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Revista Gaúcha de Enfermagem - Violence against women in the perspective of community health agents

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Revista Gaúcha de Enfermagem

On-line version ISSN 1983-1447

Rev. Gaúcha Enferm. vol.34 no.1 Porto Alegre Mar. 2013

http://dx.doi.org/10.1590/S1983-14472013000100023 

ARTIGO ORIGINAL

 

Violência contra as mulheres na perspectiva dos agentes comunitários de saúde

 

Violencia contra las mujeres en la perspectiva de los agentes comunitarios de salud

 

 

Lilian Zielke HeslerI; Marta Cocco da CostaII; Darielli Gindri RestaIII, Isabel Cristina dos Santos ColoméIV

IEnfermeira, Mestranda em Enfermagem do Programa de Pós Graduação em Enfermagem – UFRGS, Pesquisadora e integrante do Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva (GESC/UFRGS). Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós Graduação em Enfermagem – UFRGS. Professora Adjunta I da Universidade Federal de Santa Maria – CESNORS. Pesquisadora e integrante do Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva (GESC/UFRGS) e do Grupo de estudos sobre o cuidado nas várias etapas do desenvolvimento humano (GECEDH/CESNORS). Palmeira das Missões. Rio Grande do Sul. Brasil
IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem UFRGS. Professora Adjunta I da Universidade Federal de Santa Maria – CESNORS. Pesquisadora e integrante do Grupo de estudos sobre o cuidado nas várias etapas do desenvolvimento humano (GECEDH/CESNORS). Palmeira das Missões. Rio Grande do Sul. Brasil
IVEnfermeira. Doutoranda em Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem UFRGS. Professora Assistente II da Universidade Federal de Santa Maria – CESNORS. Pesquisadora e integrante do Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva (GESC/UFRGS) e do Grupo de estudos sobre o cuidado nas várias etapas do desenvolvimento humano (GECEDH/CESNORS). Palmeira das Missões. Rio Grande do Sul. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo visou conhecer e compreender a violência contra as mulheres na perspectiva dos Agentes Comunitários de Saúde inseridos nas Estratégias de Saúde da Família de um município da região noroeste do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva com abordagem qualitativa, realizada com 35 Agentes Comunitários de Saúde. Para a coleta dos dados, utilizou-se entrevista semiestruturada, e os mesmos foram analisados pela modalidade temática. As conceituações da violência contra as mulheres centram-se na violência enquanto construção social e de desigualdades de gênero; e violência enquanto construção multifatorial. Em relação às práticas de cuidado e enfrentamento, observaram-se algumas ferramentas: a construção de estratégias de cuidado junto com a equipe; vínculo, escuta e diálogo com a mulher vítima de violência. Acredita-se que este estudo contribua para dar visibilidade a essa problemática como uma necessidade de saúde e assistência e para a construção de estratégias de enfrentamento.

Descritores: Agentes comunitários de saúde. Violência contra a mulher. Serviços de saúde. Gênero e saúde.


RESUMEN

El presente estudio busca conocer y comprender cómo los Agentes Comunitarios de Salud conceptúan, actúan y elaboran estrategias de enfrentamiento a la violencia contra mujeres en Unidad de Estrategia Salud de la Familia de una municipalidad del noroeste de Rio Grande do Sul. Se realizó un estudio exploratorio, con enfoque cualitativo descriptivo, con 35 Agentes Comunitarios de Salud. Se utilizó la entrevista semiestructurada para la recolección de los datos, analizados por la modalidad temática. Las conceptuaciones de violencia contra mujeres se centran como construcción social y de desigualdades de género y como construcción multifactorial. Sobre las prácticas asistenciales y de enfrentamiento, se observaron algunas herramientas: la construcción de estrategias de intervención con el equipo; vínculo, escucha y diálogo con mujeres víctimas de violencia. Se cree que este estudio contribuyó para la visibilidad de esta temática como una necesidad de salud y asistencia así como de la construcción de estrategias de enfrentamiento.

Descriptores: Agentes comunitarios de salud. Violencia contra la mujer. Servicios de salud. Género y salud.


 

 

INTRODUÇÃO

A violência, desde a modernidade, é um problema da sociedade que tem sido tratado no ambiente doméstico, da segurança pública e da justiça, e também objeto de movimentos sociais. Na área da saúde, vem se tornando preocupação, porque tudo que é considerado agravo e ameaça à vida, condições de trabalho, relações interpessoais e qualidade da existência, faz parte do universo da saúde e da saúde pública(1-2).

Reconhece-se que a violência contra as mulheres é considerada uma violação dos direitos humanos, de sua condição como cidadã, de sua liberdade de ir e vir com segurança, de seu direito de se expressar e de ser respeitada em sua integridade física, psíquica e social. Nessa direção, este estudo assenta suas análises no reconhecimento desse fenômeno nas desigualdades de gênero, traduzidas em relações assimétricas de poder e, ainda, que esse poder seja relacional, a realidade tem revelado que dificilmente beneficia as mulheres, que são alvo majoritariamente preferencial da violência de gênero(3).

Diante disso, a violência contra a mulher vem sendo entendida como o resultado das relações de poder entre homem e mulher, em que ele é quem determina qual é o papel dela, o que torna visível a desigualdade entre eles. Desse modo, pode-se defini-la como qualquer ato baseado nas relações de gênero que resulte em danos físicos e psicológicos ou sofrimento para a mulher que, muitas vezes, é empregada conscientemente como um mecanismo de subordinação nas relações matrimoniais(4).

No campo da saúde, a violência transforma-se em problema, no momento em que afeta a saúde individual e coletiva, o que demanda, a criação de políticas públicas específicas, além da organização de serviços direcionados à prevenção e ao tratamento(5). É nesse contexto que o trabalho das equipes de Saúde da Família configura-se elemento-chave na identificação de casos de violência, na criação de vínculo com mulheres vítimas desses eventos, na estruturação de estratégias de enfrentamento e de ações de prevenção e promoção.

Assim, reconhece-se, no presente estudo, que o modelo de atenção e cuidado à saúde da Estratégia de Saúde da Família parte da premissa de que a unidade de saúde da família é o primeiro nível de atenção, o que supõe a integração à rede de serviços mais complexo. Além disso, busca-se conhecer as famílias do território de abrangência, identificar os problemas de saúde e as situações de vulnerabilidade existentes na comunidade e também desenvolver ações curativistas, educativas, promocionais e intersetoriais junto aos usuários e à comunidade. Esse modelo tem lutado para transformar a atenção centrada no curativismo e nos procedimentos em atenção centrada no usuário e na família(6).

Dentre os profissionais das equipes de Saúde da Família, o trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS) merece ênfase, pois a ele são atribuídas funções estratégicas e complexas, além de serem responsáveis pelo elo entre a comunidade e a equipe de saúde(7). Salienta-se que o ACS tem apresentado destaque no enfrentamento dos casos de violência, pois durante a realização da visita domiciliar tem o privilégio de estar mais presentes nas famílias e na comunidade, tendo a possibilidade de presenciar e/ou identificar os casos de violência no espaço doméstico. Os agentes comunitários de saúde não são somente agentes de paz, mas também podem atuar na prevenção da violência, na sua notificação e na denúncia(8).

No entanto, estudos têm revelado que nem sempre os serviços de saúde e os profissionais desse setor oferecem uma resposta satisfatória a essa problemática(9-10). Isso mostra que o setor saúde ainda não incorporou, em seus modelos assistenciais, problemas complexos originados do cotidiano social, da vida das pessoas e que não são doenças típicas, considerando-se a forte racionalidade biomédica e as práticas medicalizadoras. Desta maneira, a linguagem dos sintomas e os diagnósticos da clínica são insuficientes no universo multifatorial da violência, tornando-se, muitas vezes, agravos invisibilizados no cenário da saúde. 

Nesse sentido, o presente estudo buscou conhecer e compreender a violência contra as mulheres na perspectiva dos agentes comunitários de saúde inseridos nas Estratégias de Saúde da Família (ESF) de um município da região noroeste do Rio Grande do Sul. Pretende-se estabelecer uma reflexão crítica e ampla sobre a questão, dar visibilidade à problemática e contribuir com dados empíricos para formulação de práticas assistenciais em saúde, e de políticas públicas locais para o seu enfrentamento.

 

MÉTODO

Para atingir o objetivo proposto optou-se por desenvolver pesquisa exploratório e descritiva, com abordagem qualitativa(11). Realizou-se o estudo nas unidades de ESF de um município localizado na região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Os participantes foram 35 agentes comunitários de saúde, cuja seleção baseou-se nos seguintes critérios de inclusão: atuar nas Unidades de ESF há mais de cinco anos e estar desenvolvendo suas atividades no período da coleta dos dados.

Para a coleta dos dados optou-se pela entrevista semiestruturada que, por combinar perguntas fechadas e abertas, possibilita ao entrevistado discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada(11). Estruturou-se um roteiro-guia em duas partes: a primeira contendo dados sociodemográfico dos ACS; a segunda, com questões abertas referentes ao problema de pesquisa. As entrevistas realizaram-se em sala apropriada, nas unidades de ESF, e foram gravadas digitalmente em MP3, com a finalidade de registrar integralmente a fala do sujeito, assegurando-se, desse modo, material rico e fidedigno para a análise. Com o intuito de preservar a identidade dos entrevistados, acrescentou-se à sigla ACS e o número de forma sequencial, para cada um dos participantes ao transcrever suas falas. A coleta dos dados ocorreu no período de dezembro de 2009 a fevereiro de 2010.

A análise das entrevistas teve com base a Análise de Conteúdo Temática(12). Após a transcrição, as entrevistas foram lidas para que fosse possível familiarizar-se com o todo, classificando-se em um mesmo eixo temático os temas que convergiam para um significado comum.

Para o desenvolvimento do estudo foram respeitadas as normas da Resolução nº196, de 10 de outubro de 1996, relativas à pesquisa com seres humanos, a qual foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) processo nº 23081.012390/2009-50.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As discussões oriundas da análise das falas dos participantes foram desmembradas em dois eixos temáticos: "Compreendendo e conceituando violência contra as mulheres" e "Práticas de cuidado e estratégias de enfrentamento da violência contra as mulheres".

Compreendendo e conceituando a violência contra as mulheres

O primeiro eixo temático centrou-se em conhecer de que modo os agentes comunitários de saúde conceituam a expressão violência contra as mulheres. Nesse eixo identificaram-se os seguintes núcleos de sentido: violência enquanto construção social e de desigualdades de gênero e violência enquanto construção multifatorial.

No primeiro núcleo de sentido, violência enquanto construção social e de desigualdades de gênero, identificou-se que a violência, na perspectiva dos agentes de saúde, constitui-se a partir da realidade e do contexto social em que as mulheres estão inseridas e da coinfluência das desigualdades de gênero, sendo este tipo de violência perpetuada com maior frequência no âmbito doméstico, sendo o agressor, na maioria dos casos, o próprio companheiro.

Os ACS revelam em seus discursos a dominação masculina em relação à feminina, ao homem está direcionado o espaço público, assim como o poder e a autoridade como provedor e chefe da casa, já da mulher espera-se delicadeza, subordinação e obediência, sendo vista somente como procriadora, cuidadora do lar e dos afazeres domésticos, sem direito algum de expressar e relatar seus sentimentos e vontades. Isso pode ser evidenciado, a seguir, nas falas dos ACS:

Violência contra mulher, aí isso acontece tipo assim oh, o companheiro ou o esposo ele se acha no direito de ele mandar e a mulher obedecer, sem ela ter escolha né, até muitas relatam assim, quando muitas vezes elas não querem ter relação sexual (ACS8).

A discriminação né, por que é aquela coisa, o homem pode e a mulher não pode né, pra mim inicia ali a violência, e daí a fora segue os outros tipos de agressões né, a verbal e a física (ACS10).

Neste sentido, evidencia-se que a construção social de gênero apresenta-se como responsável pela naturalização da violência, tanto por parte dos homens como por parte das mulheres. Nas falas citadas, observa-se que a barreira cultural é difícil de ser rompida, visto o arraigado dos valores, resultando no não reconhecimento da violência por parte das mulheres, pois, seja em casamentos formais ou em uniões estáveis, elas acreditam que as condutas dos companheiros devem ser aceitas, em respeito à posição de poder do homem na relação.

Estudo desenvolvido em uma Maternidade de São Paulo buscou identificar os significados atribuídos à mulher vítima de violência pelos profissionais de saúde, os resultados confirmam com os achados do presente trabalho, visto que os profissionais da Maternidade reconhecem como causa e conseqüência da violência contra as mulheres às desigualdades de gênero, e colocam como um dos elementos a submissão(10).

Nas análises das falas dos ACS identificou-se a submissão das mulheres como constituinte de atos de violência em relação aos seus companheiros.

Elas não têm tanta liberdade, e elas são muito submissas aos maridos né, elas casam, entregam corpo, alma e identidade [...] (ACS26).

Tem mulheres muito submissas né, que ficam dependentes do marido, não correm atrás do que desejam realmente (ACS30).

Esses achados, evidenciam que, os atributos e os papéis de gênero valorizam o homem em relação à mulher, autenticando a dominação dele em relação à inferioridade dela, que nessa condição, é destituída de autonomia e do direito de decidir, inclusive sobre o seu próprio corpo(13).

Nesta perspectiva, na análise das relações conjugais, percebe-se que o exercício do poder ocorre de forma desigual entre os sexos, sendo que as mulheres ocupam posições subalternas. Essa condição de subalternidade que agrava a violência contra as mulheres está voltada à capacidade de autodeterminar-se sexualmente e socialmente, o que torna, mais vulnerável à agressão física e emocional do companheiro(9).

Diante dos achados, salienta-se que, ao longo dos séculos, e ainda atualmente, a ideia da mulher como sexo frágil, submisso e imperfeito está introjetada no imaginário social, o que se traduz em efeitos no campo da assistência à saúde, e particularmente na atenção as vítimas de violência. Constata-se que, para a maioria dos ACS entrevistados, a violência contra as mulheres passa a ser considerada, "destino de gênero", o que, resulta na naturalização e normalização dos eventos e, consequentemente, impede a ação sobre os mesmos.

No segundo núcleo de sentido, violência enquanto construção multifatorial incluem-se os demais elementos relatados pelos ACS enquanto coinfluências aos eventos violentos, entre os quais: álcool e drogas, desigualdades sociais e desemprego.

A causa disso é falta de trabalho, precárias condições [...] Eu acho que atinge mais na qualidade de vivência das famílias né, as mais carentes, o que traz isso ai também é a bebida alcoólica (ACS11).

Olha, eu acho que é mais droga né, o índice de drogas que está muito alto, até assim o planejamento familiar [...] mas o álcool é um dos fatores maiores eu acho, a situação econômica também colabora bastante né pra violência (ACS33).

O uso de drogas e a violência parecem estar relacionados, porém não de modo simplista e causal. Estudo aponta que o consumo de álcool e outras drogas estão presentes nos processos de socialização em várias culturas. A associação entre dependência química e violência é cíclica e parece dar uma concepção mais ampla a ambas(14).

No que tange às desigualdades sociais e ao desemprego mencionam-se duas pesquisas que confirmam este achado. Para a maioria dos profissionais que atuavam nas três unidades de saúde de Natal (RN), os fatores que influenciam as situações de violência doméstica são o machismo, as condições econômicas, o alcoolismo e os antecedentes familiares de violência(15). Em estudo desenvolvido com algumas trabalhadoras da área da saúde, elas também mencionaram a correlação de violência com desigualdades sociais e violência com pobreza e desemprego(16).

Práticas de cuidado e estratégias de enfrentamento da violência contra as mulheres

No que se refere às práticas de cuidado e estratégias de enfrentamento utilizadas pelos agentes comunitários de saúde identificaram-se os seguintes núcleos de sentido: construção de estratégias de cuidado junto com a equipe; vínculo, escuta e diálogo com a mulher vítima de violência.

No primeiro núcleo de sentido, destaca-se a construção de estratégias de cuidado junto com a equipe. Os ACS mencionaram que, quando identificam ou são comunicados sobre um caso de violência, sua primeira conduta é relatá-los à equipe, com o intuito, de socializar e discutir as condutas terapêuticas e assistenciais a serem conduzidas em relação ao caso. As falas a seguir expressam esse núcleo.

Eu venho e trago pra equipe, na equipe nós trabalhamos entre nós [...] eu sempre peço ajuda porque eu nunca sei como atuar nessa parte principalmente da violência (ACS4).

A gente traz as nossas dificuldades e problemas pra nossa reunião de equipe, a gente conversa aqui no posto [...]a gente orienta ou junto com a equipe a gente procura tentar encaminhar pra alguma solução no caso [...] (ACS26).

As falas revelam as dificuldades enfrentadas pelos ACS na atuação nos casos de violência contra as mulheres. Em virtude disso, os agentes buscam compartilham as dificuldades encontradas no cotidiano de trabalho com a equipe de profissionais da Estratégia de Saúde da Família, que são os principais atores envolvidos no processo de identificação e intervenção dos casos de violência na Atenção Básica. Porém, dá-se maior visibilidade ao papel do ACS, já que, na maior parte dos casos, as mulheres relatam a eles, fatos que não diriam a outros profissionais, tornando-os possíveis atores capazes de prevenir ou intervir nessas situações, junto com os demais componentes da equipe(3).

No entanto, as ações para o enfrentamento dessa problemática ainda são complexas e desafiadoras, mas os obstáculos precisam ser continuamente desconstruídos, e a violência de gênero precisa estar presente nas reuniões e discussões das equipes de saúde, para que, se promova estratégias de saúde, voltadas ao atendimento integral e potencializador as mulheres vítimas desse agravo(17).  

Ainda nesse núcleo de sentido, evidencia-se que a maioria dos ACS, ao mencionar a necessidade de discussão dos casos na equipe, reforçam, em suas falas, a presença do(a) enfermeiro(a) enquanto profissional mais próximo e que acompanha o desenvolvimento de suas ações junto à comunidade. A fala a seguir ilustra esse achado:

A primeira coisa que a gente faz é falar com a enfermeira [...] Sim eu comunico a enfermeira, daí em reunião de equipe a gente levanta o assunto com os demais também (ACS3).

Reconhece-se, assim, o papel do(a) enfermeiro(a) enquanto profissional que instrumentaliza e prepara os agentes comunitários para desenvolverem suas ações frente às necessidades da população, realizando ações de educação em saúde, apoio a comunidade na melhoria das suas condições de vida, além de, contribuir na identificação dos casos de violência contra as mulheres e na formulação de intervenções assistenciais.

O segundo núcleo de sentido centra-se no vínculo, na escuta e no diálogo com a mulher vítima de violência. Nesse núcleo, os entrevistados consideram o vínculo profissional/usuária e a escuta qualificada ferramentas importantes para o desenvolvimento da atenção às necessidades das mulheres que, muitas vezes, não é trazida ao profissional como uma demanda explícita, mas pode ser desvelada durante o diálogo com a usuária. As descrições das falas elucidam esse fato:

Sempre em primeiro momento você acolhe, você ouve, muitas vezes a gente acaba como é que eu vou dizer assim ajudando de que forma, orientando ela sobre os direitos dela né, sobre aonde ela tem que ir, o que deve fazer, como proceder [...] (ACS8).

A gente vai mais pra escutar mesmo, que elas querem mais é falar, sabe porque tu não pode dizer assim pega e faz isso e faz aquilo, tu pergunta tu foi na policia, tu registrou uma parte, tu fez alguma coisa sabe, e daí elas falam (ACS7).

A partir daí a identificação de situações de violência contra as mulheres passa a ser uma possibilidade. Nessa perspectiva, é necessário agir interativamente, fundamentando-se na escuta qualificada e sem julgamento, na orientação e no acolhimento, com destaque para o diálogo da mulher com os profissionais de saúde, tendo como referência a detecção da violência, a garantia de direitos, e a emancipação das mulheres vítimas dessa problemática(18).

Estudo realizado com profissionais de saúde de um hospital aponta para a relevância da relação dialógica entre os profissionais e mulheres vítimas de violência, no intuito de estabelecer vínculo por meio de uma escuta sensível e atenta, com a finalidade de conhecer a história de vida das mulheres e como possibilidade de identificação dos casos de violência(19).

E para que se possa agir em prol de quem sofre esse tipo de violência, há um fator preponderante: a credibilidade. A credibilidade que o ACS desenvolve no trabalho é um aspecto essencial para a efetivação do mesmo, pois sem ela, não há confiança por parte da comunidade, e o trabalho do agente fica impossibilitado de acontecer. A credibilidade gera relações de confiança e vínculo com os usuários, isso faz com que, elas abram as suas casas e narrarem suas dificuldades para que as demandas sejam resolvidas ou encaminhadas, garantindo a continuidade da relação agente-comunidade(20).

De acordo com o exposto acima, considera-se que o setor saúde, principalmente por meio das equipes da Estratégia de Saúde da Família, pode intervir na questão da violência contra as mulheres, através da identificação do problema, da realização do acolhimento, da escuta qualificada, do apoio às usuárias, e do acompanhamento dos casos, uma vez que, constitui-se um modelo em saúde pautado nas tecnologias relacionais e na atenção integral aos usuários. Entretanto, se reconhece que a resolução do problema não lhe compete unicamente, sendo necessária a estruturação de uma rede intersetorial que tenha o objetivo de garantir às mulheres seus direitos como cidadã.

Ressalta-se, ainda, a importância da constituição de redes institucionais interdisciplinares que se articulem em um processo permanente de construção de estratégias que reduzam as desigualdades e as assimetrias que afetam as mulheres.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo possibilitou conhecer e compreender a violência contra as mulheres na perspectiva dos ACS, desvendando-se, em suas falas, uma diversidade de sentimentos e compreensões direcionada à violência enquanto construção social, de desigualdades de gênero e construção multifatorial, na qual as condições econômicas, o álcool e as drogas são considerados fatores influenciadores para a ocorrência desse fenômeno. No que se refere às práticas de intervenção e estratégias de enfrentamento relata-se a construção de ações junto com a equipe de saúde, tendo o (a) enfermeiro (a) na condição de profissional mais próximo, além do vínculo, da escuta e do diálogo com a mulher vítima de violência.

O estudo mostra o comprometimento desses trabalhadores da saúde na atenção às mulheres vítimas de violência, no entanto, suas ações não têm se traduzido em práticas efetivas para enfrentar esse problema. Assim, as ações dos ACS direcionadas às mulheres em situação de violência precisam constituir-se em ações potencializadoras da autonomia feminina, considerando-se a construção social de gênero como determinante dos processos destrutivos na vida das mulheres.

Nessa perspectiva, menciona-se que o setor saúde ainda não incorporou a violência contra as mulheres como desafio de recriar, por exemplo, a compreensão de gênero. Ainda não consegue redimensionar o espaço da doença e das pessoas que adoecem ou sofrem, isto é, de homens e mulheres que vivem suas histórias particulares em diferentes contextos e com diferentes necessidades. Acredita-se que essas reconstituições de sujeitos e cenários poderiam influenciar abordagens diferenciadas, e saberes novos, e adequados para orientar intervenções sustentadas na atenção integral às mulheres vítimas de violência. Além disso, outros estudos enfocando as concepções e práticas dos profissionais frente à problemática da violência são necessários, a fim de contribuírem para a visibilidade desse agravo como uma necessidade de saúde e assistência e para a construção de estratégias de enfrentamento.

Finalizando, pensa-se que a capacitação dos ACS pode ser um foco importante, pois o reconhecimento desses agravos requer um elevado grau de suspeição e sensibilidade para a sua adequada detecção, capaz de desnaturalizar situações, estimular e fornecer subsídios para o agir. Considera-se, nesse contexto, o papel relevante do enfermeiro(a) na condição de coparticipante no processo de instrumentalização desses trabalhadores em saúde, e também a corresponsabilidade de todos os profissionais de saúde no enfrentamento das várias formas de violência.

 

REFERÊNCIAS

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Lilian Zielke Hesler
Rua Ramiro Barcelos, 1901, ap. 304, Bom Fim
90035-006, Porto Alegre, RS
E-mail: lilianhesler@yahoo.com.br

Recebido em: 30.11.2011
Aprovado em: 05.02.2012