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Revista de Saúde Pública - Differences in AIDS prevention among young men and women of public schools in Brazil

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Revista de Saúde Pública

Print version ISSN 0034-8910

Rev. Saúde Pública vol.36 n.4 suppl.0 São Paulo Aug. 2002

http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102002000500013 

Diferenças na prevenção da Aids entre homens e mulheres jovens de escolas públicas em São Paulo, SP
Differences in AIDS prevention among young men and women of public schools in Brazil

Maria Cristina Antunesa, Camila Alves Peresa, Vera Paivaa, Ron Stallb e Norman Hearstb

aNúcleo de Estudos para Prevenção da Aids do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. bDepartment of Family and Community Medicine at the University of California. San Francisco, Califórnia, USA

 

 

DESCRITORES
Síndrome de imunodeficiência adquirida, prevenção. HIV. Homens. Mulheres. Comportamento sexual. Estudantes. Conhecimentos, atitudes e prática. Promoção da saúde. Educação em saúde. Escolas. Setor público. Infecções por HIV, prevenção. Sexualidade. Avaliação de resultado de ações preventivas.

RESUMO

OBJETIVOS:
Estudar as práticas sexuais de risco para a infecção pelo HIV de estudantes adultos jovens (18 a 25 anos) de escolas públicas noturnas e avaliar as diferenças de gênero e o impacto de um programa de prevenção de Aids.

MÉTODOS:
Estudo longitudinal de intervenção, em quatro escolas da região central do Município de São Paulo, SP, divididas aleatoriamente em dois grupos: intervenção e controle. Uma amostra de 394 estudantes participou do estudo, e 77% completaram o questionário pós-intervenção. Realizaram-se "Oficinas de Sexo Mais Seguro" para discutir simbolismo da Aids, percepção de risco, influências das normas de gênero nas atitudes, informações sobre Aids, corpo erótico e reprodutivo, prazer sexual e negociação do uso do preservativo. Para a análise estatística, foram empregados os testes qui-quadrado de Pearson e a análise de co-variância.

RESULTADOS:
A freqüência do uso consistente de preservativo foi baixa (33%), e existiam diferenças significativas entre homens e mulheres com referência à sexualidade e à prevenção de Aids. Ao avaliar os efeitos das oficinas, as mudanças foram estatisticamente significativas entre as mulheres, que relataram maior proporção de sexo protegido entre outros aspectos relacionados à prevenção da Aids. As mudanças não foram significativas entre os homens.

CONCLUSÕES:
O risco para a infecção pelo HIV pode ser diminuído, mas resultados mais expressivos podem ser encontrados se forem consideradas as diferenças de gênero e de papéis sexuais por meio de programas comunitários específicos de longa duração. Gênero.

KEYWORDS
Acquired immunodeficiency syndrome, prevention & control. HIV. Men. Women. Sex behavior. Students. Knowledge, attitudes, practice. Health promotion. Health education. Schools. Public sector. HIV infections, prevention & control. Result evaluation of preventive actions. Gender.

ABSTRACT

OBJECTIVES:
To investigate risk sexual for HIV infection among young adult night school students (18 to 25 years old) and to assess gender differences in sexual practices and the impact of AIDS prevention program.

METHODS:
A longitudinal intervention study was carried out among students of four public inner-city night schools, in the city of São Paulo, Brazil, randomized into two groups: an intervention group and a control one. Three hundred and ninety-four students participated in the study; 77% completed the post-intervention questionnaire. The intervention consisted of a "Safer Sex Workshop" where the following topics were discussed: Aids symbolism, risk perception, influences of gender norms on attitudes, Aids-related knowledge, erotic and reproductive body, sexual pleasure, and condom use negotiation. Statistical analysis was performed using Pearson's Chi-square test and variance.

RESULTS:
The frequency of condom use was low (33%). There were significant gender differences concerning sexuality and AIDS prevention. Workshop evaluation showed a statistically significant impact on women, who improved chiefly their attitudes regarding safer sex. Changes were not significant among men.

CONCLUSIONS:
HIV risk infection can be lowered but more significant results can be achieved if gender differences and sexual scripts are taken into account while developing specific long-term community programs.

 

 

INTRODUÇÃO

O número de casos de Aids tem crescido rapidamente entre jovens e atingido especialmente a população mais empobrecida.7 Muitos programas de prevenção dirigidos para essa população têm sido conduzidos, mas nem sempre atingem os grupos mais vulneráveis. Avaliar os efeitos dessas iniciativas e, em especial, considerar os diversos contextos socioculturais que os jovens enfrentam para se prevenir da infecção pelo HIV permanecem como desafios.

Vários estudos3,16,19 identificaram importantes lacunas no conhecimento sobre HIV e Aids e, ao mesmo tempo, indicaram que apenas aumentar o nível de informação sobre as vias de transmissão do HIV e sobre a necessidade de usar o preservativo não garante as mudanças de práticas.3,6,9,13,16,18-20 Importantes diferenças têm sido relatadas nos modos de viver a sexualidade entre homens e mulheres jovens, com conseqüências para o uso de preservativos. As normas culturais presentes na socialização de meninos e meninas para a vida sexual continuam colocando homens e mulheres em situações vulneráveis que resultam na gravidez indesejada e em doenças sexualmente transmissíveis.2,13,18,19 Alguns autores afirmam que as normas mais tradicionais para as relações de gênero e para a atividade sexual tornam as mulheres vulneráveis e também os homens2,10,13,18,19 e que programas de prevenção bem-sucedidos devem abordar o contexto psicossocial, levando em conta não apenas a vulnerabilidade individual mas também a vulnerabilidade social frente ao HIV/Aids.4,8,9,12

Revisões de literatura patrocinadas pelo Programa de Aids das Nações Unidas (Unaids)12,20 que avaliaram programas com jovens em vários países desenvolvidos concluíram que comportamentos saudáveis e responsáveis podem se aprendidos. Indicaram também que programas efetivos ajudam a adiar o início da vida sexual e protegem jovens sexualmente ativos de infecções sexualmente transmissíveis e da gravidez indesejada. Esses programas devem levar em conta que existem dois gêneros, masculino e feminino, e ser adaptados distintamente a ambos. Concluíram também que os jovens são um grupo heterogêneo, e as estratégias educativas devem ser diferentes, respeitando essa heterogeneidade.12 Programas mais eficazes têm currículo focalizado e clareza de metas, descrevem claramente as práticas sexuais a ser evitadas e as mais seguras, desenvolvem atividades que esclarecem as influências sociais refletidas na vida sexual, criam ambientes e espaços para praticar a comunicação e a negociação do sexo seguro, estimulam franqueza nas comunicações sobre sexo, ajudam os jovens a decodificar mensagens da mídia e seus pressupostos ideológicos.20

O presente trabalho procura mostrar as diferenças entre homens e mulheres jovens com relação a suas práticas sexuais, à prevenção de Aids e ao impacto de um modelo de prevenção. O modelo avaliado, que segue a maior parte das recomendações feitas pelas revisões da Unaids sobre trabalho com jovens, foi formulado e desenvolvido em um programa e pesquisa preliminar com jovens paulistas,18,19 que aproveitou as contribuições do Modelo de Redução de Risco para a Aids11 e as experiências do trabalho com mulheres para promoção da saúde reprodutiva, inspirado na tradição da educação popular inaugurada por Paulo Freire.

 

MÉTODOS

Em maio de 1994, foram sorteados para participar da pesquisa estudantes entre 18 e 25 anos de idade do curso noturno de primeiro e segundo graus da rede estadual de educação, em que muitos jovens de baixa renda tentam completar sua educação escolar básica enquanto trabalham durante o dia. A maioria dos jovens vivia nas proximidades das escolas, que ficam em regiões centrais da cidade com altos índices de consumo de drogas, prostituição e casos de Aids.

Foi utilizado desenho experimental com grupo-controle e grupo de intervenção, com uma medida pré-intervenção e duas medidas pós-intervenção baseadas no Modelo de Redução de Risco em Aids.11 Foram selecionadas quatro escolas da região central da cidade de São Paulo com características semelhantes, que foram alocadas por sorteio em grupo-controle (duas escolas) e grupo de intervenção (duas escolas). Foram sorteados 100 estudantes de cada escola para participar do projeto. Todos os 394 jovens adultos que concordaram em participar do estudo durante 12 meses foram informados sobre os objetivos do trabalho e das etapas a ser cumpridas e assinaram um termo de consentimento informado em que a confidenciabilidade dos dados foi garantida.

Foram feitas três aplicações de um mesmo questionário com intervalo de aproximadamente seis meses entre cada uma. Após a primeira aplicação do questionário, os alunos participaram de "oficinas de sexo mais seguro" nas duas escolas do grupo-intervenção. Conforme verifica-se na Tabela 1, 152 estudantes do grupo-intervenção participaram das oficinas (77% dos 197 que concordaram em participar). A principal razão da perda inicial foi a evasão escolar nos dois meses decorridos entre a adesão ao projeto e o início da intervenção. Seis meses depois, 304 estudantes (77% dos 394 do grupo inicial do estudo) responderam o mesmo questionário.

 

 

Questionário

O questionário incluiu uma série de questões baseadas no Modelo de Redução de Risco em Aids11 e outros itens desenvolvidos para medir a adesão às normas tradicionais para os gêneros.1,18 O questionário, com questões fechadas, foi respondido pelos próprios entrevistados em um tempo médio de 50 minutos. As medidas foram realizadas por meio de variáveis dicotômicas ou escalas tipo Likert. As questões se referiam a:

• dados sociodemográficos: raça, estado civil, idade, nível de escolaridade e renda familiar;

• práticas sexuais: número de parceiros (regulares ou casuais), uso do preservativo em cada prática ¾ "nunca" usar preservativo, usá-lo "às vezes" ou "na maioria das vezes" foram consideradas práticas de risco, gerando uma variável dicotômica (uso consistente versus uso inconsistente);

• capacidade de negociação: de negociar práticas sexuais, prazer e sexo seguro;

• percepção de auto-eficácia: "sente-se capaz de se proteger do HIV";

• dificuldades de usar ou obter a camisinha, impressões a seu respeito relacionadas ao prazer e sua eficácia para o sexo seguro;

• capacidade de comunicação sobre sexo e Aids: sente-se capaz de conversar sobre esses assuntos com amigos e parceiros;

• adesão às normas de gênero: concordância com afirmações sobre normas tradicionais dos papéis masculinos e femininos, como responsabilidade sobre o cuidado dos filhos, sustento da casa, diferenças de poder implícitas na relação sexual e na negociação do sexo seguro.

Oficinas de sexo mais seguro

As oficinas se organizaram em quatro encontros de três horas cada um. Moças e rapazes foram separados em diferentes grupos, garantindo confidenciabilidade e encorajando a discussão aberta sobre as normas de socialização para os gêneros e a atividade sexual, chamando atenção para a forma como são socialmente construídos.1,18,19 Os participantes discutiram o simbolismo da Aids e o preconceito contra portadores do HIV. Exploraram o impacto da Aids em suas vidas e exemplos concretos de sua vulnerabilidade pessoal frente ao HIV. Com uma massa de farinha e sal, os participantes modelaram partes do "corpo erótico e reprodutivo" e debateram informações corretas, numa conversa franca sobre sexualidade, reprodução e transmissão do HIV. Conversou-se sobre a forma como os diversos tipos de vínculos afetivos e as normas para os gêneros modelavam as práticas. Demonstrou-se como usar o preservativo sem diminuir o prazer sexual. Discutiu-se sexo mais seguro dentro de relacionamentos heterossexuais e homossexuais. Técnicas de dramatização e dinâmicas de grupo foram utilizadas para abordar o respeito às minorias sexuais e a negociação do uso do preservativo com diversos tipos de parceiro.

Análise estatística

Qui-quadrado de Pearson foi empregado para testar hipótese de homogeneidade do perfil demográfico e adesão às normas para os gêneros, e análise de co-variância, para comparar os resultados da segunda coleta de dados entre os dois grupos (intervenção versus controle). O registro das oficinas e sua análise1 foram utilizados como referência para interpretação dos dados obtidos nos questionários.

Os dados da primeira coleta e do questionário pós-intervenção foram analisados utilizando o Pacote Estatístico para Ciências Sociais (SPSS/PC+6.0).

 

RESULTADOS

A Tabela 2 apresenta as características demográficas dos estudantes que participaram de ambas coletas de dados. No grupo feminino, verificou-se maior proporção de jovens de cor parda (49%) e, no grupo masculino, de cor branca (52%). Uma maior proporção (8%) de mulheres era casada em comparação aos homens (2%). Os homens recebiam salários mais altos que as mulheres, pois 79% delas recebiam até dois salários-mínimos, enquanto 46% dos homens recebiam de dois a 10 salários-mínimos.

 

 

Práticas sexuais

Dos 304 estudantes que completaram ambas as coletas de dados, 86% relataram algum tipo de atividade sexual em sua vida, e 76%, nos últimos seis meses. Entre aqueles que referiram algum tipo de prática sexual nos últimos seis meses, 67% fizeram sexo com parceiros regulares, 12%, com parceiros casuais, e 21%, com parceiros regulares e casuais. Entre aqueles que referiram atividade sexual, o uso consistente de preservativo foi baixo (33%). Entre os estudantes, 70% declararam uso inconsistente do preservativo com parceiros regulares, 64%, com parceiros casuais, e 36%, com parceiros não-monogâmicos.

Diferenças entre homens e mulheres na primeira coleta de dados

A Tabela 3 mostra que, entre os 304 estudantes, as mulheres relataram mais adesão às normas tradicionais de gênero do que os homens. Elas conversavam mais com os amigos sobre métodos contraceptivos (66%) do que os homens (43%) e sobre o momento adequado para ter filhos (47% contra 34%). Os homens conversavam mais com os amigos sobre o uso de preservativo (49% contra 39%). Observou-se que proporcionalmente maior número de mulheres não tinha experiência sexual (21% contra 5%), e uma proporção maior de homens relatou maior freqüência de práticas sexuais. As mulheres indicaram mais dificuldade para negociar o uso de preservativo (30% contra 14%) e vergonha de falar para o parceiro sobre as práticas mais prazerosas para elas (37% contra 53%). O sexo para as mulheres estava mais associado ao amor do que para os homens (93% contra 73%).

 

 

Efeito das oficinas para homens e mulheres

Comparando os dados do grupo-controle e do grupo-intervenção na segunda coleta de dados, não se observaram mudanças significativas em nenhuma variável antes de analisar separadamente as respostas de homens e de mulheres. Comparando os dois grupos, observaram-se mais mudanças significativas no grupo de mulheres. No questionário respondido seis meses depois das oficinas, elas passaram a concordar mais com o fato de que "conhecer o parceiro" e a "paixão" eram motivos para a não-utilização do preservativo. Após as oficinas, elas passaram a conversar mais com os amigos sobre Aids, acreditaram mais na eficácia do preservativo para a prevenção do HIV e relataram mais facilidade na negociação do prazer sexual e da prevenção (Tabela 4).

 

 

Na Tabela 5, pode-se observar que apenas o grupo de mulheres teve uma mudança significativa nas práticas sexuais. Após as intervenções, elas passaram a ter uso mais consistente de preservativo com parceiros casuais, com parceiros que elas julgavam não ser monogâmicos e em relações anais com parceiros regulares.

 

 

No grupo masculino, verificaram-se apenas mudanças com relação à percepção de auto-eficácia. Após as intervenções, sentiram-se proporcionalmente mais vulneráveis frente ao vírus da Aids (Tabela 6).

 

 

DISCUSSÃO

As diferenças entre homens e mulheres, evidentes na primeira coleta de dados, são coerentes com os caminhos tradicionais para a socialização da identidade de gênero e da sexualidade, feminina e masculina, como Cáceres8 e Paiva18,19 também descreveram. Os rapazes faziam mais sexo, conversavam mais sobre sexo e prazer com seus amigos, tinham menos vergonha de negociar o prazer e a camisinha antes das oficinas. As moças valorizavam mais o amor, conversavam mais sobre a contracepção, a intenção de ter filhos e a fidelidade, eram menos ativas sexualmente e se sentiam menos capazes de negociar práticas sexuais. Os rapazes discordavam mais que as moças das frases que afirmavam que a responsabilidade do cuidado com os filhos e da contracepção é uma tarefa feminina. Isto indica que esses rapazes compõem uma geração que percebe as transformações nas relações de gênero nessa dimensão, o que deve ser considerado nos programas de prevenção. A valorização da paternidade e o uso da camisinha como forma de se assumir como sujeitos de sua vida sexual e reprodutiva, de decidir o momento de serem pais emergiu da análise do registro da dinâmica das oficinas, já descrita em outros estudos.8,18,19

A opção por fazer grupos de oficinas separadas entre homens e mulheres, embora usando a mesma abordagem, parece ter sido correta, já que foram observadas diferenças importantes na atividade sexual de rapazes e moças. As diferenças devem ser consideradas no planejamento de qualquer intervenção com fins de educação e conscientização, como indica a revisão da literatura que descreve contextos socioculturais que afetam os riscos para Aids.12 A maior parte dos estudos que avaliam o impacto de programas de prevenção entre jovens, entretanto, não analisa as diferenças entre homens e mulheres ou avalia essas diferenças apenas em algumas variáveis, dificultando a comparação com o presente estudo.

As mudanças obtidas nas práticas sexuais e no sexo seguro são consistentes com as novas possibilidades abertas para as mulheres e estimuladas pelo movimento de mulheres antes da epidemia da Aids, como indicam Villela et al.21 As oficinas, entretanto, não foram suficientes para que os rapazes fossem sensibilizados a ponto de questionar os scripts sexuais18 para os quais foram socializados e mudar significativamente suas práticas. Como esse modelo de oficina foi inspirado no trabalho de conscientização sobre as normas de gênero com mulheres e também para permitir que homens e mulheres discutam separadamente essa dimensão da vida que dificulta o uso de preservativos, sugere-se que as abordagens e técnicas (e não apenas a linguagem) sejam inovadas para responder melhor ao contexto dos homens.

Ao contrário do que poderia parecer aos programas que celebram o aumento da auto-eficácia como indicador de sucesso,5,9,11,17 observando a dinâmica das oficinas do presente projeto e do projeto preliminar, como descrevem detalhadamente Antunes (1999)1 e Paiva,18,19 é interessante pensar se não é desejável, como efeito da oficina, os rapazes passarem a se perceber "menos capazes de se proteger do HIV e da Aids". Durante as oficinas, a maioria dos rapazes tinha uma atitude inicial de "sabe tudo sobre o sexo" e "posso tudo" que demorava a ser transformada em abertura para compartilhar dificuldades e dúvidas, mais do que nos grupos de garotas.1 O fato de, seis meses depois de participarem de oficinas de sexo mais seguro, os rapazes aumentarem sua percepção de que não são tão "sabidos" a priori e tão invulneráveis é algo que merece mais discussão e pesquisas. Certamente é insuficiente "desconstruir" a atitude heróica dos rapazes sem colaborar para que eles mudem suas práticas no sentido de se proteger mais.

As oficinas ajudaram as mulheres a desmistificar as dificuldades sobre o uso do preservativo e sua efetividade. No estudo de Lawrence (1995),17 as mulheres também tiveram aumento significativo da crença na eficácia do preservativo quanto comparadas ao grupo masculino. O autor sugere que sejam oferecidos espaços em que os jovens possam treinar suas habilidades para o uso do preservativo.

Para as mulheres, ficou mais fácil conversar sobre Aids e contracepção com os parceiros. Nos estudos de Kipke et al15 (1993) e Kalichman et al14 (1997), foram encontrados resultados similares, com aumento na capacidade de comunicação sobre sexo e Aids com os parceiros sexuais, apesar de não relatarem se houve diferenças entre homens e mulheres.

A percepção da capacidade de negociação do sexo seguro e das práticas sexuais entre as mulheres aumentou depois das oficinas. Durante estas, as mulheres, além participarem de dinâmicas psicodramáticas em que negociavam sexo com penetração com camisinha, trocavam entre si experiências em que descobriam que o prazer não estava vinculado necessariamente à penetração.1 As atividades realizadas sobre o corpo erótico/reprodutivo e as discussões sobre os papéis de gênero nas oficinas proporcionaram a essas garotas ampliar o conhecimento sobre seu corpo, prazer e sexualidade, a partir de um reconhecimento mais tranqüilo e adaptado à idéia de feminino para a qual foram socializadas, de que "não conhecem e não sabem". Essa atitude pode ter facilitado a percepção de que estão mais aptas à negociação sexual. Dados similares sobre aumento na capacidade de negociação do sexo seguro foram obtidos nos estudos de Kipke et al15 (1993) e Kalichman et al14 (1997), mas esses autores não relataram diferenças entre homens e mulheres.

As mulheres diminuíram o uso inconsistente de preservativo nas relações anais com seus parceiros regulares, nas relações vaginais com parceiros casuais e com parceiros que elas julgavam não ser monogâmicos. Outros estudos encontraram mudanças nas práticas de risco,5,16 mas não foram feitas comparações entre homens e mulheres. A literatura tem descrito9,18,21 que, nas relações estáveis, o poder de negociação permanece menor, pois, quando se liga sexo ao amor, em geral as pessoas se sentem protegidas. O tipo de vínculo e o poder implícito na dinâmica dos relacionamentos são variáveis importantes para a adoção de práticas sexuais mais seguras e devem ser explorados nas pesquisas e no desenho de programas de prevenção. No entanto, é importante que os programas de prevenção de Aids abram espaço para a discussão sobre os significados do amor e da paixão, de forma que os jovens possam reinventar seus scripts sexuais adaptados a suas vivências reais e se protegendo.

Os programas devem oferecer mais do que uma simples conscientização sobre a epidemia e informações sobre aspectos biológicos da transmissão do HIV e da evolução para a Aids. Não adianta apenas alertar os jovens sobre os perigos do uso inconsistente do preservativo ou dos perigos de ter múltiplos parceiros ou de não tratar as doenças sexualmente transmissíveis que os colocam em risco. É necessário que se discutam a dinâmica dos relacionamentos e o significado do sexo seguro nos diversos contextos afetivos.

Este estudo confirma que mudar as práticas sexuais é uma tarefa mais complexa do que se pensava no início da epidemia da Aids. As abordagens que assinalam a necessidade de estimular os indivíduos a se tornarem agentes de sua vida sexual ¾ sujeitos sexuais18 ¾ por meio de atividades em grupos pequenos parecem promissoras, comparadas aos programas que se restringem à distribuição de informações em palestras e vídeos. Uma das prioridades na agenda de pesquisa de prevenção do HIV/Aids deve ser o desenvolvimento e a avaliação de programas que considerem os obstáculos sociais e culturais, em especial, as dificuldades vividas pelos rapazes.

As oficinas foram recebidas de forma muito positiva pela comunidade de estudantes, professores e familiares. Um dos produtos do projeto foi a adoção da intervenção pelo Programa de DST e Aids da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo como um modelo exemplar a ser seguido nas estratégias de prevenção.1,2,19

 

AGRADECIMENTOS

À Estie Hudes, pesquisadora da University of California; ao Instituto Adolfo Lutz e ao Programa Estadual DST/Aids de São Paulo pelas oportunidades de treinamento; à Universidade Tuiuti do Paraná, pelo apoio à pesquisa.

 

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Correspondência para/Correspondence to:
Maria Cristina Antunes
Curso de Psicologia, Universidade Tuiuti do Paraná
Rua Marcelino Champagnat, 505
80710-250 Curitiba, PR, Brasil
E-mail: maria.antunes@utp.br

Pesquisa financiada pelo Center for AIDS Prevention Studies ¾ University of California, San Francisco; e pelo AIDSCAP Project of United States Agency for International Development.
Baseado na dissertação de mestrado apresentada no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, em 1999.
Edição subvencionada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp ¾ Processo nº 00/07406-2).
Recebido em 22/1/2001. Reformulado em 31/1/2001. Aprovado em 5/7/2002.