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Revista Eletrônica de Enfermagem
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Artigo Original
 

Martins JJ, Nascimento ERP, Geremias CK, Schneider DG, Schweitzer G, Mattioli Neto H. O acolhimento à família na Unidade de Terapia Intensiva: conhecimento de uma equipe multiprofissional. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2008;10(4):1091-101. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n4/v10n4a22.htm.

 

O acolhimento à família na Unidade de Terapia Intensiva: conhecimento de uma equipe multiprofissional

 

Family embracement in the Intensive Care Unit: the knowledge of a multiprofessional team

 

Acogiendo a la familia en la Unidad de Cuidados Intensivos: conocimiento de un equipo multiprofesional

 

 

Josiane de Jesus MartinsI , Eliane Regina Pereira do NascimentoII, Cláudia Koch GeremiasIII, Dulcineia Ghizoni SchneiderVI, Gabriela SchweitzerV, Hilário Mattioli NetoVI

I Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Grupo de Pesquisa GEPADES/PEN/UFSC. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Membro do Núcleo de Pesquisa em Educação e Assistência de Enfermagem NUPEn/UNISUL. Coordenadora da pesquisa. E-mail: josiane.jesus@gmail.com.

II Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta e Sub-Chefe do Departamento de Enfermagem da UFSC. Membro do Grupo de Pesquisa GIATE/PEN/UFSC. Colaboradora da Pesquisa. E-mail: pongopam@terra.com.br.

III Técnica de enfermagem do HU/UFSC. Aluna da nona fase do Curso de Graduação em Enfermagem da UNISUL. Pesquisadora. E-mail: claudinha.geremias@gmail.com.

IV Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Grupo de Pesquisa NEFIS/PEN/UFSC. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Líder do Núcleo de Pesquisa em Educação e Assistência de Enfermagem NUPEn/UNISUL. Colaboradora da Pesquisa. E-mail: dulcigs@matrix.com.br.

V Especialista em Terapia Intensiva. Enfermeira do Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (HU/UFSC) e Enfermeira Terrestre e Aérea do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU/SC). Membro do Grupo de Pesquisa GIATE/PEN/UFSC. Colaborou na coleta e análise dos dados. E-mail: gabyschw@hotmail.com.

VI Enfermeiro da UTI do HU/UFSC e da UTI do HNR. Especialista em Emergência e Terapia Intensiva. Colaborador da pesquisa. E-mail: hhyl@ig.com.br.

 

 


RESUMO

Estudo exploratório descritivo, de abordagem qualitativa, que objetivou investigar o conhecimento dos profissionais de saúde de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) sobre o acolhimento à família. Foi realizado entre os meses de setembro a novembro de 2007 em uma UTI localizada na região Sul do país, com a participação de profissionais de enfermagem, médicos, assistente social e auxiliar administrativo. Os dados foram coletados através de entrevista e, para a análise, adotou-se o referencial metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), sendo identificados como temas centrais: significado da família; cuidado à família; dificuldades para cuidar da família; significado de acolhimento. Evidenciou-se que a percepção dos participantes a respeito da família vai além de laços de consangüinidade, que o cuidado à família se dá através de informações e orientações; que as dificuldades para o cuidado à família estão relacionadas ao medo do envolvimento e ao despreparo; que o acolhimento é entendido como proximidade, cuidar o outro como a si próprio, e ser receptivo. Os resultados apontam para a valorização do acolhimento à família como uma tecnologia de cuidado relevante para a prática em UTI, porém existe a necessidade de capacitação dos profissionais.

Palavras chave: Acolhimento; Unidade de Terapia Intensiva; Enfermagem; Família; Trabalhadores.  


ABSTRACT

This exploratory descriptive study used a qualitative approach, and had the purpose to learn about the knowledge of ICU health professionals regarding family embracement. This study was performed between September and November 2007 at an ICU in southern Brazil with nursing professionals, physicians, a social worker, and an administrative employee. Data was collected through interviews, and the analysis was performed based on the Discourse of the Collective Subject (DCS). The following central themes were identified: meaning of family; family care; difficulties to take care of the family; meaning of embracement. It was evidenced that the participants’ perception about family surpasses consanguinity, that family care takes place through information and guidance; that the difficulties to take care of the family are associated with the fear of attachment and lack of preparation; that embracement is understood as proximity, taking care of the other as of your own self, and being receptive. The results point at valuing family embracement as a health care technology relevant to ICU practice; however, there is a need for professional training.

Key words: User Embracement; Intensive Care Units; Nursing; Family; Workers.


RESUMEN

Estudio exploratorio descriptivo y cualitativo. El objetivo fue investigar el conocimiento de los profesionales de salud de una UCI sobre la acogida dada a la familia. Realizado en los meses de setiembre a noviembre del 2007 en una UCI, localizada al sur, con la participación de profesionales de enfermería, médicos, asistentes sociales y auxiliares administrativos. Datos recolectados por entrevistas. Se utilizó para el análisis el referencial metodológico del Discurso del Sujeto Colectivo (DSC). Temas centrales identificados: significado de la familia, cuidado a la familia, dificultades para cuidar de la familia, significado de acogida. La percepción de los participantes con relación a la familia, va más allá de lazos de consanguinidad, siendo que el cuidado se da a través de informaciones y orientaciones, las dificultades para el cuidado están relacionadas al miedo de involucrarse y a la falta de preparación, la acogida es entendida como proximidad, cuidar al otro como a sí mismo y ser receptivo.

Palabras clave: Acogimiento; Unidades de Terapia Intensiva; Enfermería; Familia; Trabajadores.


 

 

INTRODUÇÃO

A hospitalização em UTI ocorre, geralmente, de forma aguda e inadvertida, restando pouco tempo para o ajustamento familiar. Diante dessa situação estressante, os familiares podem se sentir desorganizados, desamparados e com dificuldades para se mobilizarem(1).

Nesse momento, a equipe tem papel fundamental no apoio ao familiar. É importante que perceba as diversas formas como a família pode reagir à nova situação e de que modo a enfrenta. Os sentimentos e os comportamentos da família estão baseados numa série de valores, tais como: a percepção prévia de hospital e da UTI; a gravidade da situação do doente; a confiança ou não nos trabalhadores de saúde que cuidam de seu ente e que fornecem as informações; os seus aspectos culturais e a maneira que ocorrem as suas relações com os trabalhadores(2).

As Políticas de Saúde, em especial a Política Nacional de Humanização (PNH), enfatizam a necessidade de que o cuidado oferecido ao usuário realmente vá além do cuidado técnico, dos procedimentos, do conhecimento científico.

O termo acolhimento está muito em voga na atualidade, principalmente no âmbito hospitalar, em especial após a implantação da PNH. Tal Política visa à melhoria da qualidade da assistência em saúde aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Para a efetivação dessa política, o acolhimento aos usuários é uma ferramenta tecnológica que deve ser utilizada em virtude das possibilidades de ampliação e efetivação do cuidado humanizado, pois preconiza o encontro, a escuta, o vínculo e o respeito às diferenças entre trabalhadores da saúde e usuários(3).

Acolhimento é atender a todos que procuram os serviços de saúde, ouvindo seus pedidos e assumindo no serviço uma postura capaz de acolher, escutar e compactuar, dando respostas mais adequadas às necessidades dos usuários hospitalizados e de seus familiares, sendo estes considerados os indivíduos que necessitam de cuidados em saúde no cenário hospitalar.

Atitudes como o diálogo, a escuta, a presença, a co-responsabilidade, o comprometimento, a valorização do outro, o compartilhar experiências são ingredientes básicos para efetivar o acolhimento. Estes são, no entanto, pouco presente no cotidiano de trabalho dos profissionais nos vários serviços de saúde, em especial nas UTIs.

Essas unidades se caracterizam como ambientes de cuidado e tratamento de alta complexidade e estresse, devido às condições dos pacientes, normalmente críticas, e à intensa atividade dos profissionais, aliada à diversidade de tecnologias duras. Por causa das suas características, as UTIs são indispensáveis para preservar a vida dos pacientes internados, porém, muitas vezes, colaboram para o aumento do estresse e desequilíbrio das relações humanas, tanto da equipe como dos familiares e pacientes(4).

A família atua como unidade de saúde para seus membros, ou seja, ela tem um referencial para compreender e atuar nas diferentes situações de saúde e doença(5). Isso justifica por que o familiar não pode ser visto apenas como aquele que deve cumprir as determinações dos profissionais de saúde. Ele também deve assumir a responsabilidade pela saúde do seu familiar doente e, para isso, precisa ser ouvido em suas necessidades, devendo ser igualmente cuidado(6).

Com base nas diretrizes da PNH e em nossa prática assistencial, podemos afirmar que a família vem sendo incluída nos serviços de saúde, como foco de cuidado e com importante participação no processo de tratamento/recuperação do paciente, em especial, os hospitalizados, ainda que de forma incipiente. A esse respeito alguns autores(7) relatam que a presença de um membro da família acompanhando o paciente em unidades de internação está cada vez mais freqüente, tanto em maternidades quanto no âmbito da assistência à criança e ao adolescente. Mais recentemente, com a aprovação do Estatuto do Idoso, isso está sendo uma realidade também nesta faixa etária.

Assim, algumas UTIs começam a abrir suas portas para a entrada da família e a permanência destas por maior tempo nesse setor, em especial as UTIs pediátricas. No entanto, essa abertura à família é frágil, talvez em virtude, dentre outros fatores, do pouco preparo dos trabalhadores que atuam nas UTIs para o atendimento a essa clientela, aliado a uma rotina complexa, que muitas vezes faz com que os profissionais da saúde ignorem ou deixem de utilizar em suas ações atos como o tocar, conversar, ouvir, em detrimento da demanda de atividades que necessitam realizar (1-2,6).

Mesmo contribuindo para o atendimento ao paciente e dando segurança aos profissionais de saúde, a visão tecnicista favorece o distanciamento, a indiferença, a incompreensão e a insensibilidade das relações humanas, conduzindo ao predomínio de uma forma racional de cuidar. Os pacientes apontam que as técnicas e ações de enfermagem precisam de requisitos como amor, carinho, conversa, orientação e informação para caracterizar como cuidado e não apenas obrigação(8).

Nesse aspecto, no cotidiano da UTI, observamos que a equipe de saúde utiliza maior tempo em desenvolver suas habilidades técnicas (tecnologia dura) e cognitivas (tecnologia leve-dura) e pouco tempo para a utilização das tecnologias das relações, como o acolhimento, com o paciente e menos ainda com a família.

Em um estudo sobre o significado cultural do cuidado em UTI, a pesquisadora observou que o relacionamento da equipe de enfermagem com os familiares foi formal, burocrático e, sobretudo, despersonalizado; constatou que o diálogo com a família foi superficial, que os profissionais evitavam o contato com os familiares(9).

Nesse cenário, a família se percebe doente, pela desestruturação holística, causada pela vivência do risco iminente da perda, a sensação de impotência diante da doença, o sentimento de culpa, a impossibilidade de manter suas tarefas diárias e tantas outras modificações que a doença e a hospitalização acarretam no seu cotidiano(10). Por outro lado, a equipe acaba por não perceber a necessidade do acolhimento ao familiar, que muitas vezes entra e sai da UTI, no horário de visita, sem receber a atenção que necessita para o enfrentamento da situação crítica de saúde do seu familiar.

Muitas são as necessidades presentes nos familiares e não percebidas e/ou atendidas pelos trabalhadores de saúde da UTI, ocasionando, dessa forma, o não-acolhimento. Em um estudo(1) realizado sobre as necessidades de familiares de pacientes na UTI, as de maior destaque estavam relacionadas à segurança, à informação e à proximidade. Entre as necessidades mais referidas estavam: ver o paciente freqüentemente; sentir que os funcionários do hospital se interessam pelo paciente; receber explicações que possam ser compreendidas; ter perguntas respondidas com franqueza; ser informado sobre o que fazer quando estiver ao lado do paciente; sentir ser aceito pelas pessoas do quadro de trabalhadores do hospital.

A informação adequada, honesta e uniforme é de vital importância para evitar e diminuir os fatores estressantes, tanto para o paciente quanto para a família. A falta de divulgação da informação para os familiares sobre as reais condições do paciente e sobre as estratégias diagnósticas e terapêuticas utilizadas é queixa freqüentemente elaborada por eles. A informação deve ser fornecida aos poucos e repetida várias vezes ao dia, sempre com o mesmo enfoque. É necessário um perfeito alinhamento do fluxo de informações que vão da equipe para os familiares, para eliminar-se o fator confusão como elemento de estresse(11).

A tecnologia do acolhimento, para efetivar-se, deve envolver todos os membros da equipe de saúde da UTI. Entendemos que, em locais críticos como a UTI, a conduta impessoal dos trabalhadores pode ser em decorrência da grande demanda dos serviços. Esse fator, aliado a outros inerentes ao serviço, sem dúvida, geram estresse, desgaste físico e psicológico, o que reduz as interações(12). É importante que a equipe seja o elo entre paciente e familiar, favorecendo a interação entre estes, e ao mesmo tempo cuidando de ambos.

Quanto mais clara for a comunicação com a família, melhor será o vínculo com o médico, o que contribuirá para diminuir as dúvidas e a ansiedade. A família não deve ser encarada como inimigos que aborrecem a toda hora. É necessário compreender as angústias dos familiares de pacientes em estado crítico, sobretudo se estão inseguros quanto a diagnósticos, tratamentos ou relacionamentos com a equipe. Eles podem estar vivenciando situações dramáticas, assim como o paciente. Se o profissional quer transmitir a idéia de que não há nada a esconder, deve facilitar as visitas em lugar de dificultá-las(13).

Em razão de toda essa situação, há a necessidade de estudos que busquem conhecer como os profissionais de saúde que atuam em Unidades de Terapia Intensiva concebem o acolhimento ao familiar nesse ambiente. Com esse intuito, este estudo procurou responder a seguinte questão de pesquisa: Qual o conhecimento dos profissionais de saúde de uma UTI sobre o acolhimento à família? Para responder a esse questionamento, foi traçado o seguinte objetivo: Levantar o conhecimento sobre o acolhimento à família na visão dos profissionais de saúde de uma UTI.

 

MÉTODO

Estudo exploratório descritivo com abordagem qualitativa, realizado em uma UTI, entre os meses de setembro a novembro de 2007.

A instituição escolhida para a pesquisa foi um hospital público, vinculado ao Governo do Estado de Santa Catarina, que atende à população de todo o Estado. Os atores sociais do estudo foram vinte e três (23) trabalhadores da saúde que desenvolvem suas funções na UTI, que aceitaram participar do estudo, sendo esse o único critério de inclusão; destes, dois (02) são enfermeiros; quatorze (14), técnicos de enfermagem; cinco (05), médicos; um (01) é auxiliar administrativo; e um (01), assistente social. Os participantes foram selecionados aleatoriamente, com base na relação fornecida pela chefia de enfermagem da UTI.

Para a coleta de dados realizamos uma entrevista semi-estruturada, que constou de dados de identificação dos participantes e perguntas referentes ao significado da família, ao significado de acolhimento, às dificuldades e facilidades para cuidar da família e aos cuidados oferecidos pelos profissionais à família.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul-SC (Parecer 07.029.4.04. III). Todos os procedimentos metodológicos obedeceram aos padrões estabelecidos pela Resolução 196/96, que trata das Normas de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. As entrevistas foram realizadas individualmente, no interior da UTI, em local privativo, após o agendamento prévio da data e horário e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em que constava a solicitação para gravar as informações. Os dados foram transcritos pelos pesquisadores e validados pelos participantes.

Para análise dos dados, foi adotado o Referencial Metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Tal método enfatiza a requantificação pela análise de conteúdo, a requantificação pela categorização e a requantificação teórica. Ou seja, a soma de pensamentos (discursos) gera o DSC(14). No processo metodológico do DSC, são utilizadas as seguintes figuras metodológicas: Expressões-chave (ECH): expressam a essência do depoimento, ou mais exatamente, o conteúdo do discurso; Idéias Centrais (IC): expressões lingüísticas que revelam ou descrevem de forma mais sintética, precisa e fidedigna o sentido de cada discurso analisado e de cada conjunto homogêneo de ECH; Ancoragem (AC): expressão lingüística explícita de determinada teoria, ideologia ou crença, que o autor do discurso adota como uma afirmação; Discurso de Sujeito Coletivo (DSC): discurso-síntese redigido na primeira pessoa do singular, composto pelas ECH que têm a mesma IC ou AC; soma de pedaços isolados do discurso, que forma um todo discursivo coerente.

Os DSC – que podem ser tanto das Idéias Centrais quanto das Ancoragens - podem ser compostos de um ou mais depoimentos que apresentam um sentido singular que, sob uma forma discursiva, refletem os pensamentos e os valores associados a um dado tema, presentes numa certa formação sociocultural, num determinado momento histórico(14).

Após a transcrição das falas (gravações), a tabulação dos dados seguiu a seguinte ordem: no primeiro momento analisamos isoladamente cada pergunta da entrevista, copiando integralmente o conteúdo de todas as respostas relacionadas com determinada pergunta. Para essa etapa, foi elaborado um instrumento denominado Instrumento de Análise de Discurso (IAD1)(14). O IAD era constituído de ECH, IC e AC.

No segundo momento da tabulação, foram identificadas e sublinhadas em cada resposta, utilizando cores variadas para destacar, as ECH e as IC. No terceiro momento, foram identificadas as IC a partir das ECH. As IC são “descrições do sentido presente nas expressões-chave, e não interpretações”(14). O quarto momento caracterizou-se pela identificação e agrupamento das IC de mesmo significado ou por similaridade. No quinto momento, foram denominados os agrupamentos por ordem alfabética (A, B, C...Z). E, finalmente, foi construído o DSC utilizando o IAD. Para construir o DSC, foi utilizado o material das ECH.

A partir das perguntas, foram definidos como temas centrais, considerados suficientes para análise: significado de família para os profissionais; cuidado à família; dificuldades apontadas pelos profissionais para cuidar da família na UTI e significado de acolhimento.

Os dados foram discutidos à luz do referencial bibliográfico e da experiência dos pesquisadores.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste primeiro momento apresentamos a caracterização dos “atores sociais” – trabalhadores – participantes do estudo.

Com relação à idade, os dados apontam que a grande maioria dos trabalhadores está na faixa etária entre 26 a 35 anos (47%). Referente ao gênero, 18 pessoas (78%) são do sexo feminino e 5 (22%), do sexo masculino. Quanto à religião, houve predomínio do cristianismo, e, dentre as igrejas ou seitas, a católica é a que apresentou o maior número de adeptos (80%).

No que se refere à escolaridade, há uma equivalência entre os que possuem segundo e terceiro graus completos. É relevante também salientar que alguns profissionais de nível médio possuem terceiro grau completo (30%). Em relação ao tempo de trabalho na área da saúde, 13 trabalhadores (56,5%) atuam nesta há mais de cinco anos. No entanto, referente à atuação dos profissionais na UTI, o tempo de trabalho varia de um a cinco anos.

Discurso do Sujeito Coletivo dos trabalhadores da saúde

Os DSC são apresentados de acordo com as categorias centrais que emergiram das perguntas. Para melhor visualização e entendimento, são mostrados em quadros.

quadro1

Foram muitas as considerações a respeito do significado de família. Alguns trabalhadores dizem que fazem parte da família pessoas ligadas por laços afetivos, pessoas que possuem um convívio, que se amam e se ajudam. Outros dizem ainda que a família é uma instituição social impregnada de amor, carinho, afeto e confiança. Ela também é vista como segurança e alicerce, sendo esta a base, a sustentação para todo ser humano. Emergiu também o tradicional conceito de que família são pessoas que possuem algum grau de consangüinidade.

As IC e o DSC retratam que existem pontos de convergência quanto à importância da família para os trabalhadores da UTI, também encontrados em outro estudo(15), como: a segurança, a sustentação do ser humano, o porto-seguro. Enquanto os trabalhadores falavam de suas famílias, transportávamos suas idéias para a situação dos familiares dos usuários hospitalizados na UTI.

O significado que os trabalhadores da UTI dão para a sua família, deve ser semelhante ao que esperamos que eles dêem aos familiares dos  usuários internados  na UTI. Julgamos que é assim que gostariam, os usuários internados e familiares, que fosse os serviços de saúde, aqui em especial a UTI, o seu porto seguro, onde eles depositassem toda a confiança, onde tivessem acesso e recebessem acolhimento.

A família é de vital importância nas questões referentes ao processo de saúde e doença do seu familiar. Alguns autores(5), ao se referirem à importância da família, identificam-na como a primeira a observar a mudança no humor e disposição de seus membros, e a desempenhar as primeiras ações no sentido de aliviar os sintomas ou tratá-los. Afirmam ser a família quem faz a avaliação inicial da saúde de seus membros, e quem toma as primeiras providências sobre os cuidados de saúde que o indivíduo necessita.

Acreditamos que os vários significados de família que constam no DSC têm total relação com o objetivo da UTI, que é preservar a vida. Ainda estes remetem ao pensamento de que é pela qualidade da vida que nós, trabalhadores da área da saúde, devemos nos unir, criando modos diferentes de agir para com os familiares, construindo tecnologias de relação, como o acolhimento, que tenham o diálogo como ferramenta.

quadro2

Constatamos pelas idéias centrais e DSC que os cuidados oferecidos aos familiares, como informação das condições do paciente e da aparelhagem que o cerca, orientação se pode ou não tocar no paciente, flexibilidade no horário e tempo de visita, atendem algumas das necessidades sentidas pela família de pacientes internados em UTI, o que proporciona satisfação aos familiares. Um estudo(16) realizado sobre as insatisfações de familiares de doentes internados em UTI revelou que as reclamações estavam relacionadas, entre outras: ao atendimento de enfermagem referente à orientação sobre as rotinas da unidade; à orientação quanto aos equipamentos utilizados; ao atendimento às dúvidas; e ao respeito aos familiares. Nessa mesma pesquisa, as autoras relatam que aumentou muito o grau de satisfação dos familiares quando passaram a receber esclarecimentos relacionados às suas necessidades.

Dois estudos(17-18) realizados em cenários assistenciais diferenciados, porém ambos envolvendo pacientes e famílias indicam similaridades no modo como as famílias são tratadas pelos profissionais. Entretanto os resultados foram diferentes do nosso trabalho, pois um desses estudos(17) revelou que, em determinadas ocasiões, os trabalhadores de enfermagem comportavam-se como se a família estivesse atrapalhando, demonstrando má vontade ao responderem às suas perguntas, bem como adotando posturas inflexíveis na liberação de visitas. O outro(18) sobre os movimentos de aproximação e distanciamento entre os sistemas de cuidado familiar e profissional constatou que a família é percebida pelos profissionais com certa ambigüidade.

quadro3

Diante das IC e dos DSC descritos sobre as dificuldades para o cuidado com a família, percebemos que intervenções junto aos trabalhadores são necessárias. Uma alternativa seria dar-lhes oportunidades para exporem suas dúvidas, medos e sentimentos em relação ao cuidado à família e, assim, proporcionar subsídios à conscientização desses profissionais. É preciso assegurar que as famílias sintam-se apoiadas, e participem do tratamento, como também sejam sempre esclarecidas em suas inquietações.

Outro ponto vital para concretizar a humanização nas UTIs é cuidar da equipe, sempre procurando potencializar suas ações e respeitando cada trabalhador na sua individualidade.

Um olhar mais atento, no entanto, revela que não são peculiares dessa UTI as dificuldades encontradas pelos profissionais, uma vez que são semelhantes às encontradas em outro estudo sobre a família em UTI, em que a autora(15) atribui a fatores como: despreparo em como lidar com os familiares – o desconhecimento sobre o quê, como, quando falar e com quem devem falar; a falta de uma organização no planejamento das atividades; a falta de disposição para o enfrentamento de resistência própria e/ou de parceiros a novos modos de agir; o sentimento de impotência para interferir no contexto em que se encontra o familiar. Ainda segundo essa autora, existe a falta de auto - governabilidade dos profissionais de nível médio, determinada pela maioria dos enfermeiros para o atendimento ao familiar. Ela acredita que esse impasse possa ser resolvido quando houver clareza quanto ao papel de cada membro da equipe de enfermagem no atendimento ao familiar.

quadro4

O acolhimento é uma relação humanizadora, de trocas, de respeito às diferenças, sendo imprescindível para a formação do vínculo, e deve ser realizada pelos trabalhadores de saúde para com os usuários.

Os profissionais que participaram do estudo citaram expressões como acolher, proximidade, o cuidar do outro, resolução das necessidades do próximo, apoio, recebimento, conforto e a produção de vínculo que leva a uma relação de confiança. Assim, percebe-se através dos DSC, que ao conceber o acolhimento desse modo a relação eu/tu, ou seja, a relação dialógica, é favorecida.

O acolhimento é condição fundamental para o diálogo, para o encontro entre trabalhador e usuário. Acolher significa tentar compreender o que este nos diz, que se traduz em saber ouvir. O ato de ouvir favorece o diálogo, principalmente se a alteridade for considerada, resguardada. No entanto, a diferença é contorno da alteridade. É necessário haver, no cuidado em saúde, em especial no acolhimento, a conjugação da identidade e da diferença. ”[...] o outro é alguém essencial em nossa existência, no nosso próprio agir. Ele se torna alguém necessário, alguém imprescindível para a própria compreensão de mim mesmo”(19).

“No acolhimento, o outro é referido na sua alteridade, o eu o acolhe no seu em-si. A consciência não compreende o infinito, porém, o afirma, acolhendo-o” (20). Acolher o outro deve transcender a sociologia, a psicologia, a fisiologia. Essas ciências, na visão do autor, são surdas à exterioridade. Acolher implica em escuta, “[...] a escuta de uma singularidade trazida pelo cliente é uma diferença que não pode ser violentada por qualquer saber anterior à relação terapêutica”(20).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados coletados e interpretados permitem-nos concluir, entre outras coisas, que a equipe da UTI analisada concebe a família como um elemento a ser cuidado e atendido em algumas de suas necessidades, como a de informação, de permissão de um período maior de visita e flexibilidade de horário. Apesar disso, alguns participantes da pesquisa referiram não poderem responder às perguntas feitas pelos familiares e atendê-los em suas necessidades.

Nesse sentido é importante questionarmos que conteúdos contêm as informações para o familiar que não sejam do conhecimento de todos os profissionais, com exceção de diagnóstico, tratamento e conduta médica. Em se tratando da enfermagem, todos prestam os cuidados aos doentes, ficando com os enfermeiros os cuidados complexos, o que acreditamos não estarem aí incluídas as informações de enfermagem aos familiares.

O estudo revelou também que algumas dificuldades para o cuidado à família estão relacionadas ao medo do envolvimento emocional e ao despreparo dos profissionais em lidar com as situações de crise da família, como o enfrentamento da notícia de óbito.

Os resultados apontam para a valorização do acolhimento à família como uma tecnologia de cuidado relevante para a prática em UTI. Entretanto, para que isso ocorra, existe a necessidade de capacitação dos trabalhadores da saúde e re-significar o cuidado para que este seja humanizado. Pensar humanização significa a aceitação do outro, a valorização das diferenças e semelhanças, mas acima de tudo, o respeito. Afinal, humanizar relações e trabalho não é muito simples de ser feito, visto que envolve pessoas diversas. No entanto, vislumbramos possibilidades de intervenções factíveis, neste cenário de produção de cuidado permeado de contradições.

Esperamos que esses resultados possam auxiliar na capacitação dos profissionais para o acolhimento à família e para a inserção desta no ambiente da UTI como elemento a ser cuidado.

Com base no presente estudo, nos permitimos sugerir que o tema acolhimento/família passe a ser debatido rotineiramente nos ambientes hospitalares, em especial nas UTIs, e que faça parte da formação curricular dos profissionais da área da saúde.

 

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Artigo recebido em 20.09.07.

Aprovado para publicação em 31.12.08.

 

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