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Dados - Appellate judges in the São Paulo State Supreme Court and the building of professionalism: 1873-1997

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Dados

Print version ISSN 0011-5258

Dados vol.44 no.2 Rio de Janeiro  2001

http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582001000200002 

Os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e a Construção do Profissionalismo, 1873-1997*

Maria da Gloria Bonelli

 

 

INTRODUÇÃO

Estudos recentes sobre o Poder Judiciário brasileiro na ciência social procuram enfatizar as mudanças que esta instituição vem experimentando na sua relação com o Estado e a sociedade. Alguns autores diagnosticam uma virada na atuação da Magistratura e a atribuem à nova composição social de seu corpo profissional e às regras democráticas implementadas com a Constituição de 1988. Exemplo desta posição é o survey realizado com magistrados brasileiros no estudo coordenado por Werneck Vianna (1997). Partindo da análise de Carvalho (1996) sobre o papel dos juízes na homogeneidade da elite política na construção do Império, partilhando valores comuns decorrentes da formação superior, Werneck Vianna e seus colaboradores lidam com evidências que indicam o fim dessas características na atuação e no perfil da Magistratura hoje. A corporação é apresentada por eles como mais jovem, com crescimento da participação feminina, de origem social diversificada, com elevado índice de mobilidade social ascendente, proveniente de faculdades distintas, sem partilhar uma socialização comum, marcada pela heterogeneidade, por uma orientação plural e uma visão mais crítica.

Este artigo recorre à sociologia das profissões para se inserir em dois debates sobre a Magistratura brasileira: 1) o que identifica um corte entre o passado e o presente do Judiciário em função da heterogeneidade social e ideológica dos seus membros e 2) o que se relaciona com a problemática das elites políticas, destacando ou a predominância do ethos profissional ou dos interesses de classe e do clientelismo para compreender o papel dos juízes no Brasil, principalmente até o final da Primeira República.

Ao analisar a Segunda Instância do Poder Judiciário paulista entre 1873 e 1997, argumento que é preciso acompanhar o processo de diferenciação entre burocracia, classe e profissão tanto na construção da carreira e da identidade dos magistrados quanto no refinamento da conceituação sociológica. Na perspectiva de apurar essas definições, concentro o olhar na ideologia profissional que estabelece a fronteira entre profissão e política, investigando como ela se tornou a visão dominante, embora siga sendo questionada por grupos de advogados, promotores e juízes no mundo do Direito.

Assim, retomo o processo de profissionalização do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ¾ TJESP focalizando a composição social dos desembargadores e o ideário predominante no grupo. Mostro como ele é vivificado de cima para baixo, através de vários recursos de socialização interna voltados para reforçar ideologicamente a identidade da corporação ao longo dos anos, apesar das mudanças que as recentes pesquisas por amostragem detectam na origem social dos juízes.

A base de dados da investigação engloba o perfil social e a trajetória de carreira dos desembargadores desde a criação do Tribunal da Relação em 1873, e a análise de conteúdo dos discursos publicados em dois periódicos: Revista dos Tribunais, cujo primeiro número foi editado em 1912, seguindo a coleta até 1978, quando a principal seção investigada na revista perde relevância nesta publicação e Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, criada em 1967, que passa a publicar tais discursos, sendo investigada até 1997. O conjunto dessas informações foi organizado segundo os contextos políticos nacionais, apesar das especificidades regionais e judiciárias. Esse material foi classificado e tratado quantitativamente, recorrendo-se à análise qualitativa para ilustrar semelhanças e contrastes entre os períodos históricos.

O acervo de informações foi agrupado em dois blocos: a) para a análise dos discursos, a equipe examinou 518 volumes da Revista dos Tribunais, selecionando-os nas seções Noticiário, Páginas Destacadas, Notas e Comentários, Doutrina e alguns Artigos Especiais; na Revista de Jurisprudência foram examinados 194 volumes, e extraídos discursos publicados na seção Noticiário, proferidos em solenidades como a de instalação do ano judiciário, de apresentação de relatórios anuais, de homenagem póstuma, de posse ou de aposentadoria de desembargadores, de eleição de presidentes do Tribunal, de visitas de autoridades ao Tribunal de Justiça, de comemorações de centenário etc.; b) para a análise da composição social e da trajetória de carreira, a equipe reuniu dados sobre 412 desembargadores, extraídos dos próprios discursos de homenagem, dos currículos dos magistrados, de publicações comemorativas de aniversários do Tribunal e de memórias de juízes, do Arquivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo ¾ USP, do Arquivo do Estado de São Paulo, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, do Arquivo Nacional (RJ), do Arquivo Histórico do Exército (RJ) e de publicações especializadas como Revista Genealógica Brasileira e Efemérides Brasileiras.

O recorte da pesquisa adequou-se aos dois objetivos apresentados acima. Era relevante uma amplitude temporal que permitisse comparar o passado e o presente, dimensionando quantitativamente as mudanças, mas captando seu significado subjetivo. Os enfoques qualitativo e histórico não puderam ser utilizados na sua forma mais eficaz, que se detém na análise micro para compreender os meandros dos grupos, suas tendências e as disputas entre eles em cada contexto. A metodologia empregada tem a limitação de não detectar convenientemente esses embates, favorecendo o registro da visão dominante no grupo no conjunto do período sob enfoque.

Também em conseqüência da dimensão temporal, optou-se por investigar apenas os desembargadores de São Paulo, aprofundando o conhecimento sobre a diversificação da origem social, a construção da identidade profissional no percurso da carreira, a socialização interna e os recursos institucionais disponíveis para isso, as formas como concebem as relações com os demais Poderes constituídos, com a sociedade, com as profissões do Direito e com seus pares. A pesquisa resgata esses aspectos da trajetória do Tribunal de Justiça de São Paulo para precisar mudanças e permanências. A investigação ateve-se à Segunda Instância porque não seria possível coletar dados para todo o Judiciário paulista. Além disso, o papel que ela desempenha na definição da atuação institucional, nos critérios de seleção e recrutamento, na relação com o Estado e na difusão do ideário da corporação justifica tal opção.

 

AS INTERPRETAÇÕES SOBRE A MAGISTRATURA NO BRASIL

A literatura que focaliza os magistrados no Brasil lida com essa temática sob três perspectivas básicas: a) prioriza o argumento do ethos profissional para apontar a diferenciação dos magistrados em relação às demais elites; b) destaca o predomínio dos interesses comuns que ligavam os magistrados às elites locais, dando maior peso ao pertencimento de classe e às relações clientelísticas do que à diferenciação dos magistrados decorrente da profissionalização; c) identifica a homogeneidade dos interesses de classe ou dos valores da corporação como características do passado e destaca a heterogeneidade de hoje, tanto da origem social quanto dos processos de socialização.

Na primeira vertente, agrupei as análises de José Murilo de Carvalho (1996) sobre o papel da Magistratura no Império, destacando-a como um grupo mais profissionalizado em contraste com outras elites políticas. Tal visão aproxima-se daquela apresentada por Stuart Schwartz (1979), sobre o Tribunal da Relação da Bahia no período colonial e sua inserção na sociedade local. Ambos os autores enfatizam a homogeneidade político-ideológica dos desembargadores, a importância da formação em Coimbra para essa identificação, o espírito de corpo e a perspectiva de carreira.

A análise de Schwartz detém-se sobre um período histórico que antecede àquele reconhecido na literatura especializada como o de formação das profissões modernas, relacionado à criação de associações profissionais, de universidades e de busca do controle do mercado que marcaram o século XIX em diversos países. Porém, o contraste que ele aponta entre a carreira judicial e as demais formas de se obter postos públicos já diferenciava os magistrados, tendo servido como referência para projetos de profissionalização de outros grupos. Schwartz identifica a multiplicação dos laços com a elite social e econômica local como o fator que viabilizou uma maior autonomia da Magistratura em face da metrópole. A triangulação de suas interações sociais, combinando os valores comuns partilhados na carreira, com o desenvolvimento de redes sociais locais e com atribuições de órgão da Coroa detentor da autoridade judicial, atuou como alicerce da autonomia que é a base do poder das profissões. O perfil desses desembargadores, vistos pelo autor como o corpo mais profissional da burocracia que o país possuía então, é descrito assim:

"A magistratura representava o que havia de mais racional e profissional na burocracia imperial e não deve ser confundida com os funcionários civis. […] Oriundos de uma variedade de camadas sociais, principalmente da burguesia, das boas famílias que não tinham títulos de nobreza, do funcionalismo, os magistrados tinham a experiência comum de terem estudado em Coimbra. [...] O processo educacional pelo qual todos os magistrados passavam em Coimbra, era, na realidade, um processo de socialização burocrática que preparava o indivíduo para envergar a toga. Uma vez admitido nas fileiras da Magistratura, o indivíduo poderia ser promovido até chegar ao Tribunal Superior da Bahia e, além dele, aos conselhos do rei. Quando chegavam ao tribunal baiano, os magistrados geralmente tinham quinze anos de experiência profissional atrás de si, o que os tornava veteranos da vida burocrática.

A educação universitária comum, os objetivos da carreira e a experiência profissional criavam uma certa consciência de classe dentro da magistratura. […] Uma vez criada, a burocracia tinha vida própria e os magistrados, algumas vezes, buscavam objetivos coletivos ou individuais além daqueles prescritos pela lei. […] Assim, ao contrário da nobreza de toga francesa e da nobreza judicial prussiana, os magistrados portugueses continuaram sendo uma elite profissional e não uma classe social distinta embora tenha sempre tido a tendência de se tornar uma classe." (Schwartz, 1979:290-291)

Ao focalizar o Império, a análise de Carvalho (1996) dá maior ênfase aos laços profissionais para a organização e força da Magistratura na construção do Estado. Segundo o autor, a coesão dessa elite política favoreceu a manutenção da integridade territorial brasileira diante do fracionamento das ex-colônias espanholas na América Latina. Ele aponta o papel homogeneizador que a socialização em Coimbra representou para a unificação dessa elite, partilhando valores, ideologia e uma competência comum, características que se procurou reproduzir com a abertura de faculdades de Direito no Brasil após a Independência.

Para Carvalho, os juízes como corporação profissional coesa, destacados na burocracia de Estado, com funções político-administrativas além das judiciárias, durante vários anos do Império, sentiam-se parte do poder central na sua identidade profissional, situando-se a partir dessa percepção na polarização entre governantes e elites locais. Embora estabelecessem uma ligação entre esses dois pólos, como uma via de mão dupla, a construção do Estado na ordem imperial caracteriza a iniciativa do poder central em ampliar a jurisdição da burocracia sobre as atividades antes desenvolvidas pelas redes clientelísticas das oligarquias locais, e os magistrados sintonizavam-se com esses valores centralizadores (idem:243-244).

Na segunda vertente, que ressalta os interesses de classe e as relações clientelísticas que unificavam os juízes com as demais elites dominantes, no Império e na Primeira República, destacamos os trabalhos de Flory (1986), Graham (1997) e Koerner (1998). O Judiciário não aparece como sendo uma corporação com ethos meritocrático, com valores próprios e com projetos de Estado e de nação, mas como um veículo das elites para a imposição do controle social.

Flory analisou o processo de descentralização e centralização do poder durante o Império, mediante o estudo das mudanças que envolveram o sistema judicial no Brasil no período que se estende de 1808 a 1871. O contraste principal por ele estabelecido é entre o interesse privado (local), representado pelos juízes de paz e pelo tribunal do júri, e o interesse público, vinculado ao governo central. Os magistrados profissionais são vistos como aliados da classe governante. Por razões corporativas eram contrários a um sistema judicial que desse poderes ao juiz de paz e ao júri, ambas as instituições sem treinamento jurídico e sem partilhar a mesma socialização da Magistratura, além de serem controlados pelas elites locais. A predominância desse sistema se deu no contexto liberal da Independência, e tendo sido derrotado pela reação conservadora que marcou a reforma judiciária de 1841. Os conflitos jurisdicionais entre juízes togados e juízes de paz têm um significado que extrapola as disputas entre as profissões. Eles ganham uma conotação que reflete a luta intra-elites, uns representando as oligarquias locais e os outros cooptados pelo poder central.

A análise de Graham (1997) contrasta diretamente com a abordagem de Carvalho. Seu argumento dá destaque às práticas clientelistas que ligavam as elites, não diferenciando políticos de magistrados, de correligionários, de parentes e de amigos na relação entre protetor e cliente. Ao examinar as cartas com o total de 577 pedidos e recomendações recebidos pelo Marquês de Olinda, Marquês de Paranaguá, Barão de Loreto e Afonso Pena durante o Império, o autor detecta a intensa participação da Magistratura no clientelismo, tanto para indicar protegidos quanto para ser nomeada para postos, não se assemelhando em nada a uma burocracia racional, impessoal e universalista. O sistema judicial é apresentado como constituído de uma hierarquia profissional na qual o juiz esperava progredir, mas sua ascensão estava sujeita às regras do apadrinhamento do poder central. O contraste entre o juiz de direito e o não-letrado estava longe dos valores da autonomia profissional, predominando o pertencimento de classe sobre a existência de um ideário próprio da corporação.

O estudo de Koerner (1998) sobre o Judiciário na constituição da República retoma os argumentos de Flory e de Graham para o período do Segundo Reinado, apontando continuidades na política judiciária entre os dois períodos históricos, marcadas pelo aspecto do controle social. A pluralidade de atividades e papéis para além da esfera judicial impossibilitava a caracterização dos magistrados como distintos do poder imperial, já que eles também atuavam no âmbito político, administrativo e policial.

"Mesmo no exercício das suas funções judiciais, a atividade dos magistrados não consistia na aplicação de normas legais genericamente estatuídas [...]. O objetivo da mediação judicial dos conflitos era a manutenção da estabilidade da sociedade escravista, para que os magistrados atuavam em colaboração com o governo e com os proprietários." (Koerner, 1998:35)

Com a República, estabelece-se um novo pacto entre a Federação e os estados que resulta em um sistema de justiça dual, com a justiça federal e a justiça dos estados. Na Primeira República, a forma de organização do Judiciário estadual ¾ que é objeto da pesquisa aqui desenvolvida ¾ seguiu, segundo Koerner, a mesma estrutura do período imperial, com as oligarquias estaduais controlando os juízes como parte do sistema de compromissos do coronelismo. Para ele, não é possível pensar em uma Magistratura regida por critérios profissionais antes das reformas que o Poder Judiciário viveu na década de 20. Até então, prepondera a falta de autonomia, a nomeação política para os cargos e a impossibilidade de os magistrados julgarem atos governamentais.

Os enfoques dessas duas vertentes que contrastam o Judiciário como representante dos interesses de classe ou como corporação com um ethos distinto usam os conceitos de burocracia e de profissão como sinônimos. Embora eles possam ter em comum a racionalização, o mérito e a impessoalidade no lugar do clientelismo, tais formas de organização do trabalho são diferentes. A burocracia é inseparável da hierarquia, do comando, da obediência, das ordens e decisões vindas de fora para dentro, de cima para baixo. A profissão centra-se na autonomia para realizar diagnósticos, no parecer dos pares, nas decisões internas aos membros do grupo profissional sobre quem faz ou não parte dele. Os ethos resultantes de modelos diferenciados não podem ser comuns1.

A Magistratura caminhou no sentido de ampliar suas características impessoais em face das relações personalizadas e o profissionalismo ante a burocracia. Entretanto, nesse percurso, enfrentou a polarização sobre que concepção profissional seria dominante. As disputas em torno de uma profissionalização apartada da política partidária, voltada para a neutralidade do conhecimento técnico e sob o domínio da jurisprudência ou a profissão comprometida com causas políticas e sociais. O mesmo embate circulava internacionalmente e a ideologia profissional que vigorou foi aquela que descobriu a eficácia do profissionalismo como uma forma diferente de influenciar a política sem se tornar um contendor específico (Halliday, 1999). Sua habilidade foi distinguir-se dos interesses particulares que caracterizam a política cotidiana, construindo um ideário voltado para o conhecimento especializado e para valores reconhecidos como universais. O sucesso alcançado com esse modelo contrastava com o fracasso e a represália política, quando as corporações profissionais eram percebidas pelo establishment como contra-elite.

Protegendo-se dos reveses da política, advogados, juízes e promotores apoiaram-se mutuamente para construir as instituições jurídicas que projetaram, fosse a Ordem dos Advogados e sua autonomia, fosse um sistema de justiça independente, com um Judiciário e um Ministério Público autocontrolados. A hierarquia do comando-obediência de tipo burocrático demorou várias décadas para ser suplantada pelo tipo profissional. Os advogados e os juízes foram os principais idealizadores desse modelo no Brasil e nisto se distinguem das demais elites, por serem personagens centrais na defesa e implementação de tal projeto. Até chegar a esta forma de organização do trabalho, os magistrados viveram os conflitos entre a justiça leiga e a togada, marcando o processo de burocratização que antecedeu a profissionalização, com o controle dos pares sobre a carreira e a independência do Judiciário.

A burocratização da Magistratura após a Independência é planejada a partir da Constituição de 1824, através da vitaliciedade dos juízes de direito e de sua nomeação vinda de cima para baixo, feita pelo imperador e pelo gabinete, que podiam transferi-los segundo conveniências externas à corporação, recurso muito utilizado por razões políticas. O governo adota a remoção em represália aos derrotados ou como perseguição aos oponentes. A preocupação em delimitar a fronteira entre política e justiça aparece em 1850, com Nabuco de Araújo que visualiza a Magistratura de onde ele se origina, sob a perspectiva da neutralidade, da independência e do domínio da jurisprudência, mesmo que para isso ele precise intervir como ministro da Justiça para aposentar magistrados que resistam a essa ideologia e para transferir responsabilidades dos juízes municipais leigos para os togados (Nabuco, 1997:127). A articulação política por ele liderada não tem a eficácia necessária para ultrapassar as resistências contra seu projeto, que só será substancialmente implementado na reforma judiciária de 1871. A lei aprovada em 1850 restringe-se a dar incentivos para que os magistrados permaneçam na função, diminuindo o número daqueles que seguem ao mesmo tempo a carreira judicial e a política, estabelecendo que "a contagem de antigüidade só começava com o exercício efetivo do cargo e só com este é que os magistrados receberiam a parcela do ordenado dada a título de gratificação." (Koerner, 1998:117) Essa lei também limita os poderes de remoção de juízes, mas sem definir as regras de promoção de forma impessoal e meritocrática.

A reforma judiciária de 1871 amplia algumas características burocráticas, com uma construção mais padronizada de ascensão na carreira, com a inamovibilidade e a irredutibilidade dos vencimentos. Ela separa as funções de polícia das judiciais e expande o número de posições de juízes de direito em face dos juízes municipais não-letrados, eleitos ou nomeados na província, além de implementar novos Tribunais da Relação, entre eles o de São Paulo. A lei eleitoral de 1881, originária de projeto de Rui Barbosa, reforça a incompatibilidade com a política, proibindo que os magistrados com postos eletivos exercessem seus cargos e recebessem vencimentos e promoções no Judiciário. O que se verifica nesse período é, ainda, uma ampliação das características burocráticas da carreira, delimitando fronteiras com a política, mas preservando a nomeação de fora para dentro, sem que fosse dada autonomia aos juízes para selecionar seus pares. Visto pelo olhar retrospectivo da sociologia das profissões, esse processo de profissionalização se iniciou com a burocratização, mas para se completar faltava-lhe autonomia.

Essa marca distintiva do profissionalismo só será institucionalizada na República, a partir de 1921, com o governo de Washington Luis, em São Paulo2. O predomínio da burocratização favorece a formação de um espírito de corpo, centrado na confraternização entre magistrados. É ele que impulsionará a mobilização por formas profissionalizadas de seleção e recrutamento e pela padronização dos critérios de promoção. A reforma judiciária de São Paulo, em 1921, foi elaborada pelo ministro Costa Manso, então membro da Magistratura paulista, sendo secretário de Justiça outro juiz, o ministro Cardoso Ribeiro.

A terceira vertente apresentada acima constrói seus argumentos a partir de visões que focalizam a homogeneidade da Magistratura. As abordagens de Werneck Vianna et alii (1997) e Junqueira et alii (1997) enfatizam o encapsulamento da corporação em si mesma, decorrente do controle sobre a nomeação e a seleção de juízes, prática que teria sido quebrada com a implementação de concursos baseados no desempenho, com a multiplicação de cursos superiores de Direito que atuaram para diversificar o grupo e promover a ascensão social e, posteriormente, com o clima da abertura política e da Constituição de 1988 que se refletiria no Poder Judiciário. Nessa concepção, a heterogeneidade do grupo e os valores que marcam a nova ordem constitucional atuariam para democratizar e arejar a instituição.

O trabalho de Junqueira e seus colaboradores atém-se aos juízes do Estado do Rio de Janeiro, enquanto o survey realizado por Werneck Vianna e sua equipe cobriu a Magistratura brasileira3. O estudo sobre os juízes do Rio de Janeiro parte do argumento de que a democratização político-institucional do país e a diversificação na composição da Magistratura podem redefinir o habitus e os ritos de instituição4 do corpo profissional. Nessa pesquisa, constata-se a entrada de outros grupos sociais em uma carreira pensada como tradicionalmente reservada às elites, apontando para a democratização do ingresso e para a perda de prestígio social da corporação. A mudança no perfil desses juízes estaria associada também à feminização e ao aumento no recrutamento de jovens. Entretanto, Junqueira e seus colaboradores constatam que a nova composição social do grupo e a ordem democrática não se configuraram como uma mudança significativa na forma como os juízes percebem a função social da Magistratura. As hipóteses elaboradas que investigavam a substituição do corporativismo predominante no passado por valores universalistas, da cultura jurídica democrático-liberal pela cultura jurídica democrático-participativa, da cultura jurídica profissional pela cultura jurídica popular, não se confirmaram.

"A seleção de segmentos sociais oriundos da classe média – e não da elite – não parece ter introduzido mudanças significativas no modo de pensar dos magistrados, como a princípio se poderia supor. Muito pelo contrário, a predominância de diagnósticos conjunturais sobre a crise do Poder Judiciário – relacionados, como vistos, principalmente à melhoria das condições de trabalho da própria categoria dos juízes – e a percepção do Poder Judiciário como uma instância voltada primordialmente para a resolução de conflitos de natureza individual apontam para a reprodução da postura conservadora dos magistrados fluminenses." (Junqueira et alii, 1997:162)

Os dados nacionais coletados por Werneck Vianna e sua equipe conformavam um perfil social semelhante ao acima mencionado, com elevado grau de mudança na origem social dos juízes e com uma composição heterogênea. O ingresso de mulheres e jovens ¾ menos intenso em São Paulo ¾ foi explicado como reflexo de uma verdadeira competição por essas posições, indicando um processo de modernização social, em vez de decorrente do desprestígio da Magistratura. Outra diferença com a interpretação de Junqueira e colaboradores diz respeito ao impacto que a cultura da instituição tem sobre o novo juiz, visto como "bastante permeável às correntes de opinião que se expressam na sociedade, existindo apenas um breve hiato de um concurso público entre o bacharel em Direito e o juiz investido de soberania." (Werneck Vianna et alii, 1997:11) Assim, nesta visão, a Magistratura de hoje se caracteriza pela sua pluralidade de orientações, por uma composição social heterogênea, pela inexistência de mecanismos de socialização e pelo deslocamento da tradição normativista.

Meu argumento é que não se deduz homogeneidade ideológica de homogeneidade social e heterogeneidade ideológica de heterogeneidade social. No passado, mesmo havendo uma origem social semelhante, havia diversidade de ideologias profissionais tal como hoje. As disputas em torno delas nos séculos XIX e XX são homólogas, como é o caso dos questionamentos que o Direito Alternativo e o Movimento de Juízes pela Democracia, entre outros, fazem ao ideário da neutralidade profissional, propondo o compromisso com movimentos sociais5. As fronteiras entre profissão e política marcaram e marcam vários conflitos nesse campo profissional (Sarat e Scheingold, 1998). Sob o olhar dos estudos das elites políticas, tais embates revelam-se como a problemática da descentralização e centralização (Carvalho, 1996). Vistos no âmbito profissional, eles refletem distintas concepções de profissionalismo6. Aquela que segue predominando identifica a política convencional das profissões como antipolítica7. Como o mundo do Direito exerce suas atividades muito próximo da política e do Estado, os conflitos em torno de onde passam essas fronteiras persistem, embora a profissionalização seja um processo mais consolidado hoje do que foi no século XIX. É por isso que tais limites são debatidos atualmente com conseqüências menos danosas para o mérito de juízes, advogados ou promotores do que em contextos anteriores.

Os dados que serão apresentados a seguir enfatizam como a ideologia profissional que vem predominando tem sido realimentada na Magistratura paulista, através da concepção de profissionalismo que delimitou sua fronteira com os contendores políticos. A análise dos periódicos ilustra como os desembargadores construíram a autoridade moral do Tribunal de Justiça de São Paulo perante seus pares e as profissões do Direito, enfatizando valores universais, o papel de porta-voz do bem comum da sociedade, a neutralidade técnica e o domínio da jurisprudência, o reforço do congraçamento interno nos eventos, nos elogios e nas homenagens, exemplificando as condutas e os percursos valorizados pela nata do Judiciário paulista.

Essas foram as fontes escolhidas para o estudo, mas as redes de sociabilidade da instituição não se limitam a tais eventos, construindo laços que se expandem para as relações nas associações, nos grupos de trabalho e estudo, nas reuniões, na Escola da Magistratura, nas eleições internas, nas cerimônias e festividades, nas seções especializadas e câmaras8, nas sessões plenárias, conselhos e órgãos, nas bancas, simpósios, congressos e viagens, nos encontros nos fóruns, tribunais, gabinetes e instalações do Palácio da Justiça.

 

COMPOSIÇÃO SOCIAL E CARREIRA DOS DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO9

A criação do Tribunal da Relação de São Paulo e Paraná, em 1873, é decorrência da reforma judiciária de 187110, que ampliou o número de tribunais no Brasil de quatro para onze. Um decreto imperial de 6 de novembro de 1873 removeu da Relação da Bahia, o desembargador, deputado conservador pelo Ceará nas legislaturas de 1869 e 1872, Tristão de Alencar Araripe para presidir o Tribunal, concedendo-lhe o título de conselheiro. Em solenidade no dia 3 de fevereiro de 1874, instala-se a Relação, composta por sete desembargadores nomeados por decretos imperiais. O Tribunal é formado pelos magistrados José Norberto dos Santos, Frederico Augusto Xavier de Brito, Olegário de Aquino e Castro, Antonio de Cerqueira Lima e Agostinho Luiz da Gama, que confirmam Tristão Alencar Araripe na presidência. O conselheiro Araripe permanece pouco tempo neste posto, sendo removido para a Relação da Corte em 1875, quando também é reeleito deputado pelo Ceará. Dentro das atribuições de desembargador é nomeado pelo Império para presidir a província do Rio Grande do Sul, em 1876.

Como deputado, durante os debates parlamentares que antecedem a aprovação da reforma judiciária de 1871, ele manifesta-se contrário às propostas que Nabuco de Araújo apresentara pela primeira vez na década de 1850. Araripe achava que a independência do Poder Judicial não se confundia com a dos juízes individualmente. O governo não poderia intervir na autonomia de julgar dos tribunais, mas considerava inconstitucional a independência da Magistratura, que deveria estar sujeita a mecanismos de controle exercidos pelo Executivo, com a "interferência no Judiciário para nomear magistrados, responsabilizá-los e exigir a observância das leis." (Koerner, 1998:99) Ele também é contrário à atribuição de poderes aos juízes sobre o processo eleitoral e à restrição dos poderes da polícia, como o da prisão preventiva. Suas posições são francamente favoráveis à centralização e ao controle da burocracia pública sobre o poder privado. Nos embates entre poder central e elites locais identifica-se como parte do primeiro. No âmbito das tensões entre a autonomia profissional e o apoliticismo versus a hierarquia burocrática e a participação político-administrativa dos juízes, ele fica com o segundo bloco.

Quando a lei eleitoral efetivamente inviabiliza que magistrados sejam eleitos, o desembargador Tristão Alencar Araripe permanece na Magistratura, sendo nomeado ministro do Supremo Tribunal de Justiça em 1886 e confirmado ministro do Supremo Tribunal Federal, em 1890, com a República.

O primeiro presidente do Tribunal da Relação de São Paulo não parecia vinculado por laços sociais e redes clientelistas às oligarquias paulistas. Lá esteve por pouco tempo, o mesmo ocorrendo nas demais Relações por onde passou. Na representação de interesses locais seus elos eram com o Ceará. Era filho de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, líder da rebelião liberal da Confederação do Equador no Ceará, contrária à dissolução da Constituinte por D. Pedro I e a outorga da Constituição de 1824. Seu pai morre nesse movimento, quando ele tinha 3 anos, sendo criado pelo tio, o bacharel-político José Martiniano de Alencar, ministro da Justiça entre 1868 e 1870. Foi nomeado juiz municipal11 de Fortaleza em 1847, elegendo-se deputado provincial do Ceará (1849/1850), ligado aos liberais (Studart, 1915:159-160).

O ingresso na Magistratura em 1854 vinculou-o aos padrões dessa carreira, fazendo com que ele se deslocasse entre diferentes províncias e postos, como juiz de direito, chefe de polícia, desembargador, presidente de província e ministro do Supremo. Seu rompimento com o Partido Liberal ocorre em 1859. Embora tivesse elos estreitos com a elite cearense12, que o elegia para a Câmara dos Deputados, na polarização que aparece na literatura apresentada acima, ele identifica-se com o poder central e com a expansão do controle burocrático sobre as localidades. Na República, ocupa a pasta de ministro da Fazenda e depois da Justiça e dos Negócios Interiores no governo do marechal Deodoro da Fonseca.

A carreira do segundo presidente da Relação de São Paulo, conselheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro13, revela o entrelaçamento com as oligarquias paulistas. Embora sujeito às mudanças de região e de posto como era a prática na Magistratura, ele, que havia nascido em São Bernardo, filho do major Tomás de Aquino e Castro, escritor e poeta, casou-se em São Paulo com a filha do conselheiro Manuel Dias Toledo. Foi promotor público na capital, juiz de direito em Itapetininga, chefe de polícia de São Paulo, deputado geral por São Paulo para a legislatura 1867-1870 e novamente eleito para o período 1878-1881, até o impedimento eleitoral dos magistrados. Segue na carreira, sendo nomeado procurador da Coroa, presidente da província de Minas Gerais e ministro do Supremo, afastando-se para ser conselheiro de Estado extraordinário nos meses que antecederam a queda do Império. Na República, ele chega a presidente do Supremo Tribunal Federal. Em contraste com os quatro meses que Tristão de Alencar Araripe esteve no tribunal paulista, Olegário de Aquino e Castro permaneceu treze anos.

O Tribunal da Relação começa composto por sete desembargadores e na passagem para a Primeira República aumenta para nove membros, número que chega a quinze, em 1900. Até o final do Império, 25 desembargadores haviam passado pelos sete postos da Relação de São Paulo. Além de a estrutura da carreira ser nacional, removendo os magistrados para diferentes tribunais, a rotatividade indica também que na época não se valorizava a permanência nessa província, sendo uma etapa para se chegar à Corte ou a melhores posições. Há informações disponíveis sobre o tempo de permanência nesse órgão para quinze deles. Destes, 50% ficaram menos de cinco anos no Tribunal, o que sugere que havia diversificação nos vínculos dos desembargadores com as oligarquias locais. Nesse período, apenas 25% deles eram naturais da província de São Paulo, embora 72% tenham freqüentado a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco14. A sociabilidade em São Paulo se deu entre os acadêmicos, os bacharéis e os professores de Direito. Os laços com as elites da província de procedência vinham da família. Para treze desses desembargadores temos algum indicador da posição social do pai: cinco possuíam títulos da Guarda Nacional, evidenciando a ligação com o esquema de poder de sua localidade; três eram bacharéis em Direito (lente/magistrado); havia dois políticos, dois comerciantes e um fazendeiro.

Os desembargadores nesse período (1873-1888) não exerciam a advocacia antes da judicatura, como é típico hoje. Eles desempenhavam principalmente outras atividades da burocracia pública, como a de chefe de polícia, de promotor, de procurador da Coroa, de presidente de província, além de ocupar vários postos eletivos. As leis de incompatibilidades separam a função de polícia e, mais tarde, a política das atribuições da Magistratura, o que muda substancialmente esse acúmulo de funções na República. Nas ocasiões em que os magistrados tiveram de optar pela carreira ou pela política, predominou a escolha pelo Poder Judiciário. Nesse momento, a ambigüidade interna das fronteiras entre política, profissão e burocracia é definida a favor de uma separação que fortalece a concepção de neutralidade profissional/burocrática15.

A idade média para o ingresso na Magistratura no período imperial era de 32 anos, cerca de dez anos depois de formado, padrão que vai se manter relativamente estável ao longo de cem anos. Na Segunda Instância, a idade média de ingresso era de 55 anos. O perfil típico para todo o período é o de um desembargador que só é promovido depois de se socializar por 23 anos na Magistratura. Em geral, o ritmo de desenvolvimento da carreira é pouco alterado ao longo do século, à exceção do tempo de permanência na Segunda Instância, que aumenta a partir da Primeira República, em conseqüência da delimitação estadual da carreira e das garantias das leis de organização judiciária de 1921 e de 1926. É somente no regime militar que o tempo de permanência no Tribunal volta a diminuir significativamente. A violação da ordem jurídica e a ameaça de cassação de juízes já haviam ocorrido durante o Estado Novo, com o afastamento de um desembargador. A revolução de 1930 impôs o limite de 65 anos de idade para o exercício da Magistratura que era vitalícia, provocando a aposentadoria de alguns desembargadores e reduzindo a permanência no Tribunal. A composição interna altera-se com a criação de três novos lugares em 1930, e oito em 1935.

A estabilidade no ritmo da carreira é surpreendente diante das várias mudanças na ordem política e da substituição do sistema de justiça no fim do Império. O desembargador Júlio de Faria (1942), em suas memórias sobre o Judiciário nos primeiros decênios da República, critica a prática da remoção de juízes pelo Tribunal e o favoritismo nas promoções por falta de regras normativas de progressão na carreira. Ele registra também a perseguição pelo caciquismo político aos magistrados dissonantes do grupo político local, a escassez de recursos, a falta de interesse do Legislativo e do Executivo em melhorar as condições do Judiciário e os vencimentos da Magistratura.

Entre1889-1929, há um aumento no número de magistrados provenientes de São Paulo, mas ainda encontramos 42% naturais de outros estados. A literatura sobre a Primeira República ressalta o mando dos coronéis do café na política e a prática de cooptação de juízes. Entre os sete presidentes do Tribunal nesse período, quatro haviam tido postos políticos eletivos antes de ingressar na Magistratura togada. A presidência manteve-se por longo tempo sob o comando do ministro Xavier de Toledo, que a assumiu em 1900 e retornou para permanecer de 1905 a 1918. É de dentro desse Tribunal que sai o projeto de organização judiciária implementado em 1921 ¾ a proposta estabelecia a estrutura judicial e definia o controle interno sobre os processos de seleção e de promoção de juízes. Em 1892 foram instituídos pela primeira vez o concurso de títulos e as provas para ingresso na instituição, mas ele foi abolido em 1907, com o candidato recebendo a habilitação para o cargo na Secretaria de Justiça e aguardando seu aproveitamento em alguma vaga (Lévay, 1999). Além do concurso público para ingresso na carreira implementado em 1922, foi criada a Corregedoria Geral da Justiça em 1927, como recurso de autocontrole.

As informações disponíveis sobre a origem social dos desembargadores apontam para o crescimento dos filhos de profissionais, com destaque para os bacharéis e magistrados (35% dos casos identificados). No contexto em que essa reforma é aprovada, a corporação é presidida pelo ministro Firmino Whitaker e a proposta é redigida por Costa Manso. A endogenia no mundo do Direito favorece a coesão do grupo, diferenciando-o de outras elites. Em uma época marcada pela política oligárquica, a Magistratura viabiliza uma etapa decisiva na construção da autonomia, caracterizando a expansão do profissionalismo sobre o terreno da burocratização, mesmo que internamente convivessem visões discordantes sobre sua independência.

Esse processo é decorrente da predominância dos elos profissionais sobre os vínculos com as elites locais, embora estes não deixem de existir. As retaliações dos chefes políticos contra os magistrados são indicativas da reação às mudanças internas que vinham sendo gradualmente implementadas mediante a demarcação de fronteiras entre política, burocracia e profissão, e do alargamento desta última. Em contraste com a coerção e as represálias, o impacto da carreira e dos valores profissionais sobre a família é percebido através da endogenia, com os filhos seguindo os passos do pai, na aceitação "natural" da socialização no universo da profissão. Embora os dados reunidos apontem para a redução dos laços de parentesco na Magistratura, entre os casos conhecidos destaca-se a influência da trajetória dos desembargadores sobre o destino ocupacional de seus descendentes. A valorização do mundo do Direito como perspectiva profissional é notável entre pais e filhos.

Se o ritmo da carreira se manteve estável ao longo do tempo, a dualidade da Justiça na República, com uma estrutura nacional e outra estadual, reorganizou as trajetórias, encerrando o ciclo em que o poder central movimentava os magistrados entre as diversas províncias. Com a jurisdição estadual do Poder Judiciário paulista, a expansão populacional e o desenvolvimento do estado, os desembargadores nascidos em São Paulo chegam a mais de 80%. A autoridade pública e o prestígio do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo expandem-se com a ideologia profissional dominante, deixando de ser um local de passagem na carreira, como fora no Império, para representar o topo ambicionado por muitos. Em 1946, o Tribunal amplia seus assentos para 36 e para dar vazão à sobrecarga de processos cria o Tribunal de Alçada Civil, em 1951, e o Segundo Tribunal de Alçada Civil e o Tribunal de Alçada Criminal, em 1965 (Lévay, 1999). A definição de critérios mais isentos de promoção é estabelecida em 1948, alternando cada progressão por mérito com uma por antiguidade, o que atendeu à insatisfação com as promoções exclusivamente por mérito implementadas em 1934, consideradas favoritismo.

A Constituição de 1934 também instituiu o Quinto Constitucional, que reservou 20% das vagas na Segunda Instância para membros do Ministério Público e da Advocacia. Geralmente, eles são selecionados entre a elite dos procuradores da Justiça e da Ordem dos Advogados. A trajetória profissional dos desembargadores fora da Magistratura mudou com o passar do tempo. Há um aumento expressivo na experiência como advogado, compondo um perfil de socialização menos concentrado na burocracia pública, com vivência como profissional liberal que recorre ao fórum na posição de representante das partes. O ideário profissional dominante também se faz sentir no prestígio da carreira docente em contraste com a militância política. O crescimento do número de desembargadores ligados ao ensino do Direito se faz acompanhar pela diminuição daqueles que ocuparam cargos políticos, mesmo depois de aposentados do TJESP. Como essa ideologia não é homogênea, as fronteiras entre política e profissão e a diferença na estima por um ou outro lado dessa polarização persistem, como ilustra a atuação do ex-desembargador, Régis de Oliveira, nas disputas partidárias e eleitorais da Prefeitura de São Paulo.

A expansão do número de cadeiras no Tribunal de 36 para 96, em decorrência da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, de 1979, teve forte impacto na composição social do grupo, ampliando tanto a proporção de formados em faculdades privadas quanto a representação das ocupações não manuais de rotina como principal atividade do pai, simbolizando a mobilidade intergeracional ascendente.

Conforme as ideologias do profissionalismo se firmam, as informações sobre a origem social dos desembargadores desaparecem, sinalizando os valores dominantes que enfatizam a competência dos candidatos e a neutralidade do conhecimento. Para a parte da amostra que sabemos a ocupação do pai, destaca-se o predomínio dos filhos de profissionais, em especial dos bacharéis de Direito. Novamente, é o regime militar que marca a mudança nesse padrão, com o retraimento da participação do segmento que vinha se expandindo progressivamente no decorrer dos anos. Isto ocorre simultaneamente à debilidade da atividade jurídica e ao desprestígio dessas carreiras sob o autoritarismo, tendência revertida no período democrático. O survey realizado pelo Idesp em 1993 (Sadek, 1995) aponta a retomada da valorização do Direito e, conseqüentemente, de certa endogenia nessas profissões, com 25% dos juízes da Primeira Instância do Poder Judiciário Paulista provenientes de famílias chefiadas por profissionais do ramo.

Apesar da diversificação do número de cursos de Direito e o reflexo disto no ingresso de magistrados formados em faculdades privadas, a promoção para a Segunda Instância continua intrinsecamente associada aos diplomas das duas melhores escolas de São Paulo. Dados do survey do Idesp apontam que na Primeira Instância paulista, 35% dos juízes vinham da USP e na Segunda Instância, eles eram 51%. Nossa amostra, embora parcial, destaca a manutenção da liderança da USP, acrescida da Pontifícia Universidade Católica ¾ PUC-SP no último período. As duas juntas reuniam 82% dos desembargadores. O controle interno e a ênfase na excelência no topo da carreira são significativos, se considerarmos a variação na base da corporação. Um novo recurso de sociabilidade ganhou importância a partir da criação da Escola Paulista da Magistratura, em 1988, preparando os novos juízes e oferecendo cursos de extensão e atualização para os magistrados. Em 1997, o Tribunal contava com 132 lugares e com sua primeira desembargadora, proveniente do Ministério Público pelo Quinto Constitucional.

Em resumo, a trajetória institucional do TJESP nesses 130 anos elucida como os desembargadores foram consolidando o profissionalismo ao demarcarem a fronteira com o ethos burocrático e a política.

 

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE E DO IDEÁRIO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 1912-199716

Neste ponto foram selecionados e classificados os discursos de desembargadores, formando quatro âmbitos de análise: a) o do ideário em torno do comportamento exemplar dos pares elogiados, do domínio da Jurisprudência, do prestígio do Judiciário e da percepção sobre a ordem social e mundial; b) as relações com as profissões do Direito; c) os interesses expressos em nome do bem comum, dos benefícios para o fortalecimento do Judiciário vistos também como relevantes para a sociedade, e dos interesses específicos da corporação como salários e carreira; d) as relações entre os Poderes constituídos, em especial com o Executivo. Esses quatro blocos de variáveis formam a base do ideário dominante e da identidade dos desembargadores.

Desde o início, a Revista dos Tribunais e a Revista de Jurisprudência17 reservaram um espaço para o elogio aos pares em ocasiões como a posse, a aposentadoria, o falecimento. Trata-se de discursos que destacam as qualidades individuais do homenageado, dando-lhes uma modelagem que sinaliza qual a ideologia dominante, o que ela estimula e espera dos membros do Judiciário paulista em termos de conduta. O conteúdo desses elogios é muito semelhante em ambas as publicações, não sofrendo alterações substantivas entre os períodos. Há um crescimento no número de elogios com o passar do tempo relacionado à expansão da corporação.

Os trechos abaixo foram extraídos de discursos proferidos, respectivamente, quando da homenagem póstuma ao desembargador Xavier de Toledo e da aposentadoria do ministro Costa Manso, e exemplificam esses elogios:

"Era uma das mais lúcidas intelligencias do fôro paulista, das mais flexiveis, das mais agudas, das mais brilhantes [...]. Ostentando com desempenho o pesso dos annos, Sua Exa. sustentava ainda com galhardia, pela clareza com que expunha o seu pensamento, pela justeza dos seus argumentos e pela precisão de sua linguagem [...]. Junte-se a isso uma captivante bondade, uma constante affabilidade no trato, uma inalteravel singeleza nos costumes e teremos perfeitamente explicado o profundo respeito, a estima e veneração que cercaram o velho magistrado durante toda a sua longa carreira" (Revista dos Tribunais, nº 28, 1919:237).

"Enérgico e ativo, profundamente compenetrado da nobreza e magnitude de sua missão, fez da judicatura uma verdadeira ascese [...]. Profundamente conhecedor do Direito, desde os princípios mais altos até os extremos desenvolvimentos da ciência do justo, suas decisões sobressaem pelo equilíbrio, pela informação despretenciosa e fiel [...]. A sua frase de uma transparência cristalina, o seu pensamento de uma precisão geométrica [...]" (M. C. F. Ferraz, Revista dos Tribunais, nº 119, 1939).

As passagens dos discursos sobre a imagem da corporação e do modelo de juiz também enfatizam a construção da identidade, mas elas são de caráter mais coletivo, em vez de enaltecer um profissional em particular. Cumprem o mesmo papel de reforçar os valores morais, o conhecimento jurídico e o prestígio do Tribunal. Assim, o ministro Firmino Whitaker molda a figura ideal de juiz:

"Inteligência; ilustração; honestidade. Ao redor delas, outros devem se agregar: paciência, energia, delicada às vezes, áspera em certos momentos; firmeza nos atos, diligência, amor ao trabalho, ainda que a fadiga advenha; calma e reflexão, obediência à lei, mas sem interpretações duras e abusivas que a deturpem. Imparcialidade absoluta, discrição nos atos, gestos e palavras; consideração social, que tanta força tem e que somente se adquire com um passado de retidão e honradez [...]" (F. S. Whitaker, Revista dos Tribunais, nº 197, 1952:361).

O então presidente do Tribunal, desembargador José Carlos Ferreira de Oliveira, ressalta as características premiáveis do exercício profissional do magistrado, na cerimônia de Entrega do Colar do Mérito Judiciário.

"Esse colar não é meramente simbólico. Representa um prêmio para todos aqueles que mourejaram durante anos e anos durante a sua vida, em benefício da causa do Direito, quer aprimorando seus votos, quer escrevendo obras literárias ou jurídicas, quer trabalhando anonimamente para o prestígio deste Tribunal" (J. C. F. Oliveira, Revista de Jurisprudência, nº 28, 1974).

E não deixando pairar dúvidas sobre qual a função dessas homenagens, o desembargador Nereu César de Moraes esclarece, na abertura de seu discurso, na posse do novo Conselho Superior da Magistratura de 1983:

"Esta Casa, velha, já de mais de cem anos, tem suas liturgias; celebram-nas seus membros, com pontual regularidade, para vivificar, no espírito de cada e de todos, as responsabilidades que a toga lhes impõe e para demonstrar aos não-iniciados, a grandeza de sua missão. Essas liturgias avultam nos períodos de crise, quando forças desagregadoras se comprazem em audácias contra a Justiça, procurando minar-lhe os alicerces, esquecidos seus fautores de que a Justiça nasceu com o homem e é tão imperecível como o homem." (N. C. Moraes, Revista de Jurisprudência, nº 86, 1983:509)

A construção e o reforço da identidade coletiva vêm enfatizando no decorrer do século a autoridade moral e a expertise da Magistratura tanto em face dos membros da corporação, em especial os da Primeira Instância, quanto dos profissionais do Direito e da opinião pública.

Se os elogios e as homenagens são preservados de maneira semelhante no transcorrer do século, o conteúdo da percepção da ordem social e mundial18 muda principalmente da Revista dos Tribunais para a Revista de Jurisprudência. A proporção de trechos agrupados nesta variável é pequena em ambas as revistas, mas cresce no período mais duro do regime militar. Na vigência do autoritarismo, os desembargadores adotam um estilo sutil e evasivo de pronunciar-se criticamente, como o recurso à condenação do comunismo e do nazismo para indiretamente opor-se ao governo militar. Já no ataque à tentativa de golpe comunista em 1935 a crítica formulada é direta.

"Há mais de cinco anos se vem processando a diátese social do comunismo: sublevações armadas do RN, PE e RJ, tornam urgente conclamar homens conservadores, de todas as classes e de todos os credos políticos para batalharem sem trégua contra o proselitismo de doutrinas sociais contrárias às nossas tradições, à nossa organização popular, às próprias realidades da vida em nossa terra" (E. Sodré, Revista dos Tribunais, nº 99, 1936).

"Mas note-se bem: não é por qualquer Estado de Direito que devemos lutar. Também os Nazismos e os Comunismos de variados matizes se estruturaram juridicamente em Estados de Direito que acabam sempre na deificação do ódio e no flagelo do homem" (M. N. Garcez, Revista dos Tribunais, nº 508, 1978).

Na normalidade democrática do final dos anos 80, os discursos sobre a ordem social e mundial voltam a perder importância. As passagens a seguir foram pronunciadas, a primeira pelo novo desembargador Marcello Caio Ferreira Castro quando de sua investidura no cargo, e a segunda na cerimônia de posse dos novos juízes substitutos.

"[...] indignei-me com a insensibilidade dos governantes, apenas porque um deles fingia acreditar na mentira que se denominou ‘milagre brasileiro’" (M. C. F. Castro, Revista de Jurisprudência, nº 106, 1987).

"Temos um clima ótimo, enorme território, situação geográfica privilegiada, mas um povo sofrido desnecessariamente [...], vergonha para nosso país, desprestígio e descrédito para nosso governo e nossos industriais" (Revista de Jurisprudência, nº 112, 1988).

Elas apresentam um conteúdo distinto das anteriores, mas revelam a mesma sintonia com os "valores da época", preocupação que faz parte da identidade predominante na corporação. Há, sem dúvida, um contraste com os períodos analisados na Revista dos Tribunais, o que fornece evidências para a interpretação que destaca as mudanças ideológicas dos magistrados contemporâneos, mas proporcionalmente elas seguem pouco significativas nos dois periódicos.

O que efetivamente ganha relevância é a defesa de críticas ao Poder Judiciário, com a redemocratização. A postura de negar a existência de crise de justiça ou de atribuí-la a fatores externos, como as leis elaboradas no Legislativo ou os planos propostos pelo Executivo, já se observa para o primeiro período analisado, mas a ânsia em responder ao criticismo aumenta quando ele se difunde na opinião pública. A sobrecarga de trabalho, historicamente, associa-se à morosidade, que diversas reformas judiciárias não conseguiram debelar.

"[...] existe um problema de sobrecarga de trabalho e um problema na distribuição da justiça, que provocam a morosidade. O término das obras do Palácio é outro problema que constringe os interesses sociais, pois atrapalha o bom andamento da justiça." (A. O. Ribeiro, Revista dos Tribunais, nº 111, 1938)

"E não houve nunca crise de justiça no Judiciário Paulista, originando-se as queixas englobadas a este título da própria estrutura arcaica do Poder Judiciário, conseqüente, principalmente, das leis unitárias de processo civil e criminal, da permanente e notória falta de recursos ao aparelhamento condigno da justiça distributiva, em suma, do descaso a que foi relegado pelos demais poderes, que lhe não conhecem nem os problemas nem as necessidades senão pela rama." (A. R. Porto, Revista de Jurisprudência, nº 58, 1979)

"Não se diga que o volume de processos a serem julgados resulta de inoperância de juízes e funcionários. Estes não editaram miraculosos planos que desestabilizaram toda a economia do país, desrespeitando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada." (C. A. G. Souza Jr., Revista de Jurisprudência, nº 136, 1992).

Esse problema crônico é um nó difícil para o TJESP desatar, porque se vincula também à preocupação com a política de seleção. Ele não se propõe a expandir a corporação a ponto de perder o controle sobre o perfil e a identidade do magistrado que se espera formar. Recrutar juízes que possam macular a imagem institucional que a ideologia dominante se empenha em construir está longe de ser uma solução que o Tribunal considere conveniente. Diagnósticos sobre crise do Judiciário não são tão recentes quanto consideram Werneck Vianna e seus colaboradores (1997:12) ao afirmarem que a "crise do Poder Judiciário nada mais é do que a sua súbita adaptação à feição contemporânea da sociedade brasileira, sem estar equipado" para isso. A ênfase da nova ordem democrática na cidadania e na inclusão social é a novidade que dá maior dimensão a um problema que vem se acumulando. Para o período de 1912-29, encontramos 17,6% de defesas a esse tipo de crítica em discursos na Revista dos Tribunais e para o período de 1986-97, obtivemos 32,3% na Revista de Jurisprudência.

Quanto aos interesses corporativos (remuneração, vantagens pecuniárias, isenção de impostos, regulamentações de carreira, fim da aposentadoria compulsória), os discursos que ressaltam esses aspectos predominam entre 1912 e 1963, apresentando proporções em torno de 50%. De 1964 a 1979, a porcentagem de discursos ressaltando interesses específicos dos magistrados cai nas duas revistas para uma média de 20%. Na redemocratização, essas questões recuperam fôlego na Revista de Jurisprudência, com uma participação semelhante ao montante sobre os benefícios para o Poder Judiciário (instalações e equipamentos, recrutamento de juízes e funcionários, ritos processuais de pequenas causas) e sobre a defesa das críticas.

Na vigência do regime militar há uma diferença nos discursos da Revista de Jurisprudência e da Revista dos Tribunais. A primeira prioriza seu papel de olhar pelos benefícios para a coletividade, de enfatizar sua orientação para o "bem comum", construindo sua autoridade moral de porta-voz da sociedade, ideologia profissional que também predomina na Ordem dos Advogados do Brasil ¾ OAB, e que vai resultar no apoio do mundo do Direito à normalidade jurídica e às instituições democráticas. A segunda dá maior destaque aos benefícios para o Poder Judiciário caracterizados como relevantes para a sociedade e para o bem público, ao se refletirem na celeridade e no acesso à justiça. Há uma diferença no tom utilizado pela Ordem dos Advogados19 e pelo Tribunal, sendo este mais comedido e sutil, como no exemplo abaixo, em que o desembargador Cantidiano de Almeida discursa na posse do Conselho Superior da Magistratura de 1969. Ele enaltece o status do TJESP e seu compromisso com o movimento constitucionalista de 1932, reafirma o ideário dominante sobre o papel do juiz em prol do bem comum e os princípios do Direito, em um contexto que viola as instituições jurídicas.

"Integrado no grandioso destino do Poder Judiciário, que guarda em sua majestade as ricas tradições de um passado absolutamente seguro do seu relevante papel na história de São Paulo, procuramos sempre na imagem dos grandes juízes da magistratura paulista, os exemplos e as lições que iluminam o sentido eterno da vida da nossa instituição. Sem qualquer preocupação pessoal, somente nos inspiramos naquelas virtudes que dão aos homens a exata medida do bem-comum. O nosso profundo amor à justiça, imbuído de um são entusiasmo pela glória constantes dos princípios que sustentam a força do Direito, permitiu que a nossa condição de magistrado, e tão-só ela, governasse os nossos sentimentos, oferecendo-os em trabalho e fé, à magnitude dos compromissos do Poder Judiciário, que não pode se omitir no efetivo papel de levar ao coração do povo a confiança nos juízes de sua terra." (C. de Almeida, Revista de Jurisprudência, nº 11, 1969)

É também sob o regime militar que os discursos enfatizando a harmonia entre as profissões do Direito e a harmonia entre os poderes constituídos obtêm as maiores proporções nas duas revistas. Nesse contexto, os conflitos profissionais desaparecem da Revista dos Tribunais e têm baixa incidência na Revista de Jurisprudência. Diante do aumento das críticas ao Judiciário, o período 1986-97 registra novamente o chamamento à harmonia no mundo do Direito.

A diferença entre as duas revistas fica nítida sob o regime militar. A tensão com o governo federal na Revista de Jurisprudência entre os anos de 1975-79 chega a 63%, sendo significativamente maior do que na Revista dos Tribunais, que mantém sua média geral em torno de 25% entre 1912-78. A Revista de Jurisprudência, vinculada ao tribunal paulista, mostra-se mais imbuída dos valores que demarcam a fronteira entre profissão e política, manifestando menos apoio aos governos federal e estadual, especialmente a partir de 1975. Boa parte de seu descontentamento refere-se às medidas que atingiam algum aspecto do autocontrole do Poder Judiciário, sejam elas decorrentes de Lei Orgânica Nacional que lhe impunha mudanças, seja da falta de independência administrativo-financeira, conquistada na Constituição de 1988. Diante das propostas de controle externo que se intensificam no período 1986-97, a necessidade de reforçar a autonomia do Poder Judiciário ganha relevância e chega a 57% das classificações de discursos sobre as relações entre os Poderes. Essa problemática é muito pouco destacada na Revista dos Tribunais em comparação com o espaço que recebe nos discursos publicados na Revista de Jurisprudência. A Revista dos Tribunais demonstra seu maior apoio ao governo estadual entre 1930-45 (48,8%), motivada por seu compromisso com a Revolução de 1932 e pela gratidão pela conclusão da obra e inauguração do prédio do Palácio de Justiça. O apoio ao governo federal atinge 22% sob o regime militar, proporção mais elevada no século obtida para essa variável.

Apesar da mudança na composição social do TJESP a partir de 1980, decorrente da Lei Orgânica da Magistratura Nacional que entrara em vigor, os discursos em prol dos interesses mais amplos da sociedade encolheram entre 1980 e 1997 para as menores porcentagens de todo o período estudado. A causalidade que se pressupõe existir entre essas características objetivas e seu reflexo no ideário do grupo, tornando-o mais heterogêneo, arejado e gerando um Judiciário que "abandona seu canto neutro e se identifica com a preservação dos valores universais" (Werneck Vianna et alii, 1997:39) não foi observado no material analisado. Os resultados aqui encontrados estão mais próximos dos obtidos por Junqueira e seus colaboradores (1997:162) para os juízes do Rio de Janeiro, que constataram que a modificação no perfil social daquele grupo não parece ter tido conseqüências tão significativas sobre o modo de pensar dos magistrados.

Convém enfatizar que as fontes utilizadas aqui para a análise dos discursos dos desembargadores ¾ a Revista dos Tribunais e a Revista de Jurisprudência do Estado de São Paulo ¾ favorecem o registro da ideologia profissional dominante em detrimento daquelas visões que difundem outros conteúdos para o profissionalismo, diferenciando-se desses valores.

 

CONCLUSÕES

Este trabalho se deteve no estudo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para desenvolver três argumentos. Primeiro, que as disputas em torno das fronteiras entre política e profissão marcam o passado e o presente das relações profissionais no mundo do Direito. Esses embates sinalizam que o conteúdo da ideologia do profissionalismo não é homogêneo, embora aquele que siga predominando enfatize sua diferença com a política convencional.

Segundo, que não foi encontrada uma relação de causalidade entre as características sociais objetivas e os valores ideológicos dos desembargadores do TJESP no Império e ao longo da República. Havia, efetivamente, uma origem social semelhante e uma socialização comum nas mesmas faculdades e na carreira, mas essa homogeneidade era acompanhada da heterogeneidade do ideário que delimitava as fronteiras entre política, burocracia e profissão.

Terceiro, hoje é notada a diversidade no perfil social dos magistrados de Segunda Instância de São Paulo. Eles seguem tendo disputas internas sobre onde estabelecer as fronteiras entre política e profissão, tanto entre tendências críticas quanto entre grupos favoráveis ao establishment. Essa mudança na homogeneidade social, decorrente da mobilidade ascendente e da variação nos cursos de Direito freqüentados pelos desembargadores que assumiram seus lugares a partir dos anos 80, não resultou em modificação no padrão de compromisso com os benefícios para a sociedade em face de outros contextos históricos, segundo a retórica divulgada nas seções analisadas nas duas revistas.

Há crescimento nos discursos da defesa de críticas à justiça, da ênfase na autonomia do Poder Judiciário e das tensões com o governo federal. Embora isto possa sugerir o arejamento ideológico da instituição ou sua politização, as passagens classificadas nas duas últimas variáveis são principalmente de reação ao debate sobre a reforma do Judiciário, identificada como ameaça à independência deste Poder, o que a proposta de controle externo simboliza para eles. Concluo que a ideologia profissional que delimita as fronteiras entre política e profissão segue predominando no grupo.

Estou ciente de que os dois veículos analisados refletem os valores dominantes na corporação, não sendo, todavia, a forma apropriada para o estudo das concepções vinculadas a outros ideários. Esse aspecto do profissionalismo requer a investigação das associações profissionais, das organizações voluntárias dos juízes, como o Movimento de Juízes pela Democracia e os "juízes alternativos", além das disputas por poder simbólico na mídia. Tal ângulo da fronteira entre profissão e política é o novo foco de investigação que a minha equipe de pesquisa desenvolve visando complementar a análise apresentada aqui.

(Recebido para publicação em novembro de 2000)

(Versão definitiva em junho de 2001)

 

NOTAS

*Esta pesquisa foi realizada com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, no apoio ao projeto O Mundo do Direito e as Relações entre Profissionalismo e o Estado. Agradeço o empenho da equipe de bolsistas de Iniciação Científica e de Apoio Técnico que participou desta investigação em diferentes momentos, a saber: Cristina Maria de Castro, Daniel Perticarrari, Eliana Santos Junqueira, Érica Regina da Silva, Fabiana Luci de Oliveira, Melissa Moreira Pugliesi, Richard Campos e Sandro Luis M. Francischini. A pesquisa contou com a assessoria de Elza Andrade de Oliveira na construção de tabelas e análise de dados quantitativos.

1. Freidson (1996) diferencia os conceitos de classe, burocracia e profissão como formas distintas de organização do trabalho: na primeira predomina a livre concorrência no mercado; a segunda é hierarquizada e a terceira busca proteger sua jurisdição dos dois outros modelos.

2. Na União, a Reforma Constitucional de 1926, baseada em projeto de Rui Barbosa, via o Supremo Tribunal Federal ¾ STF como o novo Poder Moderador. Os ministros eram nomeados pelo presidente depois de consultado o Senado e reconhecido o notório saber jurídico (não era necessário o diploma de Direito). Os juízes secionais eram indicados em lista tríplice pelo STF, depois de esta ser submetida ao crivo da imprensa, e a escolha cabia ao presidente da República (Koerner, 1998).

3. O Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo ¾ Idesp realizou um survey com os magistrados brasileiros, tendo por objetivo verificar como eles se posicionavam ante os diagnósticos de crise do Judiciário e quais seriam suas possíveis soluções. Nessa pesquisa, identificou-se o perfil social dos juízes, mas ela não teve como meta contrastar a composição social da Magistratura em 1993, quando os dados foram coletados, com a situação de outros períodos. Quanto à origem social, as informações obtidas formaram um quadro com alguma proporcionalidade entre as classes alta, média e baixa. A participação feminina era pequena e a distribuição etária não apresentava uma incidência maior de jovens, tendo apenas 10% dos juízes com idade até 30 anos. Predominavam os nascidos na década de 50. O impacto da socialização na carreira seguia sendo marcante sobre os valores e a identidade do grupo.

4. Junqueira baseia-se nesses dois conceitos de Bourdieu: "[...] o conceito (habitus) remete ao conjunto de predisposições que, compartilhadas de forma não totalmente consciente por alguns atores sociais, são criadas antes da entrada do ator em determinado campo e se manifestam na maneira de vestir, falar e pensar. No entanto, apesar de criar um comportamento que reproduz o sistema do qual ele emerge, o habitus, ao não ser submetido à formalização e à codificação, admite uma certa flexibilidade desse comportamento [...]. O segundo conceito útil a esta investigação é a noção de ritos de passagem - ou, como denomina Bourdieu, ritos de instituição - enquanto linha divisória que separa não apenas os iniciados dos não-iniciados, mas principalmente dos que nunca serão iniciados." (Junqueira et alii, 1997:32)

5. Meili (1998) inclui os juízes alternativos que se concentram no Rio Grande do Sul e o Movimento dos Juízes pela Democracia, em São Paulo, como exemplos da ideologia profissional comprometida com movimentos sociais.

6. "The elasticity of professionalism means that it can be appropriated and deployed by lawyers representing a wide range of interests and approaches to practice, including cause lawyers. Ideologies of professionalism, like other ideologies, become meaningful by creating distinctions and turning them into oppositions - for example, the opposition between lawyering for clients and lawyering for causes. Moreover, those ideologies favor particular views of legal practice by asserting their claim to general respect and allegiance. Each of those ideologies seeks to provide an exclusive, normatively coherent, and authoritative portrait of lawyering; yet in juxtaposition they suggest instability and indeterminacy in the very heart of the legal profession's idea of itself." (Sarat e Scheingold, 1998:11)

7. "[...] if lawyers' collective voice is to be effective, it requires both a structural basis of mobilization and a discursive rhetoric centered on law's autonomy and law's ideals. Lawyers' politics, peculiarly enough, conventionally are antipolitical. And it is only on this ground of legal neutrality that they can hope to vindicate the ideal of political liberalism." (Halliday, 1999:1035)

8. O TJESP organiza-se em três seções especializadas em Direito Público, Direito Civil e Direito Criminal, sendo os recursos decididos em câmaras compostas de cinco desembargadores cada.

9. Este tópico utiliza a base de dados explorada nas monografias de graduação de Silva (1997) e Castro (1999).

10. Sobre o significado dessa reforma, há duas interpretações básicas. A já tradicional, apresentada em Victor Nunes Leal (1997), destaca o papel da reforma na separação entre as atribuições judiciais e policiais, dando condições de independência ao Poder Judiciário brasileiro, mas não expandindo essas garantias para a polícia. Esta ficava sujeita ao clientelismo enquanto os juízes contavam com garantias de carreira, como vitaliciedade, irredutibilidade de vencimentos, inamovibilidade. A segunda, apresentada por Andrei Koerner (1998:115), aponta para uma reforma que, em lugar de estabelecer a independência do Poder Judiciário, "criou no Brasil a polícia independente de mecanismos de controle judicial mais imediato da legalidade de sua atividade."

11 . O posto de juiz municipal podia ser exercido por bacharel ou pessoa culta. Sua jurisdição situava-se abaixo do juiz de direito e acima do juiz de paz, podendo substituir o juiz de direito em sua ausência. Foi a forma encontrada para que o governo central tivesse controle nos municípios, mas não elevasse os custos de manutenção da Magistratura. O juiz municipal era indicado pela Câmara Municipal e nomeado pelo imperador, configurando a triangulação entre o posto, o poder local e o poder central. Não gozava de vitaliciedade, tendo mandato de quatro anos (Graham, 1997; Shirley, 1973).

12. Teve dois filhos homens e três mulheres. Quatro deles se casaram e tiveram cônjuges provenientes de famílias da elite do Ceará. Seu filho Tristão Alencar de Araripe Júnior foi juiz municipal, mas não ingressou na Magistratura, exercendo vários cargos públicos inclusive o de consultor-geral da República. Seu genro João Tomé da Silva foi lente da Faculdade de Direito de Recife e presidiu várias províncias (Brotero, 1944).

13. O título de conselheiro acompanhou a nomeação para a presidência da Relação. Tinha também os títulos honoríficos da Ordem de Cristo e de veador da imperatriz. Ele teve oito filhos, sendo quatro homens, dos quais dois ingressaram na Magistratura, um no Rio de Janeiro e o outro como juiz federal em São Paulo (Brotero, 1944).

14. Os 28% restantes formaram-se em Olinda-Recife.

15. Love (1982:226) registra a diferença no "estilo político" de São Paulo, com maior burocratização, tendo talvez o Judiciário com "o mais elevado nível de profissionalização em todo o país".

16. Este tópico utiliza a base de dados explorada nas monografias de graduação de Oliveira (1999) e de Campos (1999).

17. O objetivo inicial era analisar a parte da Revista dos Tribunais sobre o noticiário do TJESP, por ser o periódico mais antigo que preservara regularidade e amplitude temporal. Entretanto, observou-se uma mudança no perfil da publicação no início dos anos 70, com os discursos e o noticiário mudando para a Revista de Jurisprudência, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que começou a ser editada em 1967. Optou-se também por apresentar os resultados de ambas as publicações no período de 1968 a 1978, porque a distribuição obtida dos conteúdos revelava diferenças entre as duas.

18. Os discursos agrupados nessa variável tratavam dos problemas atuais da violência urbana, da miséria, da desigualdade social e, no passado, criticavam principalmente o comunismo e o nazismo.

19. Ver Bonelli (2001), onde focalizo as trajetórias da OAB e do Instituto dos Advogados do Brasil ¾ IAB.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT
Appellate Judges in the São Paulo State Supreme Court and the Building of Professionalism: 1873-1997
This article analyzes the building of professionalism among members of the São Paulo State Supreme Court, focusing on their social profile and career patterns as related to the ideas expressed by associate justices in the journals Revista dos Tribunais from 1912 to 1978 and Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo from 1967 to 1997. The objective is to assess identity trends in São Paulo judges over the course of the 20th century, using discourse analysis. The study follows the social morphology of judges beginning with the creation of the São Paulo Court of Appeals in 1873, analyzing whether there is a causal nexus between the group’s profile and predominant ideology.
Key words: judges; profession; professional ideology

 

RÉSUMÉ
Les Conseillers à la Cour d’Appel de l’État de São Paulo et la Construction de la Profession, 1873-1997
Dans cet article, on analyse le processus de construction de la profession parmi les membres de la Deuxième Instance du Pouvoir Judiciaire de São Paulo. On y examine leur composition sociale et leur carrière les reliant avec les idées véhiculées par les Conseillers à la cour d’appel dans la Revista dos Tribunais entre 1912 et 1978, et dans la Revista de Jurisprudência de la Cour d’Appel de l’État de São Paulo entre 1967 et 1997. Son but est de mesurer, par le moyen de l’analyse du discours, les changements dans l’identité des magistrats de São Paulo au cours du XX siècle. Cette étude suit la morphologie sociale des dits conseillers depuis la création de la Cour de la Relation (Tribunal da Relação) de São Paulo en 1873, en cherchant à savoir s’il y a ou non un rapport de causalité entre ce profil et l’idéologie dominante du groupe.
Mots-clé: conseillers à la cour d’appel; profession; idéologie professionnelle