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Jornal de Pneumologia - Quality of life in chronic pulmonary diseases: conceptual and methodological aspects

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Jornal de Pneumologia

Print version ISSN 0102-3586

J. Pneumologia vol.26 no.4 São Paulo July/Aug. 2000

http://dx.doi.org/10.1590/S0102-35862000000400008 

PÓS-GRADUAÇÃO

 


Qualidade de vida em doenças pulmonares crônicas: aspectos conceituais e metodológicos*

ANA TERESA DE ABREU RAMOS-CERQUEIRA1, ANDRÉ LUIZ CREPALDI2

 

 

O presente artigo teve por objetivo rever aspectos relativos ao conceito de qualidade de vida, tendo em vista a relevância de estabelecer parâmetros que permitam avaliar esse aspecto, especialmente em pacientes com doenças crônicas. Essa análise considerou a qualidade de vida como um dos componentes essenciais do cuidado médico e indicou as precauções a serem tomadas na escolha de instrumentos de avaliação, que devem ser sensíveis e fidedignos às dimensões que se pretende avaliar


Quality of life in chronic pulmonary diseases: conceptual and methodological aspects

The present article purports to analyze aspects related to the concept of quality of life, taking into account the relevance of setting down parameters that allow for the evaluation of those aspects, especially in patients with chronic diseases. The analysis considered quality of life as one of the essential components of medical care, and pointed out the precautions that should be taken to choose instruments of evaluation, that should be sensitive and reliable to the dimensions they intend to evaluate.


Descritores ¾ qualidade de vida, doenças crônicas, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica
Key words ¾ quality of life, chronic diseases, asthma, chronic obstructive pulmonary disease

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho
DPOC ¾ Doença pulmonar obstrutiva crônica
SGRQ ¾ Saint George's Respiratory Questionnaire
CRQ ¾ Chronic Respiratory Questionnaire
AQLQ ¾ Asthma Quality of Life Questionnaire

 

 

Atualmente, o conceito de qualidade de vida vem adquirindo relevância e sendo amplamente debatido, embora existam citações de que Sócrates já fazia referência a esse conceito(1).

Com o avanço tecnológico do início deste século, criou-se a falsa expectativa de que a cura das doenças ou tratamentos eficientes e definitivos seriam uma realidade. Sob esta perspectiva, avaliar e medir qualidade de vida seria uma tarefa supérflua e sem utilidade prática.

Porém, apesar dos progressos da medicina, vem-se tornando claro que a maioria das doenças não é passível de cura e, mesmo que tratamentos eficientes estejam disponíveis, imperativos econômicos impedem sua aplicação universal.

Nesse contexto, muito se avançou em tratamentos capazes, sobretudo, de prolongar a vida. Porém, percebeu-se que aumentar quantitativamente a sobrevida dos pacientes nem sempre produzia um impacto qualitativo que garantisse uma recuperação significativa do seu estado físico, emocional e social. Assim, medir esse impacto passou a ser importante na seleção de tratamentos mais efetivos e, portanto, na distribuição de recursos e implementação de programas de saúde.

Nas últimas décadas, com o aumento da expectativa de vida e, conseqüentemente, da prevalência de doenças crônicas, e diante das evidências acima, houve a emergência do conceito de qualidade de vida relacionada à saúde, como um componente importante do cuidado médico.

Particularmente nas doenças pulmonares crônicas não específicas, a qualidade de vida nunca é uma mera conseqüência da sua gravidade: múltiplos fatores que se inter-relacionam estão envolvidos e, a despeito da introdução de novas modalidades de tratamento, são responsáveis por um considerável e crescente aumento na morbimortalidade em países ocidentais. Os pacientes usam diferentes estratégias de ajustamento às diferentes fases da doença e muitos permanecem bastante limitados, mesmo com a melhora dos índices de função pulmonar(2).

A possibilidade de modificação da qualidade de vida, através da intervenção clínica, tem levado à ampliação dos objetivos do tratamento das doenças pulmonares para além da melhora da função do órgão, procurando atuar também na recuperação dos prejuízos funcionais que têm importância indiscutível para o bem-estar dos pacientes(3).

Este artigo procurará discutir o conceito de qualidade de vida, aspectos metodológicos de sua avaliação e sua aplicabilidade em Pneumologia, especificamente em asma e DPOC.

 

CONCEITO

Embora seja consensual a importância de medir qualidade de vida na avaliação e seleção de tratamentos, na prática isto tem ocorrido com muito pouca freqüência(4).

Tal fato se deve à falta de uma definição clara e unânime do conceito, levando à atribuição de diferentes significados ao termo, e à pouca informação sobre os instrumentos de avaliação disponíveis, o que tem gerado desacordo sobre os métodos mais apropriados para sua medida(4).

Assim, os especialistas no assunto têm trabalhado com o conceito de qualidade de vida geral, enquanto os profissionais das áreas biológicas utilizam-no relacionado especificamente aos prejuízos decorrentes de doenças físicas, a chamada qualidade de vida relacionada à saúde. De uma perspectiva epidemiológica, como não há especificidade do conceito, tornando difícil sua avaliação, as pesquisas na área têm baixa sensibilidade e são dispendiosas(5).

Para alguns autores, o termo deveria ser abandonado, pois, além de pouco preciso, ter-se-ia tornado instrumento de propaganda política(6).

A falta de clareza na definição é tão acentuada que Campbell, citado por Cella e Tulsky(4), descreveu-a como "uma vaga e etérea entidade, algo sobre o que muitas pessoas falam, mas que ninguém sabe ao certo o que fazer com ela". Miettinem(5) lembra que, na Conferência de Portugal sobre qualidade de vida, em 1987, em nenhum momento foi apresentada uma definição clara do conceito.

Todavia, outros autores têm sido mais otimistas, mas cada qual abordando a questão sob o prisma da sua área, com diferentes objetivos. Encontram-se, assim, definições mais teóricas, de base filosófica de um lado, e definições mais operacionais de outro(4,6-9).

Allison et al.(7) discutem o dinamismo do constructo, ou seja, as mudanças internas e pessoais de padrões a partir dos quais cada indivíduo percebe sua qualidade de vida. Isto decorreria de fenômenos psicológicos como adaptação à doença, estratégias de enfrentamento (coping) e auto-imagem, além de outros componentes afetivos e cognitivos. Para tornar possível a avaliação dessas mudanças, os instrumentos de medida deveriam ser totalmente particularizados, o que os inviabilizaria metodologicamente. Apesar disso, alguns autores propõem que pelo menos uma parte dos questionários seja individualizada, permitindo aos pacientes escolher, a partir de uma lista de questões, aquelas que mais se relacionariam ao seu caso, ou acrescentar itens que julgassem necessários às diversas dimensões. Ainda assim, poderia haver problemas metodológicos importantes, que serão discutidos adiante.

Cohen(1) discute de maneira interessante o conceito, ao propor que se considere como um parâmetro de qualidade de vida o quanto uma determinada doença limita a execução de projetos de vida. Para tanto, tais projetos deveriam ser conhecidos, ressaltando que tal abordagem não é necessariamente subjetiva, mas individualizada. No entanto, esta visão tem sua aplicabilidade prática limitada.

Cohen(1) salienta ainda que, embora se almejem medidas objetivas, generalizáveis para todos os indivíduos, em muitas situações elas dependerão do relato subjetivo do paciente, como, por exemplo, no caso de dor.

Para Cella e Tulsky(4), qualidade de vida refere-se à avaliação pelo indivíduo da satisfação com seu nível de funcionamento, quando este é comparado com o que considera como ideal. Como esta definição envolve aspectos subjetivos, seria importante obter uma avaliação da extensão da disfunção existente e de como esta geraria expectativas. Esse procedimento ratificaria o relato do paciente sobre a disfunção real e a sua tolerabilidade a esta. Assim, alguns indivíduos com disfunções reais mínimas poderiam estar muito insatisfeitos, enquanto outros seriam capazes de tolerar comprometimentos mais graves.

Albrecht e Devlieger(10) estudaram 153 pessoas da comunidade com limitações físicas significativas (dentre as quais algumas com DPOC), reconhecidas por elas como tais, e avaliaram-nas segundo aspectos sociodemográficos e quanto à sua percepção de qualidade de vida. Às que a referiram como excelente ou boa (53,4% contra 80 a 85% das pessoas sem limitações ¾ dados estes de outro estudo citado pelo autor) foi colocado que a opinião pública e os profissionais de saúde consideravam-nas com qualidade de vida insatisfatória. Essas pessoas explicaram seu bem-estar em termos do reconhecimento da limitação, do controle do corpo e da mente, da capacidade de desempenhar papéis esperados delas, de sentirem-se capazes, de terem uma crença, perspectivas, e de terem uma rede de relacionamentos sociais e afetivos estáveis.

Dentre os que relataram qualidade de vida ruim ou péssima, encontravam-se portadores de alterações cognitivas e de comunicação, de comprometimentos inaparentes, de dor e fadiga crônicas. A vivência da perda de controle sobre as atividades físicas e mentais, de quadros dolorosos, ausência de crenças e de projetos de vida claros, a falta de energia e esperança explicariam a percepção de pior qualidade de vida(10).

Dimenäs et al.(8) propõem um modelo de qualidade de vida baseado em três aspectos: bem-estar, saúde e fatores externos. Bem-estar referindo-se a uma percepção subjetiva, baseada em valores e crenças individuais. Incluiria componentes como felicidade, satisfação e afetos. Saúde seria a dimensão mais importante e incluiria a presença objetiva de doença e o impacto subjetivo dos sintomas. Os fatores externos seriam os indicadores sociais e representariam o aspecto objetivo desta definição. No entanto, como pode haver fraca correlação entre o indicador social objetivo e como o indivíduo o percebe, este componente tem seu valor reduzido em relação aos demais, se utilizado isoladamente na avaliação da qualidade de vida.

Wilson e Cleary(9) propuseram cinco dimensões para avaliação de saúde e estabeleceram relações específicas entre elas, associando variáveis clínicas a medidas de qualidade de vida. Desta maneira, fatores biológicos e fisiológicos determinariam os sintomas, que influenciariam o funcionamento do indivíduo, que por sua vez determinaria a avaliação de sua saúde (no seu conceito mais amplo, não como mera ausência de doença) e, conseqüentemente, de qualidade de vida. Em todos esses níveis, que seriam multirrelacionáveis, também estariam envolvidas características individuais (personalidade, valores) e ambientais (suporte psicossocial e econômico).

Segundo os autores, este modelo facilitaria a compreensão das associações entre parâmetros clínicos e qualidade de vida e seria útil na formulação de estratégias para melhorá-la, bem como melhorar o estado funcional, requerendo não só a identificação dos fatores-chave que os determinariam, mas também sua importância relativa e o grau em que poderiam ser modificados(9).

Para Jones(6), qualidade de vida poderia ser entendida, do ponto de vista prático, como a quantificação do impacto da doença na vida diária e no bem-estar do paciente de maneira formal e padronizada. Reconhece que a necessidade de padronização tem sido a maior dificuldade nessa área e aponta que, como tem sido argumentado, qualidade de vida tem caráter individual. Assim, não poderia ser quantificada de maneira padronizada, porque os indivíduos não seriam uniformes e, conseqüentemente, não poderia ser usada uma pontuação como medida válida do impacto da doença nos grupos de pacientes.

Embora Jones(6) considere que esses argumentos poderiam ser válidos, segundo ele, a conclusão não estaria correta. Sugere que, se um questionário não puder fornecer uma estimativa exata de qualidade de vida do paciente, poderia, pelo menos, promover uma estimativa confiável da qualidade de vida da população à qual pertence. Conclui, portanto, que uma medida obtida por questionários adequadamente desenvolvidos e validados não seria diferente de nenhuma outra medida em medicina, como, por exemplo, os valores normais de espirometria.

Qualidade de vida, assim como a sobrevida, é um objetivo importante dos profissionais de saúde. Além disso, pode ser um determinante da própria ocorrência de doenças(5). Embora haja esforços, não existe uma definição de qualidade de vida plenamente satisfatória (seria possível?) que leve em conta os aspectos subjetivos inerentes a todos os fenômenos humanos individuais e, ao mesmo tempo, seja passível de mensuração e padronização, garantindo-lhe aplicabilidade e consistência científicas.

 

ASPECTOS METODOLÓGICOS GERAIS

Nos Estados Unidos, para que a Food and Drug Administration (FDA) aprove um novo tratamento contra o câncer, este deve satisfazer dois critérios: melhorar significativamente a sobrevida e a qualidade de vida dos pacientes(4). Portanto, apesar da discussão conceitual acerca do tema, a importância de avaliar qualidade de vida já não suscita dúvidas. Contudo, esta não é uma tarefa simples e alguns cuidados devem ser tomados quando se deseja executá-la.

Um primeiro e importante passo é a seleção dos pacientes e das dimensões que se pretende medir, devendo levar em conta tanto as características da população a ser estudada, como o objetivo da pesquisa. O passo seguinte seria a escolha de um instrumento de medida(4). Os disponíveis variam em estrutura, modo de aplicação, tempo de administração e propriedades psicométricas, quesitos que devem ser analisados criticamente para garantir sua funcionalidade, a longo prazo, na pesquisa. Disponibilidade de recursos humanos adequadamente treinados, espaço físico, materiais e tempo para desenvolvimento do projeto devem ser definidos antes do seu início. As escalas costumam ser divididas em dimensões, ou seja, as áreas de funcionamento do indivíduo que podem influenciar a percepção de sua saúde e de sua qualidade de vida. Segundo alguns autores(4), escalas com várias dimensões, embora de aplicação mais complexa, teriam maior sensibilidade e confiabilidade para estudos de qualidade de vida em doenças específicas do que aquelas que utilizam questões mais genéricas. O número e o tipo de dimensões avaliadas variam amplamente em cada estudo. Cella e Tulsky(4), revendo mais de 30 nomes atribuídos às dimensões estudadas em vários trabalhos, selecionaram dez ¾ que poderiam abranger: aspectos físicos (sintomas), aspectos psicológicos, funcionamento social, funcionamento ocupacional, suporte familiar, habilidades físicas, sexualidade, espiritualidade, projetos de vida e satisfação com o tratamento (incluindo aspecto financeiro) ¾ e propuseram que o termo qualidade de vida só fosse aplicado se pelo menos três destas fossem incluídas.

Tratando-se de um conceito subjetivo e dinâmico, sua avaliação deve ser feita pelo próprio paciente e ser sensível a mudanças ao longo do tempo. Informações obtidas de um observador externo geralmente têm fraca correlação com a percepção do próprio indivíduo e, portanto, seriam menos confiáveis como dado de qualidade de vida(4).

Apesar disso, se optar-se pelo uso de um questionário, uma medida prudente seria a complementação dos dados obtidos com uma entrevista, porque se tem sugerido que entrevistas com perguntas abertas obtêm informações mais precisas do que questionários com perguntas fechadas. De qualquer maneira, para a realidade sociocultural da população brasileira, o uso de questionários auto-aplicáveis parece ser inviável. As desvantagens da entrevista aberta seriam o seu alto custo e a dificuldade de análise; entretanto, a riqueza de informações obtidas não seria suplantada por nenhum outro método(4).

A maioria dos autores sugere o uso de escalas com no máximo 50 itens, que sejam consistentes com os procedimentos terapêuticos da instituição e que requeiram menos de 15 minutos para ser preenchidos. A escolha de um instrumento já validado e de boa confiabilidade traz o risco de se excluírem questões importantes relacionadas ao foco do estudo. Diante disso, propõe-se a complementação da escala escolhida com itens relevantes e específicos à pesquisa em tela, mas com a precaução de mantê-los separados durante a análise dos resultados, pois, do contrário, a integridade psicométrica do teste poderia estar comprometida. Modificações poderiam ser feitas, desde que fossem discutidas previamente com o autor, e validadas após aplicação em novas amostras(4).

Muitas vezes é necessária a adaptação da escala ao contexto cultural da população estudada, pois a percepção de tempo, o significado atribuído aos sintomas e o curso das doenças podem variar significativamente de uma cultura para outra e em diferentes classes sociais dentro de uma mesma cultura(12).

Outro ponto importante é o tempo ao qual a escala se refere, que deveria ser de aproximadamente uma a duas semanas, visto que períodos superiores poderiam levar a um viés de memória de evocação. Problema idêntico ocorreria em estudos cuja definição de qualidade de vida implicasse comparação com o padrão anterior de funcionamento(4).

Contudo, a seleção criteriosa da escala não excluiria a necessidade de várias áreas serem consideradas, especialmente quando se avalia tratamento. Nestes casos, medidas múltiplas são preferíveis às simples, pois a análise de variáveis periféricas poderia fornecer informações úteis quando a pesquisa produz resultados negativos(4).

Em medicina, a avaliação da qualidade de vida deve ser, conceitualmente, específica à condição clínica estudada e as escalas empíricas devem ter igualmente esta especificidade. Embora a pesquisa nessa área venha sendo desenvolvida com êxito, a construção dessas escalas permanece como um desafio(5).

 

QUALIDADE DE VIDA EM ASMA E DPOC

Os dados de qualidade de vida têm sido utilizados em Pneumologia na avaliação de tratamentos e de programas de reabilitação principalmente em asma e DPOC(12-16) e, para isso, vários instrumentos vêm sendo desenvolvidos e validados(17-23) (Tabela 1), inclusive no Brasil(24).

Independentemente do instrumento e da definição utilizados, constata-se que essas doenças sempre prejudicam a qualidade de vida. No entanto, o número de variáveis utilizadas, a inconsistência dos achados e o uso de diferentes definições tornam incerta a importância de variáveis específicas. Além disso, variáveis que comprovadamente influenciam a qualidade de vida não têm sido incluídas em estudos com doenças pulmonares(25).

Ketalaars et al.(2) estudaram os determinantes da qualidade de vida em 126 pacientes de 40 a 80 anos, com DPOC grave, utilizando o SGRQ. Concluíram que dados sociodemográficos e econômicos não se correlacionaram com os componentes de qualidade de vida. A explicação para isto seria o fato de que esses pacientes se ajustariam às perdas psicossociais e, como eram na maioria idosos, teriam desenvolvido novas atitudes e adequado seu estilo de vida às limitações decorrentes da doença, encarando-as como conseqüência natural da idade. Contudo, referem que outros autores têm encontrado relação positiva entre padrão socioeconômico, idade e qualidade de vida(2).

Anderson(25) testou a hipótese de que fatores sociodemográficos e aqueles próprios da doença teriam apenas efeitos indiretos sobre a qualidade de vida de pacientes com DPOC e que esta resultaria da influência de variáveis mediadoras como depressão, ansiedade, auto-estima, otimismo e suporte social. Os resultados sugeriram que apenas depressão tem impacto negativo significante sobre qualidade de vida. O estado funcional e a gravidade da doença teriam efeito importante, mas apenas indireto. Aquele exerceria seus efeitos através da depressão e da auto-estima, enquanto esta, através do estado funcional e da dispnéia, via depressão. Tais dados reafirmam a influência da auto-estima na percepção de qualidade de vida em doenças crônicas e levantam questões interessantes sobre a cronologia dos eventos. Por exemplo, um estado funcional ruim levaria à depressão que, por sua vez, promoveria uma pior percepção de qualidade de vida? Ou a depressão apenas pioraria uma qualidade de vida ruim por diminuir ainda mais o padrão funcional? Um bom padrão funcional contribuiria para uma auto-imagem mais positiva, ou esta melhoraria a percepção do funcionamento(25)?

Os estudos têm observado altos índices de ansiedade e depressão nesses pacientes, bem como diminuição do desempenho cognitivo, esta particularmente nos portadores de DPOC(2,14). Tem-se sugerido que as mudanças no humor resultam da autopercepção negativa e do prejuízo funcional, os quais se relacionam diretamente com a diminuição da capacidade física(2,14). Em pacientes com asma, a sensibilidade a estímulos ambientais como alérgenos, mudanças de temperatura, fumaça de cigarro e cheiros fortes também representa uma fonte importante de ansiedade(3).

O impacto do prejuízo nas atividades diárias e domésticas é significativamente maior em pacientes idosos e com DPOC(22,23). Já em outro estudo, realizado com pacientes portadores desta doença, Osman et al.(16) concluíram que indivíduos mais jovens e do sexo feminino exibiam mais sofrimento e limitação física do que indivíduos mais velhos do sexo masculino, com o mesmo nível de sintomas. Juniper(3) cita que resultados semelhantes foram encontrados em pacientes com asma, entre os quais as mulheres relatavam pior qualidade de vida do que os homens, assim como os portadores de asma ocupacional em relação aos demais portadores da doença.

Outros achados relativos à associação de variáveis ligadas aos próprios pacientes indicam que ser portador de asma grave associou-se a pior qualidade de vida e a maior risco de dificuldades no emprego(26).

Alguns autores indicam que as estratégias de enfrentamento (coping) têm influência significativa no modo como os pacientes vivenciarão as limitações nas suas atividades diárias(2,7). Coping, traduzido em nosso meio como estratégias de enfrentamento, foi definido por Folkman e Lazarus(27) como "esforços cognitivos e comportamentais, que mudam constantemente, usados para enfrentar exigências externas e/ou internas específicas, que ameaçam ou ultrapassam os recursos emocionais do indivíduo".

Sugere-se que as estratégias racionais (conhecer mais sobre a doença, seguir uma meta) têm-se mostrado mais eficazes na garantia de uma percepção mais positiva de qualidade de vida, quando comparadas com as estratégias evitativas (negar a doença, agir como se ela não existisse) e emocionais (culpar-se, culpar outras pessoas)(2).

Eakin e Glasgow(28) estudaram os fatores relacionados ao autocuidado (uso correto da medicação, parar de fumar, etc.) em pacientes com DPOC. Concluíram que o reconhecimento da importância desses cuidados e o recebimento dessas orientações através da equipe de saúde são fatores determinantes do grau em que os pacientes irão aderir às propostas terapêuticas. Não há, portanto, dúvidas de que as estratégias de enfrentamento utilizadas pelo indivíduo exercem um papel relevante na adesão ao tratamento.

Com relação à utilização de parâmetros de qualidade de vida para avaliar programas de reabilitação em asma e DPOC, vários estudos têm sido realizados. Wijkstra et al.(13) desenvolveram um programa de reabilitação e investigaram seus efeitos sobre a qualidade de vida, função pulmonar e tolerância ao exercício em pacientes com DPOC. Estudaram 423 pacientes com a doença grave, mas controlada. Destes, 28 foram submetidos aleatoriamente ao programa, cuja duração foi de 12 semanas. Os 15 restantes formaram o grupo controle. Houve uma melhora significativa na qualidade de vida, medida através do CRQ, no grupo submetido à reabilitação. A tolerância ao exercício também apresentou melhora importante quando comparada com a do grupo controle, mas não se correlacionou com a melhora na qualidade de vida. Isto porque, segundo os autores, os efeitos positivos sobre a qualidade de vida decorrem do resultado global do programa e não de aspectos específicos. Os índices de função pulmonar não sofreram modificações significativas nos dois grupos. Entretanto, os autores chamam a atenção para o fato de que a qualidade de vida foi avaliada apenas imediatamente após o programa e, por isso, não se pode predizer a duração desses benefícios(13).

Emery et al.(14), testando os efeitos de um programa de reabilitação sobre o funcionamento fisiológico, psicológico e cognitivo de pacientes idosos com DPOC, encontraram melhora nos índices de função pulmonar, da capacidade física e funcional e no bem-estar psíquico desses indivíduos. A melhora na função do órgão, inconsistente com a maioria dos estudos, seria explicada pela otimização do uso de medicações como resultado de uma atenção médica mais incisiva e pela maior familiaridade dos pacientes com os equipamentos de medida. A melhora do bem-estar psíquico decorreria da diminuição da ansiedade e dos sintomas depressivos e da melhora do funcionamento cognitivo. No entanto, como os autores alertam, esta pesquisa não possuía um grupo controle e os participantes eram voluntários e, por isso, mais motivados a participar do programa(14).

Num artigo recente, Cambach et al.(15) realizaram a metanálise de estudos publicados nos últimos 45 anos e concluíram que os programas de reabilitação em asma e DPOC promovem melhora na capacidade física e na qualidade de vida dos pacientes.

Osman et al.(16) avaliaram 266 pacientes admitidos em serviços de emergência por agudização de DPOC, segundo: qualidade de vida, dados espirométricos, uso de inalador e oxigenioterapia domiciliar. Seguiram-nos por 12 meses e, após reavaliação, separaram-nos em dois grupos: os que foram readmitidos ou morreram nesse período, e os que não o foram. Os demais haviam morrido de causa não relacionada à doença ou não foi possível a reavaliação. Pretendiam testar se a percepção negativa da qualidade de vida foi um fator de risco para re-hospitalização. Os resultados deste estudo mostraram que os pacientes com pior qualidade de vida foram os de maior risco para reinternação. Além disso, utilizaram mais os recursos de saúde e foram mais vezes encaminhados ao pneumologista. Dados de espirometria, sociodemográficos e tabagismo ativo não se correlacionaram com o risco de re-hospitalização. Nesses pacientes, cujo prejuízo fisiológico era importante, diferenças com relação à qualidade de vida correlacionaram-se mais significativamente com as decisões clínicas e com a utilização de recursos médicos do que diferenças na função pulmonar(16).

Os dados de qualidade de vida têm-se mostrado muito úteis na avaliação do sucesso de intervenções em pacientes com asma e DPOC e têm sugerido que os objetivos principais dessas intervenções deveriam ser a melhora do desempenho físico e o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento mais adequadas(2,16).

Os relatos descritos reforçam a importância da proposta de incluir a análise de variáveis sociais e psicológicas no atendimento médico, as quais, de forma especial, devem ser consideradas nos pacientes com doenças crônicas, pois interferem na sua percepção de qualidade de vida. A metodologia para estudar qualidade de vida, como componente indissociável do cuidado médico, precisa ser aprimorada, tanto no que se refere à determinação das dimensões a serem avaliadas em cada doença, como na adaptação ou construção de instrumentos adequados à população brasileira.

 

REFERÊNCIAS

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* Trabalho realizado no Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu ¾ Unesp.

1. Psicóloga; Profª Assistente Doutora.

2. Médico-residente em Psiquiatria.

Endereço para correspondência ¾ Ana Teresa de Abreu Ramos-Cerqueira, Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu ¾ Unesp, Distrito de Rubião Jr., S/N ¾ 18600-000 ¾ Botucatu, SP. Tel.: (14) 6802-6260; E-mail: ateresa@fmb.unesp.br