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Jornal de Pediatria - Anterior urethral valves

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Jornal de Pediatria

Print version ISSN 0021-7557

J. Pediatr. (Rio J.) vol.79 no.1 Porto Alegre Jan./Feb. 2003

http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572003000100016 

Válvula de uretra anterior

Anterior urethral valves

Silvio Tucci Jr.1, Paulo B. Franco2, Carlos A.F. Molina3, Haylton J. Suaid4, Adauto J. Cologna5,
Antônio C.P. Martins
6

RESUMO

ABSTRACT

Objetivo: apresentar os aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos de pacientes portadores de válvula da uretra anterior.

Descrição: em dois neonatos, o diagnóstico presuntivo de patologia obstrutiva do trato urinário foi sugerido pela ultra-sonografia realizada no período pré-natal, confirmando-se o diagnóstico de válvula de uretra anterior pela avaliação pós-natal. Os pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico paliativo, com vesicostomia temporária e, posteriormente, definitivo, pela fulguração endoscópica das válvulas. Ambos evoluíram com função renal normal.

Comentários: a válvula da uretra anterior é anomalia rara que deve ser considerada em meninos com quadro radiológico pré-natal sugestivo de obstrução infravesical, secundariamente à hipótese mais comum de válvula da uretra posterior. Ressaltamos a utilização da vesicostomia como derivação urinária temporária nestes casos, prevenindo potenciais complicações pela manipulação da uretra do recém-nascido.

obstrução urinária, hidronefrose.

Objective: to discuss clinical signs, diagnostic tools and therapeutics of anterior urethral valves, an obstructive anomaly of the urinary system in males.

Description: signs of urinary tract obstruction were identified on pre-natal ultrasound in two male fetuses and the diagnosis of anterior urethral valves was made through post-natal evaluation. As an initial treatment, vesicostomy was performed in both patients. Later, the valves were fulgurated using an endoscopic procedure. During the follow-up period both patients presented normal renal function.

Comments: anterior urethral valves are a rare form of urethral anomaly that must be ruled out in boys with pre-natal ultrasound indicating infravesical obstruction. Vesicostomy used as an initial treatment rather than transurethral fulguration may prevent potential complications that can occur due to the small size of the neonatal urethra.

urinary tract obstruction, hydronephrosis.



Introdução

As válvulas da uretra são as anomalias congênitas obstrutivas infravesicais mais comuns em meninos, sendo a válvula de uretra posterior (VUP) a que apresenta maior prevalência. Os casos de válvula da uretra anterior (VUA) são ainda considerados raros (1).

O reconhecimento e o relato original da válvula da uretra anterior é atribuído a D.I. Williams, em 1958 (2), e, desde então, vários casos têm sido descritos, tanto isoladamente como em associação com divertículo proximal da uretra (3). Quanto à distribuição, estas válvulas são mais comuns na uretra bulbar (40%), incidindo igualmente tanto na uretra peniana quanto na junção peno-escrotal (30%). Alguns casos foram descritos na fossa navicular, sendo confundidos com estenose do meato uretra (4). Também já foi descrita a sua ocorrência em adolescentes e adultos (3,5), assim como na associação VATER (6).

Este relato, com ênfase nos aspectos clínicos e terapêuticos, apresenta duas crianças portadoras de válvula de uretra anterior.

Descrição dos casos

Caso 1

Gestante submetida à ultra-sonografia pré-natal na 36ª semana de gestação, com exame sugestivo da presença de feto portador de VUP. Devido à piora da hidronefrose bilateral em exame subseqüente, foi indicado parto cesariano.

A criança nasceu com 3.240 g, 47 cm e Apgar 9/10, havendo moderada quantidade de líquido amniótico com mecônio (+++/4). Apresentou diurese em gotejamento, sem jato miccional, tendo sido observado abaulamento da base do pênis durante as micções. O valor da creatinina sérica no 3º dia de vida era de 1,0 mg/dl. A avaliação ultra-sonográfica renal (US) dessa época mostrou hidronefrose acentuada à direita e menos intensa à esquerda, com ecogenicidade normal no parênquima deste lado e bexiga com paredes espessas. Observou-se também dilatação da uretra. A uretrocistografia miccional (UCM) subseqüente confirmou o aspecto de bexiga de esforço (trabeculação da parede vesical e pseudodivertículos) e mostrou presença concomitante de refluxo vesicoureteral à direita, sugerindo duplicidade pieloureteral desse lado. Além disso, evidenciou grande divertículo uretral indicativo de válvula de uretra anterior (Figura 1).

Figura 1 -
Uretrocistografia evidenciando grande divertículo uretral.

Após o exame radiológico, evoluiu com quadro septicêmico, diagnosticando-se infecção urinária e pionefrose à direita. Submetida à lombotomia exploradora, foi realizada nefrectomia polar superior direita, com ureterectomia, seguida de vesicostomia. Apresentou boa evolução no período pós-operatório.

Após 28 meses, foi realizada a fulguração endoscópica transuretral da válvula de uretra anterior e concomitante fechamento da vesicostomia, não sendo realizada ressecção do divertículo uretral. Evoluiu sem intercorrências clínicas, apresentando bom jato miccional. A uretrocistografia miccional controle mostrou normalização do trato urinário inferior, com redução espontânea do divertículo uretral (Figura 2), persistindo discreta dilatação pielocaliceal à US. Os níveis séricos de uréia e creatinina estavam normais.

Figura 2 -
Uretrocistografia realizada após a ressecção da VUA e fechamento da vesicostomia, mostrando bexiga e uretra com aspectos normais

Caso 2

Criança nasceu de parto normal com 34 semanas de gestação, Apgar 9/10, peso de 2.550 g, 46,5 cm e líquido aminótico com mecônio (++/4). Apresentava antecedente de exame ultra-sonográfico pré-natal realizado na 31ª semana de gestação, evidenciando distensão vesical persistente e hidronefrose bilateral, com suspeita clínica de VUP.

Após o nascimento, a criança apresentou diurese em gotejamento, com abaulamento da uretra peniana ao esforço miccional. Os exames do primeiro dia de vida mostraram: uréia = 20 mg/dl; creatinina = 0,7 mg/dl. A ultra-sonografia evidenciou parênquima renal com espessura e ecogenicidade preservadas, com ureterohidronefrose bilateral. A bexiga apresentava paredes espessas e com dilatação do 1/3 distal da uretra.

A uretrocistografia realizada no 3º dia de vida mostrou acentuada dilatação uretral com divertículo, sugestivo de válvula de uretra anterior (Figura 3). No 4º dia de vida, foi submetida à vesicostomia cutânea, com alta hospitalar no 4º dia pós-operatório.

Figura 3 -
Uretrocistografia. Acentuada dilatação da uretra anterior e posterior

Após 18 meses, foi realizada a fulguração endoscópica transuretral da VUA e fechamento simultâneo da vesicostomia. Nesta cirurgia, foi observada estenose da uretra, distal à válvula, necessitando a realização de uretrotomia aberta. O paciente apresentou boa evolução pós-operatória, com jato miccional normal. Posteriormente, foi realizada uretroplastia reconstrutora, evoluindo sem intercorrências. A avaliação pós-operatória tardia com UCM e US revelou normalização do aspecto radiológico da bexiga e da uretra e regressão da hidronefrose, mantendo função renal normal, segundo os níveis séricos de uréia e creatinina (uréia = 20 mg/dl e creatinina = 0,6 mg/dl).

Discussão

A utilização rotineira da ultra-sonografia na avaliação pré-natal tornou-a, atualmente, o método mais difundido para o diagnóstico intra-uterino de diversas anomalias fetais, principalmente aquelas relacionadas ao trato urinário (7). Neste exame, a observação de hidronefrose fetal uni ou bilateral, associada, ou não, a oligohidrâmnio, mas acompanhada de distensão vesical persistente, é altamente sugestiva de obstrução infravesical. Esta hipótese é reforçada quando ocorre a identificação simultânea de dilatação uretral. Nesta situação, a anomalia mais importante a ser excluída em pacientes do sexo masculino é a VUP, cuja incidência é estimada em 1/30.000 a 1/5.000 meninos (8). Como diagnóstico diferencial, deve ser considerada a válvula de uretra anterior. A VUA e os divertículos uretrais são raros, com freqüência oito vezes menor do que a da válvula da uretra posterior (9).

De etiologia não totalmente esclarecida, a válvula da uretra anterior pode representar fusão incompleta de segmento da placa uretral ou, então, desenvolvimento incompleto focal do corpo esponjoso, com abaulamento da mucosa uretral por suporte ineficiente, que se manifesta como divertículo uretral. Alguns autores consideram ainda a possibilidade de que represente tentativa de duplicação da uretra nas primeiras 12 a 14 semanas da vida intra-uterina (10).

No período pós-natal, a época mais comum para apresentação dos casos de válvula da uretra anterior é a primeira semana de vida. Os sinais e sintomas de obstrução da micção constituem o quadro clínico mais freqüente, salientando-se que a diminuição da força do jato urinário, ou micção em gotejamento estão presentes em cerca de 40% dos pacientes (11). Obstrução grave, cursando com hidronefrose e azotemia, pode ocorrer em recém-nascidos e lactentes (12,13). Outra observação clínica comum na obstrução infravesical, por válvula de uretra anterior, é o abaulamento da uretra peniana, causado pelo enchimento e distensão do divertículo uretral durante o esforço miccional do paciente. Geralmente, a micção ocorre com gotejamento da urina (14). Com a obstrução, é comum a concomitância de distensão vesical, sendo a bexiga facilmente palpável no recém-nascido.

Paralelamente à análise dos níveis séricos de uréia e creatinina, o exame fundamental para a confirmação diagnóstica do local da obstrução infravesical é a uretrocistografia miccional (UCM), sendo essencial a contrastação da uretra em toda sua extensão, para visualização e localização adequadas do divertículo uretral associado à VUA (15). A UCM permite também a identificação de refluxo vesicoureteral, que pode estar presente em 30% destes pacientes. A ultra-sonografia pode sugerir o diagnóstico de VUA pela visualização da dilatação uretral (16) e é útil na avaliação do trato urinário superior, identificando ureterohidronefrose e as características do parênquima renal, principalmente a presença e intensidade de displasia renal.

Devido à variedade de acometimento do trato urinário, Firlit e colaboradores (9) criaram uma classificação que contempla a correlação dos achados radiológicos da válvula de uretra anterior com os dados clínicos e laboratoriais. Isso mostra o aspecto evolutivo do acometimento do sistema urinário, desde comprometimento leve até grave, como ureterohidronefrose acentuada e insuficiência renal, o que implica na atenção a ser dispensada ao paciente, principalmente no seguimento em longo prazo.

Vários métodos para tratamento da VUA têm sido propostos e variam entre a realização de derivação temporária ou, então, na ressecção primária do divertículo uretral e da válvula, em associação a procedimentos necessários para o tratamento das possíveis complicações que, secundariamente, afetam o trato urinário superior (17-19). Entretanto, existe consenso entre a maioria dos autores de que a ressecção transuretral da válvula deva ser feita quando a uretra apresenta diâmetro suficiente para a passagem do ressector sem ocasionar trauma. Atualmente, o pequeno calibre dos cistoscópios infantis permite a ressecção da válvula já no período neonatal, mas o procedimento deve ser indicado dentro do quadro geral apresentado pelo paciente.

Em recém-nascidos com alteração da drenagem do trato urinário, principalmente em associação com infecção urinária, deve ser considerada alguma forma de derivação temporária. No nosso serviço, temos utilizado preferencialmente a vesicostomia cutânea, tipo Blockson, como derivação urinária temporária em crianças (20). Esta propicia rápida e efetiva descompressão do trato urinário superior e previne as potenciais complicações da ressecção em uretras de pequeno calibre, como estenose ou ressecção inadequada. Além disso, permite o restabelecimento potencial da função renal em crianças gravemente afetadas. É interessante notar a redução do divertículo uretral, secundária à derivação urinária, sem necessidade de cirurgia aberta, visando à adequação da luz da uretra nos pacientes aqui apresentados. Por outro lado, é possível utilizar a vesicostomia prévia como porta de entrada do ressector endoscópico para a fulguração anterógrada da válvula, evitando manipulação da uretra.

Concluindo, enfatizamos a lembrança desta anomalia, válvula de uretra anterior, em crianças com ultra-sonografia pré-natal sugestiva de obstrução infravesical, paralelamente à hipótese de válvula de uretra posterior. A suspeita de VUA é mais forte quando for observada dilatação uretral durante esforço miccional pós-natal. Ressaltamos também a utilização da vesicostomia como derivação urinária temporária nestes casos.

Sobe

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Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Silvio Tucci Jr.
Departamento de Cirurgia e Anatomia
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP
Av. Bandeirantes, 3900
CEP 14049-900 – Ribeirão Preto, SP
Fone/fax: (16) 633.0836
E-mail: stucci@convex.com.br

Sobe

Silvio Tucci Jr - Prof. Doutor da Divisão de Urologia do Departamento de Cirurgia e Anatomia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP).

Paulo B. Franco - Prof. Doutor do Departamento de Puericultura e Pediatria (FMRP-USP).

Carlos A.F. Molina - Médico Assistente da Divisão de Urologia (FMRP-USP).

Haylton J. Suaid - Prof. Doutor da Divisão de Urologia do Departamento de Cirurgia e Anatomia (FMRP-USP).

Adauto J. Cologna - Prof. Doutor da Divisão de Urologia do Departamento de Cirurgia e Anatomia (FMRP-USP).

Antônio C.P. Martins - Prof. Titular do Departamento de Cirurgia e Anatomia (FMRP-USP).