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Revista Gaúcha de Enfermagem - Vulnerability of children with special health care needs: implications for nursing

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Revista Gaúcha de Enfermagem

On-line version ISSN 1983-1447

Rev. Gaúcha Enferm. vol.33 no.4 Porto Alegre Dec. 2012

http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472012000400022 

ARTIGO ORIGINAL

 

Vulnerabilidade das crianças com necessidades especiais de saúde: implicações para a enfermagem

 

Vulnerabilidad de los niños con necesidades especiales de atención médica: implicaciones para enfermería

 

 

Andressa da SilveiraI; Eliane Tatsch NevesII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora Assistente do Curso de Enfermagem da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Membro do Grupo de Pesquisa Cuidado à saúde das Pessoas, Famílias e Sociedade (PEFAS). Uruguaiana, Rio Grande do Sul, Brasil
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professor Adjunto do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Membro do Grupo de Pesquisa Cuidado à saúde das Pessoas, Famílias e Sociedade (PEFAS). Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço do autor

 

 


RESUMO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória que objetivou descrever a vulnerabilidade das crianças com necessidades especiais de saúde para o cuidado e manutenção da vida no cotidiano. Os sujeitos foram 10 familiares/cuidadores de crianças em uma unidade de internação pediátrica de um hospital de ensino. Os dados foram produzidos por meio do método criativo e sensível, mediado pelas dinâmicas de criatividade e sensibilidade e submetidos à análise de discurso francesa. Os resultados apontaram que as crianças possuem vulnerabilidade individual, social e programática traduzidas pela sua fragilidade clínica, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde e a inexistência de políticas públicas específicas. Recomenda-se a reestruturação do sistema de referência e contrarreferência, programas e políticas públicas de saúde específicas para essa clientela. Para isso, torna-se relevante que os profissionais de enfermagem proporcionem, aos familiares/cuidadores, momentos de escuta, reconhecendo na subjetividade do cuidado desenvolvido pelo familiar no domicílio.

Descritores: Saúde da criança. Enfermagem pediátrica. Vulnerabilidade. Família.


RESUMEN

Estudio cualitativo descriptivo y exploratorio que tuvo como objetivo describir la vulnerabilidad de los niños con necesidades especiales de salud para el cuidado cotidiano. Los sujetos fueron 10 familiares/cuidadores de niños en una unidad de pediatría de un hospital universitario. Los datos se produjeron por medio del método creativo y sensible a través de la dinámica de la creatividad y sensibilidad y sometidos al análisis francés del discurso. Los resultados mostraron que los niños tienen vulnerabilidad individual, social, y programática traducidas por su fragilidad clínica, la dificultad de acceso a los servicios  de salud y la falta de políticas específicas. Se recomienda la reestructuración del sistema de referencia y contrarreferencia, los programas y las políticas públicas de salud para que estos niños. Es importante que los profesionales de enfermería proporcionen a los familiares/cuidadores momentos de escucha, reconociendo, en la subjetividad de atención desarrollado por la familia en el hogar.

Descriptores: Salud del niño. Enfermería pediátrica. Vulnerabilidad. Familia.


 

 

INTRODUÇÃO

As práticas de cuidado à criança vêm se modificando com o passar dos anos. Houve avanços científicos e tecnológicos, na década de 1990, que contribuíram para a elevação da sobrevida de crianças consideradas inviáveis e/ou extremamente frágeis clinicamente. Esses avanços resultaram em um maior número de crianças que necessitam de cuidados médicos complexos, e assim elevaram-se os índices de crianças com doenças crônicas e/ou incapacitantes, muitas delas continuando dependentes de tecnologia. As Crianças com Necessidades Especiais de Saúde (CRIANES), assim chamadas no Brasil, foram denominadas inicialmente nos Estados Unidos de Children with Special Health Care Needs (CSHCN)(1). Essa clientela necessita de cuidados no domicílio para além daqueles ofertados às demais crianças e adolescentes.

No Brasil, o aumento do grupo de CRIANES relaciona-se com doenças evitáveis que se tornam doenças crônicas devido às reinternações da criança, às afecções perinatais que, após tratamento intenso, podem progredir para doenças complexas e ainda malformações congênitas, com necessidade de acompanhamento de saúde por tempo indeterminado(2).

No município de Santa Maria no Rio Grande do Sul, as CRIANES são significativas nos serviços de atendimento pediátrico de um hospital-escola; em 58,5% das crianças que desenvolveram necessidades especiais de saúde isso foi devido a causas perinatais, malformações congênitas, prematuridade e doenças sindrômicas(2). Independentemente das demandas de cuidado apresentadas por essas crianças, faz-se necessário considerá-las como uma clientela emergente, em virtude da complexidade dos cuidados requeridos, assim como da singularidade e fragilidade clínica em que essas crianças vivem(3).

A Necessidade Especial de Saúde (NES) da criança pode desencadear sofrimento e expectativas diversas na criança e em sua família, não somente pela doença em si, mas também por suas repercussões sociais e emocionais. Desse modo, as famílias precisam conviver não só com as dificuldades relacionadas ao cuidar das crianças, mas com os problemas decorrentes da pouca eficiência do sistema público de saúde, como dificuldade de acesso ao atendimento médico especializado ou a exames específicos(4).

Ao consultar a base legal relativa a essa temática, tem-se a Constituição Federal Brasileira(5), juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)(6), que passou a reconhecer a cidadania da população infanto-juvenil, independente do sexo, cor, etnia, classe social e desenvolvimento cognitivo. Assim, toda criança passou a ser cidadã, porém observa-se uma lacuna entre o que é garantido por lei e o que é praticado pela sociedade(7).

Frente às considerações anteriores, o estudo objetivou descrever a vulnerabilidade das CRIANES para o cuidado e manutenção da vida no cotidiano. Deste modo questionaram-se quais são as vulnerabilidades apresentadas por essas crianças.

 

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva e exploratória. A produção de dados foi desenvolvida de forma participativa, partindo da concepção de que os sujeitos atuam ativamente no processo de construção do conhecimento, em que a pesquisa é um processo implicado na criação de condições para que os sujeitos tenham suas vozes reconhecidas(8).

Optou-se pelo Método Criativo e Sensível (MCS), por meio das Dinâmicas de Criatividade e Sensibilidade (DCS) que, assim como os Círculos de Cultura Freireanos, criam espaços de discussão e reflexão, levando os sujeitos da pesquisa a problematizarem suas práticas vivenciais e existenciais. O MCS propicia um espaço de discussão coletiva, em um entendimento dialógico, dialético, plural, no qual o grupo ultrapassa a condição de objeto para a de sujeito na pesquisa(8).

Nesta pesquisa foram desenvolvidas duas dinâmicas, a DCS Corpo Saber, a fim de dimensionar o processo de cuidar no espaço domiciliar, usando a metáfora do desenho de um corpo, procurando despertar a memória latente dos participantes. A partir da questão geradora de debate: Como você cuida de seu filho ou filha com necessidades especiais de saúde em casa. E a DCS Costurando Estórias, a fim de que os sujeitos compartilhassem problemas e dificuldades individuais que possam ter raízes sociais coletivas, a partir de um entrelaçar de linha, em que os sujeitos responderam à seguinte questão: Conte-me de que forma você aprendeu a cuidar deste filho ou filha em casa.

O cenário do estudo foi a Unidade de Internação Pediátrica (UIP) de um hospital de ensino do sul do Brasil. Os sujeitos foram 10 familiares/cuidadores de CRIANES, entre eles uma tia, dois pais e sete mães de crianças com NES internadas na unidade pediátrica. Foram incluídos familiares/cuidadores de CRIANES internadas na UIP no período de coleta dos dados que já tivessem desenvolvido cuidados domiciliares às crianças. E excluídos aqueles familiares/cuidadores cujas crianças nunca estiveram sob cuidados domiciliares ou que, por indicação da equipe de saúde, não estivessem em condições de participar do estudo.

Os dados foram submetidos à Análise de Discurso (AD), em sua corrente francesa, quando se aplica a materialidade linguística ao texto(9). Essa análise serve para dar expressão ao texto, possibilitando ao leitor compreender as falas dos sujeitos. Para tanto, foram utilizados recursos ortográficos: / – pausa reflexiva curta; // – pausa reflexiva longa; /// – pausa reflexiva muito longa; ... – pensamento incompleto; # – interrupção da enunciação; [ ] – para inserir informação completar ao enunciado; "..." – aspas duplas indicam a fala ou texto de outrem reproduzidos pelo entrevistado; [...] – indica que houve um corte na fala dos sujeitos. Posteriormente foram aplicadas as ferramentas analíticas da metáfora, paráfrase e polissemia.

Salienta-se que a pesquisa só teve início após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob número de protocolo: 0318.0.243.000-10. Aos sujeitos de pesquisa foi apresentado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, informando os objetivos do estudo, sobre o caráter voluntário de suas participações, sem qualquer tipo de penalidade se quisessem desistir em qualquer etapa do estudo, bem como o anonimato dos sujeitos, por meio da utilização de nomes fictícios em suas enunciações.

 

RESULTADOS

Os familiares/cuidadores trouxeram por meio de suas enunciações as dificuldades de inclusão social, como uma das vulnerabilidades das CRIANES, o preconceito de pessoas devido à dependência tecnológica, a precariedade e a demora para o diagnóstico, bem como o cuidado solitário e familial. Por meio das produções artísticas é possível perceber a diversidade de cuidados que são desenvolvidos pelos familiares/cuidadores no âmbito domiciliar, e ainda, a importância da presença da família como eixo norteador das práticas de cuidado desempenhados no domicílio. Essas percepções são reafirmadas por meio das Figuras 1 e 2 e nas falas dos familiares a seguir:

Ah, / na escola ela não brinca, né?! Ela fica lá na secretaria, // fica sentada! / Agora, graças a Deus, ela está indo pro pátio e fica sentada, / quando é uma brincadeira que ela possa brincar sentada! (Solange).

[...] // Dificuldade de conciliar a convivência do meu com os outros [outros filhos do casal] porque... De nós também, porque, assim, se é o som alto, para ele tem que ser mais alto! Devido ao problema auditivo dele [...] (Abel).

[...] Porque, desde que ele nasceu, várias pessoas já me pararam "Ah, quantos dias ele tem?" [referindo-se às perguntas das pessoas]. Ela [uma pessoa que abordou Eva] olhou para minha cara "Ele é doente?" [...] E eu pensei comigo... ele é doente? Eu disse: Não! Ele só não tem o hormônio do crescimento [...] (Eva).

[...] Pra gente está sendo muito difícil, para a família... da Clara! Até no colégio ela não está indo mais... No colégio! Sobre as brincadeiras com ela no colégio! Os colegas pararam de conversar com ela... Pararam de brincar com ela... // Não é mais a mesma coisa que era antigamente! (Roberto).

[...] O meu marido que tem auxiliar de enfermagem! Foi ele que me ajudou, ele sabia bem mais que eu, né!? [...] A gente aprendeu quase tudo com a equipe médica! (Rosa).

[...] É eu e a minha mãe! [Que cuidam da CRIANES] (Vilma).

Para os familiares de CRIANES o processo de inclusão social dessas crianças é difícil, devido à sua fragilidade clínica. Os cuidadores trouxeram, ainda, a dificuldade de conseguir-se um diagnóstico médico para a criança, bem como o longo trajeto percorrido, que caracterizam a dificuldade de acesso aos serviços, configurando situações de vulnerabilidade social e programática. Pode-se constatar ainda, que os desafios para o cuidado das crianças assemelham-se, a partir do entrelaçar da linha, que representa as enunciações de cada familiar/cuidador, representadas na Figura 3.

Não, a princípio ela sempre foi fazer o pré-natal [...], só que ele, sendo clínico geral e cuidando das gestantes... / quando ele viu que tinha um problema, / ele não soube dizer o que era, e mandou ela vir pra cá! [...]. Aí, que ela foi fazer esse exame particular / e aí soube do problema // [...] (Lúcia).

[...] Foi muito triste, né!? / Porque... // eu fiz todo o pré-natal certinho da Júlia, / eu ganhei a Júlia, né / com 38 semanas, / correu tudo bem, fui pra casa, né?! [...] E no terceiro dia, ela começou a apresentar aqueles sintomas / que eu não sei explicar... // Revirava as mãozinhas / [convulsões]. Por onde eu moro, levei ela / por seis médicos, e eles olhavam e diziam que eu tinha tomado um susto da minha filha. Outro me disse que era cólica! [...] (Circe).

Imagina... // quando eu soube, ela tinha sete anos! E... // que isso daí ela nasceu bem, né?! Ela começou a enfraquecer e daí eu trouxe ela... Doutora de lá deu xarope, mas ela não conseguia nem engolir a saliva! / Daí, eu disse que ela não conseguia nem engolir a saliva, e a doutora disse para levar ela pra casa e dar o xarope. [...] Daí, a doutora queria que eu fosse embora... / e me dar mais um remédio, daí, eu disse: Não vou levar ela embora! Daí a doutora disse "Então tu leva ela lá no hospital" [hospital de outro município vizinho] [...] (Solange).

[...] Quando ele estava com uns dez dias, eu dei um banho de costume, // ele dormiu e depois se acordou num choro! A gente achou que era cólica e não era, e não aliviava, / daí a gente levou no plantão, e acharam que era dor de ouvido... E como lá não tem muito recurso, mandaram nós de volta para casa! [...] O médico disse para ir na clínica / que ia chegar um pediatra de [de outra cidade], que iria examinar, pois o caso dele era grave. [...] Cheguei lá e dei ele para os médicos [para o exame médico], aí esperamos até as 07:30, e deram a notícia que o bebê está com meningite! (Mara).

Pelos discursos dos familiares/cuidadores, o serviço de referência e contrarreferência não estabelece uma conexão direta, ou seja, não funciona como deveria. O serviço primário desconhece a clínica da criança, que, entre idas e vindas do pronto atendimento ao domicílio, apresenta complicações ainda mais significativas. O que denota a desarticulação do sistema, o despreparo dos profissionais de saúde frente aos achados clínicos para dar o diagnóstico dessa criança.

As enunciações também denotam o itinerário percorrido pelos familiares em busca de atendimento/diagnóstico para seus filhos e filhas. Nesse itinerário, por vezes, o serviço privado precisa ser acionado para que se consiga um atendimento de qualidade e/ou acesso ao sistema público de saúde, além da busca por auxílio financeiro para custear o tratamento da criança.

[...] O Caio, logo que ele nasceu, a gente sabia os problemas de saúde que ele tinha, entremo [entramos] pela parte do coração dele... [processo para pedido de auxílio devido os problemas cardíacos]. Entremo [entramos] [...] um pedido de auxílio-doença, ele ganhou, / até os dez anos ele recebe. / E... e... e.../ seringa, tipo... equipamentos, gazes, micropore, essas coisas. Tudo que ele precisa, eu pego no posto! Remédio, se tem na secretaria, eu pego! Se não tem, eu compro! (Eva)

Eu tenho a... / aposentadoria dele! [...] É caro as bombinhas, aí eu trouxe ele e perguntei se ele podia ficar sem as bombinhas [de medicação]. Ele não estava aposentado na época, né? Eu ia até na rádio, mas não deixava ele sem as bombinhas [mãe relata que solicitava medicamento até nos meios de comunicação]. Daí eu consegui aposentar ele, é da onde eu compro os remédios dele que falta... / Aproveitei e comprei o nebulizador porque ele tem que usar sempre, né? (Ana)

Percebe-se que as famílias procuram recursos alternativos para viabilizar o cuidado da criança, que possibilitem a aquisição de materiais necessários para o tratamento. Por vezes, lançam mão dos meios de comunicação, e apelam para as doações a fim de que a sociedade fique sensibilizada pela situação da CRIANES. Assim, as famílias vão tecendo uma rede de apoio paralela e singular, dependendo das demandas da criança e dos serviços/instituições que eles conseguem acessar.

 

DISCUSSÃO

A doença crônica na criança gera novas demandas para os membros da família. Incentivar os seus membros a compartilharem sentimentos uns com os outros permite uma comunicação eficiente, levando ao enfrentamento de problemas de forma saudável(11). Os grupos familiares vão descobrindo caminhos para o ajustamento da realidade que se apresenta com desvios provocados por situações difíceis presentes no contexto familiar. As atividades de cuidado desenvolvidas pela família, na maioria das vezes, são executadas de forma solitária e ininterrupta(12-13).

Tem-se, ainda, a luta pela sobrevivência e a busca incessante da família da CRIANES por uma vida mais digna, em que os familiares deparam-se ainda com o preconceito da população em geral, que não está preparada para conviver com a criança na sociedade, e, assim, o convívio social fica restrito ao núcleo familiar.

Os familiares/cuidadores trouxeram à tona as limitações vivenciadas no desenvolvimento do cuidado à CRIANES, a rede social restrita, as vulnerabilidades da criança que possui alguma necessidade especial de saúde. Embora o familiar/cuidador seja o principal responsável pelo desenvolvimento do cuidado à criança com NES, essa família precisa encontrar suporte nas redes de apoio no pós-alta hospitalar. O campo da saúde deve estar atento para o centro do cuidado, no qual estão a criança e sua família, como seres cuidados com suas condições de vulnerabilidade(10). Dessa forma, a enfermagem deve atuar no planejamento, organização, execução e avaliação do processo de cuidar e assistir em saúde.

Frente à vulnerabilidade social que essas pessoas enfrentam, existe ainda o desafio da inclusão social. Na luta pela sobrevida das crianças, muitas vezes essas famílias encontram-se desamparadas no pós-alta hospitalar para dar continuidade ao tratamento da criança. As famílias apontaram, ainda, a necessidade de aprender a reorganizar a vida pessoal e social com os cuidados da CRIANES. Desse modo, é possível observar que a família passa a viver a vida da criança e que a responsabilidade do cuidado é contínua na vida do familiar/cuidador.

Entretanto, a vulnerabilidade dessas crianças não diz respeito a serem crianças incapazes, mas na capacidade da CRIANES para ter condição de desenvolver comportamentos adaptativos para superar os fatores de risco que podem prejudicar sua saúde e qualidade de vida. A vulnerabilidade social está atrelada à obtenção de informações, às possibilidades de incorporá-las às mudanças práticas, o que não depende só dos indivíduos, mas do acesso aos meios de comunicação, escolarização, recursos materiais, decisões políticas, possibilidade de enfrentar barreiras culturais, entre outros aspectos(14).

A vulnerabilidade programática está vinculada aos recursos sociais que os indivíduos necessitam; esses recursos são esforços programáticos fundamentais, como a gerência e o monitoramento de programas nacionais, regionais ou locais de prevenção e cuidados relativos à enfermidade, a fim de otimizar seu uso e identificar a necessidade de outros recursos(15).

Diversos fatores de vulnerabilidade afetam o ambiente onde a criança e sua família estão inseridas, principalmente os de ordem socioeconômica e cultural. A vulnerabilidade está acoplada à precariedade em uma gama de bens e serviços envolvidos com a situação de uma enfermidade. A equipe de saúde, ao considerar as dificuldades que afetam a criança e sua família, deve executar um cuidado integral à saúde, construindo redes de apoio em nível hospitalar e domiciliar(16).

Frente ao exposto, pode-se considerar que o fato de a CRIANES possuir uma necessidade especial de saúde faz com que a criança e a sua família lutem pela sobrevivência e para que essa criança encontre espaços na sociedade, que não está preparada para recebê-la. Isso reflete a vulnerabilidade desse grupo em relação aos seus direitos de cidadania. O amparo legal e de políticas públicas é fundamental para dar suporte ao familiar/cuidador dessas crianças, visto que a demanda de cuidado apresentada por elas, no cotidiano, já é bastante desafiadora. Considerando ainda que o processo de cuidado dessa criança é exclusivamente familial e muitas vezes solitário.

Em um mundo de comportamentos pragmáticos, de rendimento e de produção, a ideia que perpassa é a de que a criança que possui algum tipo de limitação será subjugada pela sociedade(17), causando sofrimento para criança e seus responsáveis as situações de restrição em relação ao convívio social.

Estudo realizado em Minas Gerais apontou que os responsáveis por crianças consideram satisfatório o acolhimento que é realizado pela Estratégia da Saúde da Família (ESF), assim como a postura dos profissionais, uma vez que todas as respostas foram superiores a 70% de aprovação(18). Pesquisa realizada na capital do Rio Grande do Sul, sobre os serviços de referência para a criança, demonstrou que 74,4% frequentavam a unidade de saúde da família, seguida dos consultórios particulares com 11,1%, o que denota a adesão dos usuários aos serviços primários de saúde(19).

Entretanto, os resultados obtidos neste estudo revelaram que os familiares cuidadores, ao buscarem os serviços de atendimento primário de saúde, se deparam com um sistema que não é resolutivo, e frequentemente esses familiares são encaminhados para o domicílio sem resposta às suas necessidades. Muitas vezes, os próprios cuidadores, ao observarem que não houve melhora do quadro clínico da criança, retornam ao serviço, e outros procuram estratégias para a resolutividade em clínicas particulares ou buscam a hospitalização da criança em serviços de referência em outros municípios.

Ressalta-se, que a ESF é uma política de reorganização da atenção primária à saúde no Brasil, que propõe aplicar os preceitos técnicos assistenciais do Sistema Único de Saúde (SUS), com base na universalidade, resolutividade, integralidade, equidade e participação social(20).

Todavia, se o serviço prevê acesso universal com resolutividade dos problemas de saúde, o mesmo não ocorre quando se trata das demandas de saúde apresentadas por CRIANES. Neste estudo, os familiares/cuidadores apontaram lacunas da assistência para o diagnóstico, o que acaba contribuindo para os agravos de saúde dessas crianças.

Dessa forma, a família da criança com necessidade especial de saúde exerce importante papel, contrapondo-se à marginalização social da criança, proporcionando espaços para que essa criança tenha visibilidade, percorrendo caminhos solitários na sociedade e nos serviços de saúde. Consequentemente, a rede familiar propicia a formação de vínculos sociais da CRIANES, ampliando suas possibilidades de inclusão social, numa sociedade pouco ou não preparada para atender às demandas de crianças clinicamente frágeis.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de cuidado desenvolvido pelo familiar/cuidador da criança com necessidades especiais de saúde pauta-se em estratégias para manutenção da sua sobrevivência, respaldado pelo conhecimento adquirido com a experiência/vivência advinda da sua prática.

A pesquisa constatou a vulnerabilidade individual, social e programática da CRIANES, significada no discurso dos familiares/cuidadores pela fragilidade clínica da criança, pela exclusão social, na precariedade de acesso aos serviços de saúde e pelas referências a seus filhos e filhas como crianças doentes que, em seu modo de ver, não o são.

Há dificuldades em obter-se um diagnóstico médico que agilize o início do tratamento da criança e de acesso aos serviços de saúde, o que ocasiona o agravamento do estado clínico da criança. Os familiares apontaram, ainda, que o trajeto percorrido na atenção primária é pouco ou não resolutivo, levando-os a uma busca incessante e solitária pelo tratamento adequado, quase como uma peregrinação pelos serviços de referência e contrarreferência em saúde e clínicas particulares.

Ainda, constatou-se que os sintomas apresentados pela criança descritos pelos familiares/cuidadores, por vezes, são desconsiderados, tornando-os oprimidos pelo sistema, que não os acolhe e não os escuta de forma sensível. Assim, o atraso no diagnóstico retarda o início do tratamento, o que pode trazer complicações e agravos ao estado da saúde da criança. Embora a legislação do SUS garanta princípios básicos como a universalidade, integralidade, equidade e resolutividade, os familiares/cuidadores de CRIANES não têm usufruído deles para a resolução das demandas de cuidado dessas crianças.

Sugere-se que os serviços de atenção primária e os profissionais de saúde que atuam nessa área devam estar capacitados para trabalhar em prol das crianças com necessidades especiais de saúde, visualizando o âmbito domiciliar como uma extensão para a prática de cuidado. Faz-se necessário que os profissionais de enfermagem reconheçam o processo de cuidado desenvolvido pelos familiares/cuidadores , possibilitando as crianças uma vida com mais qualidade. Para isso, torna-se relevante que os profissionais de enfermagem proporcionem aos familiares/cuidadores momentos de escuta, reconhecendo, na subjetividade do cuidado desenvolvido pelo familiar, espaços para educação em saúde de forma mais efetiva/objetiva, em prol de um cuidado aprimorado no domicílio.

Salienta-se que as CRIANES convivem em situações de vulnerabilidade em seu cotidiano, entretanto, não se pode visualizar essa vulnerabilidade como falta de potencial para recuperação dessa criança, ou indiferença para o tratamento digno e de qualidade, que vise à manutenção da vida. Para isso, equipe e familiar/cuidador devem almejar um processo de cuidado integral, valorizando a criança e sua família, na sua singularidade, limitações e superações, como clientela potencial e emergente.

Frente ao exposto, salienta-se a necessidade de programas e políticas de saúde que deem suporte aos familiares/cuidadores na comunidade, para que a CRIANES e sua família encontrem amparo nas redes de apoio no pós-alta hospitalar, a fim de que sejam minimizadas possíveis complicações de saúde da criança.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço do autor:
Andressa da Silveira
BR 472, Km 592, Caixa Postal 118
97500-970, Uruguaiana, RS
E-mail: andressadasilveira@gmail.com

Recebido em: 09.02.2012
Aprovado em: 27.11.2012