diferenças, objeto de diabolização, seja por excesso, seja por ignorância – na maioria das vezes convive à margem dos procedimentos jurídico-legais, pois essas diferenças não são percebidas como relações discriminatórias pela lei, que exige não apenas evidências, mas também a presença da 'prova'.

Não é suficientemente evidente que esse recentramento jurídico seja assegurado em detrimento da leitura oposta e cartesiana que predominou até o momento; ou, dito de outro modo, em detrimento da visão maniqueísta do mundo, assentada no corolário da 'minorização e dos particularismos', ainda restritos aos espaços privados ou ao reforço de um comunitarismo refratário.

A loucura da reestruturação capitalista no âmbito do trabalho constitui-se em um bom exemplo. Com suas exigências centradas em um novo tipo de trabalhador/a, tido/a como autônomo/a, criativo/a, altamente qualificado/a, mais flexível, amante do trabalho tout court, entre outras, colocou a nu 'novas' formas de relacionamentos e conflitos sociais, muitos desses até mesmo violentos, geradores do que pode ser mencionado como 'mortes psicológicas' nas organizações. Incrementam-se as queixas sobre novas práticas de discriminação e assédios sexuais, burocráticos e identitários, entre outros, caracterizando práticas de humilhação, persecução e ameaças nos locais de trabalho que permitem considerar a existência do 'terror psicológico' como um aspecto constitutivo das novas formas de gestão nas organizações, isto é, das relações sociais na empresa. Marie-France Hirigoyen8 nomeou essa realidade como "assédio moral", demonstrando a necessidade de identificar esses relacionamentos altamente destrutivos e violentos cada vez mais presentes, embora dissimulados, nas organizações.

Na mesma direção, o psiquiatra José Manoel Bertolote, responsável, desde 1989, pelo controle das doenças mentais da Organização Mundial do Trabalho (OMS), perguntado, em recente entrevista, se o trabalho maltrata as mulheres, respondeu que "as pessoas só prestam atenção para o assédio sexual, mas o fenômeno mais sério e corriqueiro [que acomete a maioria das mulheres trabalhadoras] é o assédio burocrático. Ele também representa uma violência. A mulher é maltratada pelo patrão e submete-se a maior carga de trabalho".9

Em outras palavras, segundo Sennett, se, por um lado, a flexibilidade possibilitaria mais 'liberdade' às pessoas para moldarem suas vidas, por outro, a nova ordem capitalista impõe mecanismos e estratégias de controle e de submissão, cada vez mais ilegíveis ou dissimuláveis e que trazem mais impacto sobre o caráter pessoal dos segmentos sociais que já são, direta ou indiretamente, objetos de alguma forma de preconceito e discriminação. Portanto, configuram-se formas e mecanismos sutis de violência. A propósito, enfatiza esse autor que

'caráter' é o valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e as nossas relações com os outros (...) o caráter de alguém depende de suas ligações com o mundo. Neste sentido, 'caráter' é um termo mais abrangente que seu rebento mais moderno, a 'personalidade', pois este se refere a desejos e sentimentos que podem apostemar por dentro, sem que ninguém veja (...) caráter são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem.10

 

As ciências sociais frente à construção das diferenças/dis-semelhanças

A 'leitura' pelas ciências sociais das dinâmicas contemporâneas envolvendo atores sociais 'homogêneos' e com tratamentos 'uniformes' não foi de todo desapropriada. Houve um momento histórico em que estas se utilizavam de categorias homogeneizantes para representar certos coletivos sociais. 'Classe operária', por exemplo, fazia referência aos trabalhadores tidos como semelhantes em função de estarem submetidos a relações sociais de produção que os colocavam em lugares próximos e similares dos processos de subordinação-dominação. Nesse caso, a violência nas relações sociais era denunciada a partir da análise da exploração e da opressão do trabalho como elemento unificador de um contingente social.11 De lado ficava a privação da individualidade, mascarada pela apropriação material do indivíduo.

O interesse por revelar a unidade do coletivo e a violência instituída pelas relações sociais de produção capitalista correspondentes afirmou noções e conceitos que tanto ocultavam a pluralidade de identidades e de subjetividades entre os trabalhadores quanto geravam indiferença para outros tipos de relações sociais não diretamente vinculadas à sobrevivência material da espécie, mas também fundadas na violência. O questionamento da divisão sexual do trabalho já anunciava que, quando se é apropriado materialmente (pelo trabalho), se é concomitantemente despossuído mentalmente de si-mesmo.12 Avançou-se mais quando algumas intelectuais feministas explicitaram que "a classe operária tem dois sexos",13 dando lugar a estudos centrados na questão de gênero reveladores da importância da mulher trabalhadora, tanto na esfera da produção quanto na da reprodução sociais, rompendo com as atitudes unívocas e contemplando a existência de outras relações co-extensivas,14 que, tornadas invisíveis, acentuavam os preconceitos e exclusões das mulheres trabalhadoras, materializados em múltiplas formas de violência.

A sensibilidade cada vez maior de cientistas sociais para com a compreensão da "multiplicidade na unidade", isto é, das "múltiplas faces do povo que é um",15 e especificamente com a visibilidade da violência nas diversas relações sociais, associou-se à proliferação de movimentos sociais de afirmação identitária, em sociedades acostumadas a 'silenciar' as diferenças, os particularismos e as singularidades, até então vividos sob intensas formas de discriminação. Tais movimentos revelaram o início de uma nova fase de reivindicações sociais – expressas nas demandas dos direitos sócio-culturais pelo respeito à diferença e à alteridade, como partes constitutivas dos direitos humanos – , bem como da reflexão e do debate no campo das ciências sociais.16

Diversas manifestações de afirmações identitárias, declarando o orgulho de ser negro, de ser homossexual, de ser mulher, de ser indígena, entre outras, denunciavam a existência de preconceito, discriminação e exclusão nas várias esferas da sociedade e preencheram as agendas da reflexão sócio-antropológica. Marchas e declarações colocavam a nu a presença inquietante da violência nas relações sociais, como também reações se manifestavam contra os sujeitos-objetos de violência. De fato, os diversos movimentos tentavam enfrentar as atribuições identitárias negativas, opondo, ao sentimento de vergonha e do silêncio que tinha sido construído através de sociabilidades baseadas na negação da alteridade, o sentimento de orgulho. O sentimento de vergonha que se desejava combater, por ser homossexual, negro, mulher, velho, indígena, deficiente, pobre, entre outros, revelava a luta contra a atribuição social de um valor negativo à diferença do outro: o preconceito.

A questão da pobreza, produto da dinâmica perversa do sistema sócio-econômico, foi também compreendida pelas ciências sociais de forma própria. Embora não se trate de minimizar o fenômeno em si que leva as pessoas a enfrentar carências materiais, ressaltaram-se outras nuanças, tais como o preconceito com relação ao estado/condição de ser pobre, que se traduz em discriminações e exclusões dessa população, disfarçadas sob outros atributos de contaminação17 através de novas formulações, assim como através da absolutização da herança específica/própria de ser pobre associada a uma racisation violenta.18

De fato, o que leva à discriminação e à exclusão não é a situação de carência material em si, mas o preconceito com relação às pessoas carentes. Isso gera formas diferenciadas de abordagem e tratamento, traduzindo o 'risco' de poluição que potencialmente essas pessoas representam. Não há dúvida de que, nesse caso, é o preconceito o gerador da discriminação e da desigualdade que exclui, o aspecto 'distintivo e formativo' do ordenamento moral da sociedade brasileira, na busca que nega uma 'ética de igualdade' ou de reciprocidade.19

Tudo isso demonstra a centralidade atual da questão do preconceito discriminativo, sobretudo porque qualquer iniciativa de reflexão contribuirá para tentar superar um dos problemas mais importantes que o século XX deixa de herança, qual seja, o da violência, que funda e fecunda cada vez mais as relações sociais da diferença. Se as ciências sociais contribuíram para pensar a noção da diferença, cujo sucesso é inegável e prodigioso, ao mesmo tempo explicitaram as dimensões heterogêneas e ambíguas dessa categoria sociológica.

A noção de 'diferença' pode compreender mais de uma lógica: é uma realidade empírica que se manifesta no cotidiano-material, ou seja, uma lógica que organiza e que ocorre na vida concreta; e ao mesmo tempo pode ser uma atitude política presente que reivindica um projeto de mudanças, com conseqüências positivas para a vida em geral. Ou ainda pode ser um simples instrumento de manipulação ou de dominação.

 

Os fundamentos conceituais do preconceito e suas implicações nas categorias de discriminação e exclusão social

Partimos da convicção de que o preconceito pode ser uma "máquina de guerra"20 presente nas relações sociais cotidianas. O preconceito, usualmente incorporado e acreditado, é a mola central e o reprodutor mais eficaz da discriminação e de exclusão, portanto da violência. Embora seja uma categoria de difícil definição, "noção ainda obscura", remetemo-nos a sua definição semântica e sócio-antropológica. Preconceito de qualquer coisa ou preconceito de alguma coisa significa "fazer um julgamento prematuro, inadequado sobre a coisa em questão", de acordo com o dicionário Petit Robert, ao distinguir as duas interpretações semânticas possíveis: "prévoir au moyen des indices dont on dispose" e "considérer comme résolue une question qui ne l'est pas". Supõe, portanto, que um sujeito/indivíduo portador de pre-conceito deve 'inevitavelmente' poder causar algum prejuízo ao sujeito vítima do dito preconceito,21 considerando que há um prévio 'julgamento'. Para outros autores, não se trata de julgamento em relação ao outro, mas de 'conhecer' o outro. Então, em que consistiria a diferença entre julgar e conhecer? Mais adiante, a questão é retomada.

O texto clássico de Erving Goffman contribui para a reflexão sobre o preconceito a partir da categoria de estigma. Segundo ele,

o estigma é a situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena (...) o termo estigma será usado [pelo autor] em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto, ele não é, em si mesmo, nem honroso, nem desonroso.22

O preconceito, assim, constitui-se em um mecanismo eficiente e atuante, cuja lógica pode atuar em todas as esferas da vida. Os múltiplos preconceitos de gênero, de cor, de classe, etc. têm lugar tipicamente, mas não exclusivamente, nos espaços individuais e coletivos, nas esferas públicas e privadas. Fazem-se presentes em imagens, linguagens, nas marcas corporais e psicológicas de homens e de mulheres, nos gestos, nos espaços, singularizando-os e atribuindo-lhes qualificativos identitários, hierarquias e poderes diferenciais, diversamente valorizados, com lógicas de inclusões-exclusões conseqüentes, porque geralmente associados a situações de apreciação-depreciação/desgraça.

O preconceito se contrapõe às qualidades de caráter, como lealdade, compromisso, honestidade, propósitos que afirmam valores atemporais e regras éticas.23 As demandas nos espaços de trabalho, sobretudo em relação às mulheres, por exemplo, exigem juventude, boa aparência (magreza, altura, altivez, cabelos lisos e claros, dentes perfeitos, porte, postura, etc.), além da cor branca. As mulheres não-brancas são aceitas na proporção em que tais atributos estejam presentes associados à sensualidade, à exuberância erótica, evidenciado a vulnerabilidade e manipulação dos componentes do preconceito.

São demandas fugidias que se contrapõem às qualidades humanas que podem significar experiência acumulada, valores, motivações, homens e mulheres decididos a provar seu valor através do trabalho. Nesse sentido, tanto o trabalho quanto o emprego tornaram-se incertos, voláteis, flexíveis e fragmentados. Paradoxalmente, as exigências mais de ordem estética muitas vezes independem da condição sócio-econômica. Inexistem o tempo e o espaço necessários à construção de relacionamentos profundos e duradouros que invocam o caráter da pessoa, o que permite compreender por que algo tão fugidio como a imagem da beleza e da aparência é cada vez mais valorizado nos ambientes de trabalho.

Pela sua sutileza, caráter difuso e capilaridade de intromissão nas relações sociais, a eficácia e a ubiqüidade do preconceito são máximas, tanto em relação às práticas de controle, como às de dominação e subordinação em todas as categorias sociais. Manifestam-se como produtor e reprodutor de situações de controle, menosprezo, humilhação, desqualificação, intimidação, discriminação, fracasso e exclusão nas relações entre os gêneros, na esfera do trabalho, nas posições de poder, nos espaços morais e éticos e nos lugares de enunciação da linguagem. E vêm, muitas vezes, minadas pela chantagem afetiva ou disfarçadas por aparências afetuosas que atingem, mais drasticamente, a auto-estima e a condição sócio-moral daqueles(as) que são alvos do preconceito.

Às vezes de difícil percepção, o preconceito introduz-se nas formas de vida quotidiana, capilarizando-se pelos espaços de trabalho, associando-se a certos tipos de ocupação,24 colocando-se em circulação através de imagens, representações e situações, sobretudo em relação às mulheres, 'presas' fáceis de serem usadas, pois passam à deriva da vigilância crítica (e epistemológica) dos direitos humanos.

A categoria 'preconceito', no geral, tem atribuição negativa, de descrédito na sociedade. Estudos25 mencionam esse fenômeno, vinculando-o à discriminação e à exclusão, e contribuíram para trazer à luz uma realidade relativamente oculta que se torna cada vez mais consciente e concreta para um maior número de pessoas. Isso permitiu que alvos de preconceito nomeassem finalmente seu sofrimento, passando desse modo a lutar contra para que os algozes compreendessem o efeito deletério de sua atitude.

Pelo fato de o preconceito ser moralmente condenado e a discriminação ser juridicamente sujeita à punição, suas manifestações tornaram-se cada vez mais sutis, disfarçadas, o que dificulta a reunião de provas que tenham validade jurídica. Muitas discriminações acabam se tornando normatizações e algumas já se afirmam como regras, por exemplo a exigência de 'boa aparência' para ingressar no mundo do trabalho.

É comum as pessoas terem algum tipo de preconceito não declarado, porque têm vergonha ou porque têm medo de serem criticadas ou até mesmo excluídas de certos grupos. Isso as leva a disfarçarem o preconceito, justificando racionalmente certos comportamentos que poderiam ser qualificados de discriminatórios. É nesse contexto sombrio que o preconceito discrimina e dá margem a práticas de violência, pois, seja pela sua onipotência ideológica, seja pela sua insolência mediática, acaba fomentando relações sociais hostis e violentas. O risco é que o preconceito pode ser suscetível e acabar se voltando contra seu portador, vítima ele/ela próprio/a do que nele não é digno de humanidade.

 

Os mecanismos do preconceito

O preconceito como forma de 'conhecimento' do outro pode ser abordado como psicodinâmica ou como problema sócio-moral.26 Há autores que consideram que toda forma de conhecimento do outro pode ser preconceituosa, o que significa que há uma inferência e que, portanto, o preconceito como forma de relacionamento social baseado em formas de violência não existiria. De fato, se toda apropriação da diferença é preconceituosa, não existiria fundamento violento 'das' e 'nas' relações sociais.

Nessa direção, Michael Taussig27 argumenta que toda a construção da alteridade é preconceituosa. O preconceito é visto como uma forma de construção do outro, de uma alteridade a partir da própria neutralização desse outro/alteridade. Assim, outorgar significado ao outro é um processo que se dá devido à eliminação da resistência que esse outro pode representar e operar.

O imaginário é uma categoria presente no pensamento do autor, segundo o qual a imaginação é um ato de todo o corpo e não ocorre somente na dinâmica do pensamento. Não se constrói uma imagem pensando; ensaia-se a imagem de uma pessoa no próprio corpo. Ou seja, para Taussig,28 a noção de preconceito não faz lembrar de alguém, mas faz tornar alguém disponível no seu próprio corpo à imagem de outra pessoa. Isso implica um 'moldar-se' para ser 'incorporado' de alguma forma pelo outro.

Argumenta ainda o autor que todos fazemos incorporações e somos incorporados, havendo um jogo de reciprocidade nesse contexto. Trata-se de uma noção que vai além do jogo da dominação/dominado ou do dominado/dominador. O pensamento não passa apenas pela esfera do racional; o pensamento é do corpo inteiro. Em outras palavras, o preconceito é uma forma de pensar e de conhecer. Todas as formas de conhecer o outro, a alteridade, passam, necessariamente, pelo preconceito, em razão de que o eu não pode jamais se apropriar do outro, daquele que representa a diferença. Isso não implica, porém, que todos os preconceitos sejam discriminativos.

Essa definição, baseada em Taussig,29 destaca que o preconceito já traz implícito um a priori relacionado a uma idéia de outro – moral, estética, corporal, sexual, cultural, etc. ¾, assentada na bipolaridade entre o bem e o mal, que normatiza as condutas, ao ancorá-las na ordem moral vigente. Para o autor, a definição básica do preconceito está na construção do outro-alteridade. O preconceito caracteriza-se então pelo conteúdo de uma

atitude interior (no sentido interno) de um sujeito que viola os atributos e os qualificativos em relação ao outro sujeito, estabelecendo o funcionamento cognitivo e os contactos perceptivos de forma equivocada, cindida e traumática; portanto, pondo sempre à prova (ou derrotando) as capacidades e os recursos simbólicos do outro.30

Quando essa atitude ou esse ato-pensamento denota ou estabelece a 'distinção' entre ou sobre o(s) outro(s), então configura-se a discriminação, pois gera-se, necessariamente, o tratamento diferencial.

Goffman, ao tratar do estigma como uma forma de discriminação, utiliza-se de duas categorias: a) a condição de 'desacreditado'; e b) a condição de 'desacreditável'. A primeira pode compreender três tipos de estigmas diferenciados:

1. as abominações do corpo (as várias deformações físicas);

2. as culpas de caráter individual percebidas como vontade fraca, paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas, desonestidades... vícios, alcoolismos, homossexualismo, etc; e

3. os estigmas tribais de raça, nação e religião que podem ser transmitidos através de uma linhagem e contaminar por igual todos os membros de uma família.31

Todos esses estigmas são de uma forma ou de outra expostos pelo(s) indivíduo(s) nos processos de socialização e nas interações sociais. Desses processos e contatos sociais decorrem medo, vergonha, humilhação, impureza, contaminação, etc.

A condição de 'desacreditável' é sugerida por Goffman quando a pessoa/indivíduo não demonstra uma "qualidade diferencial manifesta e que não mereça importância especial". Ou seja, quando a diferença não é imediatamente aparente, perceptível ou que dela não se tenha um conhecimento prévio: um analfabeto, por exemplo, passa a ser uma pessoa 'desacreditável' e não desacreditada. Enquanto que no primeiro conjunto há uma 'exposição' dos estigmas (da pessoa estigmatizada), no segundo não há explicitação. Como bem destacou o autor, "a questão que se coloca não é a da manipulação da tensão gerada durante os contactos sociais e, sim, da manipulação de informação sobre o seu defeito. Exibi-lo ou ocultá-lo; contá-lo ou não contá-lo; revelá-lo ou escondê-lo; mentir ou não mentir; e em cada caso, para quem, como, quando e onde".32

Se para Taussig33 parece haver um jogo maior de reciprocidades, portanto de interações, para Goffman34 o estigma, como uma forma de preconceito discriminativo, é mais centrado na qualidade diferencial que se mostra à informação social, e em relação à qual as reações podem ser tanto diversas como específicas, conforme a natureza de apropriação individual e social que é feita do preconceito.

De uma perspectiva ou de outra, o preconceito caracteriza-se como sendo uma forma arbitrária de pensar e de agir, no sentido de que é exercido como uma forma racionalizada de controle social que serve para manter as distâncias e as diferenças sociais entre um sujeito e outro ou o/um grupo. Tal forma de pensar acarreta práticas e atribuições arbitrárias, destacando os traços de inferioridade, baseados em argumentos que pouco têm a ver com o comportamento real das pessoas que são objetos da discriminação.

Diferentemente de Taussig, acreditamos que o preconceito pode ser uma forma violenta de se relacionar com o 'outro diferente' imposta pela modernidade. Dussel35 interpreta, nesta dimensão, um tipo de relação que se estabeleceu entre o velho mundo e o novo mundo por ocasião da conquista. Do ponto de vista do autor, o mito da modernidade fez com que a civilização ocidental (particular, localismo globalizado)36 se autodefinisse como universal e dominante, e se projetasse a si mesma sobre a América Latina (alteridade negada), e ao mesmo tempo considerasse justo e bondoso sacrificar os habitantes do novo mundo perante o deus da modernidade. Essa visão eurocêntrica que levou a sacrificar os povos nativos negou o direito à existência do Outro – estrangeiro.37 Essa foi uma racionalidade particular, acreditando ser ética e moralmente superior às outras tidas como irracionalidades e, portanto, impondo um dever ser (ético) e uma forma de viver (moral) ao resto.

O preconceito implica sempre uma relação social. Aparece como um modo de relacionar-se com 'o outro' diferente, a partir da negação ou desvalorização da identidade do outro e da supervalorização ou afirmação da própria identificação. Ele é construído pelo eu conquiro, isto é, o tipo de subjetividade moderna representada pelo conquistador.38

No processo de produção identitária criam-se sentimentos de pertença e de estranhamento com relação a certos coletivos, o que gera uma dinâmica de inclusões e exclusões com base em semelhanças e diferenças. Acontece que essas inclusões e exclusões muitas vezes não indicam apenas diferenças ou singularidades, mas relações hierárquicas e poderes de raiz histórica com atributos fundadores, que demandam para si a definição do que é bom e do que é ruim, do que é belo, do que é feio, do que tem valor e do que não o tem.

Exemplificando, se há uma identidade racial dominante que define o que é belo e feio, ou seja, os padrões estéticos, o simples fato de pertencer à raça dita dominante implicará ser valorizado do ponto de vista estético e vice-versa. O branco acreditará que é bonito e observará o padrão estético da raça negra como não-bonito; o negro possivelmente achará o branco bonito. E se o padrão estético do branco predomina, os valores do negro poderão ser os valores daqueles que o negam na sua diferença. Ele é negado e ao mesmo tempo se nega. O preconceito passa pela relação social, pela atribuição identitária e auto-identificação, que nega duplamente a alteridade, seja como negação do outro, seja como autonegação.

Outro exemplo: ser mulher implica se identificar com todas as mulheres. Mas, mesmo entre as mulheres, há heterogeneidades. Vejamos: mulheres brancas e não-brancas, analfabetas e letradas, gordas e magras, altas e baixas, ricas e pobres, homossexuais e heterossexuais, etc. Enfim, todas são mulheres e comportam uma identidade historicamente ferida. Mas algumas são brancas, ou seja, da cor que predomina como regra social – na sua afirmação, criam o preconceito ao atribuir valor negativo às não-brancas. Essa atribuição pode desdobrar-se, associando a cor à estética, ou à condição sócio-econômica, todos indicadores possíveis de serem 'transformados' em qualificativos e em capacidades subjetivas. A identidade racial, por ter um peso aparente mais forte, pode predominar mais que a identidade de gênero, ou vice-versa. As condições de caráter, tanto das mulheres brancas quanto das não-brancas, tais como solidariedade, correção, honestidade, podem ficar subsumidas.

Podem-se enfrentar ainda questões mais complexas. Vejamos: mulheres jovens e mulheres velhas. Os padrões sociais dominantes definem as mulheres jovens como sexualmente atraentes, destacando os atributos do corpo. Há mulheres jovens que se auto-identificam com essa atribuição de 'mulher-objeto' e, em razão disso, atribuem valores negativos às características físicas das mulheres mais velhas. Há uma estética valorizada da juventude e uma valoração negativa da estética da velhice. Com isso, cria-se uma espécie de preconceito dos jovens em relação aos mais velhos. Estes não tardam em se auto-identificar com o esteticamente desvalorizado: ser mulher velha é uma identidade ferida. Em um local qualquer uma mulher velha receberá o olhar e os gestos preconceituosos das mais novas/dominantes, que lhe negarão, dessa forma, 'a outra' possibilidade de ser. Da mesma maneira que antigamente o/a negro/a, o/a deficiente, o/a louco/a ou demente, o/a pobre não ingressavam em certos recintos e não tinham certos direitos como votar, muitos velhos/as são também 'proibidos/as' de ingressarem. Quem é velho/a acaba aceitando o lugar que lhe é atribuído por aqueles que mandam, sobretudo pelo fato de que estes estão baseados nas padronizações/normativações.

Vale dizer, cada vez mais a diferença acaba sendo sinônimo de marginalidade, e o outro, a alteridade, torna-se estrangeiro dentro de seu próprio meio e passa a constituir-se em uma ameaça. "Cruel paradoxo do mundo contemporâneo", como afirmou José Arbex Jr.:

(...) nunca foram tão perfeitos os meios técnicos para a comunicação entre os homens, mas nunca se comunicaram tão pouco. Procuramos por todos os lados os sinais de nossa identificação com os outros e odiamos aquilo que foge do padrão, o que não é telenovela. Este é o componente psico-social que sustenta o nazismo na Europa e os racismos em todas as partes do Planeta, para além das questões econômicas e concretas em cada caso.39

 

As relações entre preconceito-imagem e racionalização do outro

Para compreender algumas das manifestações empíricas do preconceito faz-se necessário entender como se constrói o outro-alteridade, nas dimensões sociológica e simbólica, que, embora específicas, interagem como processos fundamentais na construção e na dinâmica do preconceito. "A marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentidos a práticas e a relações sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído. É por meio da diferenciação social que essas classificações das diferenças são 'vividas' nas relações sociais."40 A base da construção da alteridade passa pela construção da pré-noção do outro; o outro é o que não pode ser contido, que conduz para além de todo o contexto do ser.41 O preconceito então dele se 'apropria'.

Mais concretamente perguntamos: como o preconceito se constrói? Sua centralidade está tanto nos traços anatômico-psicológicos clássicos quanto na esfera sócio-cultural e na imaginação simbólica. Ao trazer com muita força as características do corpo, o preconceito vai além de uma narrativa, criando uma percepção, formulando uma representação. Cria-se uma idéia – a imagem do outro. O criador pode agora dispor da imagem do outro. Ao pensar o outro, ativam-se e consomem-se todos os seus sentidos. Porque o pensamento não é só racional, 'mas é do corpo inteiro'; há uma emoção racionalizada e um pensamento corporificado; pensar é um ato entrópico, pois vai consumindo a integralidade do corpo. Uma pessoa não pensa a outra; vai capturanda-a, vai metabolizando-a. Portanto, esse ato de pensar envolve ou capta a plenitude das características do outro.

É no corpo de alguém que se inscrevem as marcas da diferença geradoras do preconceito; é ao corpo de alguém que você reage; a reação é em relação à diferença (muitas vezes, traduzida em poder) que esse corpo representa. A imagem de alguém sempre tem algum signo de poder.42 Não se trata da idéia de poder pela simples dominação, mas sobretudo pela contaminação que pode ensejar. Se não se outorga algum tipo de poder em relação àquele que é o objeto da diferença, então não há preconceito.

A título de exemplo, a análise da construção do preconceito com relação aos povos indígenas brasileiros nos remete aos tempos da conquista portuguesa, lembrando que, naquele momento histórico, os indígenas, que constituem 'o outro' na relação com os conquistadores – eu conquiro – , eram tidos como bárbaros, atrasados, sensuais, de natureza impura.43 Note-se que o poder de que são investidos é o da natureza. No caso dos conquistadores, a atribuição de valor negativo às características dos indígenas traduziria o terror que sentem perante sua própria natureza. Lembre-se de que os conquistadores eram portadores da moral do catolicismo colonizador, que enfatizava a necessidade da repressão dos instintos. Erigiram-se os navegantes do novo mundo como superegos perante os indígenas, representando estes o id (instintos).

Os europeus estavam convictos de serem os escolhidos para 'civilizar' o planeta, mesmo que fosse a ferro e fogo. Orientados por uma ética religiosa que encontra seu fundamento último no mito do Gênesis, justificaram todos os meios empregados na 'civilização' dos 'povos bárbaros': "E disse Deus, façamos o homem a nossa imagem conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, os animais selvagens e todos os répteis que rastejam sobre a terra" (Gênesis). O Deus criador e o espírito ordenador são iguais entre si enquanto senhores da natureza. No homem, o seu ser feito à imagem de Deus consiste na sua soberania sobre o que existe, no seu olhar de senhor, no seu comando.44

Deriva-se daí a relação de comando do homem diante da natureza, racionalizando a percepção do seu ser como diferente do ser natureza. Conseqüentemente estabelece-se a separação entre sujeito e objeto. Esse mito focaliza um Outro – como natureza passível de ser dominada, domesticada e civilizada. Na conquista, esse outro é o mundo novo, e seus próprios habitantes são a natureza; diz-se que os índios e os negros não têm alma.

Essa racionalização é representativa do terror do homem perante sua própria natureza. A repulsa pelo instintivo e animal foi enfatizada nas sagradas escrituras na passagem da caída do homem no pecado original, em que o preço pago pela transgressão à lei foi o de ser colocado no estado de natureza impura. A autodefinição da cultura européia como civilizadora é feita com relação aos indígenas, tidos como inferiores e bárbaros por natureza. Por isso, 'precisavam' ser comandados, isto é, civilizados. A violência que foi exercida sobre os animais-homens do novo mundo latino 'americano', passíveis de 'domesticação' e de civilização, encontra sua justificativa última na idéia de 'emancipação'. Essa se faz pelo bem do bárbaro, que se civiliza, desenvolve-se ou moderniza-se.45

Portanto, tratou-se da imposição de uma regulação destinada a socializar, moralizar e normatizar homens e mulheres percebidos como 'em estado natural'. A imagem que interpela a natureza, sensualidade e barbarismo que se construiu com relação aos indígenas, implica a contemplação do outro – copiar o outro, reproduzir o outro requerendo uma grande atividade corporal que conduz à apropriação da imagem desse outro que é tornado disponível. Quando a imagem se torna definidora e se traduz em imagem real, será muito difícil renegociá-la.46

Atualmente, a reivindicação das diferenças apóia-se não apenas nos traços corporais e psicológicos clássicos, vivíveis e definidos. Nessa ótica, o que temos nós de diferente?, pergunta-se Guillaumin.47 O sexo, o peso, o tamanho, a fisiologia reprodutiva, a desenvoltura, a velocidade, e inclui-se ainda um conjunto de sentimentos, hábitos e práticas cotidianas – atenção aos outros, solidariedade, espontaneidade, paciência, mediunidade, dom ou o gosto por obras de arte, pela cozinha, pela pesca, etc.

Porém, essa noção implica outros desdobramentos, mais ou menos escondidos ou dissimulados em outros fatos/episódios distanciados da materialidade anatômica ou da subjetividade; por exemplo, o tipo de uso do espaço, do tempo, da longevidade, do vestuário, do salário, das responsabilidades, dos deveres, dos direitos sociais, jurídicos, etc. Todas essas expressões de diferenças ou de especificidades têm manifestações próprias para o universo feminino e para o masculino, que são transversalizadas pela condição de classe, de raça, religiosa, etc. As diferenças vão se construindo sempre em uma proporção geométrica na relação com as manifestações do preconceito.48

Primeiramente, é o corpo o lugar agregador e mais privilegiado de manifestações dessas diferenças. Porém, somos apenas um corpo ou também algo distinto do corpo? A modernidade recolocou a espantosa cisão sujeito –objeto, transformando nosso corpo em uma embalagem da alma, do espírito, da psique e da matéria. Em certos momentos, somos interpelados como corpos; em outros, a partir de alguma transcendência da própria embalagem. Ora virtuosos, ora belos, o interior e o exterior sendo constantemente invocados desde diferentes espaços de discursividades, seja do social, seja do simbólico.

De qualquer maneira, é nele – no corpo –e a partir dele que as discriminações ocorrem. É nele que se depositam e se concentram os elementos indicados, as configurações que nos permitem classificar os códigos corporais (a cor da pele, altura, a conformação da cabeça e do rosto, o tipo e a qualidade dos cabelos, o tamanho, o peso, o porte físico, a cor e a forma dos olhos, a forma do nariz, a estatura do corpo, o perfil, as marcas etárias e geracionais, o uso de determinadas roupas, adereços, etc.); os códigos comportamentais (registrados no corpo, tais como as condutas, as posturas, os gestos, as tatuagens, os músculos ou a musculatura, os piercings, os odores, as formas de se alimentar, de se comportar, de sentar-se, de comportar-se em lugares públicos, etc.); os códigos emocionais (tipos de sentimentos, insegurança, medo, respeito e obediência excessiva, repugnância, subserviência, comportamentos sexuais excessivos, sedução, assédio); os códigos lingüísticos (o padrão lingüístico, a tonalidade da voz, os sotaques regionais, o vocabulário, a ortografia, as gírias, além de outros sinais e signos identitários). Com base nesses elementos inseridos e demarcados no corpo estabelecem-se classificações, regras/normas, significados/valores e comportamentos. O conhecimento das repercussões dessas classificações e de suas conseqüências, geralmente, é deixado de lado.

A imagem ou, em outras palavras, a aparência do outro é tão real como a sua 'profundidade'.49 O outro é imagem-corpo e também é profundidade. Não há mais verdade em um nível que em outro. Ocorre que, na apropriação do outro, sua imagem é construída burocraticamente, traduz impessoalidade. Nessa imagem, o indivíduo como tal está ausente; é transpessoal, passível de invocar para si todos os casos individuais. Universalizante, genérica, burocrática ou impessoal, representa a mais pura racionalização do outro. Mas essa racionalização, essas características universalizadas podem ter, ou mesmo têm, atribuições valorativas, geralmente negativas. O preconceito resulta, assim, de uma racionalização do outro, a partir da configuração de uma imagem corporal e lingüística, a que se atribui valores negativos. Isto é, uma apropriação da diferença imagética que é desvalorizada.

Mas não basta apenas considerar as diferenças mais visíveis, tradicionalmente configuradas na raça, no gênero e na classe social, manifestas através das diferenças e das desigualdades discriminatórias nos espaços da educação, do trabalho, do poder, etc. A hipótese relativa à importância das mínimas diferenças aparentemente pouco importantes já pensada para outros contextos, como o fez Burke,50 parece aplicar-se também no caso dos preconceitos. Há uma preocupação cada vez maior por parte dos historiadores com o significado daquilo que, aparentemente, é insignificativo:

Os historiadores da cultura têm consciência de que aquilo que as pessoas consideram significativo varia de período para período, e também de um lugar para o outro (...) a hostilidade entre grupos sociais que são iguais ou semelhantes em todos, menos alguns, os aspectos menores (...) a hipótese pode ser de que grupos sociais distintos (Freud), porém semelhantes, têm probabilidade maior de serem hostis entre si do que grupos que possuem diferenças óbvias.51

Bourdieu, no livro La distinction, resumiu nos seguintes termos sua análise das pequenas diferenças entre duas classes, conforme a linguagem, os hábitos alimentares, o vestuário, a mobília, o consumo de práticas de lazer, além de outros aspectos de um estilo de vida: "A identidade social consiste na diferença, e a diferença é afirmada contra aquilo que é mais próximo e que representa a maior ameaça".52 Portanto, não apenas qualquer teoria do poder e da violência precisa levar em conta as pequenas diferenças, mas estas constituem-se em uma das bases fundadoras dos preconceitos discriminativos.

Uma condição sine qua non para se construir a manipulação do outro, produzindo e impondo a violência como um mecanismo de preconceito, é a introjeção do terror e sua manipulação. O terror introjetado no outro é necessário para que haja o preconceito. Ou seja, a imposição do terror necessita que o preconceito seja a base de construção do outro. Toda a construção do outro, da alteridade, é feita através do preconceito, porque não se pode apropriar dele; e, ao não se apropriar do preconceito, este neutraliza (mata, corta o poder de resistência que o outro possa oferecer). Neutralizar significa eliminar a resistência que a realidade coloca em nós. Quem pára de oferecer qualquer tipo de resistência sucumbe à dominação. A resistência deixa de ser significativa e passa a atribuir significado ao outro. Desloca-o de sua conduta física de existência, porque opera ou interfere de tal maneira em suas 'fragilidades' latentes ou ocultas que acaba com as resistências que este – o discriminado – possa oferecer. Portanto, o preconceito anula e neutraliza o outro – como coisa ou como fenômeno. Quando se vê uma mulher, um índio, um negro, diante de nós, a imagem que se vê é a do preconceito e não a imagem do real.

Portanto, alguém que tem preconceito discriminativo tem que alimentá-lo constantemente, pois, para que o preconceito permaneça, é necessário que o outro o coloque disponível também para si próprio.

 

Considerações finais

Essa violência que institui o que o outro diferente 'não é' ou 'o que é', ou seja, que nega ou afirma a alteridade ao atribuir-lhe valores negativos ou positivos quanto às características raciais, opções sexuais, de gênero, físicas, emocionais, etc., é exercida por aqueles que têm algum tipo de poder na sociedade. Mas isso não significa que essa forma de se relacionar com 'o outro' e os valores produzidos sejam inalteráveis.

Em Assim falou Zaratustra, Nietzsche53 faz alusão às três metamorfoses do espírito: como o espírito se torna camelo; e o camelo, leão; e o leão, por fim, criança. Essas alegorias, que vão desde o espírito de suportar, simbolizado pelo camelo, até a libertação da criação, simbolizada pela criança, fazem referências ao trânsito tortuoso do indivíduo diante da repressão que interiorizou os valores cristãos do sofrimento e de abnegação. Isto é, da negação (camelo), que se metamorfoseia no leão, que quer ser seu próprio senhor, desvencilhando-se dessa moral de escravo, e que para isso precisa lutar contra o dragão, que simboliza o 'dever-ser', o valor das coisas, a negação da individualidade. O leão criará para si a liberdade de novas criações. Para o espírito, suportar o respeito e conquistar o direito de criar novos valores é a mais terrível conquista. A última metamorfose é a do leão em criança, que anuncia o novo começo. O espírito "quer agora a sua vontade. Aquele que está perdido para o mundo conquista seu mundo".54

O preconceito é a valoração negativa que se atribui às características da alteridade. Implica a negação do outro diferente e, no mesmo movimento, a afirmação da própria identidade como superior/dominante. Mas isso indica que o preconceito é possível onde existe uma relação social hierárquica, onde existem comando e subordinação e racionalização do outro. Quem manda atribui valores à sociedade, define o que é bom e o que é ruim. Aqueles que 'obedecem' são alvo de atribuições identitárias que os desvalorizam, especialmente, a seus próprios olhos. Para os que obedecem trata-se de lutar contra uma auto-identificação negativa, mudando os valores, transmudando as características ditas vergonhosas em características que orgulham. Isso aparentemente permite quebrar a dialética do amo e do escravo, ao transformar o escravo em senhor, isto é, em alguém que define valores na sociedade.55 Mas na verdade institui uma nova dinâmica de sujeição e comando.

Novos valores instituídos como normas e novas figuras jurídicas que permitem mencionar e punir o preconceito abrem o caminho para a expansão de novos valores sociais. Mas vale lembrar que a punição ao ladrão não evita que os roubos aconteçam, tanto quanto a punição ao assassino não impede que se decrete morte aos outros. Porém, o apoio jurídico poderá estar disponível para quem o solicitar.

A modernidade implicou a pretensão de racionalização da sociedade. Isto é, a aplicação de regras gerais e universais para a compreensão de fatos particulares e dos indivíduos. O sistema jurídico, como normas genéricas passíveis de serem aplicadas em casos particulares para enquadramento legal, traduz esse processo de racionalização. Mas essa 'gaiola de ferro burocrática' levou tanto ao 'desencantamento' do mundo quanto a sua 'desumanização'. Esta última é representada nas interdições técnicas e lingüísticas no mundo jurídico e do trabalho, que se traduzem em procedimentos e termos que apagam a singularidade histórica, social, cultural e moral dos/as envolvidos/as. Desse ponto de vista, a positivação dos direitos das 'minorias', na medida em que traduz o reconhecimento de um 'outro diferente', constitui um passo à frente. Mas essa ajuda jurídica pode não ser solicitada pelos que estão sendo alvo de preconceito e discriminação, devido aos obstáculos que encontram certos grupos sociais de ter acesso à Justiça.

Em primeiro lugar, porque muitos não conhecem quais são seus direitos; segundo, porque os valores que fundam o preconceito e levam à discriminação podem estar presentes nos agentes institucionais encarregados de 'fazer justiça'; e, finalmente, porque há um excessivo formalismo do mundo jurídico, com seus rituais e estilos que resultam demasiadamente exóticos para a maior parte da população demandante, e que se erigem, assim, como muros que limitam o acesso à Justiça. Não sem razão, existem em diversos países, como também no Brasil, iniciativas para facilitar esse acesso para os mais pobres, tais como os tribunais de pequenas causas, tribunais itinerantes, entre outros.56

Isso leva a pensar na necessidade não apenas de legislar para transmutar os valores presentes nos relacionamentos sociais, mas também de formular políticas públicas que contribuam para estimular a construção de identidades positivas em relação àqueles grupos que sofrem preconceito, tanto quanto implementar formas desburocratizadas de resolução de conflitos com a participação ativa dos grupos sociais interessados.

Quem possui uma identidade ferida, ou seja, quem se autodesvaloriza porque é mulher, negro, homossexual, velha, feia, gorda, indígena, etc. precisa metamorfosear-se em leão, para ter a liberdade de negar o dever-ser, os valores que lhe foram atribuídos historicamente, abrindo assim espaço à construção de novos valores.

Portanto, o preconceito, em suas múltiplas manifestações, pode ser extremamente pernicioso – e geralmente o é – porque contradiz e impede a tendência moral da humanidade para a integração universalista e porque faz dos valores humanos, começando pela verdade, fatos arbitrários que exprimem a força vital da raça, da classe, do gênero, ou outra qualquer. Portanto, não tem substância própria e pode ser manipulado livremente para os fins mais violentos e abjetos.

Concluímos proclamando que a conquista de amplitude dos direitos humanos que visibilize ou destaque as mulheres, os negros, os homossexuais, entre outros tidos como 'diferentes' no mesmo patamar universalizador, é, portanto, uma tarefa perene, como perene também é a sua reinterpretação. Existiria algum caminho ou estratégia possível para isso? Além das formas racionais já mencionadas, tais como as jurídicas, econômicas e políticas, em que medida a afetividade, vista como intrusa e suspeita na sociedade moderna, poderia criar ou recriar os elos entre 'os diferentes' na sociedade, permitindo-lhes desse modo ir além das racionalizações que fundam os relacionamentos sociais? Isso poderia quebrar o distanciamento obsessivo que a persecução da regulação como forma de 'viver juntos' estabeleceu entre os diversos seres humanos. Paradoxalmente, o distanciamento social promovido pela regulação dos comportamentos sociais e individuais na época moderna, e que deveria pacificar os relacionamentos, levou ao seu contrário, isto é, a uma racionalização do outro diferente que derivou em construções preconceituosas e violentas das diferenças, a uma desumanização do corpo-mente.

 

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[Recebido em junho de 2001 e aceito para publicação em abril de 2002]

 

 

Prejudice and Discrimination as Expressions of Violence
Abstract: This essay examines the construction of prejudice – and the visibility of the ensuing discriminations – associated with the emergence of differences, be it through the affirmation and manipulation of the conditions of difference or through their denial and dissimulation. In both cases, there is a lack of recognition of, or disrespect for, differences that is constitutive of new patterns of violence. This essay builds a bridge between discrimination and violence, emphasizing the diverse forms of discrimination and exclusion, which include: the juridical parameters related to co-existence and re-cognition; the social sciences approach to the construction of differences/non-similarities; the conceptual framework of the category 'prejudice' and its derivative forms of discrimination and social exclusion; the mechanisms of prejudice; and the difference-prejudice relation, image and rationalization of the Other .
Keywords: prejudice, discrimination, exclusion, violence.

 

 

1 Este texto é parte da reflexão desenvolvida no subprojeto Discriminações e Conflitos nos Espaços de Trabalho e sua Resolução Institucional, parte do projeto integrado A Resolução Institucional de Conflitos: Acesso aos Direitos Humanos das Mulheres do Brasil, financiado pela Fundação Ford e pelo CNPq.
2 Richard SENNETT, 1999.
3 TAGUIEFF, 1987.
4 LIMA, 1996, p. 166.
5 Pode-se consultar, para maior detalhamento, a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define em 21 artigos os crimes resultantes de preconceito de raça e de cor. A Lei nº 8.081, de 21 de setembro de 1990, estabelece os crimes e as penas aplicáveis aos atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, praticados pelos meios de comunicação ou por publicação de qualquer natureza.
6 No prelo.
7 ARENDT, 1992, p. 19.
8 HIRIGOYEN, 2000.
9 BERTOLOTE, 2000, p. 32.
10 SENNETT, 1999, p. 10.
11 Karl MARX, 1971, e André GORZ, 1980.
12 Collete GUILLAUMIN, 1992.
13 Expressão que intitula livro de Elisabeth Souza-Lobo (SOUZA-LOBO, 1991).
14 Helena HIRATA e Danielle KERGOAT, 1997.
15 Enrique DUSSEL, 1993.
16 Lembre-se de que, à fase de reivindicação de direitos civis e políticos, sucedeu-se a dos direitos sócio-econômicos, e o presente revela uma fase de reivindicação de direitos culturais, do direito à diferença.
17 Mary DOUGLAS, 1991.
18 TAGUIEFF, 1987.
19 Elisa REIS, 2000.
20 Expressão utilizada por Pierre-André Taguieff (TAGUIEFF, 1987), ao referir-se ao racismo, expressão em que, a nosso ver, cabe, extensivamente, a noção de preconceito.
21 Ver, a propósito, TAGUIEFF, 1987.
22 GOFFMAN, 1988, p. 7-13.
23 GOFFMAN, 1988, e SENNETT, 1999.
24 GOFFMAN, 1988.
25 Consultar os autores citados nas referências bibliográficas.
26 Esta parte do texto foi escrita a partir das notas e apontamentos das reuniões sobre preconceito do grupo Conflitos e a Polícia (Nepem/UnB, em novembro de 1999), coordenadas pela professora Mireya Súarez, tendo como referência bibliográfica TAUSSIG, 1993, e TAUSSIG, 1999.
27 TAUSSIG, 1993.
28 TAUSSIG, 1993.
29 TAUSSIG, 1993 e 1999.
30 TAUSSIG, 1999, p. 159.
31 GOFFMAN, 1988, p. 14.
32 GOFFMAN, 1988, p. 51.
33 TAUSSIG, 1993.
34 GOFFMAN, 1988.
35 DUSSEL, 1993.
36 Expressão utilizada por Boaventura de Souza Santos para fazer referência à cultura ocidental (SANTOS, 1997).
37 Uma das reflexões mais interessantes sobre a questão do outro enquanto alteridade como entejá-constituído foi realizada por Tzvetan Todorov (TODOROV, 1989).
38 Novamente cabe lembrar Todorov (TODOROV, 1999).
39 ARBEX JR., 1998, p. 34.
40 Tomaz Tadeu SILVA, 2000, p. 14.
41 Emmanuel LÉVINAS, 1997.
42 Norbert ELIAS, 1997.
43 Consultar TODOROV, 1999.
44 ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 7.
45 DUSSEL, 1993.
46 Atualmente, um policial militar, por exemplo, não importando o que ele faz, o que ele é, será sempre visto e representado como policial militar; um trabalhador como um trabalhador, o negro como negro, o homossexual como homossexual, o indígena como indígena.
47 GUILLAUMIN, 1992.
48 Ver GUILLAUMIN, 1992.
49 Friedrich NIETZSCHE, 1998.
50 Peter BURKE, 2000.
51 BURKE, 2000.
52 Pierre BOURDIEU, 1979, p. 45.
53 NIETZSCHE, 1998, p. 51-53.
54 NIETZSCHE, 1998, p. 52.
55 Consultar, a propósito, Michael TANNER, 1977.
56 SANTOS, 1995.