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Revista Brasileira de Psiquiatria - Evaluation of the medical orientation for the benzodiazepine side effects

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Revista Brasileira de Psiquiatria

Print version ISSN 1516-4446

Rev. Bras. Psiquiatr. vol.26 no.1 São Paulo Mar. 2004

http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462004000100008 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação da orientação médica sobre os efeitos colaterais de benzodiazepínicos

 

 

Luciana AuchewskiI; Roberto AndreatiniI; José Carlos F GaldurózII, III; Roseli Boerngen de LacerdaI

IDepartamento de Farmacologia, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, PR, Brasil
IIDepartamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina. São Paulo, SP, Brasil
IIICentro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID). São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVOS: Os benzodiazepínicos, pelos seus empregos como ansiolítico, hipnótico, miorrelaxante e anticonvulsivante, são muito prescritos. Os efeitos colaterais que comprometem o paciente são: diminuição da atividade psicomotora, interação com outras drogas, como o álcool, e o desenvolvimento de dependência. Neste estudo, avaliou-se a qualidade da orientação médica sobre esses efeitos colaterais.
MÉTODOS: Foram entrevistados 120 pacientes (39 homens e 81 mulheres) com idade média de 48 anos que procuraram as farmácias de Curitiba, Paraná, para comprar benzodiazepínicos. Para avaliar as orientações médicas recebidas sobre os efeitos colaterais dos medicamentos, aplicou-se um questionário com perguntas abertas e estimuladas.
RESULTADOS: Treze por cento dos pacientes relataram ter sido orientados sobre os três tipos principais de efeitos colaterais, 27% a respeito de pelo menos dois e 40% sobre pelo menos um, enquanto que 19% não recebeu nenhuma orientação. A qualidade da orientação não foi influenciada pelo grau de instrução do paciente, pela especialidade do médico prescritor e pelo tipo de atendimento (particular ou público). Houve predomínio da orientação ''não beber'' (85%), seguida do cuidado para operar máquinas e dirigir veículos (46%), e por último, a orientação sobre o desenvolvimento de dependência (31%).
CONCLUSÃO: Os resultados sugerem que os médicos estavam mais preocupados com o risco de interação com o álcool, que pode ser fatal. O elevado número de pacientes que usavam a medicação de modo contínuo por mais de um ano (61%), o insucesso na interrupção da medicação (94%) e a pouca orientação sobre o tempo de uso do medicamento (22%) podem indicar a falta de preocupação do médico com a possível dependência induzida pelos benzodiazepínicos.

Descritores: Agentes antiansiedade. Benzodiazepínicos. Prescrições. Efeitos adversos.


 

Introdução

Os benzodiazepínicos estão entre as drogas mais prescritas no mundo. São utilizados principalmente como ansiolíticos e hipnóticos, além de possuir ação miorrelaxante e anticonvulsivante.1 Estima-se que o consumo de benzodiazepínicos dobra a cada cinco anos. Em Belo Horizonte (MG), por exemplo, o uso de agentes ansiolíticos-hipnóticos em idosos atingiu índices de 95% dos entrevistados; em uma pequena cidade de São Paulo, 50% dos entrevistados usavam benzodiazepínicos.2,3 Nos anos de 1988 e 1989, o consumo brasileiro de benzodiazepínicos foi de aproximadamente 20 DDDs (doses diárias definidas), semelhante ao dos Estados Unidos.4 Segundo Paprocki, o consumo crescente de benzodiazepínicos pode ser resultado de um período particularmente turbulento que caracteriza as últimas décadas da humanidade. A diminuição progressiva da resistência da humanidade para tolerar tanto estresse, a introdução profusa de novas drogas e a pressão propagandística crescente por parte da indústria farmacêutica ou, ainda, hábitos de prescrição inadequada por parte dos médicos podem ter contribuído para o aumento da procura pelos benzodiazepínicos.5

Embora sejam drogas relativamente seguras, restrições à sua utilização têm sido cada vez maiores, devido à incidência dos efeitos colaterais,1 relacionados à depressão do sistema nervoso central.6,7 Dentre eles, os principais são a diminuição da atividade psicomotora, o prejuízo na memória, a desinibição paradoxal, a tolerância e dependência e a potencialização do efeito depressor pela interação com outras drogas depressoras, principalmente o álcool.8 Além disso, a depressão e a distimia podem ocorrer conseqüentemente ao uso de alprazolam e clonazepam.9

A orientação médica relacionada ao uso dos benzodiazepínicos é um fator muito importante para minimizar a incidência dos efeitos colaterais.10 Os pacientes que utilizam medicação benzodiazepínica devem ser orientados sobre a ocorrência da diminuição da atenção que, conseqüentemente, pode aumentar o risco de acidentes com automóveis e outras atividades psicomotoras.6,11

Gorenstein relata que a administração prolongada de benzodiazepínicos, mesmo em doses baixas, induz a prejuízos persistentes nas funções cognitivas e psicomotoras.12 A orientação médica sobre a interação com o álcool, dado seu intenso uso, também é muito importante, uma vez que pode ocorrer depressão respiratória grave e fatal pelo sinergismo do efeito depressor.13 Outra característica relevante deste tipo de medicamento é o aparecimento da tolerância e dependência.8 O efeito da dependência deve ser amplamente prevenido pelo médico através do uso de dosagens mínimas e por períodos de tratamento o mais curto possível e pela seleção cuidadosa do paciente, evitando prescrever esse tipo de medicamento a pacientes com história ou propensos à drogadição.9,14

O retorno do paciente ao médico periodicamente é um fator de importância para o monitoramento da dose, avaliação dos efeitos colaterais e da resposta terapêutica.15 A prescrição racional de benzodiazepínico deve ser encorajada e feita em condições apropriadas, com monitoramento cuidadoso, sempre objetivando estabelecer um bom vínculo com o paciente. Com esse tipo de abordagem, é possível minimizar os efeitos colaterais e evitar o desenvolvimento de dependência.16

A irracionalidade no uso de benzodiazepínicos vem sendo uma prática muito comum por parte dos médicos que, muitas vezes, não apresentam conhecimento suficiente de psicofarmacologia, o que torna a prescrição um ato acrítico e desbalanceado. Seria necessária a adoção de medidas urgentes que estimulem o uso racional destes medicamentos.17

A ausência de trabalhos que analisem a orientação médica sobre o uso dos benzodiazepínicos despertaram o interesse em verificar a qualidade da orientação sobre seus efeitos colaterais mais relevantes, como prejuízo psicomotor, interação com outros depressores e potencialidade em causar dependência.

 

Métodos

Sujeitos

Cento e vinte pacientes voluntários adultos, homens e mulheres, foram contatados na ocasião da aquisição de benzodiazepínicos na farmácia.

Instrumento de pesquisa

Foi elaborado um questionário para avaliar as orientações fornecidas pelos médicos aos pacientes sobre os efeitos colaterais dos benzodiazepínicos (Quadro). Consistia de perguntas sobre os dados sociodemográficos dos pacientes (questões 1 a 5), o tipo de atendimento médico recebido (questões 6 a 8), particularidades sobre o benzodiazepínico prescrito (questões 9 a 20), orientações recebidas do médico, perguntadas de forma aberta (questão 21) e estimulada, apresentando os três principais efeitos colaterais desses medicamentos (questões 22 a 24).

 

 

Procedimento experimental

Foi verificado o número total de farmácias da região de Curitiba (647) no mês de dezembro de 2000, com o auxílio dos oito distritos sanitários que integram a vigilância sanitária municipal. A amostra foi escolhida aleatoriamente a partir da representação estratificada das farmácias das diferentes regiões de Curitiba, correspondendo a 10% do total de farmácias (N=64). Para atingir esse número, foram visitados 89 estabelecimentos selecionados aleatoriamente, dentre os quais 28% dos farmacêuticos consultados recusaram-se a participar. O farmacêutico de cada farmácia selecionada era previamente esclarecido sobre o propósito da pesquisa, cabendo a ele efetuar o primeiro contato com os pacientes que se dirigiam à farmácia com o propósito de adquirir a medicação benzodiazepínica. Após a explicação ao paciente sobre os objetivos do estudo e a aceitação de participação no estudo, o farmacêutico entregava-lhe um termo de consentimento informado e solicitava um telefone para contato posterior do pesquisador. A escolha dos pacientes que seriam convidados a participar fundamentou-se na ordem de chegada à farmácia e ao fluxo de atendimento. Ou seja, quando o fluxo era muito intenso, o farmacêutico não conseguia abordar o paciente. Desta forma, em farmácias localizadas em regiões mais populosas, o contato com os pacientes necessários foi atrasado. Foram contatadas duas pessoas por farmácia selecionada, totalizando 120 pacientes, que receberam um código de identificação para garantir o anonimato. Oito pacientes se recusaram a participar após o contato com o pesquisador.

Análise estatística

O teste do qui-quadrado (c2) foi usado, empregando-se a correção de Yates para números inferiores a 10, e teste de Fisher quando a freqüência esperada era menor do que 5, considerando-se significantes os valores de p<0,05. Foram realizadas comparações entre as freqüências de pacientes, considerando-se os seguintes parâmetros: tipo de orientação recebida, qualidade de orientação recebida, especialidade médica e forma de perguntar (aberta ou estimulada). O coeficiente de contingência foi utilizado para verificar as relações entre qualidade de orientação e atendimento médico, qualidade de orientação e grau de instrução, especialidade médica e tipo de orientação recebida. O nível de significância também foi de 5,0%. As análises foram realizadas pelo programa Statística – Statsoft (versão 5.5).

Ética

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Seres Humanos do Hospital de Clínicas da UFPR. Após a explicação dos objetivos do projeto e do convite para participação, os voluntários assinavam o termo de consentimento de participação.

 

Resultados

Caracterização da amostra

Dos 120 pacientes contatados, cuja faixa etária ia de 18 a 76 anos (48±13,8, média ± desvio padrão), 67% eam do sexo feminino, 73% eram católicos, 39% relataram renda familiar de quatro a sete salários e 45% tinham o 1º grau completo. Sessenta e três por cento dos pacientes foram atendidos por convênio médico e 24% pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Orientação recebida do médico sobre os efeitos colaterais dos benzodiazepínicos

Entre os diversos efeitos colaterais dos benzodiazepínicos, a análise das orientações recebidas foi centralizada para os efeitos que tinham o potencial de ameaçar diretamente a vida do paciente e cuja orientação médica sobre eles deveria ser essencial. Esses efeitos foram classificados como: diminuição da atenção, interação com o álcool e o risco potencial de dependência.

Na Tabela 1, estão relacionadas todas as orientações que os pacientes relataram ter recebido do médico. Elas foram obtidas através da questão aberta e das estimuladas. Na primeira (questão 21), o paciente relatava as orientações que lembrava espontaneamente, enquanto que nas questões estimuladas (questões 22 a 24) as perguntas eram direcionadas para obter as orientações que foram classificadas como essenciais. As respostas relacionadas às orientações sobre interação com o álcool foram denominadas de ''não beber''; as que se relacionaram com a influência do medicamento sobre a capacidade motora e da concentração foram chamadas de ''atenção'' e a orientação sobre não usar por período prolongado foi designada como ''dependência''.

 

 

A partir dos três tipos de orientações consideradas como essenciais, efetuou-se uma classificação para avaliar a qualidade da orientação fornecida pelo médico. Esta classificação de qualidade foi representada em cruzes. A orientação de melhor qualidade (+++) foi determinada quando o paciente recebeu os três tipos de orientação simultaneamente (não beber, atenção e dependência); a de média qualidade (++) quando o paciente recebeu dois tipos de orientação simultaneamente (não beber e atenção ou não beber e dependência ou atenção e dependência) e quando o paciente recebeu ao menos um tipo de orientação (não beber ou atenção ou dependência) a orientação foi avaliada como de menor qualidade (+).

Essa classificação da qualidade das orientações e as freqüências observadas nas perguntas abertas e estimuladas podem ser vistas na Tabela 2. A orientação classificada +++ não foi relatada através da pergunta aberta e 13% dos pacientes relataram ter recebido as três orientações quando a pergunta foi estimulada. (c2: 15,07; p<0,001). Também para a orientação ++, o estímulo promovido facilitou a lembrança da orientação recebida; a freqüência na questão estimulada (27%) foi estatisticamente superior à obtida na questão aberta (10%) (c2: 12,06; p<0,001).

 

 

Para a orientação +, 38% dos pacientes recordaram espontaneamente ter recebido pelo menos um tipo de orientação. Mesmo quando foram estimulados, esse percentual permaneceu praticamente inalterado atingindo 40% das respostas. (c2: 0,07; p>0,05).

Para quantificar a ocorrência de cada tipo de orientação, procedeu-se à somatória dos indivíduos que citaram aquele tipo de orientação presente nas diferentes classes de qualidade. Para verificar qual foi a orientação mais citada, comparou-se o total das orientações de ''não beber'' com ''atenção'', de ''não beber'' com ''dependência'', de ''atenção'' com ''dependência'', obtido tanto pela pergunta aberta como pela estimulada. Para a pergunta aberta, observou-se uma diferença significante (c2: 4,62; p<0,05) ao comparar ''não beber'' (24%) com ''dependência'' (13%). As demais comparações não revelaram significância estatística. Para este tipo de pergunta houve predomínio da orientação de ''não beber'' e de ''atenção'', ou seja, os pacientes lembravam espontaneamente das orientações de ''não beber'' (24%) e de ''atenção'' (21%) igualmente (c2: 0,38; p>0,05).

No caso da pergunta estimulada, todas as comparações entre os tipos de orientação foram estatisticamente significantes: ''não beber'' X ''atenção'': c2: 25,56 p<0,001; ''não beber'' X ''dependência'': c2: 48,65 p<0,001; ''atenção'' ''X dependência'': c2: 4,30 p<0,05. Para esta forma de perguntar ocorreu predomínio da orientação de ''não beber'' (71%), seguida da orientação de ''atenção'' (38%) e da orientação de ''dependência'' (26%).

Na Tabela 3, pode-se observar as freqüências de respostas obtidas pelas perguntas estimuladas, entre os pacientes com diferentes graus de instrução. O cálculo do coeficiente de contingência revelou que não existiu relação entre a qualidade de orientação do médico relatada pelo paciente e o seu grau de instrução (c2: 11,85; p>0,05).

 

 

Na mesma Tabela 3, pode-se observar as freqüências de respostas obtidas pelas perguntas estimuladas dos pacientes que foram atendidos por diferentes tipos de atendimento, classificados como particular, convênio e Sistema Único de Saúde (SUS). O coeficiente de contingência obtido (c2: 7,53; p>0,05) revelou que a qualidade da orientação médica fornecida não depende do tipo de atendimento que o paciente foi submetido.

Outra abordagem diz respeito à influência da especialidade médica sobre a qualidade da orientação sobre os efeitos colaterais dos benzodiazepínicos (Tabela 3). Para todas as comparações entre as especialidades médicas, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes para as classes de qualidade de orientação. Outra preocupação era verificar se especialidade médica e tipo de orientação recebida tinham alguma relação. Foram encontradas diferenças significativas para a orientação de ''não beber'' entre clínicos e neurologistas (c2: 5,01; p<0,05) e para a orientação de ''dependência'' entre clínicos e psiquiatras (c2: 5,42; p<0,05). Os dados mostraram que a orientação ''não beber'' foi mais valorizada pelos clínicos (81%) do que pelos neurologistas (54%) e a orientação sobre ''dependência'' foi mais valorizada pelos clínicos (39%) do que pelos psiquiatras (12%).

Preocupação com a dependência

Alguns itens do questionário (Quadro) foram incluídos para avaliar se havia uma preocupação do médico com relação à dependência aos benzodiazepínicos, como: freqüência da consulta (item 8); quantidade de medicamento prescrita por consulta (item 9); tipo de uso (item 14); tempo de uso (item 13); tentativa de interrupção da medicação (itens 15, 16, 17 e 18); informação médica sobre o tempo de uso da medicação (item 19). Os dados colhidos nesses itens estão mostrados na Tabela 4.

 

 

Com relação à freqüência das consultas, notou-se que a grande maioria dos pacientes (83%) retornava ao médico entre um e três meses para nova consulta. No entanto, observou-se que 61% dos pacientes usavam a medicação por mais de um ano e predominantemente de modo contínuo (71%). Além disso, os pacientes adquiriram cerca de 60 comprimidos por consulta e a maioria deles (78%) relatou que o médico não orientou sobre o tempo de uso da medicação.

Observou-se que 42% dos pacientes fizeram anteriormente tentativas de interrupção da medicação; desses, apenas 6% apresentaram sucesso. Somente 21% dos pacientes entrevistados foram orientados pelo médico a reduzir a dose da medicação. Dos 43 pacientes que fizeram tentativa de interrupção e não conseguiram, 41 deles usavam a medicação por mais de um ano.

 

Discussão

A orientação médica sobre os efeitos colaterais dos benzodiazepínicos na região de Curitiba está distante de ser a ideal, mesmo quando o paciente foi estimulado a recordar da orientação recebida. A grande diferença observada na freqüência de respostas obtida por perguntas abertas ou estimuladas sugere que o paciente não lembrou da orientação ou não valorizou o que o médico orientou ou, ainda, a ênfase dada pelo médico para os cuidados com o uso dos benzodiazepínicos foi insuficiente. É importante salientar que a metodologia empregada no trabalho fundamenta-se na lembrança do paciente, o que mostra que mesmo o médico tendo ressaltado a importância dos efeitos colaterais dos benzodiazepínicos, os pacientes podem ter esquecido. De qualquer forma, o principal objetivo do trabalho era verificar se os pacientes estavam devidamente conscientizados sobre os riscos do uso de benzodiazepínicos.

O fato da orientação mais citada ter sido ''não beber'' demonstra que a classe médica confere maior relevância à interação farmacológica, já que a intoxicação resultante pode ser grave e fatal, mesmo que o indivíduo utilize o álcool socialmente. Este resultado também pode ter sido influenciado pela questão cultural de pacientes e médicos a respeito do conceito popular de incompatibilidade do álcool com medicamentos em geral.

Como as orientações recebidas foram avaliadas através de entrevista aplicada aos pacientes, um questionamento pertinente refere-se à compreensão que eles apresentaram quando foram orientados pelos médicos. Para analisar o efeito do nível de compreensão sobre as orientações relatadas, comparou-se a freqüência de respostas obtida considerando-se os diferentes graus de instrução dos pacientes. Não foram encontradas diferenças significativas entre os pacientes com diferentes graus de instrução, sugerindo que a compreensão das orientações relatadas pelos pacientes não dependeu do grau de instrução. Outra consideração seria quanto à ênfase da abordagem feita pelos médicos adequada ao grau de instrução do paciente. No entanto, tal análise não é possível nesse presente trabalho.

Outra evidência encontrada diz respeito à influência do tipo de atendimento médico realizado, quer seja particular, por convênio ou através do SUS. Poder-se-ia esperar que o tipo de atendimento pudesse refletir a qualidade da orientação, uma vez que, teoricamente, o médico teria mais tempo para dedicar-se ao paciente nos atendimentos particulares ou por convênio. Porém, não foi detectada qualquer relação entre tipo de atendimento e qualidade na orientação sobre os efeitos colaterais dos benzodiazepínicos.

Outro questionamento refere-se a qual especialidade médica estaria orientando melhor o paciente sobre os efeitos colaterais. Poder-se-ia esperar que os psiquiatras e neurologistas pelas suas especificidades de atender transtornos nos quais se prescrevem benzodiazepínicos, como certos tipos de transtornos de ansiedade e do sono, teriam melhor manejo no seu uso e na orientação do paciente. Para todas as comparações entre as especialidades médicas, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes para as classes de qualidade de orientação, sugerindo que a boa orientação não depende da especialidade médica. Ao contrário do que se esperava, não foram os psiquiatras e neurologistas os que melhor orientaram sobre cada tipo de efeito colateral considerado. Os clínicos gerais alertaram mais os pacientes sobre o risco da interação dos benzodiazepínicos com o álcool e foram os que mais se preocuparam com o risco de dependência.

O risco dos benzodiazepínicos causarem dependência tem sido relatado como baixo, dada a grande quantidade de prescrições.3 Os estudos epidemiológicos têm demonstrado que o abuso de benzodiazepínicos é feito por indivíduos que utilizam essas substâncias sem prescrição médica com a finalidade de buscar prazer e alívio de sintomas decorrentes do uso de outras drogas, como o álcool e a cocaína.

De fato, apesar da grande quantidade de prescrições de benzodiazepínicos pelos médicos em geral, os dados epidemiológicos obtidos no I Levantamento Domiciliar sobre o uso de psicotrópicos no Brasil realizado pelo CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas), em 2001, mostrou que apenas 1,1% dos 8.589 entrevistados em 107 cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes atingiram critérios de dependência para os benzodiazepínicos.18 Esses dados podem ser um reflexo da baixa freqüência observada para a orientação sobre ''dependência'' tanto para a pergunta aberta como para a estimulada.

Vários itens do questionário permitiram avaliar indiretamente a preocupação do médico com o risco dos benzodiazepínicos causarem dependência. Com relação à freqüência das consultas, notou-se que a grande maioria dos pacientes retornava ao médico entre um e três meses para nova consulta, demonstrando que o contato do paciente com o médico era freqüente. Isto pode ser interpretado como uma preocupação do médico em monitorar a resposta do paciente aos benzodiazepínicos, além de promover uma boa relação médico-paciente. No entanto, é preciso ressaltar que muitos pacientes vão ao consultório médico somente para obter nova prescrição, fonte primária de suprimento da medicação pelas pessoas que usam abusivamente esse tipo de droga.8 De qualquer modo, o acompanhamento rotineiro do paciente é fundamental para a eficácia do tratamento e o manejo dos efeitos colaterais.

A dose diária e o tempo de uso continuado dos benzodiazepínicos são fatores importantes para se instalar um quadro de dependência. O uso de até três meses apresenta risco praticamente nulo. Entre três e 12 meses de uso, o risco aumenta para 10% a 15% e por mais de 12 meses apresenta risco de 25% a 40%.19 Na amostra estudada do presente trabalho, observou-se que a maioria dos pacientes usava a medicação por mais de um ano e de modo contínuo. Adquiriram cerca de 60 comprimidos por consulta e a maioria deles relatou que o médico não orientou sobre o tempo de uso da medicação. Estes dados reforçam o risco da dependência aos benzodiazepínicos nos pacientes pesquisados, embora seja necessário analisar o quadro prévio que originou a prescrição.

A dificuldade em distinguir os sintomas da abstinência do reaparecimento dos sintomas da ansiedade pode ser responsável pelo insucesso da tentativa de interrupção da medicação.6 No estudo realizado, observou-se que a maioria dos pacientes não teve sucesso na suspensão do uso dos benzodiazepínicos. Além disso, poucos deles tiveram orientação médica para reduzir a dose da medicação até a parada total. Diante dessas observações, poder-se-ia inferir que esses pacientes estavam dependentes da medicação, de modo que a suspensão do tratamento poderia acarretar a instalação dos sintomas indesejáveis da síndrome de abstinência ou do retorno da doença. Dos 43 pacientes que não tiveram sucesso, 24 usavam a medicação para a ansiedade e, desta forma, podiam ter receio da tentativa de parada, por medo do retorno dos sintomas. Somam-se a eles sete pacientes que usavam a medicação para depressão e pânico e também podem ter tido insucesso na parada pelo mesmo motivo.

Segundo Tufik, o uso prolongado de benzodiazepínicos ou o seu abuso causam sérias conseqüências ao organismo, como a tolerância, que ocasiona o aumento da dose efetiva ao longo do tempo, e a dependência, que perpetua o seu uso.20 A dependência aos benzodiazepínicos relaciona-se não só à presença da droga, mas também às características individuais do paciente, devendo evitar a sua prescrição aos que possuem história de drogadição.5

Os benzodiazepínicos são substâncias indicadas para casos de pacientes com certos transtornos de ansiedade ou com insônia transitória (relacionada ao estresse agudo). Não são recomendados na ansiedade crônica de sintomatologia que não comprometa muito a rotina do paciente. A terapêutica farmacológica deve ser sempre apenas parte da abordagem aos pacientes e não pode ser usada como mera substituta de outras condutas terapêuticas ou como tratamento de outros problemas que não sejam os médicos.21 Na pesquisa realizada em Curitiba, a indicação dos benzodiazepínicos foi compatível à descrita na literatura.7,18,22 As indicações para ansiedade e insônia foram as predominantes.

Não se pode deixar de citar a limitação do estudo atual no que concerne ao tipo de amostragem utilizada. A amostragem acidental, não probabilística pode ter introduzido um viés na seleção dos pacientes. Apesar da orientação dada aos farmacêuticos sobre como selecionar a amostra, podem ter ocorrido abordagens diferentes, como, por exemplo, a de um cliente conhecido usuário de benzodiazepínico. Estes aspectos podem dificultar a generalização dos resultados discutidos no atual trabalho.

Apesar de no presente estudo salientar-se o papel do médico na orientação sobre o uso de benzodiazepínicos, outros profissionais também poderiam auxiliar na orientação ao paciente. O farmacêutico atuante também deve informar, aconselhar e educar o paciente, de modo a auxiliar o uso racional de medicamentos psicotrópicos.

 

Conclusões

Através dos dados obtidos na amostra estudada em Curitiba, observou-se que a orientação médica sobre os benzodiazepínicos não foi a ideal. Porém, no que concerne à interação com o álcool, foi observado um bom índice de citação. Mencionar todos os três tipos de orientação considerados como importantes para a segurança do paciente teve baixa ocorrência. Apenas a preocupação com a interação dos benzodiazepínicos com o álcool foi bem citada, sendo relatada por 85% dos pacientes, enquanto apenas 46% deles relataram ter recebido orientação sobre cuidados na atenção. O baixo índice da orientação médica sobre dependência, de um lado, e o alto índice de uso de benzodiazepínico por mais de um ano, de outro, podem indicar uma despreocupação dos médicos em relação a esse efeito indesejável.

Os dados também fazem pensar que a educação médica a respeito do aconselhamento ao paciente deve ser revisada de modo a melhorar a qualidade das orientações fornecidas.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Roseli Boerngen de Lacerda
Rua Euzébio da Motta, 515, ap. 36
80530-260 Curitiba, PR, Brasil
E-mail: boerngen@bio.ufpr.br

Fonte de financiamento e conflito de interesses inexistentes.
Recebido em 17/12/2002.
Aceito em 10/9/2003.

 

 

* Este artigo foi elaborado a partir da dissertação para obtenção do título de Especialista em Farmacologia da primeira autora no ano de 2002 no Departamento de Farmacologia da UFPR. Parte dos resultados foram apresentados na forma de poster no 64th Annual Scientific Meeting of the College on Problems of Drug Dependence (CPDD) no período de 8 a 13 de junho de 2002 em Québec, Canadá.
Este trabalho foi realizado no Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Paraná.