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Revista Eletrônica de Enfermagem
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Artigo Original
 

Cruz EJER, Souza NVDO. Repercussões da variabilidade na saúde do enfermeiro intensivista. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2008;10(4):1102-13. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n4/v10n4a23.htm.

 

Repercussões da variabilidade na saúde do enfermeiro intensivista1

 

Repercussions of the variability on intensive nurse’s health

 

Repercusiones de la variabilidad en la salud del enfermero intensivista

 

 

Élissa Jôse Erhardt Rollemberg CruzI, Norma Valéria Dantas de Oliveira SouzaII

I Enfermeira. Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bolsista da CAPES. E-mail: elissa_enf@yahoo.com.br.

II Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: normadsouza@terra.com.br.

 

 


RESUMO

Estudo qualitativo e descritivo, que teve como objeto a influência das situações de variabilidade na saúde do enfermeiro intensivista. Objetivou-se identificar situações de variabilidade e discutir as repercussões da variabilidade na saúde do enfermeiro intensivista. As informações foram coletadas num centro de terapia intensiva (CTI) de um hospital da rede privada de saúde no Rio de Janeiro. Os sujeitos foram 13 enfermeiros intensivistas em atuação neste CTI há pelo menos um ano. O instrumento de coleta foi entrevista semi-estruturada, realizada entre Setembro/2006 e Outubro/2006. O método de análise caracterizou-se na análise de conteúdo. O tratamento das informações demonstrou que os enfermeiros conhecem as situações de variabilidade e que estas alteram o processo saúde-doença, resultando em irritabilidade, elevação da pressão arterial, cansaço, dores, tensão muscular e estresse. Entretanto, as ocorrências de algumas são passíveis de serem restringidas. Estratégias de enfrentamento foram apontadas e perpassam desde a sistematização da assistência, até melhores salários, condições de trabalho e o auto-conhecimento. Concluiu-se que os enfermeiros vivenciam em sua rotina laboral muitas situações de variabilidade, implicando na rápida mobilização de suas potencialidades psicofísicas e cognitivas, repercutindo negativamente em sua saúde.

Palavras chave: Enfermagem, Saúde do Trabalhador, Unidades de Terapia Intensiva, Mudança Organizacional.


ABSTRACT

Qualitative and descriptive study, that had as object the influence of the situations of variability in the health of the intensive nurse. It was objectified to identify variability situations and to argue the repercussions of the variability in the health of the intensive nurse. The information had been collected in a Center of Intensive Therapy (CTI) of a hospital of the private net of health in Rio de Janeiro. The citizens had been 13 intensive nurses in performance in this CTI have at least one year. The collection instrument was half-structuralized interview, carried through between September/2006 and October/2006. The method of content analysis was used. The treatment of the information demonstrated that the nurses know the variability situations and that these modify the process health-illness, resulting in irritability, rise of the arterial pressure, fatigue, pains, muscular tension and stress. However, the occurrences of some situations of variability are susceptible to be restricted. Strategies of confrontation had been pointed and they pass by since the systematization of the assistance, until better wages, conditions of work and the self-knowledge. It was concluded that the nurses live deeply in its labor routine many situations of variability, implying in the fast mobilization of its psychophysics and cognitive potentialities, rebounding negatively in its health.

Keywords: Nursing, Occupational Health, Intensive Care Units, Organizational Innovation.


RESUMEN

Estudio cualitativo y descriptivo, que tuvo como objeto la influencia de las situaciones de la variabilidad en la salud del enfermero intensivista. El objetivo fue identificar situaciones de variabilidad y discutir las repercusiones de la variabilidad en la salud del enfermero intensivista. Las informaciones fueron recogidas en un Centro de Terapia Intensiva (CTI) de un hospital de la red privada de la salud en el estado del Río de Janeiro. Los sujetos fueron 13 enfermeros intensivistas en actuación en este CTI por lo menos un año. El instrumento de la colecta fue entrevista semi-estructurada, realizada entre Septiembre/2006 y Octubre/2006. El método de análisis del contenido fue utilizado. El tratamiento de las informaciones demostró que los enfermeros saben las situaciones de la variabilidad y que estas modifican el proceso de salud-enfermedad, dando por resultado irritabilidad, la subida de la presión arterial, la fatiga, dolores, la tensión muscular y el estrese. Sin embargo, las ocurrencias de algunas situaciones de la variabilidad son posibles que se restrinjan. Estrategias de confrontación fueron señaladas y pasan desde la sistematización de la asistencia, hasta mejores salarios, condiciones de trabajo y el conocimiento de sí mismo. Fue concluido que los enfermeros viven en su rutina de trabajo muchas situaciones de variabilidad, implicando en la rápida movilización de sus potencialidades psicofísicas y cognitivas, el rebotar negativamente en su salud.

Palabras clave: Enfermería; Salud Laboral; Unidades de Terapia Intensiva; Innovación Organizacional.


 

 

INTRODUÇÃO

O objeto desse estudo trata da influência da variabilidade na saúde do enfermeiro intensivista. O desejo de investigar esse objeto surgiu após desenvolvimento de aulas práticas no cenário da terapia intensiva de um hospital da rede pública de saúde, situado no município do Rio de Janeiro. Observaram-se, empiricamente, diversas situações que se distanciavam do previsto e do esperado para aquela dinâmica laboral, levando os profissionais de enfermagem a fazerem ajustes e regulações na execução de suas atividades. Assim, caracterizando-se situações de variabilidade que, através de uma percepção inicial, influenciavam de algum modo a saúde dos enfermeiros.

Essas situações que fogem do normal, do esperado e que se revelam imprevistas ou não previstas pela organização do trabalho, defini-se como variabilidade. Esse termo vem sendo descrito pelos ergonomistas como um conjunto de variações que podem ocorrer, normal ou incidentalmente, aleatoriamente ou não, tanto na produção, no fornecimento dos serviços quanto entre os trabalhadores(1-2).

Ressalta-se que qualquer trabalho apresenta variabilidade, mesmo que suas repercussões sejam pouco significativas para dinâmica laboral. No entanto, percebe-se que algumas situações de variabilidade alteram marcantemente o contexto do trabalho, apesar da obediência restrita às normas estabelecidas pela organização prescrita do trabalho. Sendo assim, para que o objetivo do trabalho seja alcançado, é necessário que os trabalhadores façam adaptações na realização das atividades, a fim de que se possa dar conta da tarefa (trabalho prescrito). Essas adaptações caracterizam o trabalho real(3).

Destaca-se que algumas situações de variabilidade conduzem a uma ruptura súbita das atividades consideradas rotineiras ou habituais para a dinâmica laboral, resultando numa alteração do processo de trabalho e conduzindo o trabalhador a mobilizar potencialidades psico-cognitivas e motoras que, em última instância, podem afetá-lo emocional e fisicamente.

Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), setor que se encontra inserido no espaço hospitalar e que tem como objetivo assistir pacientes em estado grave de saúde, mesmo havendo a centralização de recursos materiais e humanos com elevados padrões de qualidade, é um setor marcado por imprevistos e incertezas, ou seja, com alta variabilidade. Com isso, para que seu objetivo seja alcançado, é necessário que os trabalhadores de enfermagem façam regulações na execução das tarefas prescritas pela organização laboral, adaptando-se as condições reais de trabalho.

Diante desse contexto, onde se evidencia um caráter complexo, dinâmico e variável, chegou-se ao objeto de estudo anteriormente apontado, tendo como objetivos: identificar as situações de variabilidade que permeiam o ambiente do CTI e discutir as repercussões das situações de variabilidade na saúde do enfermeiro intensivista.

Os conhecimentos advindos da Ergonomia, disciplina que se propõe estudar a relação homem-trabalho para que ocorra a melhor adaptação do trabalho ao homem, ainda são pouco socializados na Enfermagem. Sendo assim, considera-se que essa pesquisa irá contribuir para difundir junto aos profissionais de enfermagem um conteúdo relevante e pouco conhecido, alargando possibilidades de pesquisas, apontando variados objetos de estudo e auxiliando na construção de saberes relacionado à área da saúde do trabalhador.

Investigar variabilidade no trabalho do enfermeiro intensivista envolve compreender também a dimensão subjetiva que perpassa a realização da tarefa desse profissional. E, de acordo com Oliveira; Lisboa(4), as pesquisas na área da subjetividade e trabalho da enfermagem ainda são consideradas incipientes, portanto, esse estudo busca contribuir com o crescimento e o fortalecimento do conhecimento que envolve a relação trabalho e subjetividade.

 

METODOLOGIA

A pesquisa caracterizou-se em qualitativa e descritiva, sendo desenvolvida num Centro de Terapia Intensiva (CTI) de um hospital da rede privada de saúde no município do Rio de Janeiro.

O critério de escolha desse cenário focou-se na necessidade de coletar as informações em um local que estivesse nos padrões preconizados pelo Ministério da Saúde (MS) em termos de planta física; quantitativo de pessoal; recursos materiais adequados à prestação do cuidado; utilização de tecnologia de ponta; localização da Unidade em um espaço privilegiado, tomando-se por base as unidades de apoio. Enfim, o CTI escolhido para a coleta das informações apresentava-se numa situação privilegiada e totalmente inserido nos parâmetros preconizados pelo MS. Tal escolha foi proposital, pois se buscou trabalhar num local onde as situações de variabilidade fossem de fato decorrentes da forma como se institui a organização e o processo de trabalho, e não por questões de infra-estrutura.

O ambiente físico deste CTI é composto por um posto de enfermagem, um expurgo, três banheiros, uma sala de repouso dos médicos e dos enfermeiros, uma sala da chefia, uma copa, uma secretaria comum e um vestiário. O local de descanso dos técnicos de enfermagem situa-se fora da planta física destinada ao CTI. O cenário de pesquisa é constituído por 15 (quinze) leitos destinados ao atendimento de pacientes que estejam apresentando-se instáveis dentro do seu quadro patológico.  Esta unidade mantém taxa de ocupação equivalente a 100% dos leitos. A maioria da clientela assistida tem como motivo de internação o diagnóstico de sepse hospitalar, e permanece sob cuidados na unidade por um tempo médio de 06 a 10 dias.

A equipe de saúde que presta assistência nesta unidade é composta por 33 (trinta e três) enfermeiros, sendo 32 (trinta e dois) divididos em regime de plantão e 01 (um) chefe de unidade com escala de trabalho caracterizada como diarista. Existem 40 (quarenta) técnicos de enfermagem, 14 (quatorze) médicos plantonistas, 03 (três) médicos da rotina e 01 (um) médico na chefia, 01 (um) fisioterapeuta por plantão, e 02 (dois) nutricionistas (um responsável pela dieta enteral e outro pela dieta oral) e 07 (sete) secretárias. O regime de plantão da equipe de enfermagem, exceto a enfermeira chefe, é 12 x 60, ou seja, trabalha 12 horas e folga 60. Porém, a equipe de enfermagem faz mais 03 (três) complementações mensais na escala de serviço, perfazendo um total de 12 horas de trabalho adicionais para cada um trabalhador dessa equipe, atingindo a carga horária expressa no contrato de trabalho (40 horas semanais).

As informações foram coletadas com 13 enfermeiros (as) intensivistas em atuação neste CTI há pelo menos um ano. O critério de escolha sobre o tempo de atuação dos enfermeiros embasou-se na preocupação de que estes enfermeiros já tivessem apreendido a realidade laboral que os cercava, desenvolvendo uma visão concreta da organização e do processo de trabalho, além de estarem melhor instrumentalizados para relatar as situações de variabilidade que se apresentavam no cotidiano de trabalho. Também foi um critério de conformação dos sujeitos sociais o aspecto do voluntariado, sua aceitação livre e espontânea e a disponibilidade de tempo(5).

O quantitativo de sujeitos que participaram do estudo embasou-se no critério de reincidência das informações, ou seja, quando o conteúdo do material coletado começou a se repetir, isso foi um indicativo para finalizar a coleta de dados(6). O critério numérico dos sujeitos da pesquisa, numa busca qualitativa, se torna uma preocupação menor, porque o que é de maior relevância é a qualidade do informante e não precisamente a quantidade. A amostragem ideal é aquela capaz de refletir a totalidade do objeto de estudo nas suas múltiplas dimensões(6).

O instrumento de coleta foi entrevista semi-estruturada, aplicada entre Setembro e Outubro de 2006.

Atendendo às exigências éticas, o projeto foi aprovado e cadastrado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) sob o número 1437.

As informações coletadas foram analisadas e interpretadas à luz da análise temática de conteúdo. Segundo Bardin(7), a análise de conteúdo presta-se à compreensão do sentido da comunicação, mas também desvia o olhar analiticamente para uma outra significação, uma outra mensagem entrevista através ou ao lado da mensagem primeira, que pode ser de natureza psicológica, sociológica, política ou histórica.

Assim, após a transcrição e leitura das respostas, com a identificação dos significados, procedeu-se à codificação das unidades de registro visando identificar e problematizar as temáticas contidas nos registros para a construção do arcabouço lógico do pensamento do sujeito. A aplicabilidade desse método propiciou uma análise ampla e profunda do material coletado, resultando na construção das três categorias de análise descritas a seguir: situações de variabilidade na Terapia Intensiva, a repercussão da variabilidade na saúde do enfermeiro; e as estratégias do enfermeiro para restringir os efeitos da variabilidade.

 

ANÁLISE E TRATAMENTO DAS INFORMAÇÕES COLETADAS

1ª Categoria: Situações de variabilidade na terapia intensiva

Nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) estão reunidos os recursos materiais e humanos mais específicos e com elevados padrões de qualidade para o atendimento pronto e eficaz da clientela criticamente enferma. No cenário estudado não é diferente. Todavia, a presença da variabilidade é percebida pelos enfermeiros intensivistas e aparece nos depoimentos como uma consequência natural do processo de trabalho instituido neste setor, considerando-se as características da clientela e da assistência prestada a ela.

É difícil a gente ter um plano na mão, em que você sabe o tempo inteiro o que vai acontecer daqui a pouco. Tenho uma angiotomografia pedida, que precisa ser discutida com o médico assistente. Ela pode ser daqui a pouco, pode ser à noite, ela pode ser amanhã de manhã... Então toda hora acontece alguma coisa que vai fugir da nossa rotina. (E2)

(...) na realidade, na Terapia Intensiva o paciente é muito instável. (...) Aqui a gente tem o paciente na mão através dos diagnósticos. (...) Na verdade dá pra você se antecipar. Mas ainda assim acontecem intercorrências com os doentes. (E3)

Na terapia intensiva, agora é uma coisa, daqui a pouco é outra. Muda tudo derrepente. Na terapia intensiva a gente lida o tempo todo com a imprevisibilidade, que no meu ver está ligado a essa variabilidade. A variabilidade está presente todos os dias no CTI. (E8)

Eu acho que as variabilidades vão sempre existir. (E4)

Com isto, constata-se que os enfermeiros intensivistas deparam-se constantemente com diversas situações diferentes das que estavam previstas para acontecer durante o plantão. O replanejamento é evidente e conduz o enfermeiro a modificar o modo de desempenho das suas ações, a fim de dar conta das tarefas. As falas selecionadas revelam esta situação:

O tempo inteiro eu me replanejo. Toda hora muda o que eu ia fazer e eu vou fazer outra coisa. (E1)

Ah, com certeza eu me replanejo! Eu acho que isso é assim uma coisa natural. Até porque o paciente de terapia intensiva muda o quadro dele, pode mudar de uma hora pra outra. Então, a gente tá tratando uma coisa e daqui a pouco o paciente desenvolve uma outra, tipo uma instabilidade hemodinâmica, que não é aquela que estava no momento. Então, você acaba tendo que traçar outros planos, outras metas, para prestar uma assistência para aquele paciente mais adequada. (E3)

A variabilidade é constante no CTI. Eu acho que é raríssimo o dia em que eu cheguei aqui e fiz o que eu tinha planejado. É o lugar onde você mais trabalha em cima de intercorrências, com replanejamento. (E9)

Por estar na terapia intensiva, num plantão simples você pode ter que se replanejar. (E11)

Pela análise dos depoimentos, verifica-se que os enfermeiros intensivistas precisam ter características como a tranquilidade e a agilidade cognitiva e motora para que sua adaptação seja imediata diante dessas situações imprevistas ou que variam daquilo que era esperado, visto que devem estar preparados para o enfrentamento das intercorrências emergentes, características do trabalho no cenário da Terapia Intensiva(8). Afim de regular a atividade de trabalho e cumprir os objetivos do trabalho prescrito, estes enfermeiros precisam lançar mão continuamente de suas potencialidades psico-cognitivas e motoras.

Januário(9), em seu estudo sobre o trabalho do enfermeiro intensivista, infere que se adaptar para conviver com situações adversas parece ser uma estratégia para “suportar” um trabalho que é estressante, ao qual nem sempre o corpo responde da forma esperada. E essa capacidade de suportar ou não, de conviver ou não com variações, tem como base um princípio chamado de “limites da tolerância”. Continuando sua análise, acrescenta que no ambiente de trabalho, algumas pessoas toleram as mudanças, outras não. Todavia, mesmo em ambientes adversos, o enfermeiro consegue ou é compelido a empenhar-se em suas funções e faz o melhor que pode, às vezes até a exaustão, para atingir as metas propostas pela organização prescrita do trabalho.

Esta questão dos “limites de tolerância” está diretamente relacionada à repercussão desta constante readaptação frente às situações de variabilidade na Terapia Intensiva, na saúde deste enfermeiro que a realiza. Seu comprometimento com o serviço prestado, às vezes o faz ultrapassar este “limite” tolerável da mobilização de suas potencialidades psico-cognitiva e motora, para que suas tarefas sejam cumpridas.

As ações de assistência e diagóstico ao cliente, diretamente relacionadas ao seu estado de saúde e evolução do quadro patológico, emergem nos depoimentos como um dos fatores causais da variabilidade na Terapia Intensiva, inclusive justificando a visão que o enfermeiro intensivista tem de que as situações de variabilidade fazem parte da sua rotina normal de trabalho, haja vista que os clientes assistidos neste setor apresentam um quadro grave de doença e uma instabilidade hemodinâmica importante.

(...) a demanda daqui (...) Ele é um paciente muito mais sensível, muito mais suscetível. Com um déficit da imunidade, muito diminuída. (E3)

O paciente daqui tem essa característica: agora está uma coisa e daqui a pouco ele piora. Até pela terapêutica, porque elas são agressivas. (E9)

A característica da nossa clientela além de ser de pacientes graves, é ser de idosos com média de idade entre os 80 e 90 anos. (...) que muitas vezes tem uma série de comorbidades. (E12)

Normalmente na intercorrência com o paciente, que complica, traz as intervenções médicas. Mas que são normais na terapia intensiva. (E8)

Uma das principais características da Unidade de Terapia Intensiva é de ser uma área de grande dinamismo para aqueles que ali atuam, a constante circulação de pessoal e a solicitação frequente de exames(10). Tais fatores também foram citados pelos sujeitos como possíveis causadores das situações de variabilidade.

Solicitação médica eu acho que é o maior, é o que mais me atrasa, talvez, né?! Eu tenho que parar o que eu to fazendo pra fazer uma outra coisa. Isso é o tempo inteiro! Acho que a solicitação médica, ela é necessária, a gente trabalha numa UTI... Ele está olhando uma coisa enquanto eu estou olhando outra, mas se ele precisa de alguma coisa, ele vai me chamar pra fazer. Então, ele não tem uma função independente, eles são enfermeiros-dependentes. (E1)

São muitos médicos... médicos assistentes, médicos plantonistas, médicos da rotina... são muitas rotinas... então, cada um tem sua opinião e traça um plano... a gente vai se adaptando.(E2)

Geralmente, isso acontece relacionado às solicitações médicas ou exames que não estavam previstos. (E13)

A presença de outros sujeitos no espaço de cuidar, principalmente os médicos, causa uma aparente (des)organização, mediada pelas relações estabelecidas neste espaço, sendo mais uma tarefa do enfermeiro intensivista mediar estas relações com calma e tolerância(11).

Uma coisa que me chateia muito é comunicar as coisas pra outras pessoas que não estão envolvidas no cuidado do paciente naquele dia. Isso causa um certo aborrecimento, porque às vezes você não faz as coisas porque não sabia e fica parecendo que não fez porque não quis. Chega um ponto em que você não sabe mais o que foi feito e o que ainda tem que fazer. (E13)

Falta uma comunicação, uma interação entre as equipes. Às vezes eu acho que é pouca consideração mesmo da equipe médica, que talvez não saiba o trabalho que dá levar um paciente de terapia intensiva pra fora do CTI, mesmo que seja pra mudar de quarto.  Eu sei que é importante pro paciente, mas eu acho que está errado. Tem que ser planejado. E se for uma situação de emergência, tem que avaliar, se organizar. (E10)

Para que haja o atendimento integral das necessidades da clientela assistida numa UTI, é indispensável uma equipe multidisciplinar na unidade, incluindo os médicos e a equipe de enfermagem, e que esta estabeleça uma comunicação efetiva e uma cooperação mútua a fim de que o trabalho flua sem tantas intercorrências e momentos de tensão. É necessário que os diversos profissionais estejam interados com a dinâmica laboral, que as equipes estejam integradas, para que as ações sejam articuladas, possibilitando tornar a assistência mais completa e contínua, criando ambientes laborais com menos riscos à saúde dos trabalhadores(11).

Todavia, numa equipe multidisciplinar estão presentes diferentes processos de trabalho e a desigualdade de valor atribuido aos distintos trabalhos das equipes leva a “tensões entre as diversas concepções e os exercícios de autonomia técnica, bem como entre as concepções quanto à independência dos trabalhos especializados ou a sua complementariedade objetiva”(12). Tal fato pode ser entendido como uma das possíveis causas na falha da comunicação entre equipes registrada pelos sujeitos desta pesquisa.

Peduzzi(12) retrata a comunicação como o meio que possibilita a articulação das ações, a coordenação, a integração dos saberes e a interação dos agentes, sendo o denominador-comum do trabalho em equipe.

Uma das competências do enfermeiro em uma UTI é a coordenação da equipe de enfermagem, a liderança. Devendo desempenhar tal função indo além da simples distribuição de tarefas e buscando o conhecimento de si mesmo e das individualidades de cada um dos componentes da equipe e dos clientes(8). Tentando conciliar os objetivos organizacionais com os objetivos individuais, buscando o aprimoramento da prática profissional e o alcance de uma assistência de enfermagem adequada(13).

E, no âmago da liderança está a capacidade de comunicar, sendo a comunicação fundamental para o exercício da influência, para a coordenação das atividades grupais e, portanto, para a efetivação do processo de liderança(14).

Uma das formas de coordenar as atividades do grupo é delegando tarefas, distribuindo afazeres entre os membros da equipe, visando o atendimento das necessidades reais do paciente. Contudo, quando a comunicação entre os membros da equipe é ineficaz, a gerência exercida pelo enfermeiro não é capaz de organizar as atividades desenvolvidas no setor, causando o não atendimento das demandas da clientela, gerando conflitos e insatisfações na equipe, elementos que gradativamente vão espoliando a saúde dos trabalhadores(11).

Devido a sua função de liderança, o enfermeiro sente-se responsável por resolver tudo, pelas ações dos outros componentes da equipe de enfermagem, além de dar conta das próprias atividades(9). Esse sentimento de extrema responsabilidade pode levar o indivíduo a tomar para si, mesmo que inconcientemente, atribuições aquém das pré-determinadas para si, pois a organização do trabalho cobra dos enfermeiros a responsabilidade pela segurança do cliente e pelo cumprimento das atividades propostas para a equipe. Esta questão emergiu na fala de um dos sujeitos como causadora de uma sobrecarga de trabalho, levando a uma variação da rotina laboral.

(...) às vezes o centro de processamento de dados tá ocupado com alguma outra coisa, vou ajudar tentar resolver algum problema de informática. (...) algo que quebrou, vai lá e vê se concerta. Normalmente a gente encaminha pro serviço de manutenção. (...) Serviço de secretariado. Nossa... isso então! (...) Eu até peço para ela fazer, mas quando eu vejo, já fiz.(...) É até uma dificuldade minha saber delegar. Eu vejo as coisas por fazer e vou lá e faço. (E4)

Outro fator vinculado a situações de variabilidade na Terapia Intensiva é a introdução constante de novas tecnologias a fim de dar suporte a assistência ao cliente e facilitar a informatização das ações administrativas.

Conforme Barcelos; Gomes; Lacerda(10), é característica das UTIs o emprego de tecnologia de ponta, impondo ao trabalhador a necessidade contínua de capacitação, buscando dar conta do elevado grau de conhecimento circulante e de novos equipamentos que constantemente são empregados na assistência a clientela em estado crítico.

Eu acho que as novas tecnologias que são inerentes à terapia intensiva, principalmente desse serviço aqui dessa instituição, é uma avalanche. E você tem que aprender; tem que se adaptar a tecnologia, senão como vai cuidar do doente? É sempre coisa nova chegando e você tendo que aprender o tempo todo. (...) fazer educação continuada... (...) Às vezes chegou aparelho hoje e você vai ter que instalar ele hoje e você nem leu direito como é que funciona. Isso é outra coisa que te tira da rotina e você tem que se virar. (E4)

Eu identifico sim essa variabilidade quando surge novo equipamento no setor. As inovações tecnológicas e científicas acontecem muito rápidas, com uma velocidade muito grande. Hoje mesmo, eu tive que parar minha rotina habitual pra poder me adaptar ao monitor novo, que está ali me ajudando a monitorizar meu paciente, pra depois pegar os doentes e continuar os meus cuidados. Eu sei que as coisas são implementadas assim mesmo. (E7)

Barcelos; Gomes; Lacerda(10) afirmam que “há um grande desafio na assistência de enfermagem na Terapia Intensiva: acompanhar o avanço científico e tecnológico sem dissociar de sua prática a valorização dos cuidados de enfermagem”.

A tecnologia pode ser copiada, logo, o grande diferencial no mercado competitivo são as pessoas(8). E assim, o preparo adequado do profissional faz-se instrumento indispensável para o sucesso e a qualidade do cuidado prestado na UTI. Até porque, se o enfermeiro encontra-se sobrecarregado de atividades, aflito com o volume de trabalho, poderá haver repercussões tanto para a produtividade quanto para quem viabiliza esta produtividade, ou seja, a saúde do trabalhador poderá estar em risco(11).

As situações de variabilidade são diversas, isto é, ligadas à complementaridade com o trabalho médico, com as dificuldades de comunicação, com a alteração do quadro de saúde da clientela e os exames por ele demandados, vinculados também à introdução de novas tecnologias e à tarefa mediadora da enfermeira. Todos estes determinantes conduzem a alteração na dinâmica do trabalho do enfermeiro, repercutindo de alguma forma na produtividade(11).

2ª Categoria: A repercussão da variabilidade na saúde do enfermeiro.

Diante das situações de variabilidade, o enfermeiro intensivista precisa estar acionando constantemente suas potencialidades psico-cognitivas e motoras para o alcance de suas metas no trabalho. Entretanto, a mobilização contínua dessas potencialidades gera um desgaste no corpo do trabalhador, resultando no acúmulo de reações que se traduzem em riscos à sua saúde(15).

A sobrecarga física, intelectual e psíquica decorrente da necessidade de adaptação e regulação frente às constantes situações de variabilidade relativas ao planejamento diário para a realização de tarefas, aparece nos relatos dos enfermeiros influenciando negativamente a dimensão emocional desses trabalhadores. Os discursos selecionados a seguir demonstram esta situação:         

Tem dias que a gente tá mais cansada, tem dias que a gente não tá afim. Tem dias que a gente vem amando trabalhar e tem dias que não. (E2)

Perco um pouco a paciência. Não me prejudica na interação com a equipe, mas a energia fica pesada, faço as coisas meio que arrastada. (E10)

Pelos relatos destacados verifica-se que as situações de variabilidade e a tarefa constante de fazer regulações em suas atividades desestimulam e cansam os enfermeiros, tornado penoso o trabalho e assim, atuando negativamente na subjetividade desses trabalhadores.

Num CTI, profissionais de enfermagem devem ter algumas características como: força física, pensamento crítico, habilidade psicomotora e conhecimento científico(9). Diante das situações de variabilidade, tais características serão requeridas e utilizadas de modo intenso, gerando uma sobrecarga física e psico-cognitiva nesses trabalhadores

O físico é aquilo... você tem que trabalhar mais rápido, ter um raciocínio mais rápido e suas ações passam a ser mais rápidas, mas isso é natural. (E3)

Saio daqui exausta, sem vontade de falar com ninguém, com vontade só de ficar na cama. A cobrança sobre o enfermeiro é muito grande. Tem que gostar muito do que faz. (...) A gente costuma dizer que enfermeiro não tem vida. (E8)

(...) eu sou hipertensa, tomo remédios. Num dia agitado, eu fico mais agitada e tenho mais necessidades. Então, eu tomo meu remédio da noite mais cedo, porque eu tô muito agitada e eu sei que a minha pressão vai subir mais cedo do que normalmente. E aí eu sinto quando ela está mais alta e sei que é porque eu tive um dia mais agitado. (E2)

E também tem a tensão corporal. Aí nem é só quando sai daqui, é durante o plantão mesmo. O corpo fica tenso.(E9)

Eu sinto dor nas pernas, no joelho. A postura curva. Muito cansaço. A expressão muda, a ponto de o colega da noite falar que dá pra ver que o plantão foi difícil. (E10)

As repercussões à saúde do enfermeiro estão articuladas com as características do trabalho do enfermeiro, que é complexo, fragmentado, intenso e de grande tensão(16). No entanto, quando adicionada a variabilidade inerente do trabalho em terapia intensiva, esta problemática torna-se mais intensa e aguda, decorrendo em padecimento físico e mental dos profissionais de enfermagem.A seguir, estão expostos fragmentos de depoimentos, nos quais se encontram relatos sobre o processo de envelhecimento precoce decorrente das características do processo e organização do trabalho no ambiente de UTI articulado às situações de variabilidade.

É claro que repercute na saúde da gente! Por isso a gente costuma dizer que o enfermeiro de terapia intensiva tem um tempo de vida útil. O enfermeiro depois de 10 anos de terapia intensiva já está louco pra sair da assistência. Eu tenho três anos no CTI... por enquanto eu consigo sair daqui e umas horinhas depois estar refeita. (E8)

Eu tenho 34 anos e comecei a trabalhar com 22 anos, então eu já vejo que a minha fase agora já não é uma fase pra pegar assistência, porque o corpo já não aguenta. Eu já não me sinto mais tão produtiva como eu era. (E9)

Além da questão analisada acima, pode-se apreender a partir dos relatos o modo como o enfermeiro vê o seu trabalho, o significado dado por ele às atividades que executa: mecânico e similar a uma máquina. E como toda máquina, ele também se percebe limitado a um tempo de atuação, um tempo útil.

Verificou-se que a vivência da variabilidade na terapia intensiva implica em diversas alterações na saúde do enfermeiro, manifestando-se através de vários sinais e sintomas que podem limitá-lo no desempenho e melhor desenvolvimento de suas tarefas, levando a um surgimento ainda maior de situações de variabilidade. Esta problemática pode resultar num círculo vicioso, em que mais situações de variabilidade resultam em mais padecimento psico-físico, que por sua vez, geram novo círculo até que a energia psicossomática do trabalhador tenha sofrido uma grande perda e os danos à saúde sejam significativos(11).

3ª Categoria: As estratégias do enfermeiro para restringir os efeitos da variabilidade.

A assistência sistematizada possibilita a identificação das intervenções de enfermagem mais adequadas ao atendimento das necessidades individuais do paciente, gerando subsídios para a construção das prescrições de enfermagem, viabilizando ao enfermeiro a administração da assistência centrada no cliente e, não apenas, o gerenciamento burocrático de recursos humanos e materiais(15). Assim, a sistematização da assistência foi uma estratégia apontada pelos enfermeiros para restringir o aparecimento de situações de variabilidade. Destacaram-se dois depoimentos que caracterizam essa análise:

Acho que a forma interessante é a sistematização da assistência de enfermagem. Não assim de uma forma protocolada... uma sistematização em cima da assistência, só no geral, mas amarrar em cada paciente no específico... não generalizar uma assistência a uma patologia, uma linha traçada de uma forma uniforme... sempre terá variações de paciente pra paciente. (E3)

Se você tem o round pra tomar as decisões, eu acho que ele deveria ser seguido... algo mais sistemático dentro das equipes. Tem coisas que não tem como... mas essas muitas mudanças de conduta durante o dia, talvez não precisasse tanto. (E6)

Esta sistematização surge na fala dos sujeitos como possibilidade para integrar e organizar tanto o serviço de enfermagem quanto as ações das demais equipes do setor, tornando a assistência ao cliente mais racional e consensual possível, favorecendo a diminuição da ocorrência das situações de variabilidade. Deste modo, “com um planejamento melhor estruturado, o trabalho de enfermagem sofreria menos interferências das variáveis passíveis de controle, com otimização do tempo e do cuidado prestado. Contudo, para que esta sistematização seja efetiva e eficaz, é preciso que todos os integrantes da equipe de enfermagem se apropriem dos conhecimentos acerca do processo de enfermagem”(11).

Com relação aos recursos humanos, o aumento do número de funcionários aparece nas falas dos sujeitos, apesar de o quadro de funcionários do cenário ser adequado às normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Esse pensamento surge devido ao entendimento de o quantitativo de funcionários estar relacionado de modo inversamente proporcional à carga de trabalho. Ou seja, aumentando o número de funcionários, diminuiriam as tarefas delegadas para cada enfermeiro da equipe, levando a um aumento do tempo disponível tanto para a realização das atividades planejadas quanto para a atuação frente às situações de variabilidade, assim como para o cuidado dos próprios profissionais (atendimento às necessidades fisiológicas, de alimentação e de descanso). Assim, tornar-se-ia possível a diminuição da carga de trabalho tanto física quanto psíquica ou intelectual do enfermeiro intensivista.

Se houvesse mais uma enfermeira, ela poderia se deslocar entre os CTIs e ficar onde precisarem mais. Acho que uma enfermeira a mais faria toda diferença! (E5)

Agora ter uma escala de extra, seria muito bom num plantão mais pesado, pra gente poder dar conta melhor da assistência. (...) Cuidar do corpo, na terapia intensiva é complicado. (...) Eu almocei em 15 minutos. Porque eu não tive tempo. Pra diminuir a repercussão no corpo, só aumentando ainda mais o número de enfermeiros. Mas a gente sabe que isso é complicado. (E8)

A melhoria salarial é citada como estratégia de controle da ocorrência da variabilidade na Terapia Intensiva e, consequentemente, das repercussões na saúde do enfermeiro intensivista, levando-se em consideração que, com o aumento da remuneração financeira diminuiria a necessidade de o enfermeiro ter mais de um emprego para conseguir uma renda capaz de sustentar sua família. Com isso, diminuindo sua carga de trabalho total, o enfermeiro teria mais tempo disponível para cuidar da sua saúde, se alimentando melhor, com um padrão de sono e repouso mais adequado, mantendo suas atividades sociais, estando mais tempo com a sua família, mantendo seu corpo e sua mente preparados para a próxima jornada de trabalho, fortalecendo-o para o enfrentamento das situações adversas que hão de existir, diminuindo a repercussão destas na sua saúde.

Eu acho o salário ruim. Vejo outras pessoas que não têm o conhecimento que a gente tem, a faculdade, e que ganham tanto quanto. (...) De repente eu super-valorizo a profissão, mas eu acho que ela é inferiorizada. (...) Então, minha sugestão seria uma melhoria salarial pra que a gente pudesse trabalhar menos e ter uma maior qualidade de vida e aí a gente trabalharia melhor. (E2)

A remuneração deveria ser melhor pra evitar que a gente tenha que trabalhar em mais de um emprego. Falta tempo pro lazer, pra atividade física, pra alimentação. O nosso trabalho vai nos privando da nossa vida social. (E10)

A melhoria salarial seria importante. Aí na enfermagem como um todo, em todas as redes. Mesmo aqui neste hospital, eu acho que a gente ganha pouco pro que a gente faz. Se as pessoas ganharem melhor, elas não vão precisar ter dois ou três empregos. Com isso, melhoraria a carga de trabalho. (E9)

O enfermeiro intensivista realiza os cuidados ao cliente com intensa atividade mecânica, envolvendo, também, muita emoção e sentimento. Por isso, é relevante que esse profissional esteja com suas dimensões bio-psico-social e espiritual em harmonia para que seu cuidar seja efetivo e eficaz na melhoria do estado de saúde da clientela assistida(9).

Emergiram outras estratégias para restringir e enfrentar as situações de variabilidade, e assim, prevenir ou minimizar a repercussão desse evento no corpo do trabalhador. Algumas estratégias sugeridas foram: a preocupação com a saúde do trabalhador, envolvendo o físico e mental; capacitação permanente do trabalhador; atividades de lazer, descanso e tempo livre; e atividades de lazer no próprio ambiente laboral. Os discursos revelam o exposto:

A gente fala tanto da humanização no cuidado da saúde do paciente, mas pro funcionário não tem.(...) A gente tem que avaliar a necessidade da gente. Eu não posso ficar trabalhando trazendo uma margem de insegurança pra gente. A gente precisa estar bem pra conseguir trabalhar. Às vezes a gente não tem tempo de ficar pensando duas ou três vezes se aquilo que a gente está fazendo é certo. Tem que fazer certo. Se a gente está cansada, não consegue pensar direito. (E9)

Você tem que ter o dominio teórico pra poder ter uma prática segura e eficaz. Treinamentos prévios pra implementação das novas tecnologias, dando tempo pro conhecimento antes da prática. (E7)

Você praticar uma atividade física, você dormir bem, descansar, curtir as coisas boas da vida, a família, os amigos, sair pra beber e dançar, essas coisas que as pessoas gostam de fazer, isso tudo é fundamental. Você não pode só trabalhar! (E12)

Eu acho que a gente poderia ter um relaxamento, alguma atividade que ajudasse a gente a aliviar esse estresse, essas dores no corpo. (E7)

Januário(9) infere acerca do (des)equilíbrio do corpo do enfermeiro que “a característica do cuidado prestado será diretamente proporcional às condições em que seu corpo se encontrar”. É preciso que os enfermeiros mantenham seus corpos em equilíbrio para que suas ações tenham resultado benéfico para seus clientes. Os enfermeiros em sua prática profissional estão expostos a diversos fatores capazes de causar alterações em sua saúde. Sendo responsáveis pelo cuidado direto ao indivíduo, família e comunidade, estes profissionais precisam ter também suas necessidades básicas atendidas a fim de manter o equilíbrio necessário à execução de suas atividades(11). Portanto, faz-se mister a busca de estratégias que contemplem essas necessidades, promovendo a saúde e minimizando os agravos originados pelos fatores geradores de pressão física e mental, presentes no ambiente de trabalho(9).

Uma reflexão acerca da limitação do tempo laboral surgiu nos depoimentos, seja ele pelo avanço da idade, seja decorrente da inserção na área do cuidado assistencial em terapia intensiva, tendo em vista os CTIs serem ambientes de trabalho permeados de diversos fatores causadores de estresse físico e emocional, devido à própria característica da clientela e da assistência prestada.

Por tudo isso, eu acho que deve ter um limiar pra trabalhar na Terapia Intensiva. Eu nunca li ou soube de trabalhos que falassem sobre isso, pelo menos não na área da Terapia Intensiva. (E9)

Os enfermeiros estão conscientes que seu trabalho no CTI envolve várias situações de variabilidade, no entanto, as ocorrências de algumas são passíveis de serem restringidas. Através de uma visão concreta e profunda acerca da organização e do processo de trabalho nos quais estão inseridos, os enfermeiros apontaram estratégias de enfrentamento da variabilidade que perpassa desde a sistematização da assistência, até melhores salários, condições de trabalho e o auto-conhecimento, o qual possibilita captar suas potencialidades e suas limitações, instrumentalizando-os para engendrar meios de enfrentar a variabilidade e restringir suas repercussões na saúde desses trabalhadores(11).

 

CONCLUSÕES

Concluiu-se que, devido às características do trabalho desenvolvido na terapia intensiva, o enfermeiro vivencia em sua rotina laboral situações de variabilidade, as quais implicam em mudanças repentinas na dinâmica de trabalho, resultando em replanejamento das atividades e rápidas adaptações deste trabalhador a nova situação laboral, mobilizando potencialidades psico-cognitivas e motoras.

As situações de variabilidade no trabalho do enfermeiro intensivista são várias: a interdependência do trabalho do enfermeiro com a conduta do médico; o agravamento do quadro clínico dos clientes; a necessidade de providenciar e operacionalizar exames diagnósticos a clientes que alteram seus quadros de saúde; a pouca eficácia na forma como se institui a comunicação entre os profissionais que compõem a equipe multiprofissional; à introdução constante de novas tecnologias na UTI e à tarefa mediadora da enfermeira entre médicos, clientes e equipe de técnicos de enfermagem.

Constatou-se que a variabilidade altera negativamente o processo saúde-doença dos enfermeiros intensivistas, resultando em irritabilidade, elevação da pressão arterial, cansaço, dores, tensão muscular, envelhecimento precoce e estresse.

Os enfermeiros estão conscientes de que as situações de variabilidades estarão sempre presentes no trabalho intensivista devido às características do processo laboral neste cenário. Todavia, estratégias foram apontadas para o enfrentamento da variabilidade, no sentido de restringir sua ocorrência, sendo estas: a sistematização da assistência; processo de comunicação mais eficaz; capacitação permanente a fim de instrumentalizar os enfermeiros para lidar com o aparato tecnológico presente no ambiente de CTI; aumento do número de enfermeiros; melhora salarial; descanso e lazer; atividades de relaxamento e o auto-conhecimento.

Considera-se que os resultados da pesquisa vieram contribuir com a área da saúde do trabalhador, pois possibilitou ampliar a visão sobre o trabalho na terapia intensiva e a repercussão para a saúde do enfermeiro. Somado a isso, os resultados possibilitaram apontar que o processo e a organização laboral nesse ambiente precisam ser revistos para que as condições em que se desenvolve o trabalho de enfermagem sejam modificadas, no sentido de minimizar os riscos à saúde do trabalhador.

 

REFERÊNCIAS

1. Abrahão JI. Reestruturação produtiva e variabilidade do trabalho: uma abordagem da ergonomia. Psic.: Teor. e Pesq. 2000;16(1):49-54

2. Guérin F, Laville A, Daniellou F, Kerguelen A. Compreendendo o trabalho para transformá-lo. São Paulo: Edgard Blücher Fundação Vanzolini; 2004.

3. Dejours C, Abdoucheli E, Jayet C. Psicodinâmica do Trabalho: uma contribuição da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho.  São Paulo: Atlas, 1994.

4. Oliveira EB, Lisboa MTL. Análise da produção científica da vertente saúde do trabalhador de enfermagem: subjetividade e trabalho. Rev. enferm. UERJ. 2004;12(1):24-9.

5. Cabral IE, Tyrrel MAR. O Objeto de Estudo e a Abordagem de Pesquisa Qualitativa na Enfermagem. In: Gauthier JHM, Cabral IE, Santos I, Tavares CMM, orgs Pesquisa em enfermagem: novas metodologias aplicadas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.

6. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 2sd ed. Rio de Janeiro: Hucitec/Abrasco; 1992. 269 p.

7. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.

8. Vargas D, Braga AL. O enfermeiro de unidade de tratamento intensivo: refletindo sobre seu papel. Revista FAFIBE On Line [Internet]. 2006 [cited 2008 dec 31];2(2). Available from: http://www.fafibe.br/revistaonline/arquivos/divani_uti.pdf.

9. Januário V. F. O trabalho de enfermagem na unidade de terapia intensiva: consequências e implicações no corpo de enfermeiras [dissertation]. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/UNIRIO; 2005.

10. Barcelos AMC, Gomes AO, Lacerda FC. A importância da comunicação não-verbal na prática de enfermagem em terapia intensiva. Revista Enfermagem Atual. Rio de Janeiro. 2003;3(14):33-40.

11. Cruz EJER. As repercussões da variabilidade no trabalho e na saúde do enfermeiro intensivista [monograph]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem/UERJ; 2006.

12. Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev. Saúde Públ.2001;35(1):103-9.

13. Galvao CM, Sawada NO, Castro AP, Corniani Fabiana. Liderança e comunicação: estratégias essenciais para o gerenciamento da assistência de enfermagem no contexto hospitalar. Rev Latino-am Enfermagem. 2000;8(5):34-43.

14. Trevizan MA, Mendes IAC, Favero N, Melo MRAC. Liderança e comunicação no cenário da gestão em enfermagem. Rev Latino-am Enfermagem. 1998;6(5):77-82.

15. Seligman-Silva E. Desgaste mental no trabalho dominado. Rio de Janeiro: Cortez; 1994. 332 p.

16. Souza NVDO. Dimensão subjetiva das enfermeiras frente à organização e ao processo de trabalho em um hospital universitário [thesis]. Rio de janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ; 2003.

 

 

Artigo recebido em 14.08.07.

Aprovado para publicação em 31.12.08.

 

 

1 Parte da Monografia: “As repercussões da variabilidade no trabalho e na saúde do enfermeiro intensivista”, defendida em 2006 na FENF/UERJ.

 

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