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Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul - The evolutionary approach to the Antisocial Personality Disorder (ASPD)

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Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul

Print version ISSN 0101-8108

Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul vol.26 no.1 Porto Alegre Jan./Apr. 2004

http://dx.doi.org/10.1590/S0101-81082004000100011 

ARTIGO DE REVISÃO

 

A abordagem evolucionista do transtorno de personalidade anti-social

 

The evolutionary approach to the Antisocial Personality Disorder (ASPD)

 

El enfoque evolucionista del Trastorno de Personalidad Anti-Social (TPAS)

 

 

Silvio José Lemos VasconcellosI; Gabriel José Chittó GauerII

IPsicólogo, Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e Doutorando em Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade pela UFRGS. Bolsista da Fundação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
IIProfessor Adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da FAMED/PUCRS e do Programa de Mestrado em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da PUCRS. Pós-Doutor pela University of Maryland at College Park

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O principal objetivo do presente artigo é discutir a abordagem evolucionista do Transtorno de Personalidade Anti-Social (TPAS). São abordados os principais argumentos desenvolvidos no âmbito da Psicologia Evolucionista que tentam evidenciar o caráter adaptativo deste transtorno num ambiente primitivo de interação social. Ao longo do artigo, são enfocados os principais pressupostos vinculados ao paradigma evolucionista e suas implicações na compreensão filogenética de um dos transtornos que mais amplamente demanda análises e investigação na esfera da Psiquiatria. São também discutidas algumas adequações e inadequações do citado modelo e seu valor explanatório para a compreensão da atual prevalência do TPAS.

Descritores: Transtornos de Personalidade Anti-Social, Psicologia Evolucionista, Filogênse.


ABSTRACT

The main purpose of this article is to discuss the evolutionary approach to the Antisocial Personality Disorder (ASPD). The main arguments developed in Evolutionary Psychology are discussed, which tend to show the adaptive character of this disorder in a primitive environment of social interaction. Throughout the article, the main assumptions connected to the evolutionary paradigm are focused on, and their implications in the philogenetic understanding of one of the disorders that has required the broadest analysis and investigation in the field of Psychiatry. Several adequacies and inadequacies of the aforementioned model are also discussed, together with their explanatory value to understand the current prevalence of ASPD.

Keywords: Antisocial Personality Disorder, Evolutionary Psychology, Philogenesis.


RESUMEN

El objetivo principal de este articulo es discutir el enfoque evolucionista del Trastorno de Personalidad Anti-Social (TPAS). Se analizan los principales argumentos desarrollados por la Sicología Evolucionista que tratan de dejar en evidencia el carácter adaptativo de este trastorno bajo un ambiente primitivo de interacción social. A lo largo del artículo se enfocan las principales suposiciones relacionadas con el paradigma evolucionista y sus vínculos con la comprensión filogenética de uno de los trastornos que más demanda análisis en el ámbito de la Psiquiatria. También se discuten algunas adecuaciones e inadecuaciones del modelo evolucionista y su valor explanatorio para entender la actual prevalencia de TPAS.

Palabras-clave: Trastorno de Personalidad Anti-Social, Sicología Evolucionista, Filogénesis.


 

 

INTRODUÇÃO

O estudo do Transtorno de Personalidade Anti-Social, também conhecido como sociopatia ou ainda psicopatia, tem, conforme salienta Salekin1, sido objeto de um grande número de considerações teóricas e empíricas desde que Phillippe Pinel introduziu o termo há aproximadamente duzentos anos. Nas últimas décadas, entretanto, um considerável número de pesquisas vem contemplando suas variáveis fisiológicas, cognitivas, além de uma possível base genética para a sua ocorrência. Achados recentes têm possibilitado o surgimento de novas concepções etiológicas relacionadas à manifestação do transtorno, bem como alguns entendimentos sobre a sua filogênese.

De um modo bastante específico, este artigo contempla a compreensão filogenética do TPAS. Parte de uma revisão sistemática de uma série de artigos indexados no PsycINFO, publicados entre 1984 e 2003 sobre tal temática, bem como de algumas obras já traduzidas para a Língua Portuguesa. Procura, de forma sintética, elucidar alguns aspectos essenciais que caracterizam esse novo paradigma científico no campo das investigações psicológicas, explicitando o modo como tais aspectos estão sendo relacionados com diferentes pesquisas voltadas para o TPAS. Também faz parte do objetivo do presente artigo tecer comentários sobre o valor explanatório desse modelo que, por sua vez, vem alcançando uma progressiva repercussão diante dos diferentes estudos que contemplam o transtorno analisado.

Com base em outros estudos sobre o TPAS, o artigo procura problematizar os principais pontos enfatizados pela Psicologia Evolucionista a respeito dos aspectos filogenéticos relativos à manifestação do próprio transtorno. Uma abordagem desse tipo pode contribuir para o avanço das pesquisas sobre o TPAS, que têm evidenciado, cada vez mais, a necessidade de uma convergência de análises para melhor explicar os aspectos etiológicos e clínicos do mesmo.

 

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL (TPAS)

De acordo com o DSM-IV-TR2, a característica essencial do TPAS é um padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos alheios, que inicia na infância ou começo da adolescência e continua na idade adulta. O referido manual explicita também o fato de que o diagnóstico para esse transtorno deve levar em consideração a existência de pelo menos três critérios que, de forma sintética, podem ser descritos como um fracasso em conformar-se às normas legais, uma propensão para enganar, impulsividade, agressividade, desrespeito pela segurança própria ou alheia, irresponsabilidade que pode estar vinculada ao trabalho ou as finanças, bem como uma ausência de remorso.

De um modo geral, percebe-se que o transtorno está diretamente vinculado aos padrões comumente aceitos na sociedade em que vivemos, sendo que é justamente a manifestação de comportamentos que estão em desacordo com esses padrões que perfaz o tipo de sintomatologia que o caracteriza. Uma sintomatologia que pode também ser compreendida pelo fato de vincular-se a uma ausência de ansiedade e depressão, que costuma estar presente nos demais indivíduos quando do cometimento de atitudes anti-sociais.

A prevalência do TPAS é baixa na população geral, sendo que as pesquisas apontam uma incidência de 3% em homens e 1% em mulheres. No que se refere ao seu prognóstico, alguns estudos ressaltam o fato de que o auge do comportamento anti-social costuma ocorrer no final da adolescência e os sintomas mostram-se propensos a diminuir com o decorrer da idade3.

Embora uma meta-análise realizada por Salekin1 ressalte o fato de que há consideráveis possibilidades de que se consolidem tratamentos eficazes no tocante à manifestação dos sintomas, inúmeros autores4,5 concordam com o fato de que os indivíduos portadores do transtorno são, em geral, pouco responsivos aos diferentes tipos de tratamentos.

 

PRESSUPOSTOS ESSENCIAIS DA PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA

Conforme ressalta Pinker6, a Psicologia Evolucionista reúne duas revoluções científicas, a revolução cognitiva das décadas de 50 e 60 e a biologia evolucionista das décadas de 60 e 70. Em termos gerais, esse novo paradigma propõe-se a rever alguns achados da Sociobiologia, bem como postular sobre os diferentes mecanismos psíquicos que podem ser entendidos como resultantes das pressões ambientais encontradas pelos nossos ancestrais num ambiente primitivo. Nesses termos, uma determinada tendência psíquica pode muito bem ser explicada com base na sofisticação de algoritmos que operam dentro de um caráter modular em nosso cérebro, sendo que a sua existência estaria vinculada a um tipo específico de demanda ambiental7-9. Em outras palavras, a mente humana seria um design complexo e seus padrões funcionais são, em última análise, respostas selecionadas pela evolução.

Dentro dessa perspectiva, não somente as emoções humanas são respostas adaptativas, mas também as próprias faculdades cognitivas que perfazem o nosso pensar estariam atreladas a uma diversidade de mecanismos que foram sendo selecionados ao longo da nossa história10,11. Ressalta-se ainda, o fato de que, para a Psicologia Evolucionista, as adaptações estão essencialmente atreladas a mecanismos de propagação genética, ou seja, vinculam-se sempre à manutenção do próprio código que viabiliza a vida. Nesse sentido, as diferentes tendências psíquicas são, em última instância, explicadas em termos das vantagens e desvantagens no que diz respeito àquilo que, a grosso modo, poderia ser entendido como uma espécie de "interesse genético"12. Conforme ressalta Wright13 servindo-se das palavras de Tooby e Cosmides, somos "executores de adaptações e não maximizadores de aptidões". Em outras palavras, o psiquismo seria tão somente o resultado de mudanças fortuitas protagonizadas por um "bioprograma" cujo objetivo maior é a propagação genética.

Um entendimento desse tipo apregoa, portanto, que um mecanismo psíquico torna-se manifesto quando se mostra bem sucedido em termos seletivos. Desse modo, uma das áreas que vem ganhando respaldo no campo da Psicologia Evolucionista é a chamada Psicopatologia Evolucionista14, que estuda o modo pelo qual determinados mecanismos tornaram-se disfuncionais na sociedade em que vivemos e considera também o fato de que esses mesmos mecanismos possam ter cumprido um papel verdadeiramente adaptativo num outro contexto. Um bom exemplo disso é verificável no caso das fobias específicas. Embora também ocorram fobias relacionadas a situações e objetos de baixo potencial ofensivo para a espécie humana, a ocorrência de fobias relacionadas a insetos, fenômenos da natureza e animais é, conforme salientam Siegert & Ward15, consideravelmente maior. Dito de outro modo, essa elevada prevalência corresponderia a uma função adaptativa da espécie, ainda que, num grau exacerbado, possa constituir-se numa patologia específica. De um modo geral, a Psicologia Evolucionista abarca questões desse tipo e propõe-se a investigar o psiquismo humano por intermédio de considerações sobre os diferentes mecanismos que podem ser entendidos como respostas selecionadas4. Salienta-se ainda o fato de que compreensões como essa vêm sendo direcionadas para o TPAS, sendo que uma análise mais ampla sobre o tema será melhor desenvolvida na seqüência deste artigo.

 

CONCEPÇÕES EVOLUCIONISTAS SOBRE O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL

Existem hoje boas evidências de que o TPAS esteja associado a uma série de reguladores biológicos. Estudos desenvolvidos por Stalenheim e colaboradores16 encontraram uma correlação significativa entre o TPAS e um elevado nível de testosterona em indivíduos portadores do citado transtorno. Algumas pesquisas investigando a ação da monoamina oxidase (MAO) têm demonstrado a possibilidade que esta possa servir como um marcador biológico para uma série de traços anti-sociais da personalidade17,18. Ainda que, conforme Stalenheim et al17, seja necessário um maior número de investigações envolvendo relação desta substância com o TPAS propriamente dito, seria possível pensar na sua ação, em termos de um fator combinado no que diz respeito à própria etiologia do transtorno. De um outro modo, um número significativo de pesquisas tem explicitado um funcionamento alterado em certas estruturas centrais que estariam diretamente envolvidas na manifestação do TPAS. Estas regiões incluem o córtex órbito-frontal19, o córtex pré-frontal20, as diferentes estruturas do sistema límbico21-23. Dentro dessa perspectiva, seria possível considerar que algumas regularidades orgânicas observadas nos casos de manifestação do TPAS podem estar também atreladas a fatores genéticos, conforme indicam as pesquisas feitas por Cadoret et al24 e as asserções de McGuire et al25. De um amplo modo, evidências desse tipo mostram-se sugestivas no tocante a uma hipótese biológica para a etiologia do TPAS. Uma hipótese que, por seu turno, pode ir ao encontro do próprio paradigma evolucionista.

Isso equivale a dizer que um entendimento baseado na Psicologia Evolucionista sobre o TPAS sustenta-se, antes de tudo, na idéia de que deve existir uma transmissibilidade genética para certos mecanismos que caracterizam o transtorno. De um outro modo, tal como foi explicitado anteriormente, a concepção evolucionista procura elucidar não apenas o substrato biológico para a ocorrência do TPAS, mas também os pressupostos adaptativos que justificariam a sua manifestação em termos filogenéticos. Dito de outra forma, alguns autores26-29 têm sustentado a idéia de que o próprio padrão invasivo de desrespeito e violação aos direitos alheios que caracteriza o TPAS estaria atrelado a uma série de funções adaptativas, ainda que tais funções possam, em termos de seleção natural, mostrarem-se dependentes da freqüência com que se manifestam29.

A seleção dependente de freqüência é perfeitamente verificável em ambientes sociais bem menos sofisticados do que aqueles em que os nossos ancestrais realizavam suas primeiras interações. Ela ocorre, por exemplo, no caso dos peixes lepômis em que, por sua vez, também há uma certa prevalência de lepômis "anti-sociais". Nesse sentido, conforme explicita Wright13, existem peixes lepômis que espalham uma enorme quantidade de ovos para serem fertilizados e mostram-se perfeitamente responsáveis no que tange aos cuidados dirigidos à própria fertilização. De um outro modo, os lepômis "anti-sociais" apenas fazem uso da dedicação alheia, deixando seus próprios ovos para serem fertilizados pelos peixes mais colaborativos e menos atentos às manobras dos outros peixes. Numa organização social bastante simples como essa, a seleção dependente de freqüência é perfeitamente verificável, uma vez que um considerável aumento na proporção de lepômis "anti-sociais" corresponderia a um abalo na própria organização geradora e mantenedora desses peixes. De outro modo, entendimentos como esse mostram-se condizentes com a própria taxa de prevalência do TPAS na sociedade atual que, conforme salientado, é baixa.

A questão do papel adaptativo que os sintomas anti-sociais poderiam desempenhar estaria vinculada à própria função que o comportamento altruísta desempenha em termos de interação social. Numa concepção evolucionista, o altruísmo emergiu em larga escala na espécie humana diante do fato de que nossos ancestrais teriam protagonizado um jogo social com soma diferente de zero13,30. Ou seja, no âmbito da Psicologia Evolucionista, a chamada Teoria do Jogos preconiza que as atitudes pró-sociais, embora impliquem custos individuais, mostraram-se adaptativas na medida em que a inserção social fez-se necessária para a sobrevivência individual, gerando, dessa forma, um ambiente onde a doação virou também sinônimo de recebimento. No que se refere às trocas sociais, o comportamento altruísta acabou, portanto, sendo favorecido pela lógica evolucionista e emergindo em estrutura cerebral que se tornou apta a levar em conta os custos e benefícios do seu emprego. Ceder algo em termos materiais, ou engajar-se em ações objetivando o benefício alheio, tornou-se, de acordo com esse entendimento, o mesmo que gerar uma possibilidade de ganhos futuros num jogo social em que a soma é sempre diferente de zero. Em função de uma dinâmica social desse tipo, foram então fomentados dispositivos neurocognitivos capazes de engendrar o comportamento altruísta fundamentado, por sua vez, na capacidade de compreender e solidarizar-se com o outro. Tomando como base as palavras de Wright13, o altruísmo seria, portanto, também um tipo de adaptação que executamos.

Por outro lado, os indivíduos portadores do TPAS não se mostram responsivos aos sentimentos alheios e tendem a não se engajar em atitudes pró-sociais. De uma forma ou de outra, tais indivíduos demonstram, em termos mentais, não estarem aptos a contabilizar as vantagens do comportamento altruísta, apresentando assim uma sintomatologia que se mostra mais atrelada a um imediatismo e a uma dificuldade em retardar a recompensa. Também de acordo com um entendimento evolucionista sobre a manifestação do TPAS, esse conjunto de sintomas não chega a constituir-se numa disfunção em termos adaptativos. Ou seja, levando em consideração a idéia de uma "seleção dependente de freqüência", alguns autores enfatizam que a evolução permitiu que pudesse ocorrer a transmissão de genes capazes de gerar "designs biológicos" propensos a não executar uma dose razoável de comportamentos altruístas. Nesse sentido, o TPAS manifestar-se-ia por intermédio de uma série de regularidades orgânicas que podem representar uma disfunção no tocante aos padrões sociais aceitos, no entanto, em termos evolutivos, encontram uma possibilidade de manifestação dependente do próprio grau de ocorrência verificado na espécie. Nesses termos, o entendimento vinculado à Psicologia Evolucionista e, mais especificamente, à Psicopatologia Evolucionista, estabelece que os indivíduos anti-sociais também executariam adaptações, ainda que, em termos sociais, sua tendência comportamental possa ser compreendida como uma disfunção.

O aspecto salutar de um entendimento sobre o papel adaptativo do TPAS sustenta-se no pressuposto de que os indivíduos portadores do citado transtorno não apresentariam um déficit em termos de processamento das informações sociais. De outro modo, o que os portadores do transtorno conseguem fazer com êxito é justamente manipular os estados mentais alheios, ainda que se mostrem indiferentes aos sentimentos que conseguem detectar nos outros. Ou seja, os indivíduos com TPAS, de acordo com esse entendimento, diferem-se dos demais pelo fato de estarem, em termos adaptativos, mais capacitados para um tipo de manipulação voltada à obtenção de vantagens exclusivamente pessoais. Se por um lado o comportamento altruísta resulta, para alguns teóricos da Psicologia Evolucionista, de um mecanismo evolutivamente desenhado visando à obtenção de vantagens indiretas, por outro, a sintomatologia anti-social resulta de um design mental voltado tão somente à obtenção de vantagens diretas nos ambientes sociais em que os organismos humanos evoluíram29.

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE A ABORDAGEM EVOLUCIONISTA DO TPAS

Em termos gerais, pode-se dizer que os estudos que vêm sendo sustentados pela Psicologia Evolucionista mostram-se fecundos no que diz respeito à explicação de uma diversidade de mecanismos mentais. De fato, uma compreensão ampla sobre o psiquismo humano deve levar em conta, tal como salienta Pinker6, as pressões ambientas e o caráter emergente de certos mecanismos psíquicos como uma resposta selecionada diante dessas mesmas pressões. Seria ingênuo pensarmos que todos os organismos vivos estiveram submetidos a uma lógica evolutiva, sendo que o ser humano teria sido uma exceção nesse mesmo processo, sendo que faz-se necessário considerar sempre as alterações verificadas no próprio ambiente social ao longo da nossa história evolutiva.

Por outro lado, os entendimentos sobre o TPAS que estiveram fundamentados na Sociobiologia e, mais recentemente, na Psicologia Evolucionista26-29 deparam-se com questões que não podem ser elucidadas levando-se em conta apenas uma compreensão sobre o caráter adaptativo do próprio transtorno. Em outras palavras, uma coisa seria afirmar que alguns transtornos mentais podem decorrer de mecanismos adaptativos que ocorrem num grau exacerbado, outra coisa seria dizer que todos os transtornos psiquiátricos expressam adaptações que continuamos a executar no ambiente atual. Indubitavelmente, esse parece ser um problema que merece melhores investigações no campo da chamada Psicopatologia Evolucionista.

No caso específico do TPAS, é preciso considerar, por exemplo, o fato de que o transtorno não decorre exclusivamente de fatores geneticamente determinados. Uma série de pesquisas tem conseguido evidenciar a influência de fatores ambientais no tocante à própria manifestação do transtorno31. Mealey29, que propõe um modelo evolucionista integrado para o TPAS, também considera tais fatores como sendo importantes. A questão, entretanto, é que a autora chega a postular a existência de dois tipos diferenciados de sociopatia, sendo que haveria um tipo primário e determinado em termos de genótipo e um tipo secundário resultante da influência ambiental. Ou seja, a sociopatia primária poderia ser explicada dentro de uma lógica evolucionista e estaria sujeita a uma "seleção dependente de freqüência" e a sociopatia secundária seria um quadro gerado por intermédio das interações e vivências que se mostram propensas a influenciar a formação da personalidade.

Percebe-se, dessa forma, que a autora procura, através de categorizações distintas, abarcar o fato de que o TPAS não parece decorrer de fatores exclusivamente genéticos. No entanto, se considerarmos uma série de pesquisas vinculadas à mensuração do TPAS que vêm sendo sustentadas pela utilização do PCL-R (Psychopathy Checklist Revised)33,34, é possível constatar que, de fato, ocorrem diferenças em termos da manifestação do transtorno, mas são diferenças que se referem ao próprio grau em que os sintomas estão presentes. Dito de outro modo, uma avaliação mais criteriosa da prevalência do TPAS leva-nos a perceber que o transtorno manifesta-se muito mais em termos de um contínuo que abrange situações extremas, bem como situações limítrofes, do que propriamente em termos de categorias distintas. Por que deveríamos pensar que existe, no que diz respeito a essa distinção gradual, indivíduos cujos sintomas decorrem exclusivamente de fatores genéticos e outros cujos sintomas decorrem exclusivamente de fatores ambientais? Não seria mais plausível pensarmos que o mesmo transtorno vincula-se a fatores tanto ambientais como genéticos, sendo que o grau em que os sintomas fazem-se presentes irá depender da forma como tais fatores estão conjugados?

A questão da "seleção dependente de freqüência" é um outro ponto problemático da teoria de Mealey29. Numa resposta ao artigo de Mealey, Wilson29 sustenta, por exemplo, o fato de que o TPAS, mesmo decorrendo de fatores exclusivamente genéticos, poderia não ser adaptativo tal com apregoa Mealey (1995)29 e outros autores26. Se considerarmos uma época remota e pensarmos nas sociedades de coleta e caça, é possível constatar que o fato de nossos ancestrais terem vivido em pequenos grupos fazia com que a manifestação de comportamentos anti-sociais fosse sinônimo de uma não adaptação muito mais do que é hoje. Ou seja, num ambiente hostil, a coesão grupal mostrava-se verdadeiramente imprescindível e uma reputação negativa tinha, num grupo pequeno, um preço bem mais alto que tendia a resultar em exclusão. Onde há exclusão há, com certeza, menos possibilidades reprodutivas. A "seleção dependente de freqüência" é, no tocante a muitas espécies, uma fato verificável, mas ela só ocorre quando a manifestação de um dado comportamento, em baixa freqüência, não afeta a própria organização intra-grupo. No caso de uma sintomatologia anti-social no ambiente primitivo, mesmo ocorrendo com baixa freqüência, ela afetaria negativamente o mesmo. Por outro lado, poderia ser adaptativa, mas em situações anteriores em que houvesse um individualismo maior. A agressividade, a rapidez e o "sangue frio" do sociopata mostrar-se-iam, nesse sentido, adequados para enfrentar a hostilidade.

De outro modo, como explicar a capacidade que os indivíduos com TPAS possuem para manipular os estados mentais alheios? De um modo geral, desenvolveu-se na espécie humana aquilo que se costuma chamar de "teoria da mente"34. Em outras palavras, uma capacidade para inferir sobre os estados mentais alheios favorecida pela evolução. Ao contrário do que apregoam alguns modelos exclusivamente cognitivos que se voltam para o TPAS, os indivíduos com o citado transtorno estão realmente aptos a inferir e manipular as expectativas alheias, e isso depende de uma capacidade para "teorizar" sobre a mente do outro. No entanto, a questão central vincula-se ao fato de que eles utilizam funções adaptativas com objetivos decorrentes de sintomas não adaptativos. A "teoria da mente" pode realmente ser uma capacidade fomentada pela evolução, mas os indivíduos com TPAS diferem-se dos demais pelo fato de utilizarem essa mesma capacidade de um modo que vai ao encontro do próprio quadro disfuncional que neles está presente. Ou seja, inferem sobre os estados mentais alheios com o propósito de obter ganhos exclusivamente pessoais, tendo em vista que não estão mentalmente propensos a contabilizar os ganhos sociais indiretos que o comportamento altruísta pode gerar. Nesse sentido, alguns postulados da Psicologia Evolucionista podem ser elucidativos para uma melhor compreensão do TPAS; em contrapartida, isso não nos leva, necessariamente, a acreditar que o transtorno seja uma adaptação e, menos ainda, uma adaptação que se mostrou, ao longo da nossa história evolutiva, dependente da sua freqüência.

A questão de uma base genética para o TPAS realmente nos faz pensar que a sua ocorrência esteja atrelada a uma lógica evolutiva. O problema é que essa lógica pode ter operado muito antes de termos nos tornado o que somos. Os fatores biológicos propriamente ditos podem, nesse sentido, ter sido bem mais atuantes do que são hoje. Dito de outro modo, desenvolveu-se, na espécie humana, uma ampla capacidade representacional capaz de conferir novas orientações para tendências que outrora foram o resultado exclusivo de regularidades endócrinas e fisiológicas.

Na medida em que acabamos desenvolvendo uma sofisticação cognitiva largamente capacitada para processar informações ambientais e alocá-las, gerando formas específicas de interagir, deixamos de ser aquilo que a genética determina, ainda que nunca tenhamos deixado de receber as suas influências. Nesses termos, o TPAS pode ter decorrido, num passado bastante remoto, exclusivamente de um determinismo biológico e, nesse sentido, alguns entendimentos mencionados são válidos. Por outro lado, seria difícil designarmos a sua ocorrência como um transtorno propriamente dito e mais difícil ainda classificá-lo como "anti-social". Em pesquisas realizadas, por exemplo, com macacos Rhesus sabe-se que a simples alteração dos níveis de testosterona é, por si só, capaz de gerar comportamentos anti-sociais35. No entanto, será que podemos dizer que esses animais e uma série de primatas não-humanos, no pleno sentido do termo, vivem em sociedade?

De um modo geral, essa discussão mostra-se bastante ampla. No entanto, a funcionalidade do próprio comportamento altruísta sugere que a manifestação de comportamentos anti-sociais não pode ser considerada adaptativa, seja na sociedade em que vivemos, seja na sociedade em que nossos ancestrais passaram a viver após o advento de uma maior capacidade intelectual na espécie. De acordo com inúmeros estudiosos da evolução do intelecto36, o seu desenvolvimento foi fomentado pela própria conivência na esfera social. Uma convivência que também esteve encarregada de selecionar repertórios comportamentais que se mostraram mais adequados. O fato de que um repertório comportamental tenha sido privilegiado ao longo do processo evolutivo não significa, entretanto, que qualquer outro tenha sido extinto. A ocorrência do TPAS pode, nesse âmbito, resultar de uma combinação de fatores ambientais com genótipos que vêm sendo transmitidos ao longo da nossa história evolutiva, ainda que os "designs psíquicos" por eles sustentados nunca tenham representado uma adaptação social no seu verdadeiro sentido.

De outro modo, é também preciso considerar o fato de que a abordagem evolucionista sobre o TPAS ainda poderá mostrar-se bastante elucidativa, na medida em que os entendimentos sobre a função do comportamento altruísta na esfera social forem ampliados. Nesse sentido, revelar-se-ão pertinentes estudos que abordem a filogênese de alguns valores morais e sociais amplamente sustentados ao longo da nossa história, ainda que, para tanto, seja sempre necessário levar em consideração as próprias influências culturais. A Psicologia Evolucionista pode explicitar melhor as raízes de alguns valores socialmente aceitos, sem que isso signifique reduzi-los a uma compreensão exclusivamente biológica. Nesse sentido, faz-se ainda necessário um maior entendimento sobre os indivíduos que se mostram propensos a infringir as regras básicas de convivência e a agirem em desacordo com os próprios valores referidos. Uma melhor compreensão dos muitos comportamentos que podem ou não ser considerados adaptativos ao longo da nossa história pode, por si só, vir a esclarecer uma série de sintomas vinculados ao TPAS e, desse modo, ainda que os estudos mencionados tenham sustentado argumentos questionáveis, tiveram o mérito de provocar reflexões oportunas.

 

CONCLUSÕES

Até o presente momento, a etiologia do TPAS não foi devidamente esclarecida e uma série de pesquisas tem mostrado a possibilidade de que esta seja melhor explicada em termos de uma combinação de fatores37. De outro modo, um entendimento sobre a filogênese do transtorno deve levar em conta o fato de que a manifestação do TPAS não decorre de um fator isolado. Sendo assim, não é passível de ser explicada em termos de uma lógica evolutiva que apregoa o caráter adaptativo do transtorno.

Muitos transtornos psiquiátricos podem ser entendidos como mecanismos adaptativos cujo grau em que estão presentes representa, no ambiente atual, uma disfunção. Este, entretanto, não parece ser o caso do TPAS. O transtorno não poderia, nesse sentido, ser explicado como um design biológico selecionado para uma exclusiva obtenção de vantagens diretas, uma vez que a própria socialização humana sempre prescindiu de mecanismos mentais capazes de engendrar o comportamento colaborativo.

Uma melhor compreensão sobre a funcionalidade do comportamento altruísta e dos mecanismos neurocognitivos que lhe dão sustentação poderá, de outra forma, vir a ser esclarecedora para uma série de sintomas do TPAS. Nesses termos, poderá ser melhor compreendida a notória incapacidade que os indivíduos portadores do transtorno possuem para gerar atitudes pró-sociais. Faz-se necessário, portanto, um maior esclarecimento evolutivo sobre o próprio caráter não adaptativo dos sintomas que perfazem o transtorno, tendo em vista que este, ao contrário do que sustentam alguns autores26-29, não demonstra ser um tipo de adaptação com um grau específico de prevalência na atualidade.

 

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Endereço para correspondência
Silvio José Vasconcellos
Rua Gonçalves Dias, 443/02
90130-061 - Porto Alegre - RS
E-mail: silvv@pop.com.br

Recebido em 30/01/2004
Revisado em 09/03/2004
Aprovado em 14/04/2004