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Pro-Posições - E. Claparède: os primeiros estudos sobre a psicologia das crianças pequenas no Institut Jean-Jacques Rousseau

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Pro-Posições

Print version ISSN 0103-7307

Pro-Posições vol.23 no.2 Campinas May/Aug. 2012

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73072012000200014 

DIVERSO E PROSA

 

E. Claparède: os primeiros estudos sobre a psicologia das crianças pequenas no Institut Jean-Jacques Rousseau

 

 

Dominique ColinvauxI; Luci Banks-LeiteII1

IProfessora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Coordenadora geral da Creche UFF, Niterói, RJ, Brasil. dominique.colinvaux@terra.com.br
II Professora da Faculdade de Educação – Unicamp, Campinas, SP, Brasil. lbanks@uol.com.br

 

 

Edouard Claparède, pesquisador genebrino que viveu de 1873 a 1940, é um nome bastante familiar no Brasil, particularmente para os que realizaram estudos universitários em psicologia e em pedagogia, em um período anterior a 1980. Vários de seus livros, escritos na primeira metade do século XX, eram frequentemente lidos pelos estudantes desejosos de melhor compreender o pensamento infantil e as ideias do movimento de renovação educacional, denominado "Escola Nova". Entre eles, destacam-se: Psicologia da criança e pedagogia experimental (Psychologie de l´enfant et pédagogie expérimentale, 1905), A escola sob medida (L’école sur mesure, 1920) e A educação funcional (L’éducation fonctionnelle, 1931). Ele próprio esteve no Brasil em 1930, a convite de sua ex-aluna e colaboradora russa, Helena Antipoff, formada em Paris e em Genebra, cujo nome está estreitamente relacionado a importantes trabalhos no campo educacional em nosso país, particularmente em Minas Gerais e no Rio de Janeiro2.

Entretanto, mesmo entre os conhecedores dos trabalhos de Claparède, poucos talvez saibam que, em 1912, ou seja, há exatamente cem anos, ele fundou a Ecole  des Sciences de l´Education - Institut Jean-Jacques Rousseau, que, depois de várias mudanças e reestruturações, tornou-se, em 1975, a Faculté de Psychologie et des Sciences de l´Education da Université de Genève (FPSE). Desde então, essa instituição tem acolhido pesquisadores do mundo inteiro, inclusive do Brasil, em busca do aprimoramento de sua formação em diferentes áreas da psicologia e da pedagogia. Em meio às variadas comemorações do centenário da FPSE, o nome de Claparède é celebrado por ter implementado, juntamente com Pierre Bovet, um projeto cujos frutos se fizeram sentir ao longo de todo um século.

Desde o início, essa instituição esmerou-se na realização de pesquisas que procuravam, com base em alicerces sólidos, constituir conhecimentos rigorosos sobre a criança, incluindo as pequenas (hoje inseridas na Educação Infantil). Para tanto, no ano seguinte, 1913, passou a funcionar, como anexo ao Instituto Rousseau, a Maison des Petits (Casa das Crianças Pequenas), uma escola-laboratório que logo ganharia notoriedade internacional, propondo o empreendimento de estudos sobre o pensamento da criança, bem como a "aplicação" de novos métodos de ensino. Nesse local, Piaget e seus colaboradores próximos realizaram as primeiras investigações sistemáticas e aprofundadas sobre a lógica infantil, dando origem a livros que pouco depois foram traduzidos em várias línguas.

As notas de leitura escritas por Claparède, ora apresentadas, dizem respeito aos dois primeiros livros de Piaget – Le langage et la pensée chez l´enfant (1923) e Le jugement et le raisonnement chez l’enfant (1924) – e foram publicadas nos Archives de Psychologie, revista igualmente criada por esse profícuo pesquisador. Tais notas chamam a atenção para alguns aspectos inovadores da abordagem piagetiana, que deram início a uma maneira original de realizar investigações em uma área de conhecimento – a psicologia – que, ainda em vias de estabelecer-se como ciência, buscava métodos e modos para empreender estudos com base empírica. Aliás, foi o próprio Claparède quem convidou Piaget para trabalhar nesse instituto, após ter lido os seus primeiros artigos, publicados em 1921 e 1922, sobre os estudos que ele conduzira nas escolas parisienses.

Esses livros foram traduzidos também para o português, sendo que o primeiro, A linguagem e o pensamento da criança, conheceu várias edições, mas o segundo - traduzido sob o título O raciocínio da criança - teve,por razões que permanecem pouco claras, uma edição sem data, totalmente esgotada, e é, por essa razão, de acesso muito difícil entre nós. Entretanto, há uma clara unidade entre ambos: muitas questões salientadas na introdução do primeiro são discutidas no capítulo final – intitulado "Resumo e conclusões" – do segundo volume, em que Piaget apresenta uma síntese de suas ideias, sustentadas pelos dados expostos de forma bastante minuciosa, ao longo dos dois livros.

Além de Claparède, outros especialistas da época leram, criticaram, trocaram ideias com Piaget, por escrito ou oralmente, sobre os conceitos então elaborados, destacando-se o de linguagem egocêntrica, termo por ele forjado naquele momento. Entre esses estudiosos, podem-se citar Wallon, Delacroix, Blondel e Meyerson, que teceram comentários e assinalaram o que consideravam pontos positivos e pontos negativos das ideias piagetianas e do método por ele empregado. Até mesmo Vygotski, em 1932, escreveu, à guisa de prefácio à edição russa desses dois livros3, um bem conhecido texto, bastante lido entre nós, no qual comenta e critica, particularmente, as interpretações piagetianas da linguagem egocêntrica.

Ao publicar estas notas4, prestamos uma homenagem a um dos grandes cientistas do século XX na área da psicologia e da educação, responsável pela fundação de uma instituição na qual se espelha(va)m outros países do mundo. E contribuímos também para lembrar que, para além do interesse histórico, os primeiros estudos piagetianos inspiraram novos trabalhos e permanecem, até nossos dias, como objeto de especulação de pesquisadores do mundo inteiro. Se não, como explicar o surgimento, neste início do século XXI, de estudos sobre a "linguagem egocêntrica"?5

 

J. PIAGET, Le langage et la pensée de l´enfant (A linguagem e o pensamento na criança), Préface de  Ed. Claparède, 318 p., Neuchâtel et Paris, 1923

Este importante livro é o primeiro de dois volumes dedicados à lógica da criança. Realizado com a colaboração de cinco alunos do Instituto Rousseau, sob a direção do autor, apresenta o resultado de observações de crianças de 4 a 11 anos, versando sobre as funções da linguagem, os tipos e os estágios da conversação, a compreensão e a explicação verbal e as perguntas das crianças. O método empregado é novo: consiste em conversas prolongadas com cada uma delas. Os resultados são muito interessantes, pois abrem novas perspectivas sobre a mentalidade da criança (que o artigo de Piaget publicado no último volume destes Archives já deixava entrever). A mente da criança difere da do adulto, muito mais em qualidade do que em quantidade; sua mentalidade se situa entre o autismo e a lógica adulta. É a confrontação de suas formas de pensar e de falar com as dos outros que, pouco a pouco, conduz a criança ao estágio lógico. Entretanto, não se podem sublinhar aqui todas as riquezas deste estudo que todo psicólogo, todo linguista, todo educador deve ler detalhadamente6.

Ed. Claparède

 

J. PIAGET, Le jugement et le raisonnement chez l’enfant (O julgamento e o raciocínio na criança), 343 p.,  Neuchâtel et Paris, Delachaux e Niestlé, 1924.

Este volume, tão rico em fatos e ideias, dá continuidade a outro, anunciado anteriormente (Arch. XIX, 92), e encerra os Estudos sobre a lógica da criança. Da mesma forma que o precedente, ele contém numerosas e fecundas observações, efetuadas pelo autor em colaboração com os estudantes do Instituto Rousseau – principalmente sobre gramática e lógica; o pensamento formal e o julgamento de relações; a relatividade progressiva das noções; o raciocínio; e uma conclusão geral sobre as principais características da lógica infantil: o egocentrismo que, durante os primeiros estágios do desenvolvimento, afasta a criança da verificação de suas crenças; a descontinuidade dos julgamentos que se sucedem uns aos outros, sem articulá-los realmente, por não tomar consciência de sua implicação lógica, em razão da ausência de necessidade social. "Tomar consciência de uma operação é fazê-la passar do plano da ação ao plano da linguagem"; o autor mostra que essa defasagem entre o pensamento e a ação é essencial para a compreensão da lógica da criança. O egocentrismo traz, ainda, como consequência, a incapacidade para a lógica das relações, uma vez que a criança julga tudo de seu próprio ponto de vista; acarreta também uma limitação da atenção, uma incapacidade de sintetizar, o sincretismo... Entretanto, devem-se ler, no texto original, as numerosas observações acumuladas em favor dessas teses sugestivas, que renovam completamente a psicologia da inteligência infantil7.

Ed. Claparède

 

 

1 Responsáveis pela tradução e apresentação.
2 Ao chegar ao Brasil, em 1929, Antipoff foi recebida por eminentes educadores como Lourenço Filho. Tornou-se conhecida, especialmente, por seus trabalhos em prol das crianças com problemas e dificuldades na aprendizagem, tendo fundado a Sociedade Pestalozzi. Deve-se a ela o termo "excepcional", em substituição a "retardado".
3 Esse texto – "A linguagem e o pensamento segundo Piaget" – constitui um capítulo do livro A construção do pensamento e da linguagem,de Vygotski (S. Paulo: Martins Fontes, 2001).
4 N.T. As referências que encimam as duas notas aqui traduzidas estão na forma da publicação original. Foi por nós incluído o título em português.
5 Junefeld, Karen: Rethinking Egocentric Speech, (2009). New York: Nova Science Publishers. Uma resenha de Karin Quast a respeito desse livro encontra-se na Pro-Posições, v. 20, n. 3 (60), p. 245-248, 2007.
6 N.T. Nota publicada em Archives de Psychologie, Genebra, n. 19, p. 92, 1925.
7 N.T. Nota publicada em Archives de Psychologie, Genebra, n. 19, p. 264-265, 1925.