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A percepção do formando de enfermagem sobre a função gerencial do enfermeiro
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Artigo Original
 
Silva JC, Rozendo CA, Brito FMM, Costa TJG. A percepção do formando de enfermagem sobre a função gerencial do enfermeiro. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2012 abr/jun;14(2):296-303. Available from: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v14i2.12565.

A percepção do formando de enfermagem sobre a função gerencial do enfermeiro1

 

Nursing graduates’ perception of nurses’ managerial role

 

Percepción del estudiante de enfermería sobre la función gerencial del enfermero

 

 

Jadielma Clementino da SilvaI, Célia Alves RozendoII, Fátima Maria de Melo BritoIII, Teresinha de Jesus Gomes CostaIV

I Acadêmica do curso de Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem e Farmácia (ESENFAR), Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Maceió, AL, Brasil. E-mail: jadielma_cs@hotmail.com.

II Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Docente da ESENFAR, UFAL. Maceió, AL, Brasil. E-mail: celia.rozendo@gmail.com.

III Enfermeira, Especialista em Gerenciamento em Enfermagem, Educação Profissional na Área de Saúde e Ativação de Processos de Mudança na Formação Superior de Profissionais de Saúde. Docente da ESENFAR, UFAL. Maceió, AL, Brasil. E-mail: fatinhabrito@hotmail.com.

IV Enfermeira, Mestre em Enfermagem. Docente da ESENFAR, UFAL. Maceió, AL, Brasil. E-mail: tecalegria@gmail.com.

 

 


RESUMO

O presente estudo teve por objetivo identificar e analisar a percepção de formandos de graduação em enfermagem de uma universidade pública sobre a função gerencial do enfermeiro.  Trata-se de estudo descritivo-qualitativo, cujo cenário foi um curso de graduação em enfermagem de uma universidade pública nordestina.  Para a coleta de dados utilizou-se a entrevista semiestruturada com doze formandos de graduação. A análise temática foi a técnica escolhida para a análise dos dados, gerando três categorias: função gerencial do enfermeiro – faz funcionar o serviço; assistência e gerência – duas práticas dicotômicas; e ensino dos conteúdos de administração – muita teoria, pouca prática. Concluímos que a percepção dos formandos sobre a função gerencial do enfermeiro baseia-se mais na observação do trabalho do enfermeiro e menos na sua percepção em si e que, para esses sujeitos, trata-se de função importante, mas que se apresenta desarticulada da assistência e distante da prática.

Descritores: Estudantes de Enfermagem; Educação em Enfermagem; Gerência.


ABSTRACT

The objective of the present study was to identify and analyze the perceptions of  nursing graduates of a public university regarding the managerial role of nurses. This is a descriptive-qualitative study, the setting of which was a nursing undergraduate course of a public university located in northeastern Brazil. Data collection was performed using semi-structured interviews with 12 nursing undergraduates. Thematic analysis was the chosen technique for the data analysis, which generated three categories: nurses’ managerial role – contributing to efficient running of the service; care and management – two dichotomous practices; and teaching administration contents – too much theory and too little practice. In conclusion, the undergraduates’ perception regarding the nurses’ managerial role is based mostly on observing nurses at work rather than developing their own perceptions, and the subjects consider the role important but consider it to be disconnected from healthcare and distant from practice.

Descriptors: Students, Nursing; Education, Nursing; Management.


RESUMEN

Se objetivó identificar y analizar la percepción de estudiantes de graduación en enfermería de una universidad pública sobre la función gerencial del enfermero. Estudio descriptivo, cualitativo, cuyo escenario fue un curso de graduación en enfermería de universidad pública del noreste brasileño. Para recolección de datos se utilizó entrevista semiestructurada con doce estudiantes de graduación. Se eligió al análisis temático para analizar los datos, generándose tres categorías: función gerencial del enfermero: hace funcionar el servicio; atención y gerencia: dos prácticas dicotómicas; y enseñanza de los contenidos de administración: mucha teoría, poca práctica. Concluimos en que la percepción de los estudiantes sobre la función gerencial del enfermero se basa más en la observación del trabajo del enfermero que en su percepción en sí, y que, para esos sujetos, se trata de una función importante, aunque se la presenta desarticulada de la atención y distante de la práctica.

Descriptores: Estudiantes de Enfermería; Educación en Enfermería; Gerencia.


 

 

INTRODUÇÃO

Uma das funções exercidas pelo enfermeiro em seu processo de trabalho é a função gerencial. Por muitos anos, o enfermeiro viu-se na contingência de executar tarefas, face ao predomínio da divisão do trabalho e da fragmentação do cuidado que caracterizam o modelo burocrático(1). Este modelo, atualmente, parece não atender os anseios da enfermagem, que busca uma gerência mais flexível, para superar o paradigma da administração clássica de receber e executar ordens.

Atualmente a administração do cuidado exige do enfermeiro uma visão que integre e acolha valores e lógicas diferenciadas, impressos nas necessidades dos usuários, não manifestos ou reconhecidas até algum tempo atrás, sendo necessário um envolvimento do profissional nas interrelações, na sua potencialidade de criatividade e autonomia, no sentido de dar conta das necessidades do processo de trabalho(1).

Como esta função está atrelada à profissão desde o seu primórdio, e mais atualmente fundamentada na Lei do Exercício Profissional do Enfermeiro, é compreensível que durante os cursos fossem inseridas disciplinas que contivessem assuntos pertinentes ao gerenciamento, dando assim aos formandos instrumentos que os capacitassem a realizar as atividades gerenciais.

A formação acadêmica do enfermeiro no Brasil atualmente é orientada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), instituídas pelo Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução CNE/CES Nº 3, de 7 de novembro de 2001(2), as quais definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de enfermeiros, incluindo o perfil do egresso, as competências e habilidades gerais e específicas.

Dentre as competências apontadas, ao concluir o curso de graduação, o enfermeiro deve estar preparado para promover ações de atenção à saúde como ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde. Além dessas, deve, ainda, desenvolver competências para se comunicar, tomar decisões, liderar e promover educação permanente. Especificamente em relação à gerência, as Diretrizes apontam que os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativa, fazer a gerência tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a ser empreendedores, gestores, empregadores ou exercer liderança na equipe de saúde(2).

O grande desafio na formação do enfermeiro é transpor o que é determinado pelas Diretrizes Curriculares ao formar profissionais que superem o domínio teórico-prático exigido pelo mercado de trabalho. A simples e automática adequação às Diretrizes não garante a formação de profissionais capazes de pensar a realidade criticamente e com perspectiva transformadora(3).

Nesta direção, acreditamos que o ensino de graduação em enfermagem necessita ser contextualizado, buscando a formação de profissionais críticos e reflexivos, que estejam em sintonia com as rápidas transformações da sociedade contemporânea. Além disso, as universidades precisam atentar para a formação de enfermeiros capazes de enfrentar desafios e tomar decisões(4). É necessário que este profissional receba orientações que o preparem para tal, já em nível acadêmico, para que ele possa reunir conhecimentos teórico-práticos específicos nessa área(5).

Diante do exposto, defendemos que os cursos de graduação em enfermagem devem contemplar a preparação dos acadêmicos para a função gerencial do enfermeiro, considerando que, juntamente com a função assistencial, está muito presente e evidente no cotidiano do trabalho da enfermagem e dos enfermeiros em especial(6).

Não estamos certos se essa importância tem reflexo nos currículos dos cursos, ou seja, se há ênfase no ensino de tal função. Acreditamos que não, que o ensino de temas gerenciais nos cursos de graduação em enfermagem ainda ocorre com menos ênfase do que o mundo do trabalho dos enfermeiros exige. Acreditamos, ainda, que o ensino é mais no campo teórico do que no prático. E, por fim, acreditamos que a percepção dos estudantes sobre a função gerencial do enfermeiro pode ser um mecanismo importante para a avaliação do ensino de administração e consequente sua melhoria, obviamente sem desconsiderar os demais mecanismos de avaliação(7-8).

Além disso, o conhecimento de tal percepção pode trazer subsídios para a reflexão dos professores da área e dos cursos de enfermagem, de forma que contribua para a reorientação de propostas curriculares que contemplem a função gerencial de modo mais efetivo e enfático.  Nesse sentido, tomamos como objeto de estudo a percepção de formandos de graduação em enfermagem sobre a função gerencial do enfermeiro, tendo por objetivos identificar e analisar a percepção de formandos de graduação em enfermagem de uma universidade pública sobre a função gerencial do enfermeiro.

 

PROPOSTA METODOLÓGICA

Estudo descritivo de natureza qualitativa, realizado em um curso de graduação em enfermagem de uma universidade pública do Nordeste brasileiro. O curso é ofertado em cinco anos no regime semestral.

Os conteúdos de gerenciamento são ofertados em duas disciplinas do 2º ano, com uma carga horária total de 120 horas, sendo que a primeira está voltada para a gestão pública do SUS, e a segunda para administração em enfermagem. Deste total, mais de 80% destinam-se a atividades teóricas. No 3º ano do curso são inseridas mais 40 horas na disciplina voltada para a saúde da pessoa adulta e idosa. Assim, 160 horas são formalmente destinadas ao ensino dos conteúdos de gerenciamento de serviços de enfermagem ao longo do curso, o qual tem mais de 4.000 horas. Contudo, embora não haja carga horária explícita para tal, durante o estágio supervisionado obrigatório, no último ano do curso, o estudante desenvolve atividades gerenciais em hospital geral e em unidades básicas de saúde.

Os sujeitos da pesquisa foram 12 graduandos, de um universo de 52, do curso acima citado. Essa quantidade foi definida pelo critério de saturação das informações, que ocorrem quando no decorrer da coleta de dados o pesquisador considera que a apreensão do objeto está contemplada e o conteúdo dos mesmos passa a não trazer novidades em relação aos já obtidos, quando já não acrescentam algo novo(9).

A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, gravada mediante o consentimento dos participantes e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os sujeitos foram entrevistados no início do segundo semestre, quando já haviam concluído a primeira etapa do estágio supervisionado, tendo assim, provavelmente, mais aproximação com a referida função e, consequentemente, possuindo mais elementos que contribuíram para a pesquisa.

Os dados foram analisados à luz da análise de conteúdo, utilizando-se a técnica de análise temática. Para Minayo, a análise de conteúdo é a expressão mais comumente usada para representar o tratamento dos dados de uma pesquisa qualitativa(4).

A análise dos dados obtidos constou de três etapas. A primeira foi a ordenação dos dados, que englobou as seguintes etapas:

1. transcrição dos dados em sua íntegra;

2. a leitura exaustiva, que possibilitou a tomada de decisão sobre quais deles efetivamente estavam de acordo com os objetivos da pesquisa(4);

3. organização dos dados, onde foi possível estabelecer os núcleos de sentido. Estes núcleos possibilitaram que o elemento unitário do conteúdo fosse submetido a posterior classificação(4).

Na segunda etapa, os dados foram classificados ou categorizados. A categorização é um procedimento de agrupar dados, considerando a parte comum existente entre eles(5). A terceira etapa foi a de análise final, procurando estabelecer as relações entre os dados e a realidade, à luz da literatura consultada(4).

O trabalho foi apreciado pelo Comitê de Ética da UFAL e aprovado conforme protocolo Nº 23065.006554/2010-41.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os participantes da pesquisa têm entre 22 e 30 anos de idade, todos são do sexo feminino e não possuem outra formação profissional de nível superior. Três, dos doze, possuem vínculo empregatício, sendo dois como agentes administrativos em uma unidade básica e em uma escola municipal de uma capital nordestina, respectivamente. O terceiro trabalha em um hospital como técnico de enfermagem.

A análise dos dados permitiu a identificação de três categorias, quais sejam: função gerencial do enfermeiro: faz funcionar o serviço; assistência e gerência: duas práticas dicotômicas e ensino dos conteúdos de administração: muita teoria, pouca prática.

Função gerencial do enfermeiro: faz funcionar o serviço

Os formandos afirmaram que esta função é de suma importância e faz funcionar os serviços de saúde, seja em unidades básicas ou em unidades hospitalares, de acordo com os depoimentos a seguir:

...ele tem uma função assim fundamental, administrar tanto os auxiliares como toda a equipe em todos os cantos, hospitalar ou unidade básica (entrevistado 1)

...é aquela pessoa que vai gerir aquilo para que a coisa funcione, vai tentar dar os meios para que aquele setor funcione, acho que é isso. (entrevistado 10)

Primeiramente, é importante destacar que a percepção dos formandos sobre a função gerencial dos enfermeiros parece estar mais atrelada ao que eles observam na prática de seus preceptores (enfermeiros que acompanham os estudantes no estágio obrigatório) do que na própria compreensão que têm dessa função. Talvez isso seja explicado pelo distanciamento entre o momento em que ocorrem as disciplinas específicas de administração e o estágio curricular obrigatório e, também, pela baixa carga horária prática.

Para melhor compreensão, lembramos que os conteúdos de administração são ministrados no segundo e terceiro ano e o estágio acontece no quinto ano, último ano do curso. Aqui, provavelmente, tais conteúdos até então estavam distantes, apresentavam-se basicamente como teoria, expressando que o currículo do curso apresenta a tendência de formar para atender as exigências impostas pelos serviços, nos quais, em geral, a atuação dos enfermeiros se dá com uma espécie de conflito entre gerência e cuidado. Isso pode ter como base as referências de formação ainda marcadas pelo conservadorismo e modelos mais tradicionais de administração(10), apesar dos esforços empreendidos nas recentes reorientações curriculares.

Fica claro, nos depoimentos abaixo, que os estudantes baseiam sua percepção naquilo que identificam como prática gerencial dos enfermeiros.

...ela entrava em contato com a direção de enfermagem com setores do hospital caso precisasse de alguma coisa para o setor... (entrevistado 2)

...ela fazia produção, a questão administrativa também, o estudo da população que ela atendia, ela realmente fazia, para saber as obrigações que ela deveria ou não estar realizando... (entrevistado 4)

Eu vi que ele fazia escala, ir atrás do material quando faltar no setor... (entrevistado 1)

É no estágio supervisionado que a formação teórica encontra-se efetivamente com a prática, uma vez que até então a presença de um professor era constante e as ações se desenvolviam basicamente no campo da assistência com baixa articulação entre essa (assistência) e o gerenciamento. Nesse sentido, não é de se estranhar que os formandos tenham dificuldade de pensar efetivamente o que chamamos de função gerencial, que ainda não compreendam estas atividades como parte de suas responsabilidades (ainda que sob supervisão direta) e que deverão ser desenvolvidas no cotidiano de seu trabalho. Esse dado pode nos levar a supor que o ensino de enfermagem de nível superior talvez não prepare suficientemente o enfermeiro para o exercício profissional da função destacada nesse trabalho(11).

Se por um lado a percepção dos formandos sobre o tema parece vincular-se à prática gerencial observada nos enfermeiros de serviço, por outro lado, eles vislumbram tal prática relacionada ao cuidado. Significa dizer que para esses formandos a função gerencial pode ser considerada como gerência do cuidado, conforme expressam os depoimentos a seguir: 

(...) o estudo da população que ela atendia, ela realmente fazia, para saber as obrigações que ela deveria ou não estar realizando, eu acho que é uma gerência do cuidado mesmo não é tão uma gerência do serviço. (entrevistado 8)

Então eu acho que a função de uma enfermeira gerencial é cuidar indiretamente e dessa maneira promover um cuidado de forma organizada e eficiente. (entrevistado 2)

É muito positivo que esta percepção tenha sido alcançada pelos participantes, uma que a mesma pode apontar para a compreensão de que cuidado/assistência e gerência são práticas indissociáveis no cotidiano do trabalho do enfermeiro e que gerenciar é cuidar e quando planejam, organizam, avaliam e coordenam, eles também estão cuidando(6).

Como sabemos, o enfermeiro é responsável legalmente para assumir a atividade gerencial, a quem compete a coordenação da equipe de técnicos e auxiliares de enfermagem, a condução e viabilização do processo de cuidar, atentando para o direito da população à saúde integral, realizadas de forma digna, segura e ética como o princípio norteador de suas ações(12).

Além desse componente mais conceitual, estão presentes nos depoimentos dos formandos aspectos operacionais associados à função gerencial, como seguem:

Acho que fica também atenta à questão do consumo, do controle de materiais, de custos... (entrevistado 9)

...resolvendo questões do material, coisas mesmo do setor lá da clínica; (entrevistado 1)

solicitar material para o setor, mandar material para conserto, manutenção.... (entrevistado 6)

...administrar tanto os auxiliares como toda a equipe em todos os cantos hospitalar ou unidade básica. (entrevistado 1)

...fazia escalas, organizava distribuição de funcionários, resolvia pendências, cobrava os pontos dos funcionários,... (entrevistado 2)

...a conta do pessoal, a escala, o controle da frequência,... (entrevistado 5)

Importante observar que esses aspectos operacionais voltam-se mais para a dimensão burocrática e de controle dos espaços e das pessoas, assim como, para a organização do ambiente, favorecendo que o trabalho de todos seja efetuado, que “o serviço funcione”, concordando com os depoimentos que iniciam essa parte do trabalho. Assim, podemos dizer que para os formandos de enfermagem, participantes desse estudo, a função gerencial do enfermeiro volta-se fortemente para atender as exigências dos serviços de saúde. Podemos perguntar? Até que ponto tais exigências estão em consonância com as necessidades das pessoas, trabalhadores e usuários? Até que ponto o exercício dessa função presta-se ao cumprimento dos princípios defendidos nos processos de formação?

Naturalmente que não vamos responder a essas questões aqui, mas pretendemos que as mesmas sejam objeto de reflexão de professores e enfermeiros dos serviços de saúde, especialmente no sentido de se repensar o conflito existente entre gerência e cuidado, que pode ser, também, reflexo de uma modelagem ainda compartimentalizada e fragmentada de currículo(12). O conflito acima referido aparece com mais evidência no núcleo de sentido apresentado e discutido logo abaixo. 

Assistência e gerência: duas práticas dicotômicas

A visão fragmentada de que o trabalho de enfermagem, historicamente, envolve o espaço dos cuidados assistenciais e o de gerenciamento da assistência de enfermagem é hoje ultrapassada pela noção de integralidade e relações múltiplas interativas do fazer-pensar o cuidar - o educar - o gerenciar – e o investigar no trabalho de enfermagem(5).

Contudo, essa perspectiva integradora ainda não se constitui como prática efetiva no cotidiano do trabalho de enfermagem e do enfermeiro. Ainda persiste a prática dicotomizada entre o ato de gerenciar e o ato de cuidar/assistir, embora ambos sejam reconhecidos como fundamentais para o desenvolvimento da prática efetiva de enfermagem, assim como para sua visibilidade. Mais do que isso, ambos são essenciais para o exercício da enfermagem que pretende cumprir seu papel, ou seja, enfermagem como defensora dos direitos dos usuários e sua aliada na luta por serviços e práticas de saúde de qualidade e acessível a todos(7).

Essa prática dicotomizada, fragmentada, entre a gerência e a assistência foi observada pelos participantes do estudo, como atestam os depoimentos que seguem:

observei nas instituições onde fiz estágio extra, que o enfermeiro não podia realizar a assistência por falta de recursos humanos, aí ele se ocupa completamente com as gerenciais... (entrevistado 10)

(...) no estágio percebi que a enfermeira não se envolvia com assistência, puramente administradora, gerente... (entrevistado 2)

Vimos então, que os formandos percebem, a partir da observação da prática do trabalho das enfermeiras, a dicotomia entre gerenciar e cuidar/assistir. Essa realidade aponta para uma provável perspectiva das instituições empregadoras quanto à atuação dos enfermeiros, vendo nesses profissionais aqueles que realizam o papel de organizar o serviço e de se responsabilizar pela equipe que faz a assistência direta(12), reproduzindo  a divisão técnica do trabalho da enfermagem.

Esta forma de pensar e de agir nos serviços de saúde, com destaque para os serviços de enfermagem, continua sendo influenciado pela concepção taylorista. Como resultado, temos a ênfase no modo de atuar, de “como fazer”, nas tarefas divididas entre os profissionais (representadas pelas escalas diárias de distribuição de tarefas), na excessiva preocupação com os manuais de rotinas e normas, na fragmentação da assistência/cuidado, dentre outros. Nesse sentido, sobressai na equipe a preocupação em cumprir tarefas, em seguir normas e regras, sendo o desempenho avaliado pelo quantitativo de procedimentos realizados e/ou por quantidade de pessoas atendidas. Nesse modo de organização da prática de enfermagem, alguns profissionais assumem a assistência direta (técnicos e auxiliares de enfermagem) e o enfermeiro assume a responsabilidade pelo controle e supervisão do trabalho de enfermagem(13).

Quando se pensa na função gerencial do enfermeiro como sendo aquela em que o mesmo organiza o ambiente para que o trabalho multiprofissional seja realizado, mesmo nessa concepção espera-se que não haja separação ou distanciamento das duas funções: assistência e gerência.

Mesmo assumindo que o objeto de trabalho da administração em enfermagem não seja a assistência direta, ainda assim há de se concebê-la (a atenção direta) como uma finalidade desse trabalho(6),  o que as tornam (gerência e assistência direta) estritamente articuladas . É nessa direção que a percepção dos formandos aponta, como indicam os depoimentos abaixo:

eu acho que a enfermeira gerente não poderia deixar de ser assistente, porque eu acho que quando ela está gerenciando ela está cuidando indiretamente... (entrevistado 2)

...a função de uma enfermeira gerencial é cuidar indiretamente e dessa maneira ela promove um cuidado de forma organizada e eficiente. (entrevistado 2)

Nesse sentido, defendemos que a função gerencial do enfermeiro deve permitir a compreensão de que a mesma constitui-se como ferramenta indispensável ao processo mais global de assistir/cuidar. Mais do que isso, essa função deveria ter seu foco na qualidade da assistência/cuidado, visualizando-a como sua finalidade essencial, evitando, desse modo, a separação entre gerenciar e assistir/cuidar e, quem sabe, minimizando os conflitos existentes no trabalho do enfermeiro(6). Deveria, até mesmo, servir como instrumento de garantia da qualidade da assistência/cuidado.

Ensino dos conteúdos: muita teoria, pouca prática

A dicotomia entre teoria e prática tem sido alvo de permanente discussão tanto no campo do ensino como da assistência de enfermagem. Tal discussão muitas vezes assume o discurso de que essa dicotomia afeta o preparo para o mercado de trabalho. Defendemos que a discussão deve ir para além disso, uma vez que preparar para o mercado de trabalho não deve ser a finalidade dos processos de formação(14).

As novas e constantes demandas sociais exigem, de fato, permanentes revisões dos modos de operar, com destaque para o ensino. Nesse sentido, superar a dicotomia teoria prática continua sendo um grande desafio para os órgãos formadores. Uma das expressões dessa dicotomia é a desproporção entre as cargas teóricas destinadas a uma e outra nas propostas curriculares, as quais, em geral, privilegiam os aspectos teóricos. É o caso do curso em destaque nesse trabalho, como podemos observar nos seguintes depoimentos:

(...) é muita teoria. Muita coisa teórica, quando a gente chega na realidade... (entrevistado 10)

Eu acho que faltou prática, faltou prática de estágio... (entrevistado 3)

Acho que deveria existir mais prática, porque na verdade a gente viu teoria, eu achei que faltou um pouco mais... (entrevistado 7)

Vemos aqui então, que os participantes consideram que há um descompasso entre a teoria e a prática, na verdade pouca aplicação da teoria à prática, pelo fato de praticamente não se ter atividades práticas. Assim, quando os estudantes estão realizando o estágio obrigatório do último ano se vêem num mundo quase desconhecido, o do gerenciamento em enfermagem. Tal realidade em geral é explicada pela baixa quantidade de professores disponíveis para as disciplinas, o que gera uma relação professor aluno incompatível com a realização de práticas efetivas para todos os conteúdos.

Além da desarticulação teoria prática, os sujeitos da pesquisa apontam que há insuficiência de carga horária e distanciamento entre os momentos em que os conteúdos são ministrados e sua aplicação, cuja necessidade em geral aparece no estágio obrigatório.

(...) eu achei pouco, acho que deveria ter mais aulas sobre isso... (entrevistado 7)

(...) a gente teve poucas aulas em relação a isso... (entrevistado 12)

Acho que deveríamos ter visto coisas assim, mais específicas da gestão mesmo... (entrevistado 12)

(...) muito distante!... (entrevistado 10)

Mas assim, em si na disciplina, não houve uma ligação na disciplina 2° ano que deveria ter... (entrevistado 3)

Os depoimentos acima indicam que os formandos consideram que os conteúdos de cunho gerencial encontram-se distantes em se tratando de sua localização na matriz curricular, bem como, consideram insuficientes para as necessidades demandadas pelo mundo do trabalho.

De fato, como referimos anteriormente, a carga horária total expressamente destinada aos conteúdos de administração corresponde a 160 horas, representando em torno de 4% da carga horária total, aí incluídas 1000 horas destinadas ao estágio. Se excluirmos a carga horária relativa ao estágio, as horas destinadas aos conteúdos de administração giram em torno de 5,3%. Além disso, é importante frisar, parte considerável dessa carga horária é de natureza teórica, destinando-se pouco tempo para as atividades práticas. Sem dúvida isso parece apresentar-se desproporcional às exigências colocadas pelo efetivo exercício do enfermeiro, uma vez que grande parte, senão a maior parte de seu trabalho diz respeito à dimensão gerencial. Assim, esse dado merece, de fato, maior reflexão por parte do curso em questão. Arriscamos dizer que essa realidade não é exclusiva desse curso.

Como sabemos, as DCN não estabelecem cargas horárias para as funções específicas, porém norteiam as escolas formadoras de modo que produzam propostas pedagógicas capazes de formar enfermeiros que possam responder às exigências oriundas dos serviços de saúde e das necessidades de saúde da população(2).

 

CONCLUSÃO

Ao final deste trabalho, podemos concluir que a percepção dos formandos sobre a função gerencial do enfermeiro tem uma forte base na observação do trabalho do enfermeiro e menos na sua percepção em si. Percebem, ainda, que se trata de uma importante função que faz com os serviços funcionem, mas que não se apresenta em articulação direta com a assistência, apontando dicotomia entre as duas funções. A percepção dos formandos aponta, também, que o ensino dos conteúdos de administração apresenta distanciamento entre teoria e prática, baixa carga horária, o que pode gerar desproporcionalidade em relação às exigências do cotidiano do trabalho de enfermagem.

Embora não tenha sido objeto desse trabalho, observamos que os resultados apontam, também, que os graduandos parecem apresentar uma perspectiva tradicional e conservadora da função gerencial do enfermeiro, calcada no taylorismo, em que se valoriza a tarefa, o cumprimento de regras e normas e a fragmentação do trabalho. É importante questionar se e/ou em que medida a formação, no curso de graduação, exerce influência sobre essa percepção. Ou, ainda, até que ponto essa percepção sofre influência da experiência vivenciada no estágio obrigatório.

Considerando que as competências gerenciais permeiam todos os processos de trabalho do enfermeiro, cabe às escolas formadoras a responsabilidade de instrumentalizar o futuro profissional para o desenvolvimento de tais competências. Nesse contexto, sugere-se que o ensino se aproxime mais da prática, criando-se situações em que de fato ocorra o desenvolvimento das habilidades requeridas para o exercício desta função. Sugere-se, ainda, que as escolas reflitam sobre a carga horária destinada ao ensino desses conteúdos e o modo de operar tais conteúdos.

Os dados desse estudo revelam, mais do que nunca, que instrumentalizar o futuro profissional para o desenvolvimento de competências, em especial a competência gerencial, é um dos grandes desafios colocados para as escolas formadoras de enfermeiros. As reflexões aqui geradas deixam clara a necessidade de aprofundamento nas avaliações das escolas. Estudos realizados com egressos, por exemplo, poderiam ampliar esta avaliação e trazer a escola um painel concreto dos resultados do programa de ensino ofertado, pois é no cotidiano profissional que a formação é efetivamente consolidada.

 

REFERÊNCIAS

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Artigo recebido em 08/12/2010.

Aprovado para publicação em 14/03/2012.

Artigo publicado em 30/06/2012.

 

 

1 Artigo construído a partir da Monografia de Conclusão de Curso apresentada à Escola de Enfermagem e Farmácia da Universidade Federal de Alagoas, para obtenção do título de Bacharel em Enfermagem.

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