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Revista Eletrônica de Enfermagem
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Artigo de Revisão
 

Munari DB, Melo TS, Pagotto V, Rocha BS, Soares CB, Medeiros M. Saúde Mental no contexto da atenção básica: potencialidades, limitações, desafios do Programa Saúde da Família. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2008;10(3):784-95. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n3/v10n3a24.htm.

 

Saúde Mental no contexto da atenção básica: potencialidades, limitações, desafios do Programa Saúde da Família

 

Mental Health in the basic health attention context: potentialities, limitations, challenges in Family Health Program

 

Salud Mental en el contexto de la atención básica: potencialidades, limitaciones,  desafíos en el Programa Salud de la Familia

 

 

Denize Bouttelet MunariI, Terezinha Silvério de MeloII, Valéria PagottoIII, Bárbara Souza RochaIV, Carlene Borges SoaresV, Marcelo MedeirosVI

IEnfermeira Psiquiátrica. Professora Doutora, Titular da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás. E-mail: denize@fen.ufg.br.

IIEnfermeira de Saúde Pública. Mestre em Enfermagem. Professora Adjunto da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás.

IIIEnfermeira. Professora Substituta da Área de Saúde Pública da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás.

IVEnfermeira. Coordenadora Distrital do Programa de Saúde da Família, Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Goiás.

VTerapêuta Ocupacional. Mestre em Psicologia Social. Supervisora Técnica do CAPS Beija-Flor em Goiânia/GO.

VIEnfermeiro de Saúde Pública. Doutor em Enfermagem. Professor Associado da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás.

 

 


RESUMO

Esse estudo destaca as possibilidades da inclusão da atenção em saúde mental no Programa de Saúde da Família (PSF). O objetivo foi analisar na literatura nacional as possibilidades, limites e desafios dos profissionais do PSF no enfrentamento das questões concernentes à prática. Revisão de literatura realizada em agosto/2007, na Biblioteca Virtual em Saúde, sendo acessadas bases LILACS e SciELO. A busca foi realizada por meio dos descritores “saúde mental”, “família”, e “programa saúde da família”, recuperando apenas artigos publicados em periódicos disponíveis nessas bases entre 1997 e 2007. Identificamos 155 títulos inicialmente que, ao serem analisados possibilitou seleção de 50 artigos (30 LILACS e 20 SciELO). Esse exercício levou a organização do material em dois pontos de convergência: 1. Programa Saúde da Família e a Reabilitação Psicossocial: o que há de comum? 2. Do descompasso aos vôos possíveis: limites, contradições, impasses e possibilidades na atenção em saúde mental no PSF. Concluímos que embora haja tendência de expansão da produção do conhecimento sobre a temática ainda é necessário investimento em iniciativas de superação do modelo assistência, que de fato tenha impacto na prática assistencial.

Palavras chave: Saúde mental; Saúde da família; Revisão.


ABSTRACT

This study detaches the possibilities to include Mental Health assistance in the Family Health Program (PSF). Thus, it sought to analyze through in the national literature the possibilities, limitations and challenges of the Family Health Program’s professionals for facing some practice subjects. Literature review developed from indexed articles in the Virtual Health Library at LILACS and SciELO bases. Articles was accessed by the following descriptors, “Mental Health”, “Family”, and “Family Health Program”, available in these bases from 1997 to 2007. First it was identified 155 articles and from those 50 (30 LILACS and 20 SciELO) was in interest for this review. From analysis of these 50 articles it was possible to identify two groups in convergence. 1. Family Health Program and the Psychosocial Rehabilitation: what are common? 2. From discordance to the possibilities: limitation, contradictions, impasses for Mental Health in the Family Health Program. Concluding, although there are tendencies for knowledge enlargement about this theme, it is necessary some initiatives to surpass the hegemonic mental health care assistance model, which in fact, has significant impact in health care practice.

Key words: Mental health; Family health; Review.


RESUMEN

Este estudio enfatiza las posibilidades para incluir la atención en salud mental en el Programa de la Salud de la Familia (PSF). El objetivo fue analizar en la literatura nacional las posibilidades, limitaciones y los desafíos de los profesionales del PSF en el enfrentamiento de aspectos concernientes a la práctica. Revisión de la literatura realizada en Agosto de 2007, en la Biblioteca Virtual de la Salud, en las bases LILAS y SciELO. Los artículos fueron recuperados por los siguientes descriptores, "salud mental", "familia", y "programa de la salud de la familia", disponible en estas bases a partir de 1997 a 2007. Inicialmente fueron identificados 155 artículos y de esos 50 artículos (30 LILAS y 20 SciELO) interesó para esta revisión. La análisis de estos 50 artículos posibilitó identificar a dos grupos en convergencia. 1. Programa de la Salud de la Familia y la rehabilitación Psicosocial: o que tienen en común? 2. De la discordancia a las posibilidades: limitación, contradicciones, impasses y posibilidades en la atención en Salud Mental en el PSF. Concluyendo, aunque hay tendencias para la ampliación del conocimiento sobre este tema, es necesario algunas iniciativas de superación del modelo asistencial, que en facto tenga impacto en la práctica asistencial.

Palabras clave: Salud mental; Salud de la familia; Revisión.


 

 

INTRODUÇÃO

As atividades e intervenções no contexto da assistência em Saúde Mental, tanto no âmbito hospitalar como na atenção básica à saúde, são permeadas de “estórias” que refletem a dinâmica do sujeito e das famílias que precisam aprender a lidar com a situação da doença mental. Tais atividades junto a estas famílias nos apresentam cotidianamente os nossos limites profissionais e os desafios para a superação de obstáculos rumo a uma atenção qualificada em saúde mental. No entanto esse movimento da busca da qualificação da assistência não é propriamente uma novidade, mas fruto de processos históricos vividos no em nosso país e no mundo(1-2).

No Brasil, em particular, esse processo ganhou contornos próprios em razão da transformação do modelo de atenção em saúde a partir da Reforma Sanitária que ganhou corpo, fundamentação teórica, filosófica e técnica, ao mesmo tempo em que a Reforma Psiquiátrica foi sendo construída desde o início da década de 80(1-2). Nesse contexto se insere o Programa de Saúde da Família que traz entre os seus inúmeros desafios a inclusão da atenção em saúde mental na comunidade, devendo entre outros aspectos estabelecer a articulação com os dispositivos de cuidado especializados extra-hospitalares(3-4).

Considerando esse cenário e fundamentado na experiência de vivenciar os desafios de construir a atenção em saúde mental para além do modelo manicomial focado na atenção básica é que elaboramos este estudo no sentido de oferecer contribuições para o debate e fortalecimento das ações na saúde da família. Para tanto estabelecemos como objetivo analisar na literatura nacional as possibilidades, limites e desafios dos profissionais do Programa de Saúde da Família (PSF) no enfrentamento das questões concernentes à prática no que diz respeito à atenção em Saúde Mental.

 

METODOLOGIA

Estudo de revisão de literatura, realizado em agosto de 2007, a partir da Biblioteca Virtual em Saúde por meio de busca de documentos que tratavam da questão da Saúde Mental no PSF. As bases acessadas para tanto foram LILACS (Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e SciELO (Scientific Electronic Library Online), uma vez que congregam a indexação de textos preponderantemente nacionais. A busca sistematizada foi realizada por meio dos descritores “saúde mental”, “família”, e “programa saúde da família”, recuperando apenas artigos publicados em periódicos disponíveis nessas bases entre os anos de 1997 e 2007.

A seleção do material foi realizada com enfoque na temática, cuja busca resultou em 155 títulos inicialmente no LILACS, que ao serem analisados nos possibilitou a seleção de 30 artigos que atendiam aos critérios definidos, e em 20 títulos no SciELO.  Esse exercício nos levou a organização do material indicando dois pontos de convergência a serem discutidos nessa reflexão: 1. Programa Saúde da Família e a Reabilitação Psicossocial: o que há em comum? 2. Do descompasso aos vôos possíveis: limites, contradições, impasses e possibilidades na atenção em saúde mental.  

Esses pontos serão discutidos tendo com base o material selecionado para o estudo e também a luz de outros textos, na tentativa de construir a presente reflexão, procurando articular o conhecimento produzido pelos profissionais de saúde sobre a temática ao longo dos últimos 10 anos.  

 

PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA E A REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL: O QUE HÁ EM COMUM?

A segunda Conferência Nacional de Saúde Mental (IICNSM), realizada em dezembro de 1992, trouxe o enfoque da reabilitação social organizado em três grandes temas: crise, democracia e reforma psiquiátrica; modelos de atenção em saúde mental; direitos e cidadania. Naquele momento histórico também eram reafirmados os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) como a integralidade, a universalidade, a equidade, a participação da sociedade e a descentralização das ações de saúde(1-2).

As recomendações do relatório da II CNSM sinalizam a substituição gradativa do modelo tradicional de assistência psiquiátrica por “uma rede de serviços, diversificada e qualificada, e a desospitalização através de programas públicos de lares e pensões protegidas”(5). Na análise dos mesmos autores fica evidenciada a necessidade de articulação com os recursos existentes na comunidade, com vistas a humanização das relações no campo da saúde mental, bem como para a construção coletiva de práticas e saberes cotidianos, reafirmando a essencial relação “entre cidadania, Estado e sociedade, propondo estimular a organização dos cidadãos em associações comunitárias, alterações na legislação e ações no campo da informação e educação”(5).

Ao comparar o contexto nacional no início da década de noventa no que diz respeito às políticas públicas de saúde, nos deparamos com o esforço pretendido com a implantação e consolidação do SUS, cujos desafios se apresentam para a construção de uma nova concepção de saúde, direito à cidadania e melhoria na qualidade de vida das pessoas. De igual forma, observamos uma vasta publicação sobre políticas públicas que norteiam a atenção em saúde mental com vistas a substituição do modelo tradicional da psiquiatria centrado na internação psiquiátrica por um modelo de atenção em saúde mental comunitária que inclui a transformação das relações da sociedade com as pessoas portadoras de transtorno mental, e a família como protagonista do cuidado(1).

Por coexistirem nesse momento histórico, ambos os movimentos da reforma sanitária e da reforma psiquiátrica, caminham numa concepção comum do que é pretendido em termos de ação e alcance das intervenções de saúde. Um contido na essência do outro, esses movimentos marcam a necessidade de uma mudança paradigmática na construção do conceito de saúde, que passa do simples olhar materializado na doença para o sujeito inteiro, com toda a sua subjetividade e necessidades múltiplas e complexas(4).

Esse movimento se apresenta como “um desafio de dupla face, onde o viver social e emocionalmente integrado deve se constituir na meta do cuidado à saúde e da convivência e funcionamento entre os diferentes serviços de saúde”(4).

Assim, o desafio de pensar e fazer saúde nessa nova ótica pressupõe necessariamente a desconstrução da lógica de tratar apenas a doença, para tratar a pessoa com seu sofrimento, no contexto da comunidade(6). Nesse sentido, os pressupostos da reforma psiquiátrica se articulam aos da reforma sanitária sendo guias para repensar e reorganizar “o conjunto de aparatos construídos em torno do objeto da doença”(4).   

Ao analisarmos essa questão destacamos quatro aspectos comuns aos dois movimentos. O primeiro é que ambos defendem o direito da pessoa ao serviço de saúde, e que, portanto deve contar com uma rede social/comunitária que incorpore o saber popular aliado ao saber técnico. As intervenções de saúde, nesse sentido devem se pautar em uma atitude terapêutica que privilegie o cuidado, o vínculo, o acolhimento e a co-responsabilização do sujeito por sua saúde.

Essa perspectiva tira o foco sobre o produto da doença e o coloca sobre a problemática que envolve a situação de saúde-doença, pois “importa, sobretudo ressaltar que todos os usuários, portadores ou não de uma patologia orgânica, evidenciam, por meio de seus sintomas e queixas, uma posição subjetiva singular, envolvendo suas relações com a própria saúde e a própria vida”(7).

O segundo é que a rede de serviços deve ser acessível a todos, de diferentes níveis de complexidade que atenda as necessidades da população. Essa deve se constituir de dispositivos que, em construção, devem ser pensados na lógica da descentralização das ações médicas e concebidos para a ação interdisciplinar, que inclua as equipes de saúde mental em unidades básicas atuando conjuntamente com as equipes do PSF no acompanhamento dos casos(1,8).

O terceiro é que a sociedade deve participar dos processos e decisões, sinalizando suas necessidades, participando ativamente da busca de soluções para a comunidade que deve ser parceira na construção de projetos que integrem a vida familiar e comunitária às ações de saúde disponibilizadas pelos diversos serviços(2).

O último ponto se refere à atitude e postura dos profissionais de saúde diante desse novo paradigma, que necessitam desenvolver ações articuladas e integradas aos demais fatores intervenientes e condicionantes de modos de viver saudáveis. O trabalho deve ser concebido em equipe, no sentido de trabalhar junto, como o espaço coletivo de ação e reflexão das práticas profissionais, no confronto do pensar e repensar o próprio serviço, em contínuo processo de aprender a aprender dos diversos atores.

 

DO DESCOMPASSO AOS VÔOS POSSÍVEIS: LIMITES, CONTRADIÇÕES, IMPASSES E POSSIBILIDADES DO CUIDADO À SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA

Aqui são explorados alguns aspectos identificados no material analisado. O primeiro trata da experiência da família que convive com o transtorno mental; o segundo discute as limitações dos profissionais explorando os problemas relacionados à formação acadêmica para a atuação na área da saúde e as contradições da prática profissional; em seguida abordamos os desafios dos gestores e finalmente, sinalizamos vôos possíveis, a partir da indicativa de avanços com base nos resultados do material pesquisado.

Compreendendo a família convivendo com o transtorno mental

A história nos revela que em vários momentos a família saiu da cena do cuidado do portador de transtorno mental. Ou ela foi excluída por ser considerada causadora do problema e, conseqüentemente, nociva ao tratamento, principalmente pelas teorias de culpabilização da família na etiologia da doença mental, como por exemplo a teoria da mãe esquizofrenogênica e a teoria do duplo vínculo, ou ela acabou delegando esse cuidado por  não saber como agir frente às manifestações do familiar doente, ou pela sobrecarga física e emocional sofrida no processo(9).

Ao discutirmos a família como foco de atenção em saúde e saúde mental é necessário antes de tudo a compreensão do seu conceito. Esta deve ser entendida como historicamente configurada e influenciada pelo contexto sócio-cultural em que se insere. A família representa o sistema nucleador das experiências do ser humano e está sujeita a mudanças no sistema familiar, mudanças essas que podem provocar a ruptura do seu equilíbrio(9-10). Um problema de saúde com qualquer membro da família provoca a vivência de um momento de crise ou até de luto, e ativa uma série de respostas nas pessoas de seu grupo social diante das incertezas provocadas pelas evidências de doenças agudas ou crônicas ou ainda de possíveis seqüelas, sejam elas temporárias ou permanentes. Essa situação leva a busca de meios para lidar com as adversidades que quebram o equilíbrio e a dinâmica familiar(9-10). Na nossa prática, é comum diante desses contextos encontrarmos familiares resistentes e temerosos frente a qualquer proposta dos profissionais.

A superação desse movimento crítico está diretamente relacionada ao modo como cada família lida com os problemas, dos recursos próprios e comunitários que dispõe para seu enfrentamento e ainda como a forma que ela se organiza para construir ou restabelecer seu equilíbrio(9,11).

No que diz respeito especificamente à constatação de transtornos mentais na família, vários estudos sinalizam um impacto de grandes proporções que atinge as dimensões sócio-emocionais, sendo que o prognóstico da doença pode ser influenciado pela capacidade de enfrentamento da família diante da situação e pela qualidade da interação familiar(6,9-12).

Na atenção à família que experimenta a convivência com transtornos mentais é fundamental ao profissional de saúde o entendimento de que sua concepção de família nem sempre condiz com a das famílias, o que pode dificultar sua compreensão da dinâmica de cada uma delas. É essencial ao profissional não atender a família tendo como base suas idéias pré-concebidas sobre o que é o ideal de família(11-12).

Considerando as particularidades de cada grupo familiar, o profissional pode melhor dimensionar os seus cuidados, que não serão dispensados apenas à pessoa acometida pelo transtorno mental, mas também à sua família, alvo de cuidados com toda a complexidade e subjetividade que comporta a experiência da doença na família.

A interface saúde mental e o Programa Saúde da Família, mais uma vez mostra a importância de abordarmos a família convivendo com o transtorno mental dentro do contexto da complexidade do cuidado que vai além do estabelecimento do diagnóstico e indicação terapêutica, medicamentosa ou não. No entanto, a literatura aponta que essa relação nem sempre é harmoniosa e eficiente(6,11,13-15).

Aparentemente a rede de serviços comunitários, preconizada pelo processo de desinstitucionalização e disponível com efetividade aos portadores de transtorno mental e seus familiares, ainda é insuficiente para responder às demandas das mais variadas ordens, como, por exemplo, deficiência no suporte social, ambulatorial, grupos de apoio e outros.

O primeiro aspecto ressaltado a partir da análise feita no material analisado refere-se às inúmeras contradições entre o exercício da integralidade e o modo como são assistidas as pessoas em sofrimento mental e suas famílias, cujo enfoque é centrado no sintoma, no tratamento medicamentoso e na cura como ausência de sintomas. Ademais, nesse contexto, a família só acompanha e informa, quando muito não deve atrapalhar.

O segundo está focado nas contradições evidenciadas na prática onde a família é tratada como cliente e parceira. A família tem um duplo vínculo na atenção em saúde por se constituir como cuidadora e alvo do cuidado ao mesmo tempo(9-11).  A percepção da família pelos profissionais indica ainda a dimensão do preconceito a que as famílias são sujeitas ou são promotoras deste, a impotência e carência de recursos de muitas delas e o desequilíbrio na sua dinâmica(10).

Ademais, a estrutura social que produziu a exclusão e intolerância não sofreu modificações significativas a ponto de banir definitivamente situações perversas de exclusão, ao contrário, muitas vezes estimula a intolerância às pessoas em sofrimento mental e suas famílias. Nesse sentido, defendemos que é preciso problematizar e conhecer o contexto em que a reinserção se dá, para que não aconteça de forma ingênua, simplesmente para diminuir custos pela delegação às comunidades do cuidado com a saúde ou por acentuar um modelo que reforça contenção através da medicalização da vida.  Muitas vezes é a equipe de saúde mental que leva ao PSF a temática do social e do político procurando incentivar ações que mobilizem a comunidade em um movimento de solidariedade e participação.

Cabe aos profissionais de saúde o grande desafio de buscar estratégias e recursos materiais e afetivos para a reconstrução da relação cotidiana da pessoa com a família e com os equipamentos sociais, para a reconstrução de lugares de sentido, de troca, de contratualidade e de bem-estar. Na perspectiva do modelo de clínica ampliada que sai do setting terapêutico tradicional em busca dos espaços reais de vida das pessoas são expressos não apenas suas limitações, mas também seus desejos e suas potencialidades.

As limitações dos profissionais

Por não se tratar de uma questão restrita a atenção em saúde mental, o quesito da formação dos profissionais e seu preparo para dar conta das demandas da atenção básica chamam a atenção para uma problemática que merece discussão pela complexidade que a envolve. A reforma psiquiátrica propõe a reinserção social dos portadores de transtorno mental no contexto comunitário, sinalizando a necessidade de reestruturação dos dispositivos de saúde, preferencialmente, que mantenham o indivíduo o mais próximo possível da sua família(1-3). Ao mesmo tempo, a reforma sanitária desenha um novo modo de assistir as pessoas que converge para o que indica a reforma psiquiátrica.

No entanto, nos questionamos se os profissionais da equipe do PSF estão qualificados para lidar com os problemas de saúde mental da população? Conhecem as políticas públicas de saúde mental? Que conceito têm de família e como levam isso para a prática? Estão culturalmente, emocionalmente e tecnicamente aptos, para atuarem nesta área? E ainda, o que significa estarem aptos?

Ao sermos formados segundo o método epistemológico da psiquiatria centrado nas ciências naturais, onde o conceito de doença mental remete à desrazão, periculosidade, desordem, patologia, acabamos por valorizar a instituição asilar, o isolamento terapêutico e os princípios do tratamento moral como a prática mais acertada, focada na identificação das anomalias sociais, entre elas a doença mental(5).

A formação dos profissionais de saúde é resultado de uma construção histórica e social e para transformá-la necessitaremos de dispositivos capazes de provocar a quebra de certezas construídas ao longo do processo histórico, refletir sobre essas certezas perante a demanda atual para reconstruí-las, arriscando novas formas de fazer saúde(3,5).

A produção na saúde vem se dando em meio a uma série de crises que vão além do avanço do conhecimento científico e do desenvolvimento de equipamentos específicos. Tanto profissionais como usuários percebem essas situações críticas de diferentes modos a depender do lugar e da posição em que ocupam. Para gestores e gerentes trata-se principalmente de uma questão financeira, que os impede de ter recursos disponíveis para oferecer um serviço melhor estruturado, com equipamentos e serviços segundo as demandas que lhes chegam. Para uma grande parte dos usuários, a crise parece mais de falta de interesse dos serviços de saúde em se responsabilizarem por prestar uma assistência que busque a resolução de seu problema. Para Merhy(16) esse movimento constitui uma crise tecnológica e assistencial.

O atendimento das famílias, no contexto do PSF deve ser organizado, principalmente, considerando os recursos das tecnologias leves(16), pois estes permitem aos profissionais deslocar o modelo assistencial baseado no atendimento individual e curativo, em que o foco da produção é o procedimento em si, para um modelo em que haja um foco voltado para a produção de cuidados.

Contraditoriamente, em nossa prática no Programa Saúde da Família, é notável o despreparo e desmotivação dos profissionais de saúde para produzir ações centradas na atenção às relações humanas, na produção de vínculo, no acolhimento, na autonomia do usuário no cuidado de si. A realidade observada mostra ações focadas no atendimento individual, no tratamento medicamentoso e em procedimentos que são próprios dos profissionais como as consultas, visitas domiciliares, aplicação de vacinas ou curativos.  

Um exemplo clássico dessa contradição é o descontentamento dos profissionais da equipe diante de nossa tentativa de abordar a temática de saúde mental no grupo de hipertensos, como se este tipo de cuidado não tivesse diferença na vida das pessoas daquele grupo. Parece que apenas os aspectos relacionados à manutenção dos níveis pressóricos, alimentação e atividades físicas fossem de fato assuntos de interesse e importância para os profissionais.

De forma contrária, entre os participantes do grupo de hipertensos, na maioria constituída por idosos, é visível o interesse e a satisfação com atividades que envolvam aspectos emocionais, problemas do cotidiano, suas dúvidas e medos.

Diante deste exemplo, notamos que para os profissionais a produção de um ato de saúde vincula-se principalmente ao fornecimento de um cuidado pautado em uma lógica que desconsidera a importância do acolhimento, vínculo, interesse, responsabilidade, afeto, sorriso e escuta a pessoa nas suas diversas necessidades.

Para atuar como operador do cuidado, na ótica que estamos defendendo, o trabalhador de saúde necessita assumir e incorporar seu papel de cuidador e ampliar a composição de sua caixa de ferramentas com as tecnologias leves, nos processos relacionais da clínica e da gestão, capacitando-se, assim, a atuar nas tecnologias leves, tecnologias de relação como vínculo, acolhimento, responsabilização, além de lidar com os processos gerenciais para operar a produção do cuidado, articulando as necessidades dos usuários, trabalhadores e organizações, promovendo ganhos de autonomia dos usuários e compromissos com a defesa da vida individual e coletiva(2,8,16-17).

A Organização Mundial da Saúde estabelece como prioridade a capacitação em saúde mental dos profissionais da atenção básica no sentido da modificação das condutas terapêuticas que visem antecipar a detecção dos casos, interrompendo mais precocemente o processo de adoecimento, condutas estas que incluem na sua metodologia a abordagem dos determinantes dos transtornos mentais (pobreza, sexo, idade, conflitos e desastres, doenças físicas graves, fatores familiares e ambientais). As equipes da atenção básica devem estar habilitadas para assumir o tratamento dos transtornos mentais mais comuns (quadros depressivos e ansiosos, somatização, abuso de substâncias)(18).

O contato com o sofrimento mental das pessoas produz fenômenos emocionais que mobilizam e sobrecarregam os profissionais, portando esses aspectos devem ser abordados no âmbito da capacitação com oportunidades para a elaboração das dificuldades surgidas na relação com os pacientes e seus familiares, e na busca por resolutividade das ações. Na maioria dos países em desenvolvimento as famílias desempenham um papel chave na atenção aos portadores de transtornos mentais e são, em muitos casos, as provedoras primárias da atenção. Nesse sentido uma estratégia importante é “ajudar as famílias a compreender as doenças, estimular a adesão à medicação, reconhecer os primeiros sinais de recorrência e assegurar a pronta resolução de crises”(18).

Os desafios dos Gestores

Para alçar vôo no sentido de articular efetivamente a promoção da Saúde Mental no Programa de Saúde da Família – PSF é preciso compreender que este programa é uma das estratégias de consolidação do Sistema Único de Saúde – SUS, e tem como principal objetivo a mudança de um modelo hospitalocêntrico de assistência, para um modelo de prevenção de doenças e promoção da saúde. O cuidado dentro do PSF precisa se basear na integralidade do atendimento prestado a indivíduos e família, na universalidade do acesso aos serviços de saúde, dando oportunidade a todos, e na equidade da assistência, sem distinção de qualquer natureza. Essas idéias tidas como princípios, reforçam e consolidam o SUS e o PSF.

Assim o PSF é considerada uma estratégia que prevê grandes avanços no plano das idéias, que infelizmente não se concretizam na prática, porque em construção, necessita romper modelos cristalizados e criar novos espaços de cuidado(19).

O PSF trabalha a partir de ações programáticas, com planejamento e direcionamento atuando o mais próximo possível da realidade de uma determinada comunidade. O atendimento a esta população específica é feito através de uma equipe formada por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de cinco a oito agentes comunitários de saúde – ACS, dependendo da população adstrita. Os ACS ligam a equipe e os serviços oferecidos à comunidade, desenhando aos poucos o diagnóstico situacional vivenciado pelas famílias que fazem parte da área de abrangência da equipe.

Para implantação de equipes do PSF são cadastradas as famílias de uma área demográfica de risco. Este risco está diretamente relacionado à vivência do processo saúde doença dessas pessoas, ou seja, a forma como adoecem, como se previnem de doenças e ainda às condições socioeconômicas e culturais em que vivem.

Nesse sentido sua premissa básica é a vigilância à saúde e o enfoque de risco como metodologia que orienta os trabalhos, tendo em vista o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, procurando adequá-los às reais necessidades da população(20).

Isto posto, falar do atendimento à saúde mental no contexto do PSF, envolve um complexo mundo de atitudes, necessidades e vontades, haja vista a importância do profissional estar sensibilizado a compreender os valores, crenças e procedimentos para não julgar a situação vivenciada pela família e usuário com transtornos mentais. É preciso que este profissional esteja munido de conhecimento que lhe permita ajudar a família oferecendo elementos de analisar a situação vivida para que ela seja capaz de decidir(20). Considerando que o PSF implica em uma relação de afetividade com a comunidade assistida, é fundamental na rotina dos profissionais de saúde das equipes o envolvimento com questões individuais, coletivas e sociais desta. Esse fenômeno afetivo que acontece no PSF vinculando as partes é importante principalmente para o acompanhamento e resolução das necessidades de saúde dos usuários.

Na promoção da saúde mental o PSF ao se envolver no cuidado a pessoas com transtornos mentais e dependentes químicos, faz deste vínculo algo imprescindível, já que se trata de usuários na maioria das vezes carentes afetivamente, com famílias fragilizadas, e por isso vêem nesta relação a possibilidade de ajuda e conforto diante de uma situação complexa, e muitas vezes insustentável.

Por outro lado, essa relação exige do profissional uma entrega efetiva para a promoção da saúde mental, neutra em relação às decisões da família, e resolutiva para o cuidado e manutenção da qualidade de vida e inclusão social deste na comunidade a qual pertence.

Ocorre, no entanto, conforme já discutido anteriormente que nem sempre os profissionais estão capacitados para a atuação no PSF e particularmente para atuar na dimensão da saúde mental. Por outro lado, a rede de serviços disponíveis para amparar e restabelecer estes usuários e suas famílias nem sempre é suficiente, havendo muitas vezes a necessidade de intervenções multidisciplinares. Esse quadro nos leva a considerar a promoção de Saúde Mental e o cuidado as pessoas com transtornos mentais e suas famílias como uma das áreas mais complexas dentro do PSF.

Nesse sentido, podemos considerar que para o gestor também é complexa a articulação dos fundamentos do PSF às necessidades da assistência em saúde mental com o intuito de proporcionar ao portador de transtorno mental e seus familiares a resolução de problemas e a dignidade no cuidado.

Instrumentalizar as equipes de saúde da família para a promoção da saúde mental dentro do programa, talvez seja o maior dos desafios para o gestor, que precisa trabalhar com o desenvolvimento da equipe formando profissionais mais confiantes e capacitados nessa área. Além disso, é fundamental um suporte especializado para prover os profissionais com uma supervisão, estabelecer fluxos e referências resolutivas e efetivas e instituir um apoio multidisciplinar.

Outro desafio do gestor também é a falha dos sistemas de informação que monitoram a atenção básica, pois nestes não encontramos espaços exclusivos para o registro de dados relacionados a ações de saúde mental. Isso além de desafio para o gestor é um desestimulo, já que os dados relativos às intervenções na área ficam perdidos, não sendo possível quantificar as ações realizadas. As equipes perdem, com isso, a oportunidade de retratar sua realidade e de planejar ações assertivas no sentido de atender com mais efetividade as necessidades reais dos portadores de transtorno mental e seus familiares.

Com a municipalização da saúde e o modelo territorial os serviços passam a ter a responsabilidade também pela busca das transformações sociais e “de superar a simples assistência e a incorporar uma nova forma de cuidar que ultrapassa os muros institucionais. Torna-se imprescindível funcionar tanto na perspectiva da integralidade quanto na transitoriedade”(8). A rede de programas, serviços e setores entrelaçados com base nos recursos socioculturais e políticos-econômicos presentes nos território, aliada a uma postura técnico-politica dos profissionais se tornam pilares fundamentais para uma atenção qualificada em saúde mental.

Os serviços especializados em saúde mental como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) para pacientes com história de transtorno mental grave, os ambulatórios de saúde mental nas unidades básicas, as emergências e os leitos psiquiátricos em hospital geral, os centros de convivência, as oficinas comunitárias, as residências terapêuticas para pacientes sem vínculos familiares ou sociais, as iniciativas de economia solidária e geração de renda em saúde mental são estratégias que visam acolher e acompanhar as demandas dos usuários da rede de saúde no seu território. A implantação dessas estratégias depende da transformação da vontade, da política e da cultura.

Estes serviços surgiram como estruturas intermediárias entre o hospital e a comunidade, para oferecer às pessoas um espaço institucional que busque entendê-las e instrumentalizá-las para o exercício da vida civil. Neste sentido são fundamentais o diálogo, referência e contra-referência, entre o PSF e os CAPS/NAPS, para a integralização das propostas da Reforma Psiquiátrica(2). Esta proposta deve também se estender para a assistência hospitalar, quando necessária. O trabalho interdisciplinar deve buscar a ruptura da tradicional transferência de responsabilidade para a co-responsabilidade entre os três níveis de complexidade, no sentido de apoiar e ajudar o paciente e sua família na resolução de seus problemas.

Enfim, acreditamos estar diante de uma tarefa muito complexa, que exige do gestor um dinamismo de entendimento e ação. Não é possível deixar a atenção em saúde mental desarticulada e solta dentro do PSF. É preciso direcionar profissionais, equipes e ações com o objetivo primordial de oferecer serviços de qualidade e resolutivos no atendimento das demandas desses pacientes e seus familiares.

Constrindo “vôos” possíveis

Ao fazermos menção aos vôos possíveis da caminhada da atenção em Saúde Mental no contexto da atenção básica, nos dedicamos à reflexão de três pontos que nos parecem viáveis para qualificar ações e intervenções nesse campo. O primeiro ponto refere-se à otimização e valorização dos recursos da comunidade e de tecnologias inovadoras como parceiros do aparato formal de saúde. O segundo ponto diz respeito ao planejamento de ações para grupos vulneráveis (crianças, adolescentes, mulheres e idosos), centrado na idéia da promoção da saúde, da cidadania e da autonomia do sujeito. E o terceiro deles é focado na qualificação do cuidado especializado ao portador de sofrimento psíquico e sua família, que deve ser pensado com máxima urgência no contexto do PSF, haja vista inúmeras dificuldades citadas pelos profissionais que atuam no campo (particularmente aqueles que se referem à falta de capacitação específica dos profissionais).

A interface, dada historicamente, entre os pressupostos do SUS e as recomendações da Reforma psiquiátrica sinalizam inúmeras possibilidades de criação de espaços de cuidado altamente qualificados. Quando falamos ainda da inserção da saúde mental no contexto do PSF, destacamos que são várias as possibilidades que o conhecimento do campo da Saúde Mental abre para o fortalecimento de muitos pressupostos do SUS(2,4,6,8,17,19).

A humanização da assistência, o vínculo, o acolhimento, a responsabilização, entre outros, por exemplo, são conceitos que emanam das ciências humanas e que também se constituem na base teórica para a construção do conhecimento da saúde mental, cujo relacionamento humano é o eixo central da ação terapêutica.

Tais conceitos, alinhados às tecnologias de atenção e focados na interação humana, que viabiliza a individualização do sujeito e, por conseguinte de sua família, são ferramentas indispensáveis para qualificar o cuidado e assim, mudar a perspectiva da atenção em saúde mental no PSF. Essa mudança já vem sendo indicada em estudos produzidos nos últimos anos(2,7-8,10,12) que denunciam a falência e a falta de eficiência do modelo biológico como ferramenta para atendimento no PSF.

Essa idéia vem aliada também à importância de valorizar as iniciativas comunitárias como parceiras do processo de cuidar em saúde, com a valorização da cultura local e do saber popular. Uma ferramenta que parece demonstrar o poder desse tipo de intervenção pode ser observada nos resultados do trabalho da terapia comunitária.  A busca dessas ferramentas é fundamental diante da complexidade de superação do modelo asilar que perpetua a exclusão, não apenas na subjetividade do cuidado, mas também no cotidiano dos usuários(9,14,12).

Esse movimento requer substancialmente, um novo posicionamento dos profissionais dentro de uma perspectiva aberta para o aprendizado de novas formas da produção do cuidado e, especialmente, da desconstrução das práticas manicomiais de cada um.

O segundo ponto de destaque identificado como uma possibilidade de avanço na atenção em saúde mental na atenção básica, diz respeito ao planejamento de ações a grupos vulneráveis identificados no dia a dia. O PSF, na concepção da desconstrução de práticas tradicionais e ineficazes para um fazer coletivo e resolutivo, requer a incorporação de novos conceitos e olhares pelos profissionais da saúde. É preciso mudar o foco da doença para a vulnerabilidade de grupos populacionais a determinados fatores de risco.

Na nossa prática, trabalhamos com os mesmos grupos tradicionalmente enfocados, quais sejam: crianças, adolescentes, mulheres e idosos. O que muda é o olhar e, portanto, o modo de fazer, na perspectiva da territorialização, da vigilância à saúde e da integralidade, tanto na dimensão do serviço de saúde (atenção básica, média e alta complexidade), quanto na articulação das ações de promoção da saúde, de prevenção de riscos e agravos, de diagnóstico precoce, de recuperação e de reabilitação da saúde.

De algum modo esse segundo ponto inclui parte do que foi discutido no primeiro, pois requer a utilização de estratégias inovadoras para o trabalho com os grupos vulneráveis, fazendo parcerias com recursos comunitários como, escolas, igrejas, Ministério Público, sindicatos, grupo de jovens/adolescentes, teatro, clubes de leituras, centro de convivências das três gerações, contos de causos, oficinas com fins recreativos e complementação de renda, inserção de portadores de necessidades especiais, artesanato, dentre outros.

Nessa perspectiva, acreditamos na interação na comunidade onde os jovens ensinam, por exemplo, leitura e computação para os mais velhos, os mais velhos ensinam culinária e artesanato para os mais jovens, promovendo integração, solidariedade e construção de relações afetivas. Ações específicas como grupos focais, terapia de grupos, grupos culturais/educação popular, oficinas de construção do conhecimento e atividades de grupo que proporcionem a criatividade e a expressão dos pensamentos e sentimentos.

Incorporar e implementar ações de promoção da saúde, com ênfase na atenção básica requer a estimulação de alternativas inovadoras e socialmente inclusivas/contributivas no âmbito das ações de promoção da saúde, de modo a valorizar e otimizar o uso de espaços públicos de convivência e de produção de saúde para o desenvolvimento das ações de promoção de saúde. É finalmente, estimular a adoção de modos de viver não- violentos e o desenvolvimento da cultura de paz  no, país, valorizando e ampliando a cooperação do setor Saúde com outras áreas de governos, setores e atores sociais para a gestão de políticas públicas e a criação e/ou o fortalecimento de iniciativas que signifiquem redução das situações de desigualdades .

Esse caminho nos parece favorecer o planejamento de um trabalho a favor da atenção que promove a família cidadã, que pode ser mais ciente de seus direitos, responsável por sua saúde por comprometer-se com consciência ecológica e planetária da sua responsabilidade na formação de cidadãos íntegros e felizes.

Em terceiro lugar, acreditamos que qualificar o cuidado especializado ao portador de sofrimento psíquico e à sua família inclui o oferecimento de conhecimento técnico-científico que engloba o raciocínio clínico a serviço do melhor atendimento dos problemas vividos pelos portadores de doença mental e sua família, disponibilizando recursos tecnológicos quando necessário no sentido de ajudar o sujeito que sofre. No entanto, esse movimento, deve superar a lógica do modelo médico, indo além das portas dos serviços, viabilizando a concepção do processo de adoecimento com todos os seus determinantes e possíveis modos de compreendê-lo em toda a sua subjetividade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção desse trabalho foi motivada a partir dos desafios dos autores no dia a dia da atenção em saúde mental no PSF e no ensino de profissionais de saúde que sejam capazes de conceber suas ações buscando a integralidade da assistência.

A partir do objetivo de analisar na literatura nacional as potencialidades, limites e desafios do PSF na atenção a saúde mental observamos que, com a implantação do SUS e da reforma psiquiátrica os profissionais de saúde se viram diante de grandes desafios de mudar paradigmas na assistência em saúde mental, em particular no contexto da atenção básica. Grande parte dos artigos incluídos no estudo, dentro do período definido na pesquisa 1997-2007 foram concebidos a partir dessa problemática sinalizando as contradições e caminhos encontrados pelos serviços e profissionais para fazer essa integração.

A mudança na perspectiva do olhar sobre o “pensar e fazer” saúde em decorrência da implantação do SUS e da reforma psiquiátrica coloca questões semelhantes quanto a perspectiva de conceber a saúde e a doença, o lugar do usuário na relação com os profissionais, a busca por uma atenção focada na integralidade do sujeito e a importância do serviço estar fortemente inserido na comunidade, entre outros aspectos.  

Em meio a tanta adversidade e diferenças de cenários onde se produzem as experiências de cuidado em saúde mental no contexto da atenção básica, destacamos a necessidade de investimento na capacitação dos profissionais que atuam na ponta do sistema, bem como a identificação do sofrimento a que são expostos, por exemplo, os agentes comunitários de saúde, quando da tentativa de atendimento das necessidades de pessoas com transtornos mentais e seus familiares. Essa problemática se amplia em decorrência da especialização da saúde mental e da falta de iniciativas que capacitem os profissionais quer seja nas instituições de nível superior, ou em ações de educação permanente dentro da perspectiva do SUS.

Esse movimento exige que além das especificidades da área é fundamental o fortalecimento dos pressupostos do SUS na formação dos profissionais, bem como na sua incorporação em ações cotidianas nos diversos cenários onde é produzido o cuidado.

A literatura aponta ainda a importante tarefa a ser cumprida no desenvolvimento de intervenções de promoção de saúde para grupos vulneráveis, o que requer uma aproximação dos profissionais com recursos da comunidade e foco no emponderamento da população.

Finalmente, ressaltamos que embora haja expansão na produção de conhecimento sobre a temática, ainda há carência de estudos que mostrem exemplos concretos de superação dos problemas apresentados. Por outro lado, verificamos a necessidade investimento em iniciativas que avancem na direção da qualificação dos profissionais em busca da compreensão da complexidade da saúde mental em um contexto de mudança, em particular, diante da subjetividade humana. Esse movimento, certamente permitiria avanço na construção de práticas mais eficientes e qualificadas.

 

REFERÊNCIAS

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Artigo recebido em 12.06.07

Aprovado para publicação 30.09.08

 

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