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DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada - Accessibility, parallel function and the pro/pronoun contrast in Portuguese

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DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada

Print version ISSN 0102-4450

DELTA vol.14 n.2 São Paulo  1998

http://dx.doi.org/10.1590/S0102-44501998000200002 

Acessibilidade e paralelismo na interpretação do pronome sujeito e o contraste pro/pronome em português*

(Accessibility, parallel function and the pro/pronoun contrast in Portuguese)

 

Letícia Maria Sicuro CORRÊA (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)

 

 

ABSTRACT: The contrastive interpretation of pro and pronoun in co-ordinate sentences by Portuguese speakers is explored here, as a means of distinguishing the procedures whereby pronominal forms are interpreted in different syntactic/discourse contexts — by means of a search-identification strategy (such as the parallel function strategy) or by means of the "automatic" recovery of a representation which is maintained particularly activated in working memory. Two experiments are reported. The first one tests the hypothesis that the kind of syntactic relationship that holds between the clause containing the pronominal form and the one containing possible antecedents defines processing conditions that favour one or another interpretation procedure. The second one tests the hypothesis that the degree of activation of a representation in working memory (defined in relation to a three-level activity working memory system) accounts for the interpretation of the pronominal subject of independent sentences in discourse. Local alteration of focus is shown to re-establish the pro/pronoun contrast at discourse level. The nature of this contrast is discussed in connection with the processing conditions in which it is manifested.

RESUMO: O contraste pro/pronome em orações coordenadas em português é aqui explorado de modo a distinguirem-se os procedimentos através dos quais formas pronominais sujeito são interpretadas em diferentes contextos sintáticos e discursivos — através de estratégias de seleção de um antecedente lingüístico ou da recuperação "automática" de uma representação mantida particularmente ativada na memória de trabalho. Dois experimentos são relatados. O primeiro testa a hipótese de que o vínculo sintático entre a oração que contém a forma pronominal e a que contém seus possíveis antecedentes define condições de processamento que favorecem o uso de um ou de outro procedimento de interpretação. O segundo testa a hipótese de que o grau de ativação de uma dada representação na memória de trabalho (definido em relação a um sistema que opera em três níveis) afeta o modo como o sujeito pronominal de orações independentes é interpretado no discurso. Verifica-se que o contraste pro/ pronome pode ser re-estabelecido fora do âmbito de sentenças complexas uma vez que haja alteração local do foco da referência. A natureza deste contraste é discutida levando-se em conta as condições de processamento nas quais este se manifesta.

KEY-WORDS: Pronoun Interpretation; Accessibility; Parallel Function; Sentence and Discourse Processing.

PALAVRAS-CHAVE: Interpretação de Formas Pronominais; Acessibilidade; Paralelismo; Processamento de Sentenças e do Discurso.

 

 

0. Introdução

Este estudo lida com a interpretação1 de formas pronominais sujeito em diferentes contextos sintáticos e discursivos, por falantes adultos de português. Formas pronominais são particularmente interessantes para uma teoria do processamento lingüístico, visto que ainda que estejam sujeitas a restrições estruturais à correfencialidade2, tais restrições não são, em geral, suficientes para orientar o ouvinte na atribuição de um referente para as mesmas. Sabe-se, por exemplo, que o pronome pode ser interpretado como correferente do SN João em (a) e não em (b). Contudo, em (a), o referente, não sendo necessariamente João, poderá ser buscado fora do âmbito da sentença. Em (b), o referente do pronome terá de ser buscado fora desse âmbito. Já em (c), há, na sentença, mais de um antecedente possível para o pronome, embora não se exclua a possibilidade de seu referente ser localizado fora desta. Cabe, portanto, a uma teoria do processamento lingüístico identificar os fatores que possam tornar uma dada interpretação preferencial entre os falantes da língua.

(a) João disse que ele é inteligente.
(b) Ele disse que João é inteligente.
(c) João disse a Paulo que ele é inteligente.

A atribuição de um referente para o pronome de terceira pessoa tem sido alvo de considerável interesse na literatura psicolingüística das últimas décadas (Arial, 1994; Caramazza & Gupta, 1979; Cowan, 1980; Garnham, 1987; Garnham & Oakhill, 1985; Greene et al., 1992; Sanford & Garrod, 1989). A interpretação de um pronome em tarefas de compreensão é, tradicionalmente, concebida, como um problema de seleção. Ou seja, o "processador de linguagem" deverá selecionar um dentre mais de um antecedente possível para o pronome. Diferentes estratégias cognitivas viriam explicar os critérios de seleção adotados pelo falante/ouvinte da língua diante da ambigüidade da forma pronominal. Fatores semânticos, plausibilidade de eventos no universo de referência (Caramazza & Gupta, 1979; Garnham et al., 1992)3, assim como fatores formais, tais como paralelismo sintático (Sheldon, 1974; Cowan, 1980; Smyth, 1993) têm sido apontados como relevantes para a caracterização de estratégias de seleção de antecedentes para formas pronominais.

Alternativamente, a interpretação de formas pronominais pode ser vista como decorrente da recuperação privilegiada ("automática") da representação4 de um particular referente mantida ativada na memória de trabalho, dado que condições de processamento específicas promoveriam acesso diferenciado às representações dos possíveis referentes da forma pronominal (Ariel, 1994; Greene et al, 1992). Estudos com movimentos regressivos dos olhos na leitura sugerem, por exemplo, que a representação correspondente ao referente tematizado no discurso se torna imediatamente accessível para a interpretação de um pronome sujeito quando do reconhecimento deste e que a verificação da adequação dessa interpretação em termos de coerência ou plausibilidade de eventos se dá num segundo momento, acarretando um maior número de movimentos regressivos dos olhos quando constata-se uma inadequação (Garrod et al, 1994).

A literatura acerca da interpretação de formas pronominais parece, pois, apresentar uma controvérsia quanto ao modo como pronomes sujeito são interpretados — por estratégias de seleção de antecedentes lingüísticos ou pelo acesso privilegiado a uma dada representação (não necessariamente de uma forma antecedente) na memória de trabalho. Entretanto, tais procedimentos não precisam ser vistos como excludentes. Condições de processamento específicas podem favorecer um ou outro procedimento de interpretação. Enquanto estudos voltados à caracterização de estratégias de seleção tendem a lidar com pares de sentenças isolados, estudos que enfatizam a acessibilidade relativa de representações passíveis de interpretar uma forma pronominal são, geralmente, baseados em tarefas de compreensão de textos. É possível, pois, que propriedades do contexto sintático e/ou discursivo no qual a forma pronominal ocorre permitam definir as condições específicas nas quais representações correspondentes a um antecedente lingüístico (um SN) dessa forma e representações mais abstratas (não sintagmáticas) de um possível referente para a mesma sejam recuperadas.

O presente estudo tem como objetivo distinguir as condições de processamento que favorecem o uso de um ou outro procedimento de interpretação. Diferentemente da maioria dos estudos acerca do processamento de formas pronominais, nos quais estas são tratadas de forma indiferenciada, no que diz respeito à função sintática do SN que as apresenta, este estudo concentra-se nas formas pronominais sujeito. Ainda diferentemente daqueles, cuja língua de referência é o inglês, este estudo explora o contraste que falantes de português estabelecem entre a forma manifesta do pronome de 3a pessoa e a não manifesta (pro) em contextos específicos.

Formas pronominais sujeito são particularmente relevantes para uma teoria do processamento lingüístico que vise a prover um tratamento integrado para procedimentos operativos na interpretação de formas anafóricas5 no âmbito da sentença e no âmbito do discurso. Por um lado, um SN sujeito em posição inicial na sentença introduz uma representação a ser mantida particularmente ativada (em foco) durante o processamento do enunciado. Por outro, o processamento de um SN sujeito que contenha um termo anafórico pode permitir a pronta atualização da representação de seu referente6, mantida ativada em um particular nível de atividade da memória de trabalho operativa no processamento do discurso7.

A concepção de memória de trabalho operativa no processamento lingüístico aqui assumida foi esboçada em Corrêa, 1993. Distinguem-se três níveis de atividade da memória de trabalho atuando paralelamente. Um nível que mantém informação de natureza lexical e sintagmática (chamado memória imediata), que corresponde ao componente de curto-prazo da memória de trabalho; outro (chamado intermediário) que mantém um dado referente em foco de modo a integrar a informação apresentada em um segmento discursivo8 e um terceiro, a partir do qual a produção discursiva como um todo seria monitorada (nível temático). Neste estaria mantida ativada a representação do tópico do discurso e/ou dos referentes em torno dos quais o discurso se organiza — elemento(s) temático(s).

Assim sendo, em (d), o pronome sujeito, mantido em foco na memória imediata, recupera o elemento tematizado no discurso, mantido no nível mais "alto" da memória de trabalho. Em (e), o pronome (em itálico) não só pode ser visto reintroduzindo o elemento tematizado no discurso como também recuperando a representação correspondente ao referente do SN que dá início ao desenvolvimento do segmento discursivo (delimitado pelo marcador temporal "ontem") — mantida ativada num nível "intermediário" da memória de trabalho. Diante de (e), cabe perguntar que representação é recuperada por uma forma pronominal sujeito e se o fato de um mesmo referente estar representado em mais de um nível de atividade da memória afeta sua recuperação. O presente estudo volta-se especificamente para estas questões, ao considerar os contextos sintáticos e discursivos nos quais possam ser operativos procedimentos de interpretação baseados na acessibilidade relativa de diferentes representações de possíveis antecedentes para a forma pronominal.

(d) João é jornalista. Ele deverá integrar a equipe que fará a cobertura da Copa do Mundo.
(e) João é jornalista. Ele deverá integrar a equipe que fará a cobertura da Copa do Mundo. Ontem, João assistiu atentamente ao jogo da Seleção. Ele pretende caracterizar a tática do time.

Quanto ao uso do português, esse se faz instrumental para a caracterização das condições de processamento nas quais procedimentos independentes de língua possam ser operativos. O português, como língua marcada positivamente pelo parâmetro pro-drop9 (Chomsky, 1981), apresenta duas possíveis formas pronominais sujeito independentemente do status sintático da oração em questão — o pronome pleno e pro também chamado sujeito nulo ou anáfora zero (Ø)10. Um contraste entre pro e pronome, passível de ser estabelecido por falantes de português em contextos específicos, tais como em orações coordenadas (cf. (f-g)), permite clarificar questões relativas a procedimentos de interpretação de forma pronominais que não admitem tratamento objetivo com base em línguas, tal como o inglês, marcadas negativamente por esse parâmetro. Assim sendo, o presente estudo vem explorar o contraste pro/pronome em português como meio de distinguir procedimentos de interpretação dependentes do acesso a representação de um antecedentes lingüístico (um SN) de procedimentos de interpretação que recuperam a representação do referente, dispensando o acesso a uma forma lingüística11.

(f) Joãoj chamou Paulok e proj atravessou a rua.
(g) Joãoj chamou Paulok e elek atravessou a rua.

Toma-se como hipótese de trabalho que diferenças quanto à natureza dos procedimentos através dos quais formas pronominais sujeito são interpretadas no âmbito da sentença e do discurso são função do tipo de representação mais imediatamente accessível quando do reconhecimento daquelas — a representação da oração que contém possíveis antecedentes lingüísticos (SNs) para estas formas ou a representação (não sintagmática) de referentes introduzidos (ou passíveis de serem inferidos) no discurso, a qual se mantenha particularmente ativada na memória de trabalho enquanto o discurso é processado. O acesso à primeira favoreceria o uso de procedimentos, tais como estratégias de seleção, que levem em conta informação de natureza lexical e propriedades formais daquela oração12. Na impossibilidade de acesso a esse tipo de representação, a recuperação da representação de um referente para uma forma pronominal sujeito ficaria sujeita a condições de acessibilidade a serem definidas levando em conta fatores tais como a organização discursiva e alterações de foco com a introdução de informação nova13. Diante desta hipótese, é possível conceber um tratamento unificado para a interpretação de formas pronominais sujeito em âmbito sentencial e discursivo, que se beneficie de resultados obtidos pela pesquisa psicolingüística em cada um desses níveis, conduzida, tradicionalmente, de forma independente — proposta que orienta a pesquisa na qual se integra o presente estudo.

Dois experimentos são relatados. O Experimento 1 visa a verificar se o estabelecimento de um contraste entre pro e pronome é facilitado pela presença de um vínculo sintático entre as duas orações de um par crítico, no qual a segunda oração contém uma forma pronominal sujeito e a primeira possíveis antecedentes para esta. Visa também a verificar se é possível caracterizar a acessibilidade relativa de possíveis antecedentes para a forma pronominal, levando em conta o referente tematizado no discurso no qual o par crítico se insere e o referente posto em foco no segmento discursivo correspondente a este.

O Experimento 2 lida exclusivamente com a interpretação de formas pronominais sujeito em orações sintaticamente independentes. Diferentemente do Experimento 1, o contexto discursivo criado permite distinguir o sujeito da oração imediatamente anterior à que contém uma forma pronominal sujeito do elemento posto em foco no segmento discursivo em questão. Este experimento tem como objetivo identificar o tipo de representação que se apresenta preferencialmente accessível para a interpretação de pronomes sujeito de orações independentes, levando em conta três níveis de atividade da memória de trabalho no processamento do discurso (cf. Corrêa, 1993). Visa ainda a verificar se a introdução de um elemento novo, tomado como referente do sujeito da oração imediatamente anterior à que contém a forma pronominal, facilita o estabelecimento do contraste pro/pronome em nível discursivo.

Nas sessões que se seguem, as considerações teóricas que orientam o estudo aqui relatado são apresentadas. Em 1, a generalidade da estratégia da função paralela em diferentes ambientes sintáticos e entre línguas será discutida em relação ao contraste pro/pronome em português. A dependência a essa estratégia no processamento de formas pronominais será tida como condicionada a propriedades do sistema pronominal da língua em questão e a condições de acesso a um representação de natureza sintagmática da oração que contém os possíveis antecedentes para a forma pronominal. As condições de processamento que garantiriam sua operacionalidade são, não obstante, tidas como necessárias à operacionalização de procedimentos de interpretação que levem em conta propriedades formais do estímulo lingüístico, tal como o procedimento adotado por falantes de português em contextos específicos. Este pressuposto justifica o fato de o contraste pro/pronome ser tomado como critério para que se distinga o acesso a uma representação de natureza sintagmática do acesso a uma representação mais abstrata do referente da forma pronominal. Em 2, explicita-se a concepção de processamento lingüístico subjacente a esse critério e às hipóteses dos experimentos relatados.

1. A estratégia da função paralela e o contraste pro/pronome em português

Dentre as estratégias de seleção apontadas como operativas na interpretação de formas pronominais, destaca-se a estratégia da função paralela (Sheldon, 1974; Caramazza et al, 1978; Cowan, 1980; Smyth, 1993). Segundo esta, o ouvinte tenderia a tomar como antecedente de um pronome referencial o SN cuja função sintática coincide com a deste. Assim, um pronome sujeito seria tomado como correferencial a um SN sujeito, um pronome objeto a um SN objeto e assim por diante14.

Os estudos que atestam a dependência do ouvinte a essa estratégia, conduzidos em inglês, apresentam pares de orações coordenadas assim como com pares de orações nos quais a segunda é introduzida por and then, o que sugere haver entre elas um vínculo mais discursivo do que sintático15. A natureza do vínculo entre orações pode, contudo, atuar no tipo de representação recuperada na interpretação da forma pronominal. A presença de um vínculo sintático facilita a manutenção da forma (representação de natureza sintagmática) da primeira oração de um par. Na ausência desse vínculo, tal representação pode ser submetida a um processo de esvaecimento mais imediato, mantendo-se ativada apenas a representação semântica oriunda da mesma (Flores d’Arcais, 1978). Assim sendo, é possível que o efeito de um paralelismo sintático fique restrito a ambientes nos quais a manutenção da representação da forma de uma oração na memória imediata é garantida — tais como entre orações sintaticamente vinculadas. Em outros ambientes — como entre orações independentes, a interpretação do pronome como correferente do sujeito da oração anterior pode advir de um procedimento que recupere a representação mantida particularmente ativada (em foco) durante o processamento do segmento discursivo equivalente ao par de orações e não de um procedimento que leve em conta um critério sintático. Essa distinção viria a comprometer a generalidade da estratégia da função paralela sugerida pelos dados dos estudos conduzidos em inglês.

A generalidade da estratégia da função paralela parece ser ainda afetada pelas especificidades da língua em questão. Falantes de português, ao contrário de falantes de inglês, não parecem recorrer a um paralelismo sintático quanto da interpretação do pronome sujeito em ambientes sintáticos específicos, tais como em orações coordenadas. A interpretação paralela tende a ficar restrita à interpretação de pro enquanto que o pronome parecer ser percebido como uma forma "marcada" que altera a referência estabelecida pelo sujeito da oração anterior (cf. (f-g)).

Esse contraste, que é intuitivamente captado por falantes da língua, foi identificado experimentalmente no estudo piloto anterior (Corrêa, 1989). Neste, verificou-se que falantes de português tendem a interpretar o pronome sujeito como correferente de um SN diferente do sujeito da primeira oração em orações coordenadas e que uma diferenciação entre a interpretação destas formas se manifesta em outros ambientes sintáticos, tais como orações temporais. Verificou-se ainda que esse contraste tende a ser neutralizado quando as orações são sintaticamente independentes e, independentemente do vínculo sintático, quando a primeira oração do par encontra-se na voz passiva. A maior demanda gerada pelo processamento de uma oração na voz passiva poderia acarretar a perda da representação da mesma da memória imediata, levando assim à recuperação da representação do referente do primeiro SN da sentença, a qual estaria mantida em foco, ou seja, particularmente ativada, na memória de trabalho.

O comportamento de falantes de português na interpretação do pronome sujeito de orações sintaticamente vinculadas foi, naquele estudo, caracterizado como decorrente de uma estratégia reverso da função paralela (ou seja, recupere um SN não-sujeito), a qual adviria do fato de a língua apresentar formas pronominais alternativas (manifesta e não manifesta). O pronome seria interpretado por um SN diferente do sujeito da oração precedente dado que a interpretação de pro de 3a pessoa tende a ser vinculada ao sujeito da primeira oração, no caso de coordenadas, ou ao sujeito da oração principal.

A vinculação de pro (particularmente de pro de 3a pessoa) ao sujeito da oração principal pode remeter ao modo como este é representado gramaticalmente, não necessariamente como um pronome e sim como uma variável (Novaes, 1996, Figueiredo Silva, 1994, apud Novaes, 1996). Tal representação gramatical serviria de base para um procedimento determinístico de interpretação no processamento lingüístico. Contudo, observam-se casos nos quais a interpretação de pro oferece ambigüidade (cf. h-i ), o que sugere ter a interpretação contrastiva de pro e pronome um caráter mais funcional do que estritamente gramatical16.

(h) Maria avistou Paula quando pro atravessava a rua.
(i) Carlos comunicou a Pedro que pro foi despedido.

Duarte (1993) observa que, tal como no italiano (Calabrese, 1986, apud Duarte, 1993), há uma complementaridade entre o uso do pronome pleno e a ocorrência de sujeito nulo de 3a pessoa — pro recuperaria um "referente esperado" enquanto que o pronome pleno marcaria uma alteração da referência. Tal complementaridade foi observada em dados relativos à produção de narrativas por adultos e crianças (Corrêa, 1993; 1996), sendo constatado ainda que a presença de um constituinte adverbial entre o sujeito e o verbo, ou qualquer tipo de alteração da ordem canônica, torna o pronome correferente ao sujeito da oração anterior. Parece, portanto, que havendo alguma alteração local de foco, pela anteposição de constituintes, o pronome promove uma nova alteração do mesmo, recuperando o sujeito da primeira oração do par em questão.

A funcionalidade adquirida pela oposição entre pro e pronome pode, não obstante, estar fundada numa assimetria de formas passível de ser caracterizada gramaticalmente em contextos específicos, tais como em (j-l). Essa assimetria, identificada originalmente em Espanhol, levou à formulação de uma restrição ao pronome manifesto (Overt Pronoun Constraint, Montalbetti, 1984), que, em sua formulação mais geral, estipula que "pronomes manifestos não admitem variáveis formais17 como antecedentes" (Montalbetti, 1984, p.187).

(j) Quem ti acha que proi é inteligente?
(l) * Quem ti acha que elei é inteligente?

Diante dessas observações, uma estratégia reversa à função paralela para a interpretação de pronomes por falantes de português pode ser vista como um procedimento que explora a funcionalidade adquirida pelo contraste entre pro e pronome na língua, o qual pode ser caracterizado gramaticalmente em contextos específicos.

A dependência de falantes de inglês a um paralelismo sintático (ou configuracional), por outro lado, adviria do fato de não haver parâmetros lingüísticos dessa natureza subjacentes aos procedimentos de interpretação. Segundo Smyth (1993), um efeito de priming (ativação/ reativação), oriundo da semelhança formal entre as duas orações do par contendo possíveis antecedentes e pronome respectivamente, explicaria a dependência do ouvinte/leitor ao um paralelismo de funções sintáticas na interpretação do pronome. A reativação da representação da forma da primeira, mediante o processamento da segunda oração, levaria à interpretação do pronome como correferente do SN de mesma função sintática na oração anterior. A vinculação de um efeito de priming à estratégia da função paralela não é, contudo, necessária. Assumindo-se que, havendo um efeito de priming, este ocorreria independentemente da língua em questão, o contraste pro/pronome em português parece indicar que a utilização de paralelismo de funções como critério para a interpretação do pronome está condicionada à impossibilidade de uma interpretação contrastiva para o pronome na língua.

 

2. Pressupostos e hipóteses

Uma melhor compreensão do raciocínio subjacente às hipóteses dos experimentos aqui relatados requer a explicitação dos pressupostos teóricos que as orientam. Estes remetem à literatura psicolingüística acerca do processamento sentencial, tal como discutida em função da hipótese oracional (Fodor, Bever & Garrett, 1974; Jarvella, 1971; Marslen-Wilson et al, 1978, Flores d’Arcais, 1988.), à pesquisa acerca da memória de trabalho operativa no processamento lingüístico (cf. Gathercole & Baddeley, 1993; Logie,1996), assim como a resultados de estudos voltados ao processamento do discurso que levem em conta a noção de acessibilidade (Ariel, 1994; Greene et al, 1992; Garrod et al (1994)).

Assume-se, basicamente, que o processamento em nível sentencial requer uma representação de natureza lexical do enunciado em processamento, a qual serve de base à criação de uma representação de natureza sintagmática decorrente do parsing (processamento sintático) de unidades lexicais em unidades oracionais (ou sintagmáticas). A finalização do parsing de uma unidade sintática que possa adquirir autonomia semântica, ou o fechamento (Kimball,1973) de uma oração semanticamente completa, permite que a representação de natureza sintagmática da mesma seja (re)representada em maior grau de abstração em relação ao estímulo de origem, ou seja, como uma representação de natureza semântica (em sentido estrito)18. A existência de uma (re)representação semântica facilita o esvaecimento da representação de natureza sintagmática recém processada da memória de trabalho (Flores d’Arcais, 1978; Marslen-Wilson et al, 1978).

O processamento sintático é, portanto, dependente do acesso a unidades lexicais ou sintagmáticas do enunciado analisado, as quais tendem a se tornar pouco acessíveis após o fechamento de uma unidade semanticamente completa. Considera-se, contudo, que o processador de linguagem (parser), a cada possível fronteira oracional, verifica o contexto subsequente de modo a garantir a manutenção de informação de natureza sintagmática na memória imediata caso esta venha a ser necessária em processamento futuro (Corrêa, 1995). A sinalização de um vínculo sintático entre orações promoveria, então, a manutenção da representação sintagmática da oração recém-processada quando do processamento da oração subsequente, facilitando, assim, a recuperação de antecedentes lingüísticos (SNs) de formas pronominais e o efeito de fatores de natureza sintática nesse processo.

Assume-se ainda que quando enunciados são processados no discurso, a identificação ou criação da representação de referentes a partir do processamento de SNs como expressões referenciais dá origem a representações de natureza conceptual, as quais são mantidas particularmente ativadas na memória de trabalho, em função de sua relevância como elementos estruturadores do discurso, de modo a permitir o encadeamento da informação processada e sua vinculação ao tópico discursivo. Representações correspondentes a um elemento temático ou postas em foco num segmento discursivo seriam, então, mantidas particularmente ativadas ao longo do processamento do discurso (Greene et al, 1992; Garrod et al, 1994; Jarvella & Nelson, 1982; Marslen-Wilson & Tyler, 1993).

Diante deste quadro, a interpretação de um pronome sujeito por meio de estratégias de seleção que, tal como a estratégia da função paralela e o que se apresenta como seu reverso (ou seja, a recuperação de um não-sujeito), pressuponham acesso a uma representação de natureza sintagmática da oração contendo possíveis antecedentes, fica restrita a condições de processamento específicas. A presença/ausência de um vínculo sintático entre a oração contendo o pronome sujeito e a anterior pode, assim, atuar na definição dessas condições. O pronome sujeito em orações sintaticamente vinculadas tenderia a ser interpretado a partir de uma estratégia de seleção de um antecedente dentre os possíveis antecedentes presentes na oração imediatamente anterior a que contém o pronome. Na ausência de um vínculo sintático, o progressivo esvaecimento da representação de natureza sintagmática da oração que precede a que contém o pronome sujeito dificultaria o acesso a SNs alternativos à representação em foco, usualmente, equivalente a do referente de um SN sujeito.

Não está claro, contudo, o quanto esta representação (do sujeito/foco da oração anterior a que contém uma forma pronominal sujeito) se mantém como a mais imediatamente acessível em diferentes contextos discursivos. Estudos baseados na compreensão de pequenos textos apresentam o tópico do discurso ou, mais particularmente o elemento temático (referente em torno do qual o discurso é construído) como a representação mais imediatamente accessível na interpretação de formas pronominais (Garrod et al, 1994; Marslen-Wilson et al, 1993.). Estudos baseados na produção narrativa de crianças divergem entre a recuperação predominante de um sujeito temático por meio de pronomes (Bamberg, 1986; Karmiloff-Smith, 1981) e a recuperação do elemento tomado como foco de um segmento discursivo19 (Corrêa, 1996) semelhantemente ao que é observado na produção narrativa de adultos (Corrêa, 1993). Um estudo experimental sobre a compreensão de um pronome sujeito em situação de diálogo por adultos falantes de português sugere, por outro lado, que a condição mais favorável à interpretação de uma forma pronominal é aquela em que o elemento temático e o foco do segmento discursivo coincidem (Silveira, 1996). É possível, portanto, que o grau de ativação da representação de um dado referente varie em função dos níveis de atividade da memória de trabalho nos quais esta se mantenha ativada. Assim sendo, referentes cuja representação se mantenha ativada em mais de um nível de atividade da memória no processamento discursivo se tornariam mais accessíveis quando da interpretação de uma forma pronominal.

Duas hipóteses são, assim, formuladas a partir dessas considerações: (i) a de que o vínculo sintático entre orações define condições de processamento que possibilitam o uso de estratégias de seleção de um SN como antecedente de um pronome sujeito; (ii) a de que a acessibilidade da representação de um dado referente passível de interpretar uma forma pronominal varia em função de seu grau de ativação na memória de trabalho.

No que diz respeito ao processamento do discurso, foram, até então, consideradas representações que adquirem relativa estabilidade na memória de trabalho, tal como a de um elemento temático e do elemento mantido em foco em um particular segmento discursivo. Não está claro, contudo, como a introdução de um referente novo atuaria na acessibilidade relativa daquelas representações. Uma hipótese tentativa (iii) é a de que um referente novo cria uma alteração de foco local que afeta a acessibilidade daquelas representações na interpretação de formas pronominais. O quanto a interpretação de pro e do pronome é afetada pela introdução de um referente novo no discurso é uma questão a ser aqui investigada.

 

3. Experimentos

Antes do relato dos experimentos cabe uma observação metodológica. Estes experimentos devem ser vistos como ensaios para experimentos com técnicas adequadas à captação de efeitos on line de reativação de uma dada representação e de tempo de processamento. Dificuldades de ordem operacional impossibilitaram o uso dessas técnicas num primeiro momento da pesquisa. Assim sendo, optou-se por proceder ao teste das hipóteses acima formuladas, por meio da técnica tradicional de experimentos de compreensão com adultos — pergunta-resposta off-line, ou seja, após o estímulo lingüístico ter sido processado, a despeito das limitações da mesma. Conseqüentemente, a abordagem à questão da acessibilidade que se torna viável aqui é considerar que a seleção/recuperação de um dado referente é evidência de que este se encontra accessível quando da interpretação da forma pronominal e que a maior freqüência na recuperação de um dado referente para esta forma sugere que o acesso a sua representação é preferencial, embora não necessariamente exclusivo ou imediato.

 

3.1. Experimento 1

3.1.1. Apresentação

O experimento que se segue visa a verificar se a presença/ausência de um vínculo sintático entre orações é um fator que atua no modo como formas pronominais sujeito são processadas. 3 ambientes sintáticos foram criados para o par crítico de orações — orações independentes, coordenadas e temporais. Coordenadas e temporais têm em comum o fato de ambas apresentarem a primeira oração do par como sintática e semanticamente completa. Assim, qualquer efeito do vínculo sintático sobre o modo de interpretação do pronome nessas orações e em orações sintaticamente independentes depende do reconhecimento de marcas tais como o conectivo e o contorno intonacional para que a primeira oração recém-processada seja mantida particularmente ativada na memória. Coordenadas e temporais distinguem-se, entretanto, sintaticamente (as primeiras não apresentando dominância entre si e as segundas sendo imediatamente dominadas pelo nó mais alto do marcador frasal correspondente à sentença) embora possam ser semanticamente equivalentes (dado que orações coordenadas podem apresentar uma relação temporal entre eventos sucessivos). Assim sendo, qualquer diferença entre coordenadas e temporais na interpretação de formas pronominais sujeito irá requerer um refinamento da variável vínculo sintático no que concerne às condições de processamento por ela definidas.

Dois tipos de formas pronominais foram utilizadas — formas manifestas de 3a pessoa do singular (ele/ela) e a forma não manifesta (pro). Parte-se da hipótese de que pro será preferencialmente interpretado como correferente ao sujeito da primeira oração do par crítico independentemente do vínculo entre orações.

Os pares críticos de sentenças (a primeira oração contendo possíveis antecedentes para uma forma pronominal e a segunda uma forma pronominal sujeito) foram inseridos num discurso mínimo, como exemplificado em (cf. Textos 1-3). De modo a contrabalançar o referente do sujeito da primeira oração do par crítico entre os dois referentes já introduzidos no discurso, metade dos textos apresentaram o sujeito da primeira oração do par crítico tendo como referente aquele tomado como elemento temático ou tópico do discurso e outra metade com o sujeito da primeira oração do par crítico como correferente a um elemento não temático (até então secundário). Criou-se, assim, uma nova condição experimental, a ser chamada grau de ativação, como dois níveis, [+ ativado] (correspondendo à situação na qual o elemento temático e o sujeito da primeira oração do par crítico têm o mesmo referente), outro chamado [- ativado], quando o referente desses elementos não coincide.

Tem-se, portanto, três variáveis independentes, num design fatorial 3 (vínculo sintático) X 2 (forma pronominal) X 2 (grau de ativação), no qual o último é um fator grupal:

* vínculo sintático (independentes, coordenadas, temporais);
* termo anafórico (pro e pronome) ;
* grau de ativação (+ / -).

A variável dependente foi o número de respostas em que o pronome sujeito é interpretado como correferente do sujeito da oração anterior para uma pergunta relativa ao referente ao sujeito/agente do verbo na segunda oração do par crítico, como por exemplo, quem viu? Para facilitar a caracterização dessas respostas e o relacionamento dos presentes resultados com resultados anteriores, essas respostas serão chamadas de respostas paralelas, embora não necessariamente estas envolvam um paralelismo sintático (ou configuracional).

A hipótese de que o falante de português lida com uma distinção entre pro e pronome faz prever um maior número de respostas paralelas para pro do que para o pronome. Espera-se, contudo, que essa diferença seja particularmente manifesta em sentenças com vínculo sintático, em função da hipótese de que este fator pode definir as condições de acesso a representação de um SN alternativo ao sujeito da primeira oração do par.

Um efeito do grau de ativação da representação do referente do SN sujeito da primeira oração do par é previsto, com mais respostas paralelas na condição [+]. Esse efeito é, não obstante, previsto de ocorrer particularmente na interpretação do sujeito de orações independentes.

O quadro 1 apresenta exemplos dos textos utilizados, contrastando cada condição experimental:

 

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3.1.2. Método

Sujeitos: 24 falantes adultos de português, estudantes universitários e profissionais de nível superior, com idades de 18 a 50 anos (média 29.4), dos quais 15 eram do sexo feminino foram testados. Os sujeitos foram divididos em dois grupos de 12 (com distribuição semelhante de homens e mulheres) correspondentes aos níveis da variável grau de ativação. Assim, um grupo recebeu apenas textos com o par crítico de orações na condição [+ ativado] e o outro grupo recebeu apenas textos com o par crítico na condição [- ativado].

Material: foram utilizados 24 textos diferentes: 12 tipos de textos correspondentes a duas instâncias de cada uma das 6 condições decorrentes da manipulação de vínculo sintático e forma pronominal, os quais foram variados em função do fator grau de ativação, dando origem a dois conjuntos de textos. Cada um desses conjuntos de 12 textos foi destinado a um grupo de sujeitos, respectivamente. Os textos foram controlados quanto à estrutura sintática das sentenças, levando em conta a transitividade dos verbos, e quanto a possíveis direcionamentos semânticos ou relativos a plausibilidade de eventos. Cada versão dos textos foi impressa em uma ficha tamanho médio, de modo a facilitar a reordenação da ordem de apresentação dos textos a cada sujeito testado. As versões foram distribuídas de forma a cada sujeito ser submetido duas vezes a todas as condições experimentais, sem que um mesmo tipo de texto fosse repetido. Além dos textos experimentais, foram criados textos distratores (isto é, textos apresentados com o intuito de despistar os sujeitos quanto aos reais objetivos do teste e evitar que suas respostas aos textos experimentais sejam produto de estratégias decorrentes de seu entendimento dos objetivos do teste) com estrutura textual semelhante, para serem entremeados aos textos experimentais, seguidos de perguntas tais como o que, onde, em contraste com as perguntas com quem dirigidas aos textos experimentais.

Procedimento: Os sujeitos foram convidados a participar de um experimento sobre compreensão de linguagem. Foram instruídos a ouvir com atenção pequenos textos, apresentados pelo experimentador, de modo a responder a uma pergunta ao final. Três textos de aquecimento, dois destes seguidos de perguntas diferentes do tipo de pergunta da tarefa experimental, foram preparados. Em geral, após dois textos de aquecimento os sujeitos já se viam prontos a desempenhar a tarefa. Todos os textos e perguntas foram apresentados oralmente e as respostas também foram dadas oralmente. A apresentação oral foi preferida por considerar-se que nesta a não recuperabilidade de representações que se esvaem da memória imediata facilita o teste das hipóteses aqui formuladas. As respostas dadas pelos sujeitos também foram gravadas de modo a permitir que as anotações do experimentador fossem conferidas posteriormente. Caso os sujeitos pedissem para repetir um texto, este era passado para o fim da lista de textos. Caso corrigissem uma resposta, as duas eram registradas mas apenas a primeira computada, por corresponder ao referente mais imediatamente acessível. A ordem de apresentação dos textos experimentais foi aleatorizada, evitando-se, contudo, que uma mesma condição fosse apresentada em dois textos sucessivos ou que uma dada condição ocupasse recorrentemente uma certa ordem. A ordem de apresentação dos textos distratores manteve-se fixa entre os sujeitos. A situação de "entrevista" transcorreu informalmente, face a face, ou numa sala vazia da Universidade ou em outro ambiente no qual sujeito/experimentador pudessem estar isolados. A testagem levou em torno de 10 minutos, por sujeito.

 

3.1.3. Resultados.

As respostas paralelas foram submetidas a uma análise da variância de design 3 (vínculo sintático) X 2 (forma pronominal) X 2 (grau de ativação), no qual os dois primeiros fatores foram medidas repetidas. A tabela 1 apresenta a percentagem dessas respostas por condição.

 

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Os resultados foram os seguintes: as três variáveis manipuladas apresentam efeito principal significativo, na direção prevista — Vínculo sintático, F(2,46) = 17.54 p<.0001 (Médias: 1.7 (ind); 1.24 (coo); 1.26 (sub)), com um número maior de respostas paralelas para as formas pronominais sujeito de oração independente; Forma pronominal, F(1,46) = 62.98 p<.0001 (Médias: 1.74 (pro); 1.0 (pronome), com um maior número de respostas paralelas para pro; Grau de ativação, F(1,46) = 9.59 p<.01 (Médias: 1.51 (+); 1.28 (-), obtendo-se mais respostas paralelas quando o sujeito da primeira oração do par e o elemento temático coincidem.

Quanto a interações, o efeito da interação entre vínculo sintático e forma pronominal foi altamente significativo: F(2,92) = 20.72 p< .0001. A Tabela 2 apresenta as médias.

 

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Observa-se na Tabela 2 que o contraste pro/pronome se manifesta em todas as condições, sendo que este se faz particularmente notável na presença de um vínculo sintático. Não há aqui clara evidência de um comportamento diferenciado em relação a coordenadas e temporais, embora essas últimas pareçam admitir mais que as primeiras correferência de pro com um não sujeito e a correferência do pronome com o sujeito. As médias na Tabela 1 sugerem, no entanto, que a direção opostas das médias para coordenadas e temporais na Tabela 1 deve-se à condição - ativada. A interação dos três fatores manipulados não alcançou, contudo o nível de significância, embora se tenha aproximado deste (p<.01). Este quase efeito aponta para uma diferença do efeito de grau de ativação sobre orações independentes e sintaticamente vinculadas, sendo mais visível nas primeiras, no que se refere à interpretação do pronome.

 

3.1.4. Discussão

O efeito principal de forma pronominal confirma resultados anteriores (Corrêa, 1989), demonstrando que o falante de português estabelece um contraste entre pronome e pro. A interação significativa obtida entre forma pronominal e vínculo sintático corrobora ainda a hipótese de que condições de processamento específicas, tais como a caracterizada aqui pelo efeito de vínculo sintático, podem neutralizar este contraste. Em sentenças independentes, a diferenciação entre pro e pronome tende a ser minimizada enquanto que em orações sintaticamente vinculadas, a possibilidade de acesso à representação de dois possíveis antecedentes para a forma pronominal permite que o contraste se estabeleça. Parece, pois, haver dois modos de interpretação de formas pronominais em função das condições de acesso a determinados tipos de representação na memória de trabalho — uma interpretação na qual um antecedente (representação equivalente a de um SN) é recuperado e uma interpretação na qual é recuperada a representação (possivelmente de natureza conceptual) com maior grau de ativação.

O efeito de grau de ativação sugere que o fato de uma representação estar ativada em mais de um nível de atividade da memória de trabalho favorece o acesso a esta quando da interpretação de formas pronominais sujeito. Este efeito se manifesta tanto na interpretação de pro quanto na do pronome. Contudo, enquanto esse efeito sobre pro se manifesta em todas as condições definidas em função de vínculo sintático, no caso do pronome este efeito parece se restringir a (ou a se manifestar caracteristicamente em) orações independentes. O efeito sobre pro independentemente do vínculo sintático sugere que a interpretação da forma fonologicamente vazia é feita por um procedimento de natureza discursiva — manutenção do foco, independentemente do ambiente sintático. A possibilidade de o grau de ativação afetar diferentemente a interpretação de pronomes sujeitos em função da presença/ausência de vínculo sintático é compatível com a diferença aqui proposta para os procedimentos de interpretação dessas formas em função desse fator — em sentenças sintaticamente vinculadas, atuaria uma estratégia de seleção de antecedente e em sentenças sintaticamente independentes, um procedimento de natureza discursiva orientado pela acessibilidade relativa das representações de possíveis referentes para o pronome. A relativa resistência dos pronomes a este efeito de grau de ativação sugere, pois, que o espaço sentencial é prioritário quando da busca de um antecedente para um pronome. Uma amostra ampliada é, contudo, necessária para atestar se estas observações podem ser sustentadas.

 

3.2. Experimento 2

3.2.1. Apresentação

Este experimento segue a lógica do experimento anterior mas restringe-se a verificar a interpretação de formas pronominais como sujeito de orações sintaticamente independentes. Diferentemente daquele, contudo, os textos experimentais foram concebidos de modo que o sujeito da oração imediatamente anterior a que contém a forma anafórica não corresponda necessariamente à representação equivalente ao foco do segmento discursivo na qual o par crítico de orações se encontra. O texto 4 abaixo demonstra o modo como o discurso foi ampliado para essa distinção ser estabelecida (cf. Quadro 2).

 

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Neste texto, tem-se um elemento temático (Janete), que pode ou não ser retomado no segmento discursivo subsequente, introduzido por um marcador (no caso acima "hoje") para mais clara delimitação. Esta referência é mantida por pro numa seqüência de três orações coordenadas e localmente alterada pelo sujeito do infinitivo PRO, o qual é interpretado correferencialmente ao SN objeto da oração imediatamente anterior. Assim, o sujeito da oração imediatamente anterior é necessariamente distinto do foco do segmento discursivo, embora possa coincidir como elemento temático (quando este não é mantido em foco no segmento discursivo em questão).

Este formato de texto permite, assim, que se verifique, mais claramente do que no Experimento 1, quando uma resposta paralela para uma forma pronominal sujeito de oração independente recupera o SN sujeito da oração anterior (como sugerido pela estratégia da função paralela) e quando esta remete ao foco do segmento discursivo no qual se encontra o par crítico de orações. Recuperar o sujeito da oração imediatamente anterior significa recuperar o antecedente de PRO, o qual, dada a cadeia anafórica, é o SN objeto da oração coordenada na qual a oração infinitiva se encaixa. Diante desse formato de texto, é possível manipular grau de ativação em relação ao foco do segmento e ao elemento temático, como no experimento 1, como também introduzir um referente novo como antecedente de PRO, de modo que se verifique o quanto esta introdução afeta o acesso à representação correspondente àqueles. Assim sendo, foi caracterizada uma variável chamada foco, que se manifesta em 3 níveis:

F1: foco do segmento = elemento temático; referente de PRO ¹ elemento temático;
F2: foco do segmento
¹ elemento temático; referente de PRO = elemento temático;
F3: foco do segmento
¹ elemento temático; referente de PRO (novo) ¹ elemento temático.

O texto 1 acima exemplifica a condição F1. Os textos 5 e 6 abaixo, as condições F2 e F3 respectivamente20. Em todas as condições, a forma anafórica foi manipulada (pro e pronome):

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Tem-se, assim, um design fatorial 2 (forma pronominal: manifesta/não manifesta) X 3 (foco: F1, F2, F3), através do qual busca-se verificar que representação se torna mais acessível (aqui entendida como preferencialmente recuperável) em cada contexto definido em função da variável foco. Em todos os textos, a pergunta crítica se refere ao referente da forma pronominal correspondente ao sujeito/agente do verbo da segunda oração do par crítico. Assim, nos textos acima, a pergunta crítica é "quem registou as observações?"

Quanto à variável dependente, essa será função da resposta predominante, contrastando-se respostas paralelas (correspondentes ao referente do sujeito da oração anterior) com respostas foco do segmento, correspondentes à representação do referente do sujeito da primeira oração do segmento discursivo introduzido por um marcador temporal. Com base em estudo da compreensão de formas pronominais no diálogo (Silveira, 1996), assim como nos resultados do experimento 1, espera-se que respostas foco do segmento predominem. Tendo em vista o efeito de grau de ativação no experimento 1, espera-se que foco atue no número de respostas foco do segmento obtidas, com um maior número dessas respostas na condição em que foco do segmento e elemento temático coincidem.

 

3.2.2. Método

Sujeitos: Os sujeitos foram 30 falantes adultos de português, estudantes universitários e profissionais de nível superior, com idades de 18 a 30 anos (média 23.2), sendo 22 do sexo feminino. Tal como no experimento 1, estes foram convidados a participar de uma tarefa de compreensão de linguagem, que se realizou numa sala isolada da universidade ou em outro ambiente onde sujeito e experimentador pudessem ficar isolados.

Material: foram utilizados 6 tipos de textos, cada qual com 6 versões correspondentes às condições experimentais. A elaboração dos textos observou o controle de estrutura sintática, incluindo a transitividade dos verbos, direcionamentos semânticos ou relativos à plausibilidade de eventos, assim como o número de sílabas dos nomes próprios e da sentença crítica. Cada versão foi impressa em uma ficha tamanho médio, tal como no experimento 1, e a ordenação das mesma, preestabelecida em função dos procedimentos acima caracterizados (3.1.2) precedia cada teste. Dado que os textos do presente experimento são maiores dos que os do experimento anterior, cada sujeito foi submetido a apenas uma instância de cada condição. Foram incluídos 12 textos distratores distribuídos de modo a que os textos experimentais não tivessem apresentação contígua. Os textos distratores têm formato semelhante ao dos textos experimentais e as perguntas que os seguem versam sobre uma informação correspondente à macro-proposição do texto ou a um detalhe, de modo a evitar a dependência do ouvinte a apenas um tipo de estratégia de compreensão.

Procedimento: observou-se o mesmo do experimento 1. O tempo de duração foi de cerca de 15 minutos.

 

3.2.3. Resultados

A tabela 3 apresenta a distribuição de respostas foco do segmento (RF) (i.e. correspondentes ao foco do segmento discursivo demarcado pelo marcador temporal) e das respostas paralelas (RP) (i.e. respostas que retomam o antecedente de PRO, sujeito da oração imediatamente anterior a que contém o pronome), por condição experimental.

 

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Observa-se na Tabela 3 que o número de respostas correspondentes ao foco do segmento é predominante em todas as condições exceto F2 pro e F3 pronome. Em F2 pro o número de respostas se distribui eqüitativamente entre respostas foco do segmento (RF) e respostas paralelas RP. Nesta condição a recuperação do referente do sujeito da oração anterior corresponde à recuperação do elemento temático. Observa-se, então, que a dupla ativação desta representação a torna tão acessível quanto a representação correspondente ao foco do segmento. Contudo, esta condição de acessibilidade parece afetar particularmente a interpretação de pro. A interpretação do pronome ainda é feita predominantemente pelo foco do segmento. A condição F3 tem no sujeito da oração imediatamente anterior a que contém a forma pronominal sujeito a recuperação de um referente novo, como antecedente de PRO. Observa-se que a interpretação de pro, embora afetada por esta condição não apresenta tendência à recuperação deste elemento. O foco do segmento continua sendo a opção preferencial e como alternativa a este o elemento temático se apresenta mais acessível que o elemento novo, referente de PRO. O pronome, ao contrário, atrai a referência para o elemento novo, o qual se torna a resposta predominante nesta condição. De modo a verificar se as diferenças observadas são estaticamente significativas, as respostas RF foram submetidas a uma ANOVA 3X2, onde os dois fatores são medidas repetidas.

Os resultados apresentam um efeito altamente significativo da variável foco F(2,58) = 12.6 p<.00001 relativo às médias .85 para F1; .53 para F2 e .48 para F3. Tem-se assim um número predominante de respostas RF na condição F1, na qual o foco do segmento coincide com o elemento temático. Na condição F2, na qual o elemento temático corresponde ao antecedente de PRO, sujeito da oração imediatamente anterior a que contém o pronome, a escolha do antecedente parece ser feita aleatoriamente entre o foco do segmento e o elemento temático. A condição F3 apresenta o menor número de respostas correspondentes ao foco do segmento. Respostas paralelas (RP), em que o referente de PRO, elemento novo é recuperado corresponderam a apenas 36,7% das respostas alternativas ao foco do segmento. Os 14,9% restantes recuperaram o elemento temático.

Também foi significativo o efeito da interação entre foco e forma pronominal F(2,58) = 4,74 p = .01, tal como sugerido pela leitura da Tabela 1. A Tabela 4 corresponde a uma simplificação daquela, apresentando as médias das respostas RF por condição experimental.

 

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Observa-se que nas condições F1 e F3 a direção das médias é oposta a que se verifica na condição F2. Enquanto que naquelas pro obteve um maior número de respostas RF, nesta última, tem-se o reverso — o número de respostas RF é (ainda que pouco) maior quando a forma pronominal é manifesta. Observa-se ainda que enquanto que em F1 há uma pequena diferença entre as médias para pro e pronome, em F3 esta diferença é considerável. Estes resultados reiteram a observação feita anteriormente de que a interpretação de pro, embora afetada pela presença de um elemento novo, como antecedente de PRO em F3, é mais afetada pelo fato de este antecedente corresponder ao elemento temático em F2. O pronome, ainda que afetado de forma semelhante pela recuperação do elemento temático como antecedente de PRO, é muito mais sensível à presença de um elemento novo como antecedente de PRO em F3. Este efeito pode ser ainda mais claramente verificado quando se contrastam, na Tabela 3, as respostas paralelas (correspondentes ao antecedente de PRO) obtidas para pro e pronome na condição F3 (diferença significativa T = -5,04 p < .0001).

 

3.2.4. Discussão

Os resultados deste experimento são compatíveis com a hipótese de que o grau de ativação de uma dada representação na memória de trabalho é um fator a ser levado em conta no modo como formas pronominais sujeito são interpretadas. A condição em que a ambigüidade potencial da referência pronominal é minimizada é aquela em que a representação correspondente ao foco do segmento também se mantém ativada como elemento temático, corroborando resultados relativos à interpretação do pronome em uma situação dialógica (Silveira, 1996). Os presentes resultados sugerem ainda, que a interpretação de pro em sentenças independentes remete diretamente ao mais alto nível de atividade da memória de trabalho no processamento do discurso, ou seja, o nível no qual se mantêm ativados elementos de natureza temática e a partir do qual se promove o monitoramento da compreensão em nível discursivo (cf. Corrêa, 1993). O contraste pro/pronome, praticamente neutralizado nas condições F1 e F2, em consonância com o que foi obtido no Experimento 1, torna a se manifestar na condição F3, ou seja, quando um referente alternativo ao que se apresenta como foco do discurso ou da unidade discursiva em questão se apresenta acessível. No caso de sentenças independentes, a acessibilidade de um elemento alternativo ao que detém o foco da referência parece ficar restrita a condições em que um elemento novo é introduzido e colocado localmente em foco. A recuperação deste como antecedente de PRO parece ser um meio de tornar sua representação particularmente ativada. Do contrário, o contraste entre pro/pronome parece se manifestar no âmbito de sentenças sintaticamente vinculadas, como no Experimento 1, cujo processamento parece garantir o acesso a um SN alternativo ao sujeito da primeira oração do par.

 

4. Discussão geral e conclusão

Este estudo teve como objetivo distinguir condições de processamento que facilitam o uso de estratégias de seleção de antecedentes lingüísticos para uma forma pronominal de condições que favorecem o acesso privilegiado a uma dada representação mantida particularmente ativada na memória, no processamento do discurso. A presença/ausência de um vínculo sintático em um par de orações que contenham uma forma pronominal sujeito e possíveis antecedentes para esta foi apontada como fator que permite distinguir essas condições.

Os resultados obtidos sugerem que a existência de um vínculo sintático, garantindo o acesso a uma representação de natureza sintagmática da primeira oração do par, favorece a seleção de antencendes lingüísticos (SNs) na interpretação de um pronome sujeito. Na ausência desse vínculo, uma representação mais abstrata, mantida particularmente ativada na memória de trabalho é prioritariamente recuperada.

Esses resultados são compatíveis com um modelo da memória de trabalho que opera paralelamente em três níveis de atividade— um nível que mantém ativadas representações dos elementos temáticos do discurso, um nível que mantém particularmente ativada a representação correspondente ao foco de um segmento discursivo e um nível imediato, no qual se mantém a representação de natureza lexical e/ou sintagmática do enunciado em processamento. Observa-se que, quando a representação mantida no nível imediato de atividade da memória apresenta possíveis antecedentes para uma forma pronominal sujeito — o que é facilitado pela existência de um vínculo sintático entre as orações, um destes é selecionado. Do contrário, a representação correspondente ao foco do segmento discursivo é prioritariamente recuperada. A condição de acesso que minimiza a ambigüidade da forma pronominal como sujeito de orações independentes é, contudo, aquela em que um referente se mantém representado em mais de um nível de atividade da memória — como foco do segmento discursivo em questão e como elemento temático.

Na interpretação de formas pronominais sujeito por falantes de português, a ausência de um vínculo sintático entre orações tende a neutralizar o contraste pro/pronome, que se estabelece quando da presença de possíveis antecedentes lingüísticos na memória imediata. Esse contraste pode, contudo, ser restabelecido, quando há uma alteração local do foco do segmento discursivo, tornando acessível uma representação alternativa àquele. Os fatores responsáveis pela alteração local do foco da referência ainda não se encontram precisamente definidos. A introdução de um referente novo tomado com antecedente de PRO (sujeito de infinitivo) parece criar uma condição favorável a essa alteração.

Uma formulação geral para a condição de processamento necessária ao estabelecimento do contraste pro/pronome seria, então, a possibilidade de acesso a uma representação alternativa a que se mantém prioritariamente em foco (particularmente ativada), seja no âmbito de um enunciado, quando estratégias de seleção de um antecedente lingüístico podem ser operativas, seja no âmbito de um segmento discursivo mais amplo. As alterações de foco características da dinâmica do discurso tornam a referência do pronome pleno particularmente vulnerável. Essa observação reitera a tese de que não é necessário atribuir plurifuncionalidade ao pronome para dar conta do fato de este poder recuperar tanto a representação mantida em foco no segmento discursivo em processamento quando um representação mais imediatamente acessível (Corrêa, 1993; 1996).

Diante dos presentes resultados e considerações, estratégias tais como a da função paralela são de relevância bastante limitada no processamento lingüístico. Essa estratégia seria operativa em sentenças sintaticamente vinculadas em línguas, como o inglês, em que um contraste pro/pronome não se estabelece. Contudo, o uso dessa estratégia não seria necessariamente decorrente da reativação da forma da primeira oração do par, quando do processamento da segunda, como recentemente sugerido (Smyth, 1993), do contrário, resultados semelhantes aos obtidos em inglês deveriam ser encontrados em português, a despeito da possibilidade de um contraste entre pronome e pro nessa língua.

A despeito das limitações advindas da metodologia através da qual a presente investigação foi conduzida, os resultados obtidos são compatíveis com uma teoria de processamento lingüístico na qual o conceito de acessibilidade apresenta-se como fundamental. O uso de estratégias de seleção que levam em conta propriedades formais do material lingüístico estaria subordinado a uma particular condição de acessibilidade, qual seja, de acesso à representação de natureza sintagmática da oração que contém possíveis antecedentes para o pronome.

(Recebido em julho de 1997. Aceito em dezembro dee 1997)

 

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*  Este texto corresponde a uma versão ampliada de parte do texto apresentado na Mesa-Redonda Tendências da Psicolingüística do I Encontro do CELSUL, Florianópolis, 1995. Os experimentos reportados foram realizados como parte de projeto de pesquisa financiado pelo CNPq (523562/94-2).

1 O termo interpretação tem diferentes usos nas literaturas lingüística e psicolingüística. No âmbito da Lingüística, interpretação remete a um procedimento semântico que opera sobre objetos formais (tais como sentenças representadas em um particular nível de descrição lingüística ) nos quais dois ou mais elementos apresentam-se co-indexados. A co-indexação de elementos lingüísticos traduz uma vinculação sintaticamente licenciada entre estes e implica correrefência. A interpretação semântica consiste no estabelecimento da relação de vinculação e/ou de correferencialidade entre estes termos. No âmbito da Psicolingüística, interpretação diz respeito à atribuição de sentido a um enunciado lingüístico pelo falante/ouvinte. No processamento de enunciados vinculados a um contexto, o processo de interpretação irá incluir a atribuição de um referente ou classe de referentes para uma unidade semântica de natureza referencial (argumento). Este processo de interpretação será informado pelo conhecimento sintático e semântico passível de ser formalizado no âmbito de teorias lingüística assim como poderá levar em conta fatores relativos a condições de processamento específicas. É com esse sentido que o termo interpretação estará sendo utilizado aqui.

2 As restrições à correferencialidade que se impõem a formas pronominais podem ser vistas como decorrentes de princípios da Gramática Universal, tal como expressos na Teoria da Ligação (Chomsky, 1981), assim como decorrentes do modo de realização da língua no discurso (cf. Kuno, 1985).

3 Tradicionalmente, a identificação de antecedentes que leva em conta propriedades semânticas de verbos é vista como um procedimento estratégico (cf. Caramazza & Gupta, 1979). Este entendimento do processo de interpretação não é, contudo, necessário. Se o reconhecimento lexical atualizar uma determinada grade de predicados que permita eliminar, de antemão, elementos do conjunto de antecedentes possíveis para uma forma pronominal, então a atuação de fatores de ordem semântica torna-se determinística e automática (no sentido de dependente de conhecimento lexical/gramatical) e não estratégica. O conceito de estratégia ficaria, assim, restrito a procedimentos que levassem em conta fatores tais como a plausibilidade de eventos no mundo de referência.

4 O termo representação refere-se a uma entidade mental mantida por um sistema de memória, seja temporariamente, durante a realização de uma tarefa cognitiva, seja a longo termo. Representações mentais são resultantes de processos cognitivos tais como percepção e processamento de informação (em sentido amplo), servindo também de input no processamento. Trata-se, portanto, de um construto teórico que advém de uma concepção de mente como sistema de natureza simbólica e computacional, que corresponde a um nível funcional de teorização acerca dos processos cognitivos, que se materializam na atividade cerebral.

5 Toma-se aqui o sentido tradicional de anáfora. Formas nominais definidas e formas pronominais manifestas e não manifestas serão consideradas formas ou termos anafóricos tendo em vista que não há, no presente contexto, necessidade de se estabelecer uma distinção gramatical em função da oposição entre os traços pronominal e anafórico, tal como introduzida no contexto da teoria gerativa (Chomsky, 1981, p. 330).

6 A possibilidade de um SN sujeito em posição inicial na sentença ter seu referente imediatamente acessado é objeto de controvérsia (cf. Altmann, 1989). Esse problema tem sido discutido especificamente em relação ao processamento de SNs com modificadores restritivos tais como Spreps e orações relativas, nos quais um contexto referencial apropriado (no qual o modificador permita a identificação de um particular referente, ou, em outras palavras, no qual todas as pressuposições referenciais do SN sejam satisfeitas) pode ou não atuar nas preferências do parser, ao decidir em que nó da estrutura sintática atribuída ao enunciado (qua sentença) um dado sintagma deva ser associado. O Princípio (de parsing) do Apoio Referential (Principle of Referencial Support") foi formulado para explicar essas preferências (Altmann & Steedman, 1988) , nos seguintes termos: "Uma análise de SN que tenha apoio referencial será preferida a uma que não o tenha" (Altmann & Steedman, 1988, p.201, tradução nossa). Assim sendo, o princípio prevê que a necessidade de identificar um dentre mais de um possíveis referentes para um NP potencial determina se um sintagma estruturalmente ambíguo será processado ou não como modificador do nome. Por outro lado, Clifton & Ferreira (1989) apresentam resultados que sugerem que informação contextual (como a de haver mais de um possível referente para um SN potencial) não impedem efeitos de "garden-path" (labirinto) decorrentes da atuação do Princípio (de parsing) da Associação Mínima (Minimal Attachment), segundo o qual, diante de uma ambigüidade estrutural, o parser privilegia uma análise na qual não é necessária a criação de um novo nó estrutural (no marcador frasal que está sendo construído durante o processamento sintático da sentença) para a associação do sintagma que admite ambigüidade de análise, independentemente de qual seja a informação contextual disponível. Em Corrêa (1995), o padrão de respostas de crianças para sentenças com orações relativas em SN sujeito e objeto em diferentes tarefas experimentais foi interpretado à luz de um modelo de parsing no qual o processamento de SNs em sentenças a serem interpretadas em contexto promove a busca de um referente para este antes que o processamento da oração seja concluído. O comportamento de crianças ao imediatamente pegar o objeto referido enquanto a sentença teste estava sendo proferida é compatível com a idéia de mapeamento imediato. Contudo, essa possibilidade não necessariamente impede efeitos de garden path em sentenças cuja forma induza preferencialmente uma particular análise, tendo em vista que o ouvinte/leitor tem acesso a informação subsequente a possíveis fronteiras de SN e o fechamento de um SN numa possível fronteira pode depender de um procedimento de look-ahead (cf. Corrêa, 1995). Assim sendo, o quão imediato é o acesso ao referente de um SN poderá depender de fatores tais como a compatibilidade da forma da sentença com o fechamento de um SN numa particular fronteira potencial (i.e. após um N, um Adj., um SPrep...), o comprimento do SN potencial e sua posição na oração. Dessa forma, a recuperação do referente de um SN sujeito enquanto uma sentença é processada não necessariamente implica a interferência de informação contextual na condução do parsing, como o debate na literatura faz crer (cf. Clifton & Ferreira, 1989; Steedman & Altman, 1989).

7 Entende-se por memória de trabalho um sistema de memória que possibilita a manutenção temporária de representações mentais formadas durante o desempenho de uma tarefa cognitiva . O conceito de memória de trabalho não se encontra definido de forma única na literatura (cf. Logie, 1996, para diferentes conceitos de memória de trabalho e sua evolução). Contudo, existe razoável consenso quanto: (i) necessidade de supor um sistema dessa natureza no processamento de informação; (ii) à necessidade de um modelo de memória de trabalho incorporar um componente de curto-prazo: (iii) à possibilidade de representações serem mantidas em diferentes graus de ativação e com estabilidade diferenciada; (iv) à necessidade de uma estratificação do sistema em função da natureza das atividades desempenhadas e (v) à necessidade de o sistema incorporar um elemento gerenciador do processamento de informação. O modelo de memória de trabalho aqui assumido é compatível com esses pressupostos. Foi concebido com o intuito de prover um aparato teórico que facilite o tratamento integrado da atividade de processamento em nível sentencial e em nível discursivo.

8 Segmento discursivo é entendido como uma unidade de processamento que promove o desenvolvimento de um plano temático e na qual a referência a um tópico é mantida. Essa unidade é usualmente delimitada por um marcador discursivo ou por um SN definido e pode se restringir a uma sentença. O termo foco é aqui usado para caracterizar representações (caracteristicamente de origem nominal) mantidas em estado de intensa ativação na memória de trabalho para as quais converge a informação processada em uma dada unidade discursiva, oracional ou frasal. Este sentido não está necessariamente associado à carga informacional do enunciado nem à posição final na sentença (cf. Jarvella & Elgenkamp, 1983, para uma revisão do conceito de natureza informacional de foco). Assume-se que o primeiro SN de uma sentença introduz a representação a ser, a princípio, posta em foco ao longo do processamento de uma unidade sentencial ou discursiva. Este estado pode, contudo, ser temporária ou definitivamente alterado à medida que a unidade em questão é processada. Os fatores que promovem a alteração do foco da referência ainda não se encontram satisfatoriamente identificados. Formas nominais definidas em SN sujeito tendem a alterar o foco da referência e o tipo de oração na qual esse SN ocorre pode determinar o escopo dessa alteração (cf. Corrêa, 1993). O aspecto do verbo pode também contribuir para que uma dada representação permaneça ou não como foco da referência (Corrêa, projeto em andamento (CNPq523434/96)). Assim sendo, do modo como o termo foco é entendido aqui, aquilo que é tradicionalmente caracterizado como tópico ou tema de um enunciado estaria, by default, em foco na memória de trabalho do falante/ouvinte.

9 Existe evidência de que o português esteja evoluindo de uma marcação positiva para uma negativa dentro deste parâmetro. Esta evolução se manifesta, contudo, caracteristicamente na primeira e na segunda pessoas, como demonstrado em estudo diacrônico (Duarte, 1993).

10 A forma fonologicamente nula pro apresenta-se em correspondência ao pronome pessoal manifesto e distingue-se da categoria vazia PRO, que representa o sujeito do infinitivo em estruturas de controle. Tendo em vista que a caracterização gramatical de categorias vazias facilita a articulação entre modelos de gramática e modelos de processamento, assume-se, neste estudo, a caracterização gramatical de pro, preferindo-se este termo ao seu equivalente, menos comprometido teoricamente, Ø .

11 A interpretação de formas pronominais pode não envolver a identificação ou seleção de um antecedente lingüístico. No exemplo abaixo, o referente do pronome/pro é inferido pelo ouvinte/leitor a partir de informação recém-processada, levando em conta esquemas de conhecimento atualizados na compreensão da linguagem. Representações de natureza conceptual inferidas ou particularmente ativadas na memória de trabalho podem, assim, interpretar uma forma pronominal (Garnham & Oakhill, 1992). — Onde posso encontrar um prato? — Eles/pro estão na segunda prateleira do armário.

12 Essas mesmas condições se aplicam a procedimentos de natureza gramatical tais como os que interpretam reflexivos e constituintes vazios em construções com "gaps", como relativas.

13 Essas condições também se aplicam a procedimentos de natureza estratégica que levem em conta fatores que remetam ao "modelo de mundo" do falante/ouvinte.

14 A estratégia da função paralela foi originalmente formulada por Sheldon (1974) em relação `a suposta atribuição de uma função sintática para o pronome relativo por crianças em tarefas de compreensão. Este procedimento foi indevidamente generalizado para a interpretação do pronome sujeito em orações coordenadas e foi com o sentido assumido ao descrever esse processo que tal estratégia foi absorvida na literatura (cf. Corrêa, 1995). É, portanto, o procedimento de interpretar um pronome pessoal como correferente de um SN de mesma função (e não a atribuição da função sintática do antecedente a um pronome relativo) que estará sendo considerado no presente artigo.

15 Não é claro o status gramatical da coordenação. Sua caracterização gramatical constitui um problema teórico de difícil solução e sua identificação no discurso oral é problemática (Rodrigues, 1996). Parece que o contorno entonacional que torna ou não pares de orações um grupo tonal pode ser tomado como um fator crucial na distinção entre uma coordenação sintática e uma concatenação discursiva por meio de marcadores como e, e então, etc. É possível, pois, que a coordenação seja mais apropriadamente caracterizada na interface sintaxe/fonologia. A principal implicação do fator prosódico para o processamento lingüístico seria o acesso diferenciado à representação sintagmática a primeira oração do par na memória de trabalho. As condições de processamento associadas à coordenação estão sob investigação (Corrêa, projeto de pesquisa em andamento (CNPq523434/96)).

16 O tipo de representação gramatical do sujeito nulo que melhor capta o conhecimento lingüístico do falante de português é objeto de controvérsia. Enquanto Duarte (1995, apud Novaes, 1996) defende a proposta de o sujeito nulo ter natureza pronominal independentemente de pessoa, Figueiredo Silva (1994, apud Novaes, 1996) apresenta argumentos a favor da possibilidade de o sujeito nulo em português ter, também independentemente de pessoa, status de variável. Novaes (1996), por outro lado, considera que o sujeito nulo pode ser representado como pronome, no caso da 1a pessoa (tendo, assim, referência autônoma do sujeito da matriz em orações dependentes) e como variável no caso da 3a. Contudo, a possibilidade de haver sujeito nulo em orações relativas com foco no objeto (reconhecida em Novaes, 1996, p. 103), assim como a ambigüidade da referência de pro nos exemplos (h-i) deste artigo, trazem dificuldades para essa proposta.

17 Variável formal é definida em Montalbetti (1984), tal como em (Higgenbothan, 1983), como uma categoria vazia proveniente de movimento de quantificador.

18 Considera-se necessário distinguir dois tipos de representação semântica — uma representação semântica em sentido estrito, que seria decorrente do parsing (processamento sintático) do enunciado aliado a um processamento semântico de base lexical e uma representação semântica em sentido amplo, a qual seria decorrente do relacionamento da primeira com o contexto de enunciação, com o conhecimento "enciclopédico" do ouvinte, assim como com outras representações semânticas presentes na memória de trabalho ao longo do processamento do discurso. Não está claro, contudo, a partir de que ponto do processamento lexical e do parsing representações semânticas em sentido estrito se relacionam com informações/representações de outras fontes. Em particular, não está claro se a relação entre o enunciado processado e o universo de referência se dá após o processamento sintático e semântico de uma unidade oracional ou se há um mapeamento imediato de SNs, como expressões referenciais, assim que estes são processados (cf. nota 5).

19 Ver nota 8.

20 A inclusão de um um nível F4, correspondente à condição em que o elemento temático é igual ao foco do segmento e um referente novo é introduzido em SN objeto, ao qual remete o sujeito de PRO, tornaria o design mais equilibrado. Esta condição não foi, contudo, especificada neste experimento pois isto aumentaria substancialmente o número de textos por sujeito, o que tornaria a tarefa cansativa, comprometendo a qualidade das respostas obtidas. Alternativamente, poder-se-ia, tomar foco como variável inter-sujeitos, expondo diferentes grupos a diferentes condições. Isso iria requerer, contudo, que se ampliasse substancialmente a amostra. Como este experimento foi conduzido como um ensaio, optou-se por lidar com apenas três níveis da variável foco, sendo a inclusão de uma nova condição F4 prevista para teste por meio de técnicas (leitura auto-monitorada, por exemplo) que facilitem a apresentação de um maior número de textos a cada participante do experimento.