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Revista Brasileira de Psiquiatria - Drug use prevalence at FEBEM, Porto Alegre

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Revista Brasileira de Psiquiatria

Print version ISSN 1516-4446

Rev. Bras. Psiquiatr. vol.26 no.1 São Paulo Mar. 2004

http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462004000100006 

ARTIGO ORIGINAL

 

Prevalência do consumo de drogas na FEBEM, Porto Alegre

 

 

Maristela FerigoloI; Fabiane Silva BarbosaI; Elisangela ArboI; André Sérgio MalyszI; Airton Tetelbon SteinII; Helena Maria Tannhauser BarrosIII

IFundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA). Porto Alegre, RS, Brasil
IIPrograma de Pós-graduação em Medicina: Ciências Médicas da UFRGS. Porto Alegre, RS, Brasil
IIIServiço de Informações sobre Substâncias Psicoativas (SISP) da FFFCMPA. Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Identificar a prevalência do uso de drogas entre crianças e adolescentes institucionalizados e avaliar o uso associado das substâncias lícitas, álcool e tabaco, com drogas ilícitas; e verificar qual a droga de uso inicial para o consumo das substâncias psicoativas ilícitas.
MÉTODOS: Realizou-se um estudo transversal na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor do Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre. Um questionário elaborado pela Organização Mundial da Saúde, anônimo, sobre o uso de drogas e sua quantificação, auto-aplicado em salas de aula, foi respondido pela população de crianças e adolescentes alfabetizados que cumpriam medidas socioeducativas ou medidas protetivas. A análise visou descrever o uso de drogas entre os dois subgrupos levando em conta gêneros e idades de início de uso.
RESULTADOS: Os resultados foram obtidos a partir de 382 indivíduos. As substâncias mais experimentadas foram: álcool (81,3%), tabaco (76,8%), maconha (69,2%), cocaína (54,6%), solventes (49,2%), ansiolíticos (13,4%), alucinógenos (8,4%), anorexígenos (6,5%) e barbitúricos (2,4%). Em torno de 80% afirmaram ter usado experimentalmente alguma droga ilícita. As meninas usaram principalmente medicamentos e os meninos drogas ilícitas, álcool e tabaco. As crianças albergadas por atos infracionais mostraram uso significativamente mais freqüente de álcool, maconha, cocaína e solventes. A idade de início do álcool e tabaco ocorreu antes dos 12 anos; maconha e solventes, antes dos 13, e cocaína, antes de completar 14, em média. Verificou-se alta freqüência de uso concomitante de drogas lícitas e ilícitas por esta população.
CONCLUSÕES: A prevalência de experimentação e uso de drogas entre crianças e adolescentes institucionalizados é alta e precoce. As drogas lícitas foram usadas mais precocemente que as ilícitas. Indivíduos do sexo masculino e albergados por atos infracionais apresentam maior probabilidade de já terem utilizado drogas ilícitas.

Descritores: Adolescentes. Drogas lícitas e ilícitas. Abuso de substâncias.


 

 

 

Introdução

As diferenças entre os grupos populacionais e seus contextos culturais costumam determinar padrões específicos de uso de drogas.1 Vários estudos têm estimado a prevalência do uso de drogas lícitas ou ilícitas em diferentes locais.2-4 Pesquisas realizadas entre estudantes de primeiro e segundo graus de redes estaduais de ensino em 10 capitais brasileiras demonstram que 65% dos estudantes gaúchos consomem álcool experimentalmente, 40% consomem tabaco, 15% maconha, 13% solventes, 8% ansiolíticos, 7% anfetamínicos e 4,5% cocaína. Este levantamento epidemiológico também revelou a existência de grande diferença na freqüência de uso de cada droga, entre 18 e 30% da população estudantil, conforme a capital brasileira pesquisada. Por outro lado, a faixa etária também determina diferença na freqüência de uso das drogas, já que entre 10 e 12 anos de idade houve menos uso, enquanto que aos 16 anos estabeleceu-se o índice máximo de uso experimental de drogas entre os estudantes.5

Levantamentos sobre consumo de drogas entre crianças em situação de rua, albergadas em abrigos especiais não-governamentais, de seis capitais brasileiras revelaram que o uso experimental de drogas, além do álcool e tabaco, fica em torno de 90%. Em Porto Alegre, o uso de solventes prevaleceu (64%), seguido pelo uso de maconha (39%) e cocaína (28%).6 Por outro lado, crianças que ficam vagando nas ruas por algumas horas do dia, mas que moram com a família e vão à escola, afirmaram ter usado drogas ilícitas em freqüência menor do que 12%, ou seja, próximo do que é relatado pelas crianças que estudam em escolas públicas.5 Menores que vivem em situação de rua sem contato com a família e que não freqüentam escola têm índices quatro vezes maiores de uso de drogas ilícitas, em torno de 68%.7

Crianças e adolescentes de instituições como a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM) também estão em situação de risco social, embora protegidas pelo Estado. Até 2002, a FEBEM-RS prestava atendimento aos adolescentes autores de ato infracional através de medidas de internação ou de semi-liberdade, assim como abrigava crianças e adolescentes abandonados ou em situação de risco social. Para todos estes adolescentes havia atendimento educacional, de saúde e psicológico. Nos casos de necessidade de tratamento psiquiátrico, eram encaminhados para atendimento externo. A questão do uso de drogas entre os adolescentes institucionalizados no Rio Grande do Sul é abordada em oficinas ou discutida em salas de aulas pelo setor de Educação. Nessas atividades são incluídos internos que freqüentam da quarta à sexta série do ensino fundamental.

Em maio de 2002, no Rio Grande do Sul, a FEBEM foi extinta, conforme a Lei Estadual nº 11.800, passando a denominar-se Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (FASE-RS). A FASE-RS é o órgão responsável pelas medidas socioeducativas de internação e de semi-liberdade, aplicadas judicialmente aos adolescentes que cometeram ato infracional. As crianças que se encontram em risco social ou de abandono atualmente cumprem medidas de proteção através da Fundação de Proteção Especial, sob responsabilidade da Secretaria do Trabalho e Ação Social do Estado.8 Em função da pesquisa ter sido realizada antes da alteração FEBEM/FASE, optamos por manter a nomenclatura FEBEM neste artigo. Os resultados deste estudo continuam aplicáveis aos dois grupos de crianças e adolescentes apoiados pelas instituições acima descritas.

Pesquisas internacionais têm demonstrado que o uso de substâncias psicoativas está relacionado com a delinqüência.9-11 Por outro lado, adolescentes com problemas de conduta apresentam maior probabilidade de uso de drogas, as quais contribuem para a manutenção e a escalada em atividades delinqüentes.10 Embora os adolescentes infratores representem uma população vulnerável e exposta a comportamentos de risco, poucos estudos nacionais têm sido publicados para determinar o consumo de substâncias psicoativas nesse grupo.

No entanto, estudos específicos e direcionados para essa população são ainda escassos. Portanto, mais informações são necessárias para se conhecer a extensão do uso e o abuso de drogas entre os adolescentes institucionalizados, de forma a apoiar as abordagens educacionais oferecidas a essa população. Esses dados também poderão servir como instrumento para a realização de trabalhos preventivos e a ampliação do conhecimento sobre abuso de drogas entre os jovens em situação de risco social na região sul do País.

O presente estudo teve a finalidade de estimar e comparar a prevalência do consumo de drogas lícitas e ilícitas entre crianças e adolescentes amparados em abrigos governamentais, por delinqüência ou risco social, na cidade de Porto Alegre. Também foi nosso objetivo avaliar o uso associado das substâncias lícitas (álcool e tabaco) com as ilícitas e verificar qual a droga de uso inicial para o consumo das substâncias psicoativas ilícitas.

 

Métodos

O estudo foi realizado na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor do Rio Grande do Sul (FEBEM/RS) em 1999, na cidade de Porto Alegre, abrangendo toda a população institucionalizada. Participaram da pesquisa todas as crianças e adolescentes com idades entre 10 e 20 anos, alfabetizados e capazes de ler e preencher os questionários (N=402). Foram excluídos sete adolescentes: cinco, que estavam cumprindo medidas disciplinares e, portanto, sem condições de contato com as demais pessoas, e dois que se recusaram a responder ao questionário. Excluíram-se 13 questionários respondidos de forma incoerente. Entre os adolescentes estudados, um subgrupo estava cumprindo medidas socioeducativas e morava nas unidades de infração (N=252), e outro estava cumprindo medidas de proteção, morando nas unidades de abrigos (N=130).

Delineou-se um estudo transversal analítico para avaliar a prevalência de drogas entre as crianças e adolescentes da FEBEM/RS. O primeiro fator em estudo foi uso de drogas lícitas e ilícitas e o desfecho foi condição de moradia na FEBEM (abrigo e infração). O segundo fator foi álcool e tabaco e o desfecho, drogas ilícitas. Utilizou-se como instrumento um questionário fechado, auto-aplicável, com 42 questões, em sua maioria pré-codificadas. Proposto e desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde,12 o questionário foi adaptado para o Brasil para a coleta de dados entre crianças de países em desenvolvimento e já utilizado em estudos multicêntricos brasileiros.5 Para cada grupo de substâncias psicoativas foram investigadas as seguintes categorias: uso na vida (pelo menos uma vez na vida ou uso experimental); uso no ano (pelo menos uma vez nos doze meses que antecederam a pesquisa); uso no mês (pelo menos uma vez nos trinta dias que antecederam a pesquisa); uso freqüente (seis ou mais vezes nos trinta dias que antecederam a pesquisa) e o uso pesado (vinte ou mais vezes nos trinta dias que antecederam a pesquisa).5,6

A coleta de dados foi realizada de julho até a metade de agosto de 1999 por uma equipe de cinco aplicadores, acadêmicos do curso de Medicina da FFFCMPA, treinados segundo as regras do Manual do Aplicador utilizadas nos levantamentos do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (CEBRID).5,6 A aplicação dos questionários foi feita coletivamente, em salas de aula da FEBEM-RS por um pesquisador da equipe, na ausência de professores ou monitores da instituição. Os questionários foram recolhidos em envelope pardo. Antes da aplicação, os indivíduos foram instruídos sobre a natureza voluntária do estudo e lhes foi garantido o sigilo, pelo anonimato. A Comissão de Pesquisa e Ética da FEBEM/RS avaliou e aprovou o projeto.

O teste do qui-quadrado foi usado para avaliar a significância estatística nas comparações entre as variáveis: sexo, freqüência e regularidade do uso, idade de início e associação do uso de diferentes drogas. O teste de ANOVA seguido de Student Newmann-Keuls foi utilizado para comparar todas as médias de idade de início de uso de drogas. A avaliação da associação entre o uso de drogas lícitas e ilícitas incluiu o cálculo de razão de produto cruzado (RPC) e de seus intervalos de confiança (IC). O teste t e o RPC foram utilizados para verificar associação do uso das drogas e o local de moradia na FEBEM. Os intervalos de confiança calculados foram de 95%. Os valores de p<0,05 foram considerados como estatisticamente significativos. O programa EPI-INFO, versão 6.0 foi utilizado para estes cálculos.13

 

Resultados

Foram utilizados os dados obtidos a partir dos questionários de 382 crianças participantes, sendo 81,4% do sexo masculino (76% infratores) e 18,6% do sexo feminino (81,7% abrigados). A faixa etária dos entrevistados variou de 10 a 12 anos (8%), 13 a 15 anos (24%), 16 a 18 anos (53%) e maiores de 18 anos de idade (9%). Um percentual de 6% não forneceu esse dado.

A Tabela 1 mostra a prevalência de uso de drogas psicotrópicas de acordo com as categorias de uso para todas as substâncias questionadas. O consumo na vida de drogas lícitas, álcool e tabaco foi relatado por 81,3% e 76,8% das crianças entrevistadas, respectivamente. O tabaco apresentou prevalência mais elevada do que o álcool nas categorias de uso no ano, no mês e consumo pesado. Dos entrevistados, 80,9% afirmaram já terem experimentado alguma droga ilícita. Entre as drogas de uso ilícito, a maconha ocupou o primeiro lugar (69,2%), seguida pela cocaína (54,6%), solventes (49,2%), ansiolíticos (13,4%), alucinógenos (8,4%), anorexígenos (6,5%) e barbitúricos (2,4%). Em relação ao uso no ano, no mês e pesado, a prevalência seguiu o mesmo padrão do uso experimental para a maioria das drogas ilícitas. Os barbitúricos (0,8%) prevaleceram sobre os anorexígenos (0,3%) apenas na categoria de uso pesado.

 

 

Quando se avaliou o percentual de uso na vida das drogas lícitas e ilícitas mais utilizadas pelas crianças, conforme as condições de moradia na FEBEM, observou-se que as crianças que tinham experimentado mais drogas foram as que moravam em casa de infração, com exceção do tabaco, que não apresentou diferença significativa (Figura 1).

 

 

Observa-se na Tabela 2 que as crianças e adolescentes do sexo masculino cometeram mais infração. Ainda, os meninos moradores nas casas de infração experimentaram mais drogas do que os meninos abrigados. Por outro lado, as meninas abrigadas experimentaram mais drogas do que as infratoras.

 

 

A primeira experiência com o tabaco ou álcool ocorreu entre 10 e 12 anos de idade na maioria dos entrevistados. A média de idade para início do uso foi de 11,8±2,6 anos para tabaco e 11,7±3,3 anos para álcool, não havendo diferença significativa entre elas. Já a primeira experiência com as drogas ilícitas foi significativamente mais tardia, situando-se na faixa dos 13 e 15 anos. A maconha foi usada posteriormente ao tabaco (12,4±2,3 anos), seguida pelos solventes (12,9±2,4 anos) e pela cocaína (13,4±2,4 anos) (p<0,001) (Figura 2).

 

 

A análise dos dados permitiu a detecção de uma associação positiva entre o uso de drogas lícitas e ilícitas. Dos entrevistados que utilizaram álcool pelo menos uma vez na vida, 84,6% afirmaram já ter utilizado tabaco, 80,1% maconha, 64,3% cocaína e 58,4% solventes. A probabilidade de um usuário de álcool usar experimentalmente tabaco, maconha, cocaína ou solventes foi oito a 11 vezes maior do que entre não usuários de álcool (Tabela 3).

 

 

Dos que referiram o uso de tabaco, na mesma categoria, 90% já usaram álcool, 86,6% maconha, 69,5% cocaína e 61,3% inalantes. A chance de um usuário de tabaco usar experimentalmente álcool, maconha, cocaína ou solventes foi seis a 10 vezes maior do que a de um não-usuário de tabaco (Tabela 3).

O uso experimental de álcool foi duas vezes maior no sexo masculino do que no feminino (RPC=2,10; IC 95%=1,09-4,04). A prevalência de consumo de álcool no sexo masculino e feminino para as categorias de uso no último ano, mês e pesado não apresentou diferença significativa. Dos usuários de álcool, 26,7% situavam-se na faixa etária entre 10 e 15 anos e 73,3% entre 16 e 20 anos. A média de idade para o início do uso de álcool foi 10,6±2,7 anos no sexo feminino, e 11,9±3,3 anos no sexo masculino. O sexo feminino apresentou três vezes mais chances de usar álcool antes dos 12 anos de idade (RPC= 2,96; IC 95%=1,34-6,68).

Em relação ao uso problemático do álcool por adolescentes, um percentual de 73% dos entrevistados respondeu que já havia consumido álcool até se embriagar, em uma ocasião de suas vidas. Vinte por cento referiram ter consumido álcool até a embriaguez, no mês anterior à pesquisa, não havendo diferença significativa entre os sexos. Os entrevistados relataram outros problemas decorrentes do consumo de álcool, como, por exemplo: envolvimento em brigas (64%), faltas na escola (19%), faltas no trabalho (8,5%), envolvimento em algum tipo de acidente (5,5%) e infração de trânsito ao dirigir sob efeito do álcool (3,5%). Mais de 50% dos jovens afirmaram que nenhum familiar costumava usar álcool em excesso, porém, 23,5% referiram que o pai bebia em excesso, seguido de parentes (12%), irmãos (6%) e mãe (5%).

O uso de tabaco pelo menos uma vez na vida, no ano e pesado não foi significativamente diferente entre os sexos. Em relação ao consumo no último mês, entretanto, o sexo masculino apresentou três vezes mais chances de usar tabaco (RPC=2,6; IC 95%=1,19-5,66). Dos que apontaram já ter fumado, 62% usaram tabaco pela primeira vez antes dos 12 anos de idade, e 38% após essa idade. A média de idade de início do consumo de tabaco foi de 11,2±1,6 anos para o sexo feminino e 11,9±2,8 anos para o masculino. O sexo feminino apresentou duas vezes mais chances de fumar antes dos 12 anos de idade do que o sexo masculino (RPC=2,41; IC 95%=1,11-5,35).

Observou-se que o uso experimental de maconha foi maior no sexo masculino, que apresentou quatro vezes mais chance de usar a droga (RPC=4,54; IC 95%=2,54-8,13). Entre os entrevistados que referiram já ter utilizado maconha, não se encontrou diferença significativa quanto ao sexo e ao uso no ano anterior à pesquisa, no mês ou pesado. Setenta e oito por cento dos usuários de maconha tinham entre 16 e 20 anos de idade e 21,6% entre 10 e 15 anos. Não foi observada diferença significativa entre os sexos em relação à idade de início do uso de maconha.

O uso experimental de cocaína foi mais prevalente no sexo masculino, o qual apresentou três vezes mais chances de usar a droga do que o feminino (RPC=3,11; IC 95%=1,73-5,62). Não houve diferença significativa em relação às demais categorias de uso. Oitenta e três por cento dos usuários de cocaína estavam na faixa etária entre 16 e 20 anos e 17% entre 10 e 15 anos. Por outro lado, o gênero não interferiu na idade de início do uso dessa droga.

O uso de solventes não diferiu de forma significativa entre os sexos, considerando-se os parâmetros de uso na vida, no ano e pesado. Tampouco foi observada diferença significativa entre sexo e idade de início de uso de solventes. Entretanto, o sexo feminino apresentou três vezes mais chances de usar solventes no último mês do que o sexo masculino (RPC=3,28; IC 95%=1,34-8,06). Dos usuários de solventes, 26,1% estavam na faixa etária entre 10 e 15 anos e 73,9% entre 16 e 20 anos. Dos usuários de solventes, 53,4% informaram tê-lo comprado, 6,7% referiram que tinham em casa, e 26% ganharam de ''amigos''. Trinta e um por cento experimentaram solventes pela primeira vez na casa de amigos e 26,8%, em algum tipo de bar ou boate. Os demais usuários referiram não lembrar o local, ou ter feito o uso em outros locais.

 

Discussão

No presente trabalho, verificou-se que as crianças gaúchas institucionalizadas na FEBEM usam as drogas lícitas, álcool e tabaco, em níveis semelhantes aos de outros indivíduos da mesma faixa etária, sejam eles meninos em situação de rua ou estudantes da rede estadual.2,4,14 Chama a atenção que, apesar da legislação brasileira proibir a venda e distribuição de bebidas alcoólicas e tabaco a menores de 18 anos,5,14,15 a maioria das crianças e adolescentes entrevistados não teve dificuldades para conseguir essas substâncias, assim como constatado em outros estudos.14

Maconha, cocaína e solventes foram as drogas ilícitas mais utilizadas por esses indivíduos, superando os ansiolíticos, alucinógenos, anorexígenos e barbitúricos. São índices muito mais elevados dos que os apresentados por estudantes da rede estadual5 ou por jovens em situação de rua que freqüentam a escola e têm família razoavelmente estruturada.7 O alto índice de usuários experimentais de drogas ilícitas (80,9%) foi semelhante ao encontrado em estudos anteriores com jovens moradores de rua brasileiros6,7 e jovens detentos americanos,16 outras populações consideradas de risco para o uso de drogas.

O uso de substâncias ilícitas não ocorre porque as crianças estão institucionalizadas, visto que é anterior à sua entrada na instituição. Como já apontado, a FEBEM albergava em condições diferenciadas tanto os jovens que cometeram delinqüência ou infração quanto os que estavam em situação de fragilidade ou abandono familiar ou sofriam maus tratos em casa. Neste estudo verificamos que os índices de uso na vida de drogas ilícitas são significativamente mais elevados nos jovens submetidos a medidas socioeducativas pela FEBEM, ou seja, entre aqueles que cometeram atos infracionais ou delinqüência e seriam atendidos na FASE-RS. No entanto, não é possível afirmar se as infrações cometidas acompanharam ou foram posteriores ao início do uso de drogas.

De fato, este e outros estudos10,17-20 apontam para uma associação entre o uso de diferentes drogas, lícitas e ilícitas, e delinqüência ou infrações. Em estudo anterior, a partir de entrevistas realizadas com crianças em situação de rua antes de qualquer institucionalização, verificou-se que o risco social e o abandono familiar se relacionam com atividades delinqüentes e uso de drogas.7 O uso de drogas é parte de um problema de atos infracionais e de violência envolvendo crianças e adolescentes. Se o uso de drogas é causa ou conseqüência de violência social ainda é debatido. No entanto, há acordo quando se discute que as atividades para obter dinheiro para comprar as drogas e o tráfico de drogas por si só geram atos infracionais e comportamentos violentos.21

Segundo o modelo bidirecional, a influência do uso de drogas sobre a delinqüência juvenil é intensa e mais precoce, e o efeito da delinqüência sobre o uso de drogas é pequeno, mas duradouro.11 Ou seja, é possível que o envolvimento em comportamentos delinqüentes, que levaram à institucionalização e à situação de abandono familiar, tenha aumentado as chances de iniciar o uso de drogas, perpetuado pela continuação da delinqüência.10,11,18,19,22 Por outro lado, apesar do uso de drogas ser menos intenso entre as crianças em situação de abrigo na FEBEM, esses índices ainda são mais elevados do que na população estudantil de Porto Alegre. Rebeldia, agressividade, problemas de controle emocional e de relação interpessoal,20,23 abuso sexual, negligência, conflitos familiares, influências negativas (como pais usuários de drogas), oportunidades limitadas de emprego, residências inadequadas e crimes na vizinhança9,16,23,24 podem estar relacionados com o uso de drogas pelas crianças albergadas. Essas características, de abuso e negligência que favorecem o uso de drogas, foram relatadas pelas crianças e pela equipe de educadores e profissionais de saúde da instituição. Portanto, as atividades com adolescentes atendidos pelas atuais FASE ou Fundação de Proteção Especial devem levar em conta não somente os índices de uso de drogas, mas também as possíveis causas para esse uso.

Nossos dados apontam para uma diferença entre os sexos na questão da delinqüência juvenil e uso de drogas, pois o sexo feminino demonstrou maior associação de uso de drogas lícitas e ilícitas à condição de institucionalização, sob a forma de abrigo. Apesar de haver tentativas de explicação, baseadas em diferentes oportunidades de iniciação no uso de drogas entre os sexos,25 é reconhecido que o modelo bidirecional só é válido para o sexo masculino.11 Propõe-se, portanto, que mais estudos com a população de risco do sexo feminino devem ser realizados para esclarecimento da questão.

O uso associado de múltiplas substâncias é cada vez mais freqüente entre os dependentes químicos,2,18,19,22 dado também observado nesta população. Esses dados deverão merecer investigações futuras. Nossos resultados apontam para uma forte associação entre o uso de drogas lícitas com as ilícitas. Os usuários de álcool têm de 10 a 11 vezes mais risco de ser usuários de solventes ou maconha do que os adolescentes que não usaram álcool. Além disso, os usuários de tabaco têm dez vezes mais risco de serem usuários de maconha, e tanto o uso de álcool como o de tabaco aumentaram o risco de usar cocaína em oito vezes. Devido a essas fortes associações, pode-se inferir que os adolescentes estudados são ou se tornarão poliusuários de drogas, como já visto em estudos realizados em outros países.1,26,27 Nesses estudos, existem mais evidências de que há associação do uso de álcool e maconha1,27 e tabaco ou álcool e maconha28 entre populações estudantis. Entre adolescentes em risco social, acrescentam-se evidências da associação do uso de drogas lícitas e de cocaína.

Quanto mais cedo o indivíduo iniciar o uso de álcool ou tabaco, maior será sua vulnerabilidade para o desenvolvimento de abuso ou dependência das mesmas substâncias e uso concomitante de drogas ilícitas.14,17,18,29,30 Como os jovens estudados por nós também demonstraram início muito precoce de uso de drogas lícitas, em média aos 11 anos de idade, pudemos verificar que este uso precedeu o de drogas ilícitas, assim como o observado em outros trabalhos com adolescentes de populações de risco.10,20

De acordo com a teoria de progressão do uso de drogas,31 os adolescentes envolvem-se inicialmente com o álcool, progridem para a maconha e, em uma terceira fase, para drogas mais pesadas, como a cocaína.31-33 Nossos achados também apontam nessa direção, mas inserem o uso de solventes após o início do uso de maconha e antes do início do uso de cocaína. Ainda existe ampla discussão sobre se cada uma das drogas usadas serve como fator de risco para o uso de múltiplas drogas ou de drogas mais pesadas, ou se o uso das várias drogas está relacionado com os fatores individuais, biológicos, sociais ou culturais dos indivíduos.28,34

Os dados com crianças em situação de risco apontam para a possibilidade de que ambas as situações sejam possíveis, mas estudos sobre a interação e progressão do uso de drogas em diversas populações precisam ser realizados para que se possa concluir sobre o assunto.

Por tratar-se de um estudo transversal, não é possível estabelecer uma relação causal entre o uso de cada droga no grupo de infratores ou albergados. Estudos futuros deverão esclarecer se, para estas populações, há uma inter-relação mais importante entre delinqüência e o uso seqüencial de drogas, o que já foi testado em outros países.18,19

As limitações deste levantamento se referem à confiança nos dados auto-relatados. Por essa razão, foram excluídas questões que pudessem constranger os entrevistados, mantendo-se assim maior adesão à pesquisa. Não foram, portanto, obtidos dados referentes ao nível socioeconômico, situação e dinâmica familiar, uso de drogas pelos familiares e facilidade de acesso às drogas. Os entrevistados também não foram questionados sobre o tempo de internação e a qualidade do delito praticado.

A aplicabilidade do estudo se fundamenta nas observações de que os jovens institucionalizados revelaram que tanto o início do uso de substâncias como dos comportamentos de infração ocorrem em idade precoce. Portanto, programas de prevenção deveriam ser aplicados precocemente, antes dos 10 anos de idade e com condições adequadas aos ambientes de vida desses jovens. A necessidade de retardar o uso de álcool e tabaco deve ser enfatizada, pois foram as drogas mais usadas e são consideradas porta de entrada para outras. Assim, a prevenção poderia refrear o uso inicial e regular tanto das drogas lícitas quanto as ilícitas e diminuir o uso de múltiplas drogas.

 

Agradecimentos

Agradecemos ao Dr. Flávio Danni Fuchs pelas valiosas sugestões na preparação do manuscrito.

 

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Endereço para correspondência
Maristela Ferigolo
Rua Sarmento Leite, 245, 3º andar - Farmacologia
90050-170 Porto Alegre, RS, Brasil
E-mail: mari@fffcmpa.tche.br

Financiado pela Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (não há número de processo).
Recebido em 15/5/2003.
Aceito em 5/8/2003.

 

 

O trabalho foi realizado no Serviço de Informações sobre Substâncias Psicoativas (SISP) da FFFCMPA. Porto Alegre, RS.