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Psicologia: Reflexão e Crítica - The course of reforms: psychology teaching in Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1971-1979)

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Psicologia: Reflexão e Crítica

Print version ISSN 0102-7972

Psicol. Reflex. Crit. vol.15 no.3 Porto Alegre  2002

http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722002000300005 

O curso da reforma: ensino de psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1971-1979)

 

The course of reforms: psychology teaching in Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1971-1979)

 

 

Gustavo GauerI, 1, 2 ; William Barbosa GomesII

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

O ensino de Psicologia no Brasil foi fundamentalmente modificado pelo reconhecimento da profissão de Psicólogo, em 1962, e pela reforma universitária que organizou as universidades em departamentos, na mesma década. Este trabalho narra a história do ensino de Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da instalação do Departamento de Psicologia em 1971 ao reconhecimento do curso de graduação em 1979, com base em dados documentais e em depoimentos de personagens envolvidos nesses eventos. Embora o ensino de Psicologia na UFRGS remonte aos anos 1940, na antiga Faculdade de Filosofia, o curso de graduação foi criado 30 anos depois, em 1973. Entende-se que o histórico do ensino de Psicologia na UFRGS reflete as condições legais e burocráticas que pautaram o Departamento e seus órgãos. Nesse período, a introdução do modelo departamental que visava integrar ensino, pesquisa e extensão deu início a uma nova etapa no ciclo que tivera início na era das cátedras.

Palavras-chave: História da Psicologia; graduação; reforma universitária; Rio Grande do Sul; UFRGS.


ABSTRACT

Psychology teaching in Brazil was substantially modified when the profession was officially regulated in 1962, and, in the same decade, when the reform of higher education reorganized universities in departments. Through the collection of both documented data and accounts from people who took part in the focused events, this study describes the history of Psychology teaching in UFRGS, from the installation of the Department of Psychology in 1971, to the legal admission of its undergraduate program, in 1979. The study of Psychology in the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS) started in the 1940's, within Philosophy courses. Nevertheless, an undergraduate career for psychologists in that university was not created until 1973. The history here reported reflects the legal and bureaucratic conditions that ruled the Department and its related organs, and the changes in the faculty which occurred in the period. Therefore, the cycle wich began in the cathedrae era had a new chapter, oriented by integration of research and teaching in Psychology. That set of conditions determined the history of Psychology in UFRGS, as well as in virtually all higher education establishments across the country.

Keywords: History of Psychology; Brazil; higher education; undergraduate programmes.


 

 

A história da Psicologia tem sido objeto de muitos estudos e discussões nos últimos anos. A historiografia tem servido para elucidar a etiologia de conceitos teóricos, a influência interdisciplinar em diferentes épocas, a hegemonia de tendências, o contexto associado ao trabalho de cientistas consagrados, e as características de instituições que contribuíram para a consolidação da Psicologia como ciência e profissão. Os estudos historiográficos trazem uma importante contribuição para o tempo presente, não somente pelo esclarecimento factual e interpretativo do passado, mas pelo convite à reflexão ética sobre nossas ações e nossas omissões frente à administração de entidades e instituições relacionadas ao ensino, à pesquisa, ao fomento e à prática profissional em Psicologia. Este trabalho é parte de um esforço pela preservação da história do ensino e da pesquisa em Psicologia no Rio Grande do Sul. Interessa desvelar o impacto da reforma universitária do final dos anos 1960 na estrutura acadêmica da UFRGS, em particular no que tange à disciplina psicológica. Para tanto, estuda-se a trajetória do ensino de Psicologia na UFRGS, a partir da instituição do Departamento de Psicologia. São explorados os processos burocráticos e acadêmicos que levaram às criações do departamento e do curso de graduação, e dos órgãos de pesquisa e extensão ligados ao departamento. O contexto mais amplo desses acontecimentos é definido pelas histórias da Psicologia e do ensino superior no Brasil.

A formação de psicólogos em cursos de graduação teve seu início oficial no Brasil em 1962, quando a profissão foi reconhecida pela lei Nº 4.119. A mesma lei definia o currículo mínimo que um curso de Psicologia deveria seguir e indicava quais tipos de instituições poderiam oferecer tal formação. Todavia, a inserção da Psicologia no ensino superior brasileiro data de períodos anteriores. A Psicologia era matéria regular de cursos universitários como os de filosofia e pedagogia desde o final dos anos 1940. A partir do início da década de 1950 funcionariam, em algumas universidades, cursos de pós-graduação lato-sensu (especialização) em Psicologia, destinados a profissionais graduados em outras áreas. No Estado do Rio Grande do Sul, a Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) foi a primeira instituição a oferecer aquele tipo de curso, de 1953 a 1962. As duas primeiras iniciativas de cursos de graduação em Psicologia no Estado também ocorreram em universidades particulares. Na própria PUCRS, o curso iniciou em 1962, e na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), em 1972. O primeiro curso de graduação em Psicologia em uma universidade pública foi criado em 1973 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sediada na capital Porto Alegre.

O ensino de Psicologia na UFRGS remonta, contudo, a uma época anterior à existência do curso de graduação e ao início dos cursos de especialização da PUCRS. Na Faculdade de Filosofia da então Universidade de Porto Alegre, foi introduzido o ensino universitário de Psicologia no Estado. As disciplinas de Psicologia Geral e Psicologia Educacional foram ministradas nos cursos de Filosofia e Pedagogia a partir de 1943, em virtude da reforma do ensino superior decretada no governo de Getúlio Vargas (Soares & Silva, 1992). Assim, antes da implantação do primeiro curso de graduação em Psicologia, em 1962, os estudantes interessados na disciplina recorriam à Faculdade de Filosofia da Universidade de Porto Alegre, justamente por lá existirem as cátedras correspondentes àquela área (Gomes, Lhullier & Leite, 1999). Os professores daquela Faculdade, seus assistentes e ex-alunos constituiriam em grande parte a cultura e a população acadêmica da Psicologia em Porto Alegre e no Estado, em períodos posteriores. Por exemplo, muitos daqueles acadêmicos viriam a colaborar ou matricular-se no curso de especialização em Psicologia da PUCRS, e a fundar a Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul, em 1959 (Souza, 1980). Contudo, pouca atenção tem sido dada à história do ensino de Psicologia na UFRGS.

A presente pesquisa consiste num registro historiográfico da implantação do ensino de graduação em Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O período de interesse inscreve-se entre os anos de 1971 e 1979. O ano de 1971 marcou a adaptação da UFRGS à nova legislação educacional decorrente da reforma universitária, a qual ensejou a criação de um departamento universitário de Psicologia. A data limite de 1979 remete ao reconhecimento do curso de graduação pelo Conselho Federal de Educação (CFE).

O texto está organizado em quatro partes. A primeira apresenta a pré-história do Departamento de Psicologia, descrevendo as atividades de um serviço de Psicologia aplicada criado pelo Professor Nilo Antunes Maciel em 1954 e que ficou conhecido por Departamento de Psicologia Clínica. A segunda trata da Reforma Universitária de 1968 e de suas implicações para a organização dos cursos e das atividades docentes. A terceira parte concentra-se na criação do segundo Departamento de Psicologia, e aprecia o início do funcionamento do curso de graduação em Psicologia, até o seu reconhecimento pelo CFE. Na quarta parte, são analisadas as relações entre os acontecimentos e suas condições.

O Primeiro Departamento de Psicologia da UFRGS (1954-1970)

Em 22 de abril de 1954 foi instituído, na UFRGS, um Departamento de Psicologia, fundado e coordenado pelo Professor Nilo Antunes Maciel, catedrático de Psicologia na Faculdade de Filosofia. A despeito da denominação oficial, o órgão ficou mais conhecido como "Departamento de Psicologia Clínica", em virtude da natureza das suas atividades, voltadas à prestação de serviços em três áreas de Psicologia aplicada: clínica, do trabalho e escolar. A criação desse órgão refletia o impacto causado pelo ensino de Psicologia nos cursos de Filosofia e Pedagogia. Ligado diretamente à Reitoria, tal Departamento prestava serviços de psicodiagnóstico, orientação e seleção profissional, voltados à comunidade acadêmica e funcional da UFRGS, bem como a alunos da rede pública de ensino primário e secundário (Gomes, Lhullier & Leite, 1999).

Esse primeiro Departamento de Psicologia era assim incumbido do aconselhamento psicológico de estudantes da UFRGS, bem como dos funcionários e seus dependentes; da orientação psicopedagógica dos estudantes; da orientação vocacional de estudantes da Universidade e de estabelecimentos oficiais de ensino médio; e da seleção psicotécnica de funcionários técnicos e administrativos da UFRGS e de outras instituições eventualmente conveniadas, além dos candidatos a ingresso no quadro funcional da universidade.

O Departamento de Psicologia Clínica teve sede inicialmente no prédio da Faculdade de Medicina. Cerca de um ano após a instalação, dependências mais adequadas foram providenciadas no prédio da Reitoria da Universidade (COESP, 1980). O fundador e coordenador do Departamento, Professor Nilo Antunes Maciel, teve sua trajetória acadêmica ligada à Faculdade de Filosofia, onde foi titular da Cátedra de Psicologia, sucedendo o Professor Vitor de Britto Velho, de quem havia sido assistente. Estudioso dos métodos de avaliação psicológica, Maciel estabelecera serviços de Psicologia em diversas empresas e autarquias do Estado, como Varig, Cia. Carris Porto-alegrense e Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER) (Gomes & cols., 1999). O Professor Arthur de Mattos Saldanha, assistente de Maciel na Faculdade de Filosofia, veio posteriormente a substituí-lo à frente do Departamento de Psicologia Clínica.

Em novembro de 1970, em decorrência da Reforma Universitária que será tema do próximo tópico, o Departamento de Psicologia Clínica foi transformado em Centro de Orientação e Seleção Psicotécnica (COESP). O COESP, embora mantendo a "tradição e experiência do antigo Departamento", seria agora um órgão suplementar vinculado à Pró-Reitoria de Extensão, (COESP, 1980). O último Coordenador do Departamento de Psicologia Clínica, Arthur Saldanha, veio a ser o primeiro Diretor do COESP.

Enquanto isso, no decorrer das décadas de 1950 e 60, com o surgimento de cursos especificamente voltados para a Psicologia em outras instituições, o ensino desta disciplina no curso de Filosofia da UFRGS parece ter esvaecido. Os interessados na matéria, que anteriormente encontravam na Faculdade de Filosofia a referência do ensino de Psicologia no Estado, teriam então a oportunidade de cursar currículos integralmente dedicados àquela área. Ressalte-se que, na UFRGS, um curso de formação de psicólogos somente surgiria em 1973. Neste ponto é necessário considerar a natureza da Reforma Universitária de 1968, para em seguida examinar suas conseqüências nas atividades relacionadas ao ensino de Psicologia na UFRGS, passando pela criação do Curso de Graduação em Psicologia, e concluindo com o reconhecimento pelo Conselho Federal de Educação, em 1979.

A Reforma Universitária e a UFRGS

A história da organização do ensino superior brasileiro influenciou o desenvolvimento da Psicologia no país em diversas épocas e de várias formas. Entre as muitas reformulações pelas quais passou a educação superior no Brasil, pelo menos três afetaram direta ou indiretamente essa matéria. As duas modificações mais remotas são aquelas atribuídas a Benjamin Constant (1836-1891), no século XIX, e a Gustavo Capanema (1900-1985), em 1939. Benjamin Constant, Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos do Governo Provisório, fez da Psicologia disciplina oficial nos cursos normais de formação de professoras (Lhullier & Gomes, 1999). Em 1939, Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde do governo de Getúlio Vargas, definiu os currículos da Faculdade Nacional de Filosofia, os quais deveriam ser seguidos por todas as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras do país. No currículo de Filosofia constavam cadeiras de Psicologia Geral, e no de Pedagogia, Psicologia Geral e Psicologia Educacional (Gomes & cols., 1999; Regner, 1993).

Um terceiro processo de alteração do ensino superior brasileiro, que ficou conhecido como Reforma Universitária, ocorreu no final dos anos 1960 (Cunha, 1988; Fernandes, 1975; Rosas, 1992), tendo sido plenamente concretizado na UFRGS em 1971 (PROPLAN, 1979; Vianna, 1971). A legislação que consubstanciou essa reforma não tocaria especificamente à disciplina de Psicologia como as alterações anteriores. Outrossim, a reestruturação acadêmica que ela impôs às instituições universitárias tem importância para a pesquisa e o ensino da Psicologia, e de outras áreas do conhecimento no Brasil. Para a Psicologia na UFRGS, advieram mais imediatamente da reforma universitária as criações de um departamento universitário e do curso de graduação.

Academicamente, a Reforma Universitária trouxe diversas novidades ao ensino superior, como o ciclo básico, o vestibular unificado e a matrícula por créditos. Os princípios fundamentais para a Reforma, definidos em 1967 por Newton Sucupira (citado em Rosas, 1992), a serem seguidos na lei 5.540, eram resumidos em alguns tópicos: não duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes; integração de ensino e pesquisa na atividade acadêmica; concentração dos estudos básicos em um sistema comum disponível a toda a instituição; institucionalização das atividades acadêmicas com a criação de órgãos colegiados de coordenação responsáveis pelos respectivos cursos.

A pedra-de-toque do sistema então proposto era a organização das universidades em departamentos. Contudo, os departamentos, da maneira que foram delineados pela reforma, tinham um mínimo de autonomia na participação e na tomada de decisões acadêmicas, as quais ficaram a cargo dos órgãos superiores de ensino, sobretudo as comissões de carreira e câmaras de ensino. O que restava aos departamentos era efetuar tarefas rotineiras de ensino de graduação, atribuir tarefas aos seus membros e controlar a atuação dos mesmos, contudo sem autonomia para tomar as decisões concernentes a essas atividades (Oliven, 1989).

No Brasil, o sistema de departamentos não seria implementado a rigor do termo, como nas universidades norte-americanas, por exemplo. Embora se vislumbrasse, na época, a plausibilidade de no futuro haver uma estrutura estritamente departamental, a organização tradicional em unidades seria mantida, bem como as denominações das antigas unidades que compunham a universidade. Tal medida preservava, entre outros aspectos, a tradição das entidades isoladas que foram unidas para formar a Universidade de Porto Alegre, processo característico da criação da maioria das universidades brasileiras anteriores à reforma. Nas unidades, denominadas Escolas, Faculdades ou Institutos, seriam reunidos os departamentos de áreas afins. Contudo, não caberia a elas decidir sobre o currículo de um curso e oferecer todas as disciplinas nele previstas, como acontecia anteriormente nas Congregações das Faculdades. Tal atribuição caberia a órgãos colegiados, principalmente Comissões de Carreira (COMCARs) e Câmaras de Ensino. As COMCARs e Câmaras de Ensino substituiriam as Congregações nas tarefas de articulação entre disciplinas, planejamento e decisões sobre cursos e currículos.

Após a Reforma, os departamentos, como "menores frações da estrutura universitária", ficavam encarregados de executar as atividades-fim de ensino, pesquisa e extensão afeitas às suas especialidades. Seriam ainda os departamentos responsáveis pelos seguintes aspectos, literalmente mencionados nos documentos da época:

1) No planejamento da atividade universitária, pela distribuição de suas tarefas entre seus componentes; pela execução dessas tarefas (Vianna, 1971, p.14).
2) Responsabilidade de ministrar os cursos, cujo planejamento e coordenação competem às Comissões de Carreira e de Extensão e às Câmaras do COCEP (Vianna, 1971, p. 27).

Os departamentos da UFRGS ficariam assim subordinados aos órgãos superiores de coordenação do ensino e da pesquisa, ou seja, comissões de carreira, câmaras de ensino, e ao plenário do Conselho de Coordenação do Ensino e da Pesquisa (COCEP). O COCEP dividia-se em cinco câmaras, sendo uma de pós-graduação e pesquisa, e quatro câmaras ordinárias de ensino de graduação, relativas às áreas de conhecimento, quais sejam, Ciências Exatas e Tecnologia (área I); Ciências Biológicas (área II); Filosofia e Ciências do Homem (área III); e Letras e Artes (área IV). Cada câmara ordinária era composta pelos coordenadores das Comissões de Carreira e de Extensão relacionadas às respectivas áreas. Segundo o Plano de Reestruturação, cabia a tais câmaras, além de traçar a política geral do ensino de graduação, aprovar currículos de cursos, e propor ao Reitor "a criação, transformação e supressão de cursos de graduação e pós-graduação; estabelecer normas gerais sobre a organização e funcionamento desses cursos" (Vianna, 1971, p. 21).

Subordinadas ao COCEP, as Comissões de Carreira (COMCARs) tinham por missão planejar, coordenar e supervisionar os cursos de graduação das suas respectivas áreas de conhecimento, organizando os currículos, definindo as disciplinas, seus conteúdos e seriações aconselhadas. Elas seriam constituídas por representantes eleitos nos departamentos que ministravam disciplinas para os seus respectivos currículos. Segundo o Regimento Geral da Universidade, o departamento diretamente ligado a uma carreira deveria ter a maioria absoluta dos representantes na COMCAR correspondente.

Psicologia em Transição

Durante a implementação da Reforma Universitária, o Reitor Eduardo Zaccaro Faraco tinha a seu encargo determinar quais unidades acadêmicas comporiam o conjunto da UFRGS. O rol de unidades da UFRGS respeitou em grande parte a estrutura da Universidade de Porto Alegre (UPA), onde teve origem. A UPA fora formada em 1934 pela reunião de instituições de ensino superior preexistentes 3. O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, parte da nova estrutura criada na reforma da UFRGS, correspondia a uma fração da extinta Faculdade de Filosofia, substituídas as cátedras por departamentos. Algumas áreas que faziam parte da Faculdade de Filosofia deram origem a departamentos ou unidades acadêmicas inteiras, como o Instituto de Matemática, a Faculdade de Educação, e o Instituto de Letras. A área de Psicologia constituiu o Departamento de Psicologia que comporia o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, juntamente aos departamentos de Ciências Sociais, História e Filosofia.

Na nova estrutura acadêmica da UFRGS, as unidades de ensino eram denominadas de acordo com a seguinte taxonomia: Unidades de ensino básico, denominadas Institutos Centrais ou, simplesmente, Institutos;Unidades de ensino aplicado ou profissional, que são as Faculdades ou Escolas; Unidades ou institutos especializados, destinados a cumprir objetivos especiais de ensino e pesquisa não contemplados nas demais unidades universitárias (Vianna, 1971, p. 17).

Considerando que o Departamento de Psicologia faria parte do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, é lícito depreender que o ensino e pesquisa por ele efetuados enfatizariam a Psicologia como um conhecimento básico, útil para diversas carreiras, em detrimento de uma orientação dedicada à formação de psicólogos profissionais, a qual sugeriria, naqueles termos, uma Escola ou Faculdade de Psicologia.

O Segundo Departamento de Psicologia

Durante o primeiro ano após a reestruturação da UFRGS (1970 a 1971), as novas unidades de ensino tiveram coordenadores pro-tempore nomeados pelo Reitor da Universidade. Esses coordenadores foram responsáveis por definir as respectivas estruturas de funcionamento, ou seja, a relação de departamentos alocados em cada unidade. No caso do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), esse coordenador foi Luiz Carlos de Mesquita Rothmann, professor de História na antiga Faculdade de Filosofia, a ser lotado no novo Departamento de História. No IFCH, como ocorreu em outras unidades, o próprio Coordenador viria a ser o primeiro Diretor, com um mandato que foi de 1971 a 1975.

Conforme relatos de dois professores entrevistados, o próprio Luiz Carlos Rothmann (entrevistado em 15/09/2000) e Manoel Leão, (entrevistado em 26/05/2000) que integrou a Comissão de Planejamento da Universidade, o Reitor Eduardo Zaccaro Faraco foi insistente quanto ao estabelecimento de um Departamento de Psicologia, bem como à ligação desse departamento ao IFCH, e não à Faculdade de Medicina, como pleiteavam alguns setores desta unidade. O Professor Rothmann foi assessorado pelos Professores José Carlos Fenianos e Odair Perugini de Castro na formulação do futuro Departamento de Psicologia do IFCH. O Professor Fenianos colaborou com Nilo Maciel e Arthur Saldanha, não só na Universidade, mas também em serviços particulares de Psicologia, e seria lotado no novo Departamento de Psicologia. A Professora Odair, formada em Pedagogia e Filosofia, docente da área de Educação Física, integraria inicialmente o Departamento de Ciências Sociais, mas viria, ainda em 1971, para o de Psicologia. Professores responsáveis por cátedras ou disciplinas de Psicologia em outros cursos foram convidados a se reunir no novo departamento. Contudo, como se verifica na nominata dos primeiros professores do Departamento de Psicologia, os seis docentes que aceitaram o convite vieram das áreas de Filosofia e de Educação Física.

Os outros docentes da área de Psicologia na Universidade optaram por integrar outros departamentos. Dois Professores de Psicologia pertencentes à Faculdade de Economia, Francisco Pedro Pereira de Souza e Edela Lanzer Pereira de Souza, preferiram permanecer na mesma unidade. O primeiro ficou no Departamento de Ciências Administrativas, onde ministraria Psicologia Aplicada à Administração, a segunda no Centro Integrado da Faculdade de Educação. Segundo relato dos mesmos professores Francisco Pedro e Edela de Souza (entrevistados em 16/05/2000), eles encontravam-se plenamente adaptados à realidade dos cursos da Faculdade de Economia e Escola Técnica de Comércio, embora tivessem uma formação basicamente nas áreas de Filosofia e Psicologia, iniciada com a graduação em Filosofia na UFRGS. Algumas outras professoras, originalmente ligadas à Cátedra de Psicologia Educacional da Faculdade de Filosofia, onde foram assistentes do Professor Titular Oscar Machado da Silva (primeiro professor de Psicologia da Faculdade de Filosofia da URGS), integraram a recém-criada Faculdade de Educação (FACED). Essas professoras, Ana Iris do Amaral e Ida Silveira, foram para o Departamento de Estudos Básicos (DEBAS) da FACED. Outras professoras com formação em Psicologia, anteriormente ligadas à Faculdade de Filosofia, Graciema Pacheco, Juracy Cunegatto Marques e Yeda Roesch da Silva, também rumaram à FACED a partir de 1971, lotando-se a primeira no Centro Integrado e as outras duas no DEBAS. A Professora Graciema, fundadora e diretora do Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia por muitos anos, viria a ocupar diversos cargos de grande importância na Universidade, como a coordenação da IIIª Câmara do COCEP. Juracy Marques, Livre Docente em Psicologia pela UFRGS em 1966, seria a segunda coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGEDU) da FACED, de 1972 a 1974, onde orientou numerosos trabalhos na área de Psicologia Educacional. Yeda Roesch da Silva, tendo completado mestrado em Psicologia Clínica pela PUCRS, transferir-se-ia para o Departamento de Psicologia em 1973. A primeira coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação foi a Professora Eva Van Ditman (Fachin, 1999; Marques, 1999).

A primeira reunião plenária do novo Departamento de Psicologia, ocorrida em 18 de março de 1971, contou com a presença do Professor Rothmann, coordenador pro-tempore do IFCH. Consta na ata daquela reunião a formação do primeiro corpo docente do Departamento:

Prof. Titular: Nilo Antunes Maciel
Prof. Titular: Amadeu Faviero
Prof. Assistente: José Carlos Fenianos
Prof. Assistente: Arthur de Mattos Saldanha
Prof. Aux. de ensino: Fernando Ferreira Lopes
Prof. Aux. de ensino: Fernanda Marques Fernandes.

Nos registros de lotação dos professores da UFRGS nos respectivos departamentos, definidos em 1970, constam as unidades de origem dos professores do novo Departamento de Psicologia: Nilo Maciel, José Carlos Fenianos e Arthur de Mattos Saldanha vinham da Faculdade de Filosofia. Amadeu Faviero e Fernando Ferreira Lopes vinham da área de Educação Física.

Estiveram presentes à primeira reunião todos os docentes, à exceção do Professor Faviero, em licença por enfermidade. O Professor José Carlos Fenianos foi eleito Chefe do Departamento por voto secreto, e assumiu o cargo ressaltando que havia 20 anos que a Universidade esperava por ter um Departamento de Psicologia. Não se pode precisar se Fenianos referia que o novo era um departamento universitário propriamente dito, ou se estava desconsiderando o antigo Departamento de Psicologia Clínica. Nessa mesma reunião, por sinal, o Professor Arthur de Mattos Saldanha apresentava uma portaria que o colocava à disposição para o exercício da coordenação do Centro de Orientação e Seleção Psicotécnica. Dessa forma, Saldanha afastava-se das atividades docentes junto ao Departamento, para as quais indicava a sua assistente, Fernanda Marques Fernandes, para substituí-lo. O Professor Titular Nilo Maciel, criador do antigo Departamento de Psicologia Clínica, fora o último Titular da Cátedra de Psicologia na Faculdade de Filosofia (Gomes, Lhullier & Leite, 1999; Souza, 1980). José Carlos Fenianos, que igualmente viera do curso de Filosofia, montara em 1954, com Nilo Maciel e Arthur Saldanha, o primeiro gabinete particular de Psicologia do trabalho no Rio Grande do Sul (Souza, 1980). Ainda em 1971 entraria no Departamento de Psicologia o Professor Lúcio Hagemann, egresso da Faculdade de Filosofia. O primeiro concurso para professor do Departamento de Psicologia aconteceu em 1972. Os três aprovados foram Dante de Barros Coutinho, Luiz Osvaldo Leite e Hélio Di Nóia Martins.

Na primeira reunião plenária era explicitada a precariedade das condições de funcionamento do Departamento. A necessidade de contratação de novos docentes foi apontada pelo professor Fenianos, e a falta de títulos na biblioteca, pela professora Fernanda Marques Fernandes. Por essa época, as atividades burocráticas tinham de ser executadas pelos próprios professores, sobretudo o Chefe do Departamento, auxiliados por algum bolsista, quando disponível. O Departamento não tinha sede própria, tanto que as primeiras reuniões aconteciam numa sala cedida pelo Departamento de Ciências Sociais.

Somente em Agosto de 1972 o Departamento de Psicologia teria direito a uma sala, localizada no mesmo prédio da antiga Faculdade de Filosofia, Campus Central da UFRGS. Dividiam aquele exíguo espaço o "gabinete" do chefe de departamento, a secretaria e os professores. Portanto, à época do início das suas atividades, o Departamento de Psicologia era vizinho das demais subunidades do IFCH. Entretanto, em 1977, o Departamento ficaria geograficamente distanciado dos seus congêneres. Todo o IFCH, exceto a Psicologia, seria então transferido para o recém-inaugurado Campus do Vale, localizado na divisa dos municípios de Porto Alegre e Viamão, distante 17 quilômetros do Campus Central da UFRGS, no Centro da capital.

Nas reuniões departamentais os assuntos mais usualmente deliberados diziam respeito às atribuições executivas do departamento. Ocorriam fundamentalmente decisões quanto a distribuição aos docentes das disciplinas de Psicologia requeridas pelos cursos da Universidade; administração de cargas horárias, licenças e férias dos professores; requerimentos de material didático; considerações sobre o alunado em termos do seu desempenho e das relações com professores; providências quanto à indicação e contratação de novos docentes; registro do recebimento de ofícios e resoluções da Reitoria e de órgãos governamentais acerca do ensino; eleição e prestação de contas do Chefe de Departamento, entre outros assuntos.

De acordo com a reforma universitária, as disciplinas afeitas a uma determinada área seriam centralizadas em um único departamento. Caberia ao departamento ministrar disciplinas da sua área em todos os cursos da universidade que as incluíssem em seus currículos. O caso do Departamento de Psicologia é exemplar dessa organização. Como inicialmente não haveria um curso de graduação em Psicologia, os professores deste departamento estavam encarregados de ministrar disciplinas de Psicologia em diversos cursos, como Biblioteconomia, Odontologia e Enfermagem. As solicitações de disciplinas, conforme previa a nova estrutura universitária, provinham das Comissões de Carreira encarregadas dos respectivos currículos. Contudo, a convivência do Departamento com essa realidade era um pouco conturbada. Os requerimentos de disciplinas costumavam chegar prontos ao departamento, restando aos professores dividir entre si as disciplinas, e assumi-las voluntariamente. Foram registradas reclamações a esse respeito em atas de reuniões do departamento.

Por outro lado, o Departamento deveria ser representado em cada uma das Comissões de Carreira cujos cursos incluíssem disciplinas por ele ministradas. Seria o caso das COMCARs de Filosofia e Ciências Humanas, de Enfermagem, e de Odontologia. Se não havia comunicação prévia ao Departamento das disciplinas que seriam solicitadas, isso possivelmente ocorria em razão de alguma falha nesse sistema de representação. Ressalte-se que não há registro da eleição de representantes do departamento para as COMCARs. Outrossim, em documentos posteriores, relativos à criação do curso de Psicologia, constam referências ao Prof. Arthur de Mattos Saldanha como representante junto à COMCAR-FCH. Essa era, no entanto, uma situação contraditória, visto que o referido professor afastara-se da atividade no Departamento para assumir o COESP. Provavelmente, a questão da representação não estava clara para os membros do Departamento que ainda estavam se habituando às rotinas decorrentes da reforma universitária, como a atuação junto aos órgãos colegiados superiores. Essa representação, pela sua importância acadêmica e administrativa, deveria ser exercida por um professor atuante no Departamento.

Assim, na reunião plenária de 16 de março de 1972, o Departamento de Psicologia decidia oficialmente "não se responsabilizar pelo ensino de disciplinas novas de Psicologia que não pertençam ao atual elenco de tarefas do departamento". Essa posição foi tomada em virtude de diversos casos de disciplinas que eram solicitadas às vésperas do seu início, sem que o Departamento fosse previamente informado ou consultado pelas Comissões de Carreira. A Tabela 1 lista as disciplinas ministradas pelo DP em diferentes cursos de graduação da UFRGS.

 

 

Efetuada a Reforma, a Psicologia na UFRGS, que até então estivera concentrada na Faculdade de Filosofia, viu-se fragmentada em três segmentos, além do Departamento de Psicologia: o Centro de Seleção e Orientação Psicotécnica (COESP), órgão de extensão; a Faculdade de Economia, onde havia a disciplina de Psicologia Aplicada à Administração; e a Faculdade de Educação, em cujo Programa de Pós-Graduação atuariam professores da área de Psicologia. A convivência do Departamento com esses órgãos e unidades nem sempre foi tranqüila, como se pode verificar no episódio a seguir. Em 13 de janeiro de 1972 o Diretor do IFCH, Professor Luiz Carlos Rothmann, remetia ao Vice-reitor da Universidade correspondência na qual questionava decisões da Comissão de Carreira de Educação. Nesse ofício Rothmann argumentava que seis disciplinas constantes do currículo de licenciatura em Pedagogia pertenciam claramente ao campo da Psicologia, e outras duas, ao da Sociologia. Os referidos currículos de licenciatura em Educação incluíam, de fato, mais de seis disciplinas, que, pelas suas denominações, poderiam ser reclamadas pelo Departamento de Psicologia. Essas disciplinas faziam parte dos currículos de licenciatura da Faculdade de Educação em 1973, nas habilitações em Magistério e Administração Escolar, Magistério e Orientação Educacional, ou Magistério e Supervisão Escolar, e são listadas na Tabela 2. Todas essas disciplinas, exceto a de Psicologia Aplicada à Administração, eram ministradas na Faculdade de Educação pelo Departamento de Estudos Básicos e pelo Departamento de Estudos Especializados.

 

 

Criação do Curso de Graduação em Psicologia

Em 1973 foi criado o curso de graduação em Psicologia da UFRGS. Os acontecimentos relativos à criação do curso foram em muito condicionados por impasses na relação do Departamento de Psicologia com os órgãos colegiados, sobretudo a IIIª Câmara de Ensino do Conselho de Coordenação de Ensino e Pesquisa e a Comissão de Carreira de Filosofia e Ciências Humanas.

A proposta do bacharelado em Psicologia, colimada no curso que funciona desde 1973, não foi a primeira do gênero na UFRGS. Em 1963 um grupo de professores ensaiou uma proposta de curso de Psicologia. Embora haja referência exata a tal documento (processo 1883/63), ele não é encontrado no Arquivo Geral da Universidade. Segundo os servidores responsáveis, provavelmente o processo foi incinerado, por conta de sua antigüidade. O projeto foi provavelmente idealizado por uma equipe chefiada pela Professora Graciema Pacheco, ligada ao Instituto de Educação e à Faculdade de Filosofia. O pretendido curso de Psicologia funcionaria, muito provavelmente, na Faculdade de Filosofia, lugar das Cátedras existentes desde os anos 1940. Não é possível precisar o teor da proposta, tampouco os motivos que a impediram de prosperar. O período em que tal tentativa ocorreu, em torno de 1963, é imediatamente posterior ao reconhecimento da profissão de psicólogo e à criação do curso de graduação em Psicologia da PUCRS. Assim, o projeto da UFRGS era possivelmente uma contrapartida ao recém-inaugurado curso da PUCRS. Mais que isso, é provável que se tratasse de um curso adequado ao currículo mínimo de Psicologia, com cinco anos de duração, definido na lei Nº 4.119, de 1962. Anteriormente à reforma universitária, competia às Congregações das Faculdades homologar ou não a criação de novos cursos. Tendo sido o processo devidamente protocolado, é plausível que ele tenha chegado à Congregação da Faculdade de Filosofia, tendo sido descontinuado nesta mesma instância. Um possível motivo para a interrupção do processo seria a insuficiência de pessoal. Os Professores Francisco Pedro e Edela Pereira de Souza foram convidados por aquele grupo para integrar o eventual corpo docente do curso de Psicologia. Eles declararam ter declinado do convite porque a proposta era de cunho marcadamente psicanalítico, pelo que preferiram permanecer na sua unidade de origem, a Faculdade de Economia. Infelizmente, outros registros do projeto de 1963 não estiveram disponíveis para este estudo, restando à consideração dos pesquisadores os testemunhos de professores da época.

Em 1972, a pedido da III Câmara do Conselho de Coordenação de Ensino e Pesquisa, presidida pela Professora Graciema Pacheco, a Comissão de Carreira de Filosofia Ciências Humanas (COMCAR-FCH) ficou responsável por elaborar um projeto de curso de bacharelado em Psicologia, e formular o seu respectivo currículo. A tarefa coube ao Professor Annuncio Caldana, do Departamento de Filosofia. De acordo com a Superintendência Acadêmica, o curso de Psicologia já seria oferecido no edital do Concurso Vestibular Unificado de 1973.

O processo Nº 23.938, da Comissão de Carreira de Filosofia e Ciências Humanas (COMCAR-FCH), que tratava da criação do curso de Psicologia, foi enviado em 5 de setembro de 1972 à III Câmara do Conselho de Coordenação de Ensino e Pesquisa. Pelo arrazoado, a criação do curso de Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul era justificada com base em três argumentos principais. O primeiro referia-se ao grande desenvolvimento da ciência psicológica. Em segundo lugar, citava-se o grande interesse da sociedade pela formação em Psicologia, traduzido na crescente demanda estudantil pelos dois cursos existentes no Estado, da PUCRS e da UNISINOS. O terceiro e mais extensamente ilustrado ponto do projeto dava conta de que todas as grandes universidades brasileiras vinham criando cursos de Psicologia. Foram arrolados como exemplo os dois cursos sediados no Estado, mais nove cursos de outras importantes instituições, como Universidade de Brasília e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Desta forma, entendia-se que a UFRGS deveria acompanhar a tendência por tratar-se de uma das maiores universidades brasileiras.

A mesma proposta reconhecia uma tradição de ensino de Psicologia na UFRGS, destacava o Centro de Orientação e Seleção Psicotécnica como um órgão de Psicologia aplicada sem equivalentes no país, e situava no atual Departamento de Psicologia a sede do futuro curso. Outrossim, o documento da COMCAR-FCH insinuava a ocorrência de iniciativas anteriores para se implementar um curso de Psicologia na UFRGS. Segundo a Comissão, essas "outras tentativas (...) cedo se estiolaram, por razões que não vem ao caso examinar". Essa referência muito provavelmente diz respeito à proposta do processo 1883/63. Infelizmente o projeto em apreço não faz qualquer outra menção àquelas tentativas, tampouco aos motivos que as impediram de vingar ou às diferenças entre elas e a presente proposta. Eventuais considerações nesse sentido por certo lançariam alguma luz nessa questão até agora nebulosa na história do ensino de Psicologia na UFRGS.

O currículo de Psicologia proposto pela COMCAR-FCH tinha 51 disciplinas a cargo do Departamento de Psicologia. As demais, tanto obrigatórias quanto eletivas, eram de responsabilidade dos seguintes departamentos: Estatística, Ciências Sociais, Fisiologia, Medicina Interna, Filosofia, História, Estudos Básicos, Ciências Administrativas e Comunicação. Estavam previstas duas etapas do ciclo básico, uma geral e outra específica para o curso de Psicologia, seguidas de três possibilidades de ênfase em ciclos especiais profissionalizantes. Essas ênfases correspondiam às "três áreas habituais de demanda no mercado de trabalho e de divisão já tradicional da Psicologia: Psicologia clínica, Psicologia da comunidade escolar e Psicologia do trabalho". Cada ênfase tinha sua própria seriação aconselhada, composta de disciplinas obrigatórias e eletivas específicas. No decorrer do curso, que perfazia 4050 horas-aula, a proporção de disciplinas opcionais aumentava em relação às obrigatórias. Os últimos semestres seriam reservados à realização de três estágios supervisionados, um em cada ênfase. Note-se que, mesmo tratando-se de um sistema de ênfases, cada aluno teria que realizar todos os estágios. Com efeito, as diferenças curriculares entre as ênfases reduziam-se a duas ou três disciplinas opcionais, como a de Psicologia Forense, que não fazia parte da ênfase Escolar, ou a de Pensamento e Linguagem, que não era exigida nas ênfases Clínica e do Trabalho. O curso de Psicologia era assim criado oferecendo 26 vagas no seu primeiro vestibular, no início de 1973. Essas vagas foram retiradas de outros dois cursos pertencentes ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas: seis do curso de História e 20 do de Filosofia. A Comissão sugeria a realização de exame psicotécnico para ingresso de estudantes, "a exemplo de outras universidades". Das outras universidades, o exemplo mais próximo era o da PUCRS, que até hoje submete os candidatos ao curso de Psicologia àquele tipo de exame. Coincidência ou não, o responsável pelo projeto da COMCAR-FCH, Annuncio Caldana, professor do Departamento de Filosofia, era então aluno de Psicologia na PUCRS, motivo pelo qual ele foi encarregado pelo coordenador da Comissão de redigir o documento.

O Departamento de Psicologia recebeu com declarada surpresa a notícia de que seria responsável, em menos de um ano, por levar adiante um curso de graduação. Na reunião de 26 de setembro de 1972 o Professor José Carlos Fenianos comunicava aos colegas que, embora nada de oficial tivesse chegado ao Departamento até então, estava sendo oferecido, no edital do Concurso Vestibular Unificado de 1973 (CVU/73), um curso de graduação em Psicologia. Na reunião seguinte, em 24 de outubro, já havia sido recebida cópia do processo de criação do curso, em cujo encaminhamento a COMCAR-FCH solicitava ao DP que estudasse o currículo aprovado pelo COCEP, elaborasse as súmulas das disciplinas, avaliasse as necessidades docentes, e indicasse os horários das disciplinas do segundo semestre de 1973. Nesse período iniciariam as aulas das disciplinas específicas de Psicologia, após o ciclo básico do primeiro semestre.

Em que pese aquela declaração de surpresa, consta na ata de uma das primeiras reuniões plenárias do Departamento de Psicologia, de 17 de janeiro de 1972, o recebimento do processo 1883/63, remetido pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Tal processo consistia no já referido projeto de abertura de um curso de Psicologia na UFRGS, idealizado em 1963 sem ter sido levado adiante. O IFCH solicitava que aquele projeto fosse revisto pelos professores do Departamento, e modificado no sentido de adaptar-se à nova estrutura da UFRGS, pós-reforma universitária. Nenhuma providência, como a indicação de uma comissão para tratar do assunto, foi tomada, e o processo não voltaria a ser mencionado nas reuniões do Departamento. De acordo com as atas, o Departamento continuava a reunir-se para resolver suas pautas costumeiras, relativas sobretudo às disciplinas ministradas e ao concurso para contratação de novos docentes, entre outras.

O Conselho Departamental do IFCH reunia mensalmente os respectivos chefes dos departamentos, sob a presidência do Diretor do Instituto. Na reunião do Conselho Departamental de 28 de novembro de 1972, o Chefe do Departamento de Psicologia questionava os órgãos competentes do Instituto sobre a decisão pela criação do curso de Psicologia, que não teria sido discutida, mas apenas comunicada ao departamento. O Professor Fenianos declarava que não fora consultado sobre a matéria, e que o Departamento de Psicologia apenas fora informado sobre o curso pela COMCAR-FCH após o fato consumado. Segundo Fenianos, tampouco fora consultado o Departamento sobre a realização ou não de exame psicotécnico para os candidatos ao curso de Psicologia.

A resposta do Prof. Annuncio Caldana, membro da COMCAR-FCH e autor do projeto de curso, especialmente presente à reunião do Conselho Departamental do IFCH por conta daquele assunto, é abaixo transcrita:

O Prof. Annuncio João Caldana com a palavra, comunica, que o representante do DP na COMCAR-FCH, não era muito assíduo às reuniões, e o Coordenador Prof. Earle Diniz Macarthy Moreira solicitou-lhe como estudante de Psicologia na PUC, que elaborasse o Currículo do Curso de Psicologia. A seguir o Sr. Presidente, solicita ao chefe do DP, uma relação do Material Necessário para o funcionamento e instalação do Curso de Psicologia.

Anteriormente, o Departamento de Psicologia já havia decidido não aceitar solicitações de disciplinas sem prévia consulta. Já no ofício em que enviava à COMCAR-FCH as súmulas de disciplinas do curso de Psicologia (29.354, de 16/01/1973), o Departamento, na pessoa do seu Chefe, Professor Fenianos, declarava eximir-se de responsabilidade sobre o currículo fixado pela Comissão de Carreira. Ele manifestava preocupação por haver sido chamado em um momento muito adiantado, quando decisões importantes sobre o curso já haviam sido tomadas.

O Departamento via-se incumbido de ministrar, no primeiro semestre de curso, as disciplinas de História da Psicologia e Psicologia Geral. Completavam o ciclo básico as seguintes disciplinas: Estudo dos Problemas Brasileiros, Introdução à Sociologia e Introdução à Filosofia.

Os estágios curriculares, em Psicologia do Trabalho, com 200 horas, e os de Psicologia da Comunidade Escolar e de Clínica, com 150 horas, não tinham uma seriação fixa, podendo ser iniciados pelos alunos após 160 créditos obrigatórios e com parecer favorável da Comissão de Estágios, que analisaria caso a caso.

Verifica-se que a demora nas ações em favor de um curso de formação de psicólogos na UFRGS, que configurou um hiato de quase 20 anos em comparação com a PUCRS, somente veio a ser interrompida por decisões administrativas. Não foi desta vez que a iniciativa partiu do corpo docente diretamente interessado. Por outro lado, a partir da atitude dos órgãos colegiados, nada mais restava a esses professores que fazer o curso criado funcionar. Outrossim, ao cabo do processo de criação do curso de graduação em Psicologia, o relator do processo, Professor Earle Macarthy Moreira, destacava no seu parecer final, de 1973, que "está em plena implantação o curso de Psicologia, sem atropelos e estardalhaços".

A Psicologia e a Faculdade de Medicina da UFRGS

Paralelamente aos acontecimentos em torno da criação do curso, uma polêmica em torno da área de pertinência da Psicologia na UFRGS perseverou, sem muita repercussão, até 1973. Quando da criação do Departamento de Psicologia, a Faculdade de Medicina tentara integrá-lo à sua estrutura, sem sucesso. Já durante o processo de enquadramento do curso de Psicologia, a Faculdade de Medicina chegou a pleitear o curso para a área II, de Ciências Biológicas, mesmo que ele tivesse sido originalmente proposto pela COMCAR-FCH. O resultado do processo de enquadramento do curso de graduação em Psicologia, de 1973, pôs fim a essas reivindicações, confirmando a jurisdição da III Câmara do COCEP sobre a carreira de Psicologia na UFRGS. Dessa forma, a influência da Medicina parecia estar resumida à supressão do vocábulo "clínica" do currículo de Psicologia, e à atribuição das disciplinas de Psicopatologia Geral para o Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina.

O currículo original sofreu alterações por interferência da Faculdade de Medicina da Universidade. Disciplinas que traziam o vocábulo "clínica" na sua denominação tiveram de ser modificadas, pois, no entender dos professores de Medicina, a atividade clínica era prerrogativa daquela profissão, não podendo ser assumida pela carreira de Psicologia. Sendo assim, as disciplinas de Psicologia clínica inicialmente previstas passaram a ser chamadas, por exemplo, Técnica do Exame e Acompanhamento Psicológico, Teorias e Técnicas Psicoterápicas, ou Métodos de Exploração e Diagnóstico em Psicologia.

Orientação Filosófica

O projeto inicial de curso elaborado pela COMCAR-FCH limitava-se a expor os motivos para a criação de um programa de graduação em Psicologia na UFRGS com base em argumentos de demanda estudantil e de que outras instituições faziam o mesmo. O processo de instalação do curso de Psicologia, tramitado em 1976, teve anexado um documento que dava conta da "orientação filosófica e psico-social" do Curso de Psicologia da UFRGS. O texto foi elaborado pela comissão encarregada de reformular o currículo do curso, composta pela professora Odair Perugini de Castro e professores Luiz Osvaldo Leite e José Luiz Caon (psicólogo formado pela PUCRS em 1974, que havia sido contratado como professor horista). O documento havia sido originalmente solicitado pelo COCEP, para onde foi remetido em 24 de Junho de 1976, e fundamentava a orientação filosófica do curso de Psicologia da UFRGS.

O documento de orientação filosófica tinha início com um breve histórico da Psicologia científica. Foram citados W. James (1842-1910), W. Wundt (1832-1920) e E. Titchener (1867-1927), concluindo que, na sua evolução, a Psicologia saía dos laboratórios para a sociedade, para ser aplicada nos âmbitos da educação, indústria e saúde. Mais adiante, a comissão defendia que o homem não podia mais ser visto apenas como um organismo ajustável, mas como membro da sociedade em que estivesse inserido. Entendia-se que a essência do homem era realizada pela experiência, e que existir é ser-no-mundo. A latente influência humanista dessas afirmações confirma-se em citações de psicólogo americano Gordon Allport (1897-1976) ao longo do texto. Os problemas psicológicos, segue o documento, igualmente não seriam isolados de contexto, mas sim enraizados na realidade social, econômica e política. Dessa forma, um curso de formação de psicólogos não poderia deixar de atender às "necessidades do país, servindo à melhoria da vida, tanto no plano individual, como do grupo".

O psicólogo, para a comissão, era um agente de mudança da sociedade. Nessa sociedade, o homem deveria gozar de liberdade, entendida não como poder ilimitado, mas como acréscimo de possibilidades. Os objetivos do curso de Psicologia respeitavam a definição de atividades do psicólogo profissional da Classificação Internacional Uniforme de Ocupações da Secretaria Internacional do Trabalho, de 1966. Um aparente florescimento da Psicologia no Brasil, representado pela proliferação de cursos de formação, era confrontado com uma preocupação com a saturação do mercado para os profissionais da área, a conseqüente exigência de excelência profissional para os novos postulantes.

Na apresentação do currículo de Psicologia criticava-se a "compartimentação", representada pela divisão em áreas:

A compartimentação em áreas ocorre devido à tradição brasileira que adotou de outros países como os EE.UU. A visão ampla, generalista, é o que se deseja, evitando-se os prejuízos de uma prematura especialização, que é limitadora, considerando-se o próprio profissional, bem como o mercado de trabalho, em constante mutação. (p. 18)

Contudo, tendo sido o currículo aprovado daquela forma, cabia à Comissão delimitar tais ênfases, que foram definidas em termos de "comportamentos finais" esperados do profissional formado em cada perfil. Por exemplo, o psicólogo clínico deveria "ser capaz de: utilizar as técnicas para a obtenção de dados válidos, fazer uma anamnese completa, fazer uma entrevista orientada para o diagnóstico clínico, observar comportamento em função de dados clínicos", e assim por diante. Dessa forma, o documento terminava com as caracterizações exaustivas dos comportamentos esperados de um aluno em cada ênfase.

Grupo de Estudos Cognitivos

Já nos primeiros anos de funcionamento do Departamento, houve tratativas no sentido da realização de cursos sobre cognição humana e epistemologia genética, ministrados pelo professor argentino Antonio Battro. Doutor em Psicologia pela Universidade de Paris, Battro foi membro do Centro Internacional de Epistemologia Genética, na Universidade de Genebra, sob a orientação de Jean Piaget (1896-1980), e um dos pioneiros na introdução de computadores na educação, tanto no Brasil quanto na Argentina. Como informou em entrevista a Professora Léa Fagundes (abril de 2001), Antonio Battro colaborou com Piaget na preparação do livro Biologia e Conhecimento (Piaget, 1973). Individualmente, Battro publicara os livros "El Pensamiento de Jean Piaget" (1969) e "Dictionnaire D'Epistemologie Genetique" (1966). No Brasil, ele seria agraciado com o Prêmio Mira y López de Psicologia de 1979. Posteriormente, Battro colaborou com Seymour Papert, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em pesquisas sobre inteligência artificial.

A Professora Léa Fagundes conta que o Dr. Battro, quando regressou para a Argentina de seus estudos na Europa, tinha planos de organizar um grupo de pesquisa em epistemologia genética. No entanto, a idéia não encontrou receptividade na Argentina por causa da forte adesão dos psicólogos à psicanálise. Assim, Battro lançou em Porto Alegre o convite para se formar um grupo de pesquisa na teoria piagetiana. Uma das iniciativas que assim se formaram foi o Grupo de Estudos sobre Metodologia de Pesquisa e Ação (GEEMPA), coordenado por Esther Pillar Grossi, então professora da rede de ensino público, posteriormente Secretária Municipal da Educação de Porto Alegre, e Deputada Federal.

Desde 1973, quando foi convidado pelo Professor Dante Coutinho, do Departamento de Psicologia, Battro vinha mensalmente a Porto Alegre, ministrar palestras e cursos para alunos e professores do Departamento de Psicologia da UFRGS, e de outras instituições. Esses cursos tiveram como resultados principais a execução de numerosos projetos de pesquisa pelos alunos das disciplinas de Psicologia Experimental do curso de Psicologia, e a articulação de um Grupo de Estudos Cognitivos.

O Grupo de Estudos Cognitivos (GEC), ligado ao Departamento de Psicologia e criado na gestão da Professora Odair Perugini de Castro, tinha por finalidades produzir e disseminar conhecimento nas áreas de saúde e educação, com base na Epistemologia Genética de Jean Piaget, e servir à formação de profissionais que tratem de crianças e de adolescentes. O GEC congregava pesquisadores de diferentes departamentos da UFRGS, em intercâmbio com integrantes de outras instituições. Mantidos os objetivos, o Grupo transformou-se em Laboratório de Estudos Cognitivos em 1981, com a participação dos seguintes pesquisadores, oriundos da UFRGS: Léa da Cruz Fagundes, Coordenadora, Sérgio Spritzer (Neurologista, DP), Terezinha Flores (Estudos Básicos, FACED), Paulo Roberto Ferrari Mosca (Pediatria, Faculdade de Medicina), Zeny Moraes (Música, Instituto de Artes), e Maria Luiza Cestari (Faculdade de Arquitetura). Esta equipe permanente seria complementada por alunos de graduação e pós-graduação, envolvidos em estágios e projetos de pesquisa, por pesquisadores de fora da UFRGS, em projetos de pesquisa específicos, e por outros professores da UFRGS, na condição de supervisores.

O LEC chegou a oferecer cursos de especialização em Psicologia cognitiva, voltados principalmente a professores do ensino fundamental e médio. Suas atividades tiveram prosseguimento através de convênios com o Colégio de Aplicação da FACED e com inúmeros outros órgãos governamentais ligados à educação e à pesquisa. Os projetos do LEC envolvem principalmente a aplicação de novas tecnologias informáticas e midiáticas à educação e à construção do conhecimento humano.

Processo de Reconhecimento

O processo de reconhecimento do curso de Psicologia da UFRGS foi enviado ao Conselho Federal de Educação em 1977. Em 1978 a Universidade foi visitada por uma comissão que avaliou as condições de funcionamento, em termos de condições materiais, biblioteca, estrutura de funcionamento e corpo docente. O parecer da comissão apontava problemas nas instalações do curso e no acervo e espaço físico da biblioteca. Quanto ao corpo docente, a maioria dos professores foi aceita nas indicações para as disciplinas, com a ressalva de que algumas disciplinas não tiveram professores indicados. As instalações do curso de Psicologia foram criticadas quanto à limpeza e à poluição sonora. A biblioteca teve suas instalações consideradas precárias, bem como o acervo, que prescindia de periódicos especializados e de livros referentes às áreas profissionalizantes do final do curso. A biblioteca setorial de Psicologia consistia, na verdade, do acervo de Psicologia da Biblioteca do IFCH. Esses títulos foram enviados de volta ao Departamento de Psicologia após a mudança do IFCH para o Campus do Vale, em 1977. Contudo, as obras de Psicologia social, por exemplo, permaneceram no IFCH, por interessarem aos alunos de Ciências Sociais. Nesses casos, apenas eram concedidas à Biblioteca de Psicologia as duplicatas porventura existentes.

Para que o curso fosse efetivamente reconhecido, o Conselho Federal de Educação exigiu providências, a serem tomadas dentro de 120 dias a contar do parecer. O relator do processo indicava um conjunto de providências a ser tomadas: atualização do acervo da biblioteca, principalmente quanto às disciplinas profissionalizantes do final do curso e assinatura de periódicos específicos de Psicologia; indicação de professores para as disciplinas que não tiveram essa indicação no processo; melhoria da infra-estrutura do Departamento; e instalação de uma clínica psicológica. O curso de Psicologia já contava com o Núcleo de Atendimento Psicológico ao Estudante (NAPE), que seria transformado em Clínica de Atendimento Psicológico para o reconhecimento. Tendo sido atendidas as recomendações do Conselho Federal de Educação, o curso de Psicologia da UFRGS foi oficialmente reconhecido em 28 de junho de 1979, pelo Decreto No. 83.654.

Centro de Orientação e Seleção Psicotécnica (1970-1988)

Foi dito inicialmente que com a Reforma Universitária o Primeiro Departamento de Psicologia foi transformado em Centro de Orientação e Seleção Psicotécnica, ficando muito conhecido através da sigla COESP. O COESP teve sua existência e funcionamento praticamente paralelos aos do novo Departamento de Psicologia, criado concomitantemente, em virtude da mesma reforma da Universidade. O COESP era definido como "o órgão extensionista responsável pela prática em Psicologia" na Universidade (COESP, 1979). Embora o COESP tenha promovido diversos cursos de extensão durante a sua existência, não teve participação direta no curso de graduação em Psicologia que viria a ser instalado. A colaboração, embora tardia, consistiu no oferecimento de local de estágio e supervisão no COESP para alunos do curso de Psicologia, já nos anos 1980.

O veículo próprio de divulgação do COESP, intitulado "Cadernos de Psicologia Aplicada", foi editado de 1973 a 1978. A publicação tinha caráter generalista, editando artigos das mais variadas áreas da Psicologia: organizacional, clínica, aconselhamento, social, da personalidade, da arte etc. Muitos dos artigos publicados nos Cadernos eram de autoria dos técnicos do próprio COESP, mas eram freqüentes as contribuições de importantes pesquisadores de unidades da UFRGS e de outras universidades, como João Cláudio Todorov, Arrigo Angelini, Cícero Emídio Vaz, entre outros. A revista publicava artigos em português e em inglês.

O COESP encerrou suas atividades através de uma reforma administrativa da Universidade ocorrida em 1988, na gestão do Reitor Hélgio Trindade. Com a aprovação de um novo Regimento Geral, o COESP foi extinto. As últimas instalações e os recursos materiais do COESP, localizados num prédio do Campus das Ciências da Saúde, nas proximidades do Hospital de Clínicas, seriam herdadas pela Clínica de Atendimento Psicológico do Departamento de Psicologia, fundada em 1979.

A Reforma Universitária e o Ensino de Psicologia na UFRGS

A reforma universitária de 1968 influiu no ensino de Psicologia da UFRGS de diversas maneiras e em diversos níveis. Até a reforma, o sistema estava organizado em torno das Cátedras, e priorizava-se os cursos de graduação, administrados pelas Congregações das Faculdades ou Escolas. Decorreram diretamente da reforma a instalação do novo Departamento de Psicologia, bem como a proposição do curso de Psicologia, proposição esta da qual o Departamento praticamente não participou. No espírito da Reforma, os departamentos universitários executavam as atividades acadêmicas, mas não decidiam sobre os currículos dos cursos. Pela maneira como estava organizado o sistema, o Departamento somente viria a tomar conhecimento do curso, de fato, quando a COMCAR lhe solicitasse as disciplinas correspondentes. Por outro lado, essa aproximação caberia ao representante do Departamento na COMCAR-FCH, mas ele estava afastado das tarefas docentes, preferindo dedicar-se à Direção do Centro de Orientação e Seleção Psicotécnica, órgão de prestação de serviços psicológicos. Estando a criação de cursos a cargo de órgãos colegiados, a única maneira de um Departamento ter alguma ingerência sobre o curso de graduação da sua área seria afirmar sua efetiva participação na respectiva COMCAR. O mesmo se aplica à questão anterior das disciplinas solicitadas sem antecedência, o que motivou a negativa do Departamento de Psicologia em assumi-las. A preocupação com essas relações passou muito tempo ignorada, a uma reação no sentido da representação efetiva na COMCAR-FCH tardou, tanto que o curso foi criado antes que o próprio Departamento o propusesse.

Em 1977, a Pró-Reitoria de Planejamento (PROPLAN), em ampla avaliação das conseqüências da reestruturação da UFRGS, identificava problemas de organização, de espaço, de infra-estrutura administrativa e de atitudes dos professores na implementação do sistema departamental (PROPLAN, 1979). A precariedade de infra-estrutura refletia-se nos departamentos, que dependiam dos professores para realizar todas as atividades administrativas. Isso caracterizava um grave desvio de função: profissionais altamente qualificados obrigavam-se a tarefas que, embora pouco exigentes, não eram por eles bem executadas. Os professores, na maioria, não participaram ativamente da reforma da universidade, nem foram adequadamente preparados para as suas conseqüências do processo. Destarte, as novas atribuições administrativas não foram prontamente assimiladas pelos docentes, como não o foram as numerosas relações em que eles estariam envolvidos desde então:

Antes, suas relações limitavam-se ao catedrático ou ao Diretor, agora deve relacionar-se com Chefe do Departamento, Comissão de Carreira, Diretor, Conselhos, Comissões, Pró-Reitorias e órgãos da Administração Central da Universidade. (p. 34)

Segundo a Proplan, acidentes de percurso como a superposição de competências e iniciativas entre órgãos e a má execução de tarefas administrativas elementares por docentes qualificados não decorriam da legislação da reforma, mas da maneira pela qual foi implantada, sem que os docentes tivessem dela participado ativamente. Quanto às instâncias de tomada de decisão, foram apontados "conflitos de competência entre departamentos e Colegiados de Curso, bem como entre Colegiados de Curso e Colegiados Superiores". O documento da PROPLAN considerava a função dos Colegiados como uma "gerência de projeto", em contraste com uma "gerência funcional", atribuível aos departamentos. No sentido de evitar e/ou remediar esses conflitos, a Pró-Reitoria definia como indispensável a representação departamental efetiva em órgãos decisórios extra-departamentais. Na verdade, a Reforma não foi plenamente assimilada e as universidades federais ainda administram precariamente as difíceis relações entre as muitas partes de sua estrutura.

Nota-se que as ocorrências do Departamento de Psicologia foram consistentes com a avaliação da PROPLAN realizada em 1977. Os conflitos entre departamentos e órgãos colegiados encontram um caso exemplar na área de Psicologia, tendo em vista a falta de interesse inicial na representação em COMCARs. O despreparo dos professores para as novas atividades deles exigidas também se verificou desde o início do funcionamento do Departamento de Psicologia, culminando no episódio da criação do curso de graduação, realizada sem participação direta do seu corpo docente.

Uma notável "coincidência" marca o processo de criação do curso de 1973, e pode revelar algo dos motivos que a provocaram. A mesma Professora Graciema Pacheco, que entre 1962 e 1963 havia idealizado aquele curso de Psicologia que seria implementado na antiga Faculdade de Filosofia, era a presidente da IIIª Câmara do Conselho de Coordenação de Ensino e Pesquisa, quando esta encomendou à Comissão de Carreira da Filosofia e Ciências e Humanas (COMCAR-FCH), o projeto do novo curso, em 1972. A Professora Graciema pode ter, dessa forma, influído decisivamente na história da Psicologia na UFRGS, ao recomeçar, dez anos após a primeira tentativa, o processo de criação do curso de graduação.

O Departamento de Psicologia parece ter subestimado, até 1972, a importância da sua própria representação junto à Comissão de Carreira de Filosofia e Ciências Humanas. Não há qualquer registro da designação de Arthur Saldanha como primeiro representante do Departamento na COMCAR-FCH. De fato, na reunião plenária de 20 de novembro de 1972, ao ser eleita a Professora Odair Perugini de Castro representante do Departamento de Psicologia na COMCAR-FCH, o Chefe do Departamento, José Carlos Fenianos, destacava ser aquela a primeira vez em que o Departamento escolhia seu representante junto a tal órgão colegiado. Coincidência ou não, relatos de deliberações da COMCAR-FCH, até então inexistentes, passaram a povoar as atas de todas as reuniões do Departamento. Antes desses acontecimentos, nas reuniões plenárias apenas se registrava o recebimento de comunicações e solicitações das Comissões de Carreira dos outros cursos onde o Departamento de Psicologia colaborava com disciplinas. O representante seguinte na COMCAR, a partir de abril de 1973, seria o próprio Professor Fenianos, quando da eleição da Professora Odair para o seu primeiro mandato na chefia do Departamento. Também depois da eleição de uma representante do Departamento de Psicologia para a COMCAR, começaram a ser registradas tratativas em favor do desdobramento daquela comissão em uma outra, específica, de Filosofia e Psicologia. Essas tentativas não vingaram até 1977, época do processo de reconhecimento, ocasião em que o curso de Psicologia foi agraciado com a sua própria COMCAR-Psicologia.

Embora pesquisa do Grupo de Estudos Cognitivos, futuro Laboratório, fundamentada na epistemologia genética, venha a desenvolver-se destacadamente até a atualidade, o início do ensino de Psicologia do curso da UFRGS vinha sendo pouco inovador no que tange a conteúdos, métodos e orientações teóricas. O caráter meramente executivo, de realização das tarefas de ensino, burocráticas e administrativas, predominou em detrimento da inovação, seja pela precariedade de meios, ou pela limitação no poder de decisão do departamento. Assim, as orientações teóricas e práticas respeitavam antes as tradicionais áreas de aplicação da Psicologia do que convicções filosóficas e educacionais firmemente definidas a partir de opções teóricas ou de perspectivas educacionais. Desde o Departamento de Psicologia Clínica, futuro COESP, de 1954, até a primeira fase do funcionamento do novo Departamento e do curso de graduação, a Psicologia na UFRGS era tratada com ênfase em aspectos instrumentais, de aplicação do conhecimento psicológico a situações sociais, pedagógicas ou empresariais. Essa tendência era reafirmada na orientação filosófica do curso, elaborada em 1976, que enfatizava a saída da Psicologia dos laboratórios para os contextos sociais de aplicação.

Nos documentos concernentes à criação do curso nota-se a preocupação com um currículo eminentemente profissionalizante, condizente com as orientações da reforma universitária. O motivo alegado para a UFRGS ter o seu curso de Psicologia era a demanda estudantil, e os critérios de orientação curricular eram os do mercado de trabalho, que, na visão dos envolvidos, esperava da universidade principalmente o fornecimento de profissionais tecnicamente competentes. Dessa forma, o curso de Psicologia da UFRGS foi exemplar do tipo de ensino superior que o governo central esperava implementar a partir de 1968. A forma e o conteúdo dos programas iniciais do curso de Psicologia da UFRGS refletiam um respeito à tradição brasileira que enfatizava a aplicação da Psicologia. Tal tradição, em última instância, havia influenciado as formações dos próprios professores que elaboraram aqueles programas. As áreas de clínica, escolar e industrial (ou do trabalho) eram citadas nos respectivos documentos como "as" divisões tradicionais da Psicologia. É interessante notar que, num desses documentos, é citada a definição de atividades do psicólogo pela Classificação Internacional de Ocupações. Tal definição considerava como áreas de especialização para um psicólogo: clínica, pedagógica, industrial, experimental e social. Outrossim, as ênfases profissionais do curso da UFRGS contemplavam apenas as três primeiras, em detrimento das áreas experimental e social. De todas elas, a área experimental era aquela mais prontamente identificável com a prática de pesquisa científica. Possivelmente a Psicologia experimental fosse também igualada à pesquisa em laboratório, apontada naqueles mesmos documentos como um estágio anterior ao da aplicação a situações na evolução da ciência psicológica.

O debate teórico e científico traz as marcas do esforço para a implementação da Psicologia como profissão, refletida na formação de origem dos primeiros professores. Aparentemente uma geração ocupou-se de organizar o Departamento e mais adiante fazer o curso de graduação funcionar e estabelecer-se. Isso tudo apesar das dificuldades inerentes à organização burocrática e à dotação orçamentária da universidade pública. Mais que isso, foi necessário superar alguns mitos. Pessoas estranhas à Universidade Federal acreditavam, por exemplo, que o curso de Psicologia da UFRGS não formava psicólogos, apenas licenciados em Psicologia; ou que não abrangia a área clínica, limitando-se às áreas de trabalho e escolar.

A relação entre o curso de Psicologia da UFRGS e o seu precedente em Porto Alegre, o da PUCRS, não conformava uma situação de rivalidade ou cordialidade. Segundo professores entrevistados, os alunos e professores da PUCRS aparentemente não se importavam com a existência do curso da Universidade Federal. Não há registro de eventos oficiais em que os dois cursos estivessem integrados. No entanto, deve-se relevar que boa parte dos professores de Psicologia da UFRGS formaram-se em algum curso da PUCRS, fosse no de graduação, a partir de 1962, ou no programa anterior, de especialização. Outra interação documentada encontra-se no primeiro currículo de Psicologia da UFRGS, elaborado pelo professor Annuncio Caldana, que então graduava-se em Psicologia na PUCRS. Aquele projeto, que foi finalmente avaliado e alterado pelo Departamento de Psicologia antes do funcionamento do curso, propunha, em comum com o curso da PUCRS, a submissão dos candidatos a exame psicotécnico. Outrossim, tal exigência foi revogada em função de uma portaria ministerial que impedia aquele tipo de avaliação em universidades federais.

O período no qual os primeiros professores de Psicologia da UFRGS atuaram foi marcado pelo esforço pelo reconhecimento da profissão de psicólogo. A Faculdade de Filosofia aparentemente acompanhou essa mudança de orientação ao instalar um serviço de Psicologia aplicada, mas não chegou a apresentar a sua opção de formação profissional dedicada à área.

O ensino de Psicologia na UFRGS teve um marco inicial nas Cátedras de Psicologia Geral e Psicologia Educacional. Os últimos titulares, quando da extinção da Faculdade de Filosofia, eram respectivamente Nilo Maciel e Oscar Machado. As assistentes de Oscar Machado, Ida Silveira e Ana Iris do Amaral, bem como Graciema Pacheco e Juracy Marques, foram para a recém-criada Faculdade de Educação. No PPGEDU, coordenado por Juracy Marques, uma das linhas de pesquisa era justamente a de Psicologia Educacional. Quanto à Cátedra de Psicologia Geral, Nilo Maciel já criara o Departamento de Psicologia Clínica, onde foi substituído pelo seu assistente Arthur Saldanha, que lá permaneceu, inclusive após a transformação em COESP. De fato, a Cátedra de Psicologia Educacional teve sua herança muito claramente direcionada à Faculdade de Educação, onde se fez presente nos referidos departamentos e nos cursos de graduação e pós-graduação. A Cátedra de Psicologia Geral, por seu turno, não legou tão claramente um departamento ou um curso, mas fixou-se no órgão de Psicologia Aplicada (o COESP). Esse destino combinaria com a origem do seu último titular, Nilo Maciel, no estabelecimento sistemático de serviços de Psicologia em diversas empresas. Tampouco o assistente Arthur Saldanha privilegiou o ensino, tanto que permaneceu à frente do COESP, designando uma substituta sua para o Departamento de Psicologia. Enquanto esses grupos se aglutinaram após a reforma, o Departamento de Psicologia foi criado de forma aparentemente artificial, em virtude de desígnios burocráticos. O Departamento foi assumido por quem não se afiliou a algum dos grupos que se formaram naturalmente em virtude da "diáspora" da Faculdade de Filosofia: alguns professores da Faculdade de Filosofia que não priorizaram a prestação de serviços, e outros da área de Educação Física.

Com a reforma, a Psicologia acabou se distribuindo em diversas unidades da UFRGS. No Departamento de Estudos Básicos e no Programa de Pós-Graduação em Educação; no Departamento de Ciências Administrativas (Faculdade de Economia); no Centro de Orientação e Seleção Psicotécnica, órgão de extensão; e no Departamento de Psicologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Para este vieram inicialmente professores da Filosofia e Educação Física. Posteriormente, docentes da Faculdade de Educação também se transferiram. A reforma universitária visava à integração de todos os recursos de uma área em um departamento responsável pelo ensino, pesquisa e extensão. Na prática, a não-duplicação de meios para fins equivalentes simplesmente não vingou, pelo menos na Psicologia. Enquanto a extensão universitária ficou claramente com o Centro de Orientação e Seleção Psicotécnica, "o órgão extensionista da UFRGS", a pesquisa era realizada desde 1972 na pós-graduação em educação. Coube ao Departamento priorizar o ensino de Psicologia em cursos que a requisitassem, mesmo assim havendo casos de disciplinas psicológicas ministradas por outros departamentos. Mais adiante, seria o Departamento responsável por consolidar o curso de graduação em Psicologia.

A legislação da reforma universitária já previa o desenvolvimento da pós-graduação em cursos de mestrado e doutorado. Por exemplo, quase simultaneamente à criação da Faculdade de Educação, já se ensejava a Pós-Graduação. Apesar disso, o estabelecimento de um tal programa de pós-graduação ocorreu mais de quinze anos após a instalação do Departamento de Psicologia. A falta de iniciativas nesse sentido poderia ser atribuída à cultura universitária que marcou a formação dos professores mais antigos do Departamento. A questão da formação em Psicologia enquadra-se, por sua vez, no segundo conjunto de condições, qual seja o do desenvolvimento da Psicologia no Brasil e no Rio Grande do Sul. O reflexo desse desenvolvimento é vislumbrado nas ênfases na profissionalização e na aplicabilidade (utilidade) da prática psicológica no meio social, recitadas enquanto justificativa para a instalação do curso na UFRGS. Com efeito, os professores mais antigos do Departamento presenciaram o início da fase de profissionalização da Psicologia no Brasil, que culminou em 1962. Outrossim, muitos deles tiveram formações universitárias em áreas como Filosofia, Pedagogia e Educação Física, vindo a obter o título de psicólogo através do decreto-lei 706, de 1969, que estendia aos diplomados em pós-graduação em Psicologia ou em Psicologia educacional o direito de exercer a profissão de psicólogo.

Os professores mais antigos do Departamento de Psicologia formaram-se no contexto do período universitário da Psicologia no Brasil (Pessotti, 1988), e muitos já estavam em atividade na área quando a profissão foi reconhecida. Os esforços no sentido da consolidação da profissão de psicólogo giravam em torno, muitas vezes, da comprovação da utilidade social do psicólogo profissional, com áreas de atuação bem definidas. Até então, a formação do corpo docente provinha de outros cursos em que a Psicologia fazia parte do currículo, como o de Filosofia. Além disso, eles trabalhavam em instituições que ofereciam serviços de Psicologia, sendo muitas vezes eles próprios os pioneiros na implantação de serviços e laboratórios de Psicologia em instituições de ensino, empresas públicas e privadas.

Epílogo

A partir dos anos 1980, a área de Psicologia na UFRGS conheceu profundas mudanças acadêmicas e administrativas. Em meados dessa década, o corpo docente do Departamento de Psicologia teve um grande incremento de titulação, com a contratação de professores com doutorado no exterior. O Departamento mudou de endereço em 1985, rumo ao Campus da Saúde da Universidade. Em 1986, foi lançado o periódico próprio Psicologia: Reflexão e Crítica. Em 1988, criou-se o primeiro programa de pós-graduação stricto-sensu, o Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento. Em 1990, com o gradativo aumento do corpo docente e da diversidade de abordagens teóricas, o Departamento foi dividido em três setores: Processos Básicos; Psicologia Social e Institucional; e Psicologia Clínica. Cada vez mais independente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, o Departamento deu origem em 1996 ao Instituto de Psicologia da UFRGS, que conta atualmente com três Departamentos, correspondentes aos setores criados em 1990, atualmente denominados Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade; Psicologia Social e Institucional; e Psicanálise e Psicopatologia.

 

Considerações Finais

A ênfase no contexto da Reforma Universitária e a relevância da legislação a ele concernente parecem fundamentais para a compreensão da evolução do curso e do Departamento de Psicologia da UFRGS. As repercussões da legislação do ensino superior para o funcionamento dessas entidades, de ordem administrativa e acadêmica, têm conseqüências para a maneira como o ensino de Psicologia tem sido nelas efetuado. O estudo da história da implantação de um curso em uma universidade pública federal acresce subsídios importantes à compreensão de processos decisórios em sistemas pautados por estabilidade funcional, autonomia, liberdade de expressão e decisões colegiadas. A apreciação dos eventos aqui explorados pode fornecer novas perspectivas sobre a situação atual do sistema de ensino superior, o qual já se encontra em uma fase de avaliação sistemática. O advento da avaliação externa, pelo Exame Nacional de Cursos, reflete a preocupação com a qualidade do ensino, diante da proliferação de cursos de graduação em áreas como a da Psicologia. Este trabalho pretende ainda incentivar outras iniciativas de estudos históricos em Psicologia no Rio Grande do Sul. Na própria Universidade Federal, interessa realizar trabalhos de registro dos órgãos citados porém tratados em menor detalhe, como o Laboratório de Estudos Cognitivos, o Centro de Orientação e Seleção Psicotécnica, os Setores do Departamento, atuais Departamentos do Instituto de Psicologia etc. A Clínica de Atendimento Psicológico, quando dos seus vinte anos de atividades, publicou uma edição comemorativa em que foram registrados, através dos depoimentos de personagens importantes em sua história, eventos relevantes na evolução daquele órgão.

Quanto à recentidade do período estudado, ressaltamos que o valor intrínseco da história de períodos relativamente recentes é o do testemunho (Frank, 1999). Estudos que tratam de temas recentes possibilitam o registro de eventos que, de outra forma, poderiam se perder de vista, dada a precariedade ou inexistência das iniciativas de manutenção de arquivos históricos, mesmo em instituições altamente burocratizadas como uma universidade federal.

 

Referências

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Recebido: 08/08/2001
1ª Revisão: 16/11/2001
2ª Revisão: 09/04/2002
Aceite Final: 14/05/2002

 

 

Sobre os autores
Gustavo Gauer
é Doutorando em Psicologia do Desenvolvimento na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
William Barbosa Gomes é Doutor pela Southern Illinois University at Carbondale; Professor adjunto do Instituto de Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 

 

1 Este trabalho contou com o apoio da CAPES.
2 Endereço para correspondência: Rua Ramiro Barcellos, 2600 / 119, 90035-003, Porto Alegre, RS. Fone: (51) 33165115. E-mail: gauer@cpovo.net/ gomesw@ufrgs.br
3 A Universidade de Porto Alegre (UPA) foi criada em 1934, pela agregação das faculdades preexistentes: Faculdade de Medicina (com as Escolas anexas de Odontologia e Farmácia), Faculdade de Direito (com a Escola de Comércio), Escola de Engenharia, Escola de Agronomia e Veterinária, e Instituto de Belas Artes. A Faculdade de Educação, Ciências e Letras foi especialmente instalada quando da criação da UPA, sendo transformada em Faculdade de Filosofia em 1942. Em 1947 a UPA transformou-se em Universidade do Rio Grande do Sul (URGS), a qual foi federalizada em 1950, constituindo-se a UFRGS.