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Revista de Saúde Pública - Exclusive breastfeeding among working women with free daycare available at workplace

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vol.38 issue2Short version of the "job stress scale": a Portuguese-language adaptationInfant mortality evolution in the metropolitan region of São Paulo (Brazil), 1980-2000 author indexsubject indexarticles search
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Revista de Saúde Pública

Print version ISSN 0034-8910

Rev. Saúde Pública vol.38 n.2 São Paulo Apr. 2004

http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102004000200004 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Aleitamento materno exclusivo entre trabalhadoras com creche no local de trabalho

 

Exclusive breastfeeding among working women with free daycare available at workplace

 

 

Maria José Duarte OsisI; Graciana Alves DuarteI; Karla Simônia de PáduaI; Ellen HardyII; Lucila E Moreira SandovalIII; Silvana Ferreira BentoI

ICentro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas (Cemicamp). Campinas, SP, Brasil
IIDepartamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, SP, Brasil
IIICentro de Convivência Infantil da Unicamp. Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Investigar os fatores relacionados à decisão das mulheres em amamentar e a duração planejada e, de fato observada, do aleitamento exclusivo entre trabalhadoras que dispõem de creche na empresa.
MÉTODOS: Estudo qualitativo no qual se comparou um grupo de 15 trabalhadoras cujos bebês estavam sendo alimentados apenas com leite materno quando começaram a freqüentar a creche da empresa com outro similar que incluía mulheres cujos bebês que, ao ingressar, já estavam recebendo, além do leite materno, outros alimentos. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas e grupos focais.
RESULTADOS: Evidenciaram-se como fatores relacionados à decisão de iniciar a amamentação e mantê-la ao retornar ao trabalho: o desejo de amamentar, embasado no valor que as mulheres dos dois grupos atribuíam ao aleitamento materno, bem como seus maridos e outras pessoas significativas (por exemplo: mãe, irmã, amigas). A duração do aleitamento exclusivo relacionou-se principalmente à orientação do pediatra que cuidava do bebê, que foi distinta em cada um dos grupos estudados.
CONCLUSÃO: A existência da creche no local de trabalho aparece como elemento relevante para a manutenção do aleitamento após a licença de maternidade, especialmente o materno exclusivo. A decisão sobre quanto tempo amamentar de forma exclusiva esteve relacionada às informações recebidas acerca do assunto antes e durante a gestação, e no pós-parto. A diferença entre os dois grupos estudados foi que as mulheres que mantiveram o aleitamento exclusivo por quase seis meses acreditavam que quanto mais tempo dessem somente o leite materno, mais benefícios o bebê teria, enquanto as mulheres do outro grupo acreditavam que três meses de aleitamento exclusivo eram suficientes.

Descritores: Aleitamento materno. Aleitamento exclusivo. Mulheres. Trabalhadoras. Creches. Entrevistas. Grupos de estudo.


ABSTRACT

OBJECTIVE: To investigate factors related to the decision of exclusive breastfeeding, and the planned and the actual duration among working women with free daycare available at workplace.
METHODS: A qualitative study was conducted comparing a group of 15 women exclusively breastfeeding their babies with a similar group of women whose babies were already being fed with other food besides maternal milk at the time they started attending a daycare center. Semi-structured interviews and focus groups were carried out for data collection.
RESULTS: The factors related to the decision of breastfeeding and maintaining it when women went back to work were: the desire to breastfeed based on the importance women of both groups as well as their husbands and significant others attributed to it. The duration of exclusive breastfeeding was mainly associated to the baby's pediatrician counseling, which differed in each group.
CONCLUSIONS: The availability of free daycare center at the work place seems an important aspect to breastfeeding maintenance after women go back to work, especially regarding exclusive breastfeeding. The duration of exclusive breastfeeding was related to the information received before and during pregnancy, and also in the postpartum. Women who have exclusively breastfed for almost six months believed the longer they breastfeed the better to their babies' health, while other women believed that three months of exclusive breastfeeding would be enough.

Keywords: Breastfeeding. Exclussive breastfeeding, Women. Workers. Child daycare centers. Interviews. Focus groups.


 

 

INTRODUÇÃO

O aleitamento materno é uma das ações mais valorizadas para promover a saúde das crianças. A Organização Mundial da Saúde recomenda que o aleitamento materno exclusivo seja mantido até os seis meses de idade. Porém, o trabalho das mulheres fora de casa tem sido apontado como uma das razões para a não amamentação e o desmame precoce.6,12-14 As atenções têm-se voltado para a necessidade de investigar as relações entre a duração do aleitamento e o trabalho das mães.

Atualmente, as mulheres brasileiras empregadas no mercado formal de trabalho têm quatro meses de licença de maternidade remunerada. Quando retornam ao emprego, têm direito a dois intervalos de meia hora durante a jornada de trabalho para amamentar o bebê, até que ele complete seis meses. As empresas onde trabalham pelo menos 30 mulheres, com mais de 16 anos de idade, estão obrigadas a providenciar local adequado para o cuidado dos filhos das funcionárias durante o período de amamentação, dentro da própria empresa ou mediante convênio com instituições apropriadas.6

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em observância à legislação que protege as trabalhadoras que amamentam, criou em 1982 o Centro de Convivência Infantil (CECI). O objetivo foi propiciar as condições necessárias para que as trabalhadoras, ao retornarem da licença de maternidade, tivessem o bebê perto de si e pudessem manter o aleitamento exclusivo até proximamente a criança completar seis meses. Apesar dessas condições, não é raro que uma proporção relativamente grande das trabalhadoras retorne ao trabalho já dando aleitamento parcial.

Essa observação indica que pode haver outros fatores, diferentes da necessidade de retornar ao trabalho, que influenciam a decisão das mulheres em manter ou não o aleitamento exclusivo ao final da licença de maternidade. No presente trabalho são estudados os fatores relacionados à decisão das mulheres em amamentar e à duração planejada e, de fato observada, do aleitamento exclusivo.

 

MÉTODOS

Realizou-se estudo qualitativo com base na experiência da universidade anteriormente citada. A pergunta que motivou a realização do estudo foi "Por que uma parte das trabalhadoras, apesar de disporem das mesmas facilidades para manter o aleitamento exclusivo até o bebê completar seis meses, já retornam da licença de maternidade com os bebês em aleitamento parcial?".

Dada a natureza qualitativa do estudo, a seleção da amostra foi proposital. Foram consideradas potenciais participantes todas as funcionárias da universidade cujos bebês estavam ingressando no CECI, ao término da licença de maternidade. Nessa ocasião, o bebê deveria ter, no máximo, cinco meses e estar recebendo aleitamento materno. As mulheres foram subdivididas em dois grupos, conforme o tipo de aleitamento do bebê naquele momento: aleitamento materno exclusivo ou predominantemente exclusivo (AE) e aleitamento parcial (AP). Seguindo-se a classificação de Labbok & Krasovec8 (1990), reiterada por Coffin et al5 (1997), no primeiro grupo, o leite materno era a única fonte nutritiva dos bebês; ocasionalmente, poderiam receber água ou chá (aleitamento exclusivo ou predominantemente exclusivo). No outro, os bebês já ingeriam, além do leite materno, suco de frutas, frutas, comida sólida ou outro leite (aleitamento parcial).

Ao final do processo de seleção da amostra, os grupos de AE e AP foram constituídos por 15 mulheres cada um. Para homogeneizar a amostra quanto à experiência da amamentação, as mulheres foram pareadas conforme a idade do bebê no momento do ingresso no CECI. As características das mães podem ser observadas na Tabela, que indica a semelhança entre os grupos quanto à escolaridade, estado marital, número de filhos, idade da mãe e estrato socioeconômico (segundo a classificação da Associação Brasileira de Anunciantes/Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado – ABA/ABIPEME).2

 

 

A coleta dos dados ocorreu entre julho de 1998 e fevereiro de 1999. Todas as mulheres passaram por uma entrevista semi-estruturada quando o bebê começou a freqüentar o CECI. A entrevista enfocava a sua experiência até aquele momento, incluindo, por exemplo, perguntas sobre a expectativa em relação à amamentação durante a gestação, por quanto tempo pensava dar só o leite materno, como tinha sido o início da amamentação, e a perspectiva de volta ao trabalho e do bebê ficar na creche; para as mulheres do grupo de AP, perguntava-se também sobre as razões de ter deixado o aleitamento exclusivo antes do retorno ao trabalho. As mulheres do grupo de AE foram entrevistadas uma segunda vez, quando o bebê começou a receber outro alimento além do leite materno, para enfocar essa mudança.

Além das entrevistas, foram realizados dois grupos focais, seguindo-se os procedimentos propostos pelo Program for Appropriate Technology in Health,10 com base na metodologia descrita por Morgan & Krueger.7 Grupos focais constituem uma técnica qualitativa para coleta de dados, cuja origem está nas ciências sociais, na década de 1940. Entre 1950 e 1980, essa técnica migrou para a área de propaganda e marketing, voltando, porém, às ciências sociais e alcançando as da saúde a partir dos anos 80 do século XX.

Grupos focais consistem em entrevistas grupais, em que um moderador conduz a discussão de um pequeno grupo de pessoas em torno de tópicos por ele apresentados, previamente listados em um roteiro. A intenção é permitir e facilitar que os participantes expressem suas opiniões, percepções e sentimentos em relação aos tópicos propostos. Os participantes devem apresentar características e antecedentes similares. Assim como a maior parte das técnicas qualitativas para coleta de dados, os grupos focais requerem uma amostragem proposital (não aletória) de seus participantes, de acordo com os objetivos e propósitos da pesquisa (Morgan & Krueger,7 1998).

No presente estudo, todas as mulheres que aceitaram participar da pesquisa e que haviam sido entrevistadas foram convidadas para os grupos focais; 20 aceitaram, realizando-se dois grupos focais, cada um com dez mulheres. Os grupos foram homogêneos quanto à origem das mulheres (todas eram funcionárias da universidade), quanto às circunstâncias em relação a trabalho e amamentação e quanto às características socioeconômicas.

As entrevistas e os grupos focais foram gravados (mediante autorização das participantes), conduzidos pelas pesquisadoras e aconteceram em sala reservada na própria creche. As transcrições foram lidas por pelo menos duas pessoas diferentes. Com base nos objetivos da pesquisa, foram identificadas as unidades de significado, correspondentes aos temas presentes nas falas das entrevistadas e que denotavam os valores de referência e os modelos de comportamento presentes no discurso.9 A partir da identificação desses temas, foi definido um conjunto de códigos utilizado na releitura das entrevistas e grupos focais, identificando-se as partes dos textos das transcrições que podiam receber cada código. Com base nessa codificação, preparou-se um resumo descritivo de cada entrevista e grupo focal. Sucedeu-se inicialmente uma etapa descritiva de análise e, finalmente, a comparação entre os grupos de AE e AP quanto aos fatores mencionados que teriam influenciado as decisões sobre a duração do aleitamento exclusivo. Na apresentação dos resultados, foram utilizados exemplos das falas das entrevistadas provenientes tanto dos grupos focais quanto das entrevistas semi-estruturadas.

Na realização da pesquisa, foram seguidos os princípios éticos da Resolução 196/96 do Ministério da Saúde. O protocolo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas. A participação das mulheres foi voluntária, mediante a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido.

 

RESULTADOS

Fatores relacionados à decisão de amamentar

Tanto as mulheres do grupo de AE quanto as de AP disseram que, mesmo antes de engravidarem, já pensavam em amamentar. Tomaram a decisão de amamentar durante a gestação, por considerarem o aleitamento muito importante para o desenvolvimento do bebê. Durante a gestação, receberam informações sobre amamentação no próprio CECI, assistindo a uma palestra quando solicitaram a vaga para o bebê. No grupo de AP, as consultas de pré-natal foram a principal fonte de informação sobre o aleitamento, enquanto no grupo de AE as fontes foram mais diversificadas, referindo-se, freqüentemente, a grupos de gestantes e leituras.

As participantes dos dois grupos estudados (AE e AP) disseram que, em sua opinião, as mulheres, em geral, têm o desejo de amamentar e vivem uma grande expectativa em relação a isso, sobretudo quando se trata do primeiro filho. Nesse caso, mesclam-se a curiosidade e a insegurança quanto a conseguir amamentar. Para as que já conseguiram amamentar com sucesso anteriormente, o desejo soma-se à certeza de que o aleitamento vai se iniciar e prosseguir naturalmente.

Segundo as participantes, atualmente, as mulheres têm consciência da importância do aleitamento materno e não se preocupam mais com problemas estéticos que poderiam advir da amamentação, nem valorizam o leite artificial. Na opinião delas, o obstetra, durante o pré-natal, poderia ter um papel fundamental na decisão de amamentar, porque é a ele que a grávida recorre no caso de dúvida. Porém, houve participantes que disseram que esse profissional não influencia em nada a decisão das mulheres em amamentar porque, na verdade, não orienta sobre isso durante o pré-natal.

"Na primeira gravidez, existe uma curiosidade positiva, hoje em dia, uma curiosidade positiva e uma insegurança muito grande: 'Vou ter leite? Como é dar de mamar? Meu bico vai rachar? O seio vai cair? Empedrar?'... Hoje em dia você está dando valor a amamentação . As mulheres estão ficando mais conscientes... não ligam tanto para: 'o peito vai cair', 'não quero que o meu peito caia', beleza, estética." (Grupo focal 2)

De modo geral, as participantes enfatizaram que, para a mulher decidir amamentar, é essencial a sua determinação pessoal e a base do conhecimento adquirido, de diversas fontes, acerca do valor do leite materno para o desenvolvimento do bebê. Desde a gestação, essas mulheres consideravam que o relevante era amamentar pelo maior tempo possível, mas não necessariamente de forma exclusiva. A decisão sobre a duração do aleitamento exclusivo especificamente não lhes pareceu fundamental, tendendo a considerar que os termos exclusivo e parcial referiam-se unicamente ao tipo de leite que o bebê recebe, independentemente de outros alimentos. Dessa forma, na percepção delas, a criança estaria em aleitamento exclusivo se o único leite recebido fosse o materno, ainda que já estivesse comendo frutas e/ou tomando sucos.

"... por exemplo, as frutinhas que eu dou não influenciam muito não. Porque ela come tão pouquinho que eu acho que eu dou amamentação exclusiva porque ela não come assim, sabe, muito misturado." (Grupo de AP 28)

A duração planejada para o aleitamento exclusivo

Nos dois grupos (AE e AP), as mulheres consideraram que a duração do aleitamento exclusivo depende das circunstâncias vividas por cada criança, mas que, em geral, o bebê deveria começar a receber outros alimentos entre o quinto e sexto mês de vida. As informações relevantes para decidir quanto tempo dar aleitamento exclusivo seriam aquelas recebidas de pediatras, vistos como autoridades no assunto, bem como a experiência de pessoas significativas.

"Acho que cada criança tem sua maturidade. Se bem que eu acho que com... perto dos cinco, seis meses fica muito ativo... deve já estar precisando de mais alguma coisa. ..." (Grupo focal 1)

"Eu achava que... eu achava que eu não ia ter problema para amamentar, porque eu não sei se é uma coisa hereditária ou não, mas a família, minhas irmãs, minha mãe, todo mundo sempre amamentou, minhas irmãs amamentaram até 8, 9 meses a criança. Então, eu achava que não ia, eu não tinha, eu não tinha medo de ter algum problema quanto a isso não. E por que até os seis meses exclusivo? Por recomendação médica, porque a gente sempre vê que é... o aleitamento exclusivo até os 6 meses é o melhor para a criança." (Grupo de AE 13)

Os grupos de AE e AP se diferenciaram quanto à duração planejada para o aleitamento exclusivo. No grupo de AE, elas disseram que tinham a perspectiva de manterem esse tipo de aleitamento por, pelo menos, seis meses, com base em informações lidas acerca do valor do leite materno para o desenvolvimento do bebê, na experiência com um filho anterior, no conhecimento das leis que protegem as trabalhadoras e das facilidades disponíveis na universidade. Houve mulheres, inclusive, que admitiram que se esforçaram ao máximo para manter o aleitamento exclusivo durante a licença de maternidade, porque imaginavam que a vaga do bebê no CECI estava condicionada a ele estar sendo alimentado apenas com o leite materno.

"Olha, quando eu fazia planos, eu pensava : '" Ai, eu vou amamentar só o essencial, seis meses'" ... a vaga na creche, que eu sabia que estava condicionada a ter leite para amamentar..." (Grupo de AE 4)

No grupo de AP, as mulheres referiram que, já desde a gestação, consideravam que cerca de três meses de aleitamento exclusivo seriam suficientes para garantir que o bebê recebesse os benefícios do leite materno. Disseram que essa perspectiva advinha da experiência com um filho mais velho, de orientações recebidas de pediatras e da experiência de pessoas conhecidas que falavam que, depois de uma certa idade, é difícil acostumar o bebê a comer outras coisas. Essas mulheres, ao contrário das demais, afirmaram desconhecer os direitos que a lei assegura às trabalhadoras que estão amamentando. De modo geral, não associaram sua decisão quanto ao tempo em que dariam só o leite materno às facilidades oferecidas pela universidade para mulheres que amamentam. Apenas uma participante fez essa associação, porque não havia planejado deixar o bebê no CECI, de modo que, inicialmente, pretendia passar para o aleitamento parcial antes do final da licença de maternidade.

"Porque eu já tive e ... presenciei experiência de duas amigas que amamentaram exclusivamente até o sexto mês e na hora de introduzir a papinha nessas duas crianças, a comida, foi muito difícil, foi uma coisa difícil para elas, e a minha experiência anterior tinha sido uma experiência fácil, então, como eu tinha sido orientada pela primeira pediatra, gostei da experiência, então pretendia fazer igual." (Grupo de AP 16)

"Eu tinha um plano de no máximo cinco meses [amamentar exclusivamente] ... Porque eu tinha que voltar a trabalhar, eu iria deixar ela com alguém ..." (Grupo de AP 8)

Apesar das mulheres dos dois grupos terem referido que seus planos para a amamentação estavam baseados em diversas fontes que enfatizavam a necessidade e os benefícios do aleitamento materno para os bebês, elas consideravam que o fundamental para que uma trabalhadora decida manter o aleitamento exclusivo ao término da licença de maternidade é a existência da creche e de apoio institucional para ir amamentar durante o expediente. Além disso, é essencial para as mulheres saberem que a creche é boa, que o bebê será bem cuidado.

"... mas o trabalho ... se você deixasse a sua filha na creche lá no teu bairro ... já tinha que decidir que ia parar [o aleitamento] antes [de voltar a trabalhar]." (Grupo focal 1)

Duração observada do aleitamento exclusivo e quem influenciou na decisão a esse respeito

No grupo de AE, a maior parte das mulheres (10) alimentou o bebê apenas com o leite materno por mais de cinco e menos de seis meses; essa passagem foi atribuída à determinação da própria creche, visando a facilitar a adaptação da criança a partir do momento em que as mães não tinham mais o direito aos intervalos para amamentar. Cinco mulheres desse grupo referiram ter dado só leite materno até por volta de quatro meses e meio. As razões atribuídas foram: "o bebê não estava ganhando peso como o esperado", "estava constantemente nervoso, chorando muito, chupando o dedo" (o que se atribuiu à fome), a percepção de que já estava na idade de começar a comer.

"Ele [o bebê] já estava pedindo, ele necessitava de outros alimentos porque ele é uma criança muito grande, ele necessitava e o leite só não dava mais [o bebê estava com três meses e 28 dias] ... Eu achei que ele precisava, eu conversei no CECI e elas acharam que podia começar com suquinho, mas que era para trazer a carta do pediatra. E o pediatra concordou." (Grupo de AE 10)

No grupo de AP, a maioria (11) referiu ter mantido o aleitamento exclusivo por menos de quatro meses, enquanto quatro mulheres disseram tê-lo mantido no máximo até quatro meses e meio. As razões para passar para o aleitamento parcial incluíram: "o bebê era muito grande e precisava de complemento alimentar", "não estava ganhando peso", "não conseguia sugar por estar doente", "chorava constantemente, ficava nervoso", "precisava se acostumar com outros alimentos" porque a mãe ia voltar ao trabalho.

"Porque eu vi a necessidade dele, que ele chorava demais, ele mamava, mamava meia hora, depois, dali uma hora, uma hora e quinze, ele já estava chorando de novo, aí eu resolvi introduzir o suquinho pela manhã e a frutinha a tarde, que é para ajudar ... foi minha [decisão] mesmo ... foi vendo ele chorar ... aquela coisa de mãe." (Grupo de AP 14)

Quanto à possível influência das opiniões de outras pessoas na decisão de passar ao aleitamento parcial, as mulheres dos dois grupos disseram que seu círculo familiar e de amigos consideravam importante amamentar e que, freqüentemente, deram sugestões sobre o aleitamento. O pai da criança foi descrito como alguém que dava total apoio à amamentação, estimulando as mulheres a prosseguirem. Apesar dessa atitude positiva, as participantes também referiram que se sentiram abandonadas por eles, especialmente nas madrugadas em que ficavam sozinhas amamentando.

Tanto as mulheres do grupo de AE quanto de AP ressaltaram que opiniões de familiares, amigos e do marido/companheiro não modificaram as decisões que já haviam tomado quanto à duração do aleitamento exclusivo. Para elas, as sugestões recebidas de outras pessoas são levadas em conta somente quando há insegurança quanto à amamentação. Ainda assim, antes de acatarem qualquer sugestão, elas procuram o pediatra para saber a opinião dele.

"[O pediatra] Influencia. Reforça.

... De quem é a palavra que pesa mais para mãe?

Do pediatra.

...Por exemplo, falaram um monte de coisa, o pediatra falou para mim: 'o seu leite tem água, não precisa dar água para o nenê'. Mãe, tia, avó não acreditam nisso ... você briga com elas, briga até a hora de começar a dar a papinha ... com a papinha, você introduz água também .... Mas você leva muito em consideração a opinião do pediatra." (Grupo focal 2)

Os dois grupos estudados (AE e AP) referiram que o pediatra do bebê, desde a primeira consulta, destacou o leite materno como o melhor alimento e que elas poderiam ficar tranqüilas quanto ao ganho de peso, que ocorreria naturalmente. Porém, no grupo de AP, na maior parte dos casos, foi o pediatra quem orientou as entrevistadas a introduzirem fruta e/ou suco na dieta do bebê antes que elas retornassem ao trabalho, mesmo quando esse profissional foi informado das facilidades que a universidade oferecia às trabalhadoras que amamentam.

"[o pediatra orientou] Para dar suquinho de manhã e a frutinha às quatorze horas, porque aqui [no CECI] eles já logo iriam introduzir. Então, ele falou: 'já pode dar para ele ir acostumando'. Então com uns três meses e meio, eu já comecei, então, ele come a frutinha e o suco aqui." (Grupo de AP 24)

 

DISCUSSÃO

As razões pelas quais um grupo de mulheres retornou ao trabalho depois da licença de maternidade já dando aleitamento parcial aos bebês, apesar de dispor das mesmas facilidades que o outro grupo para manter o aleitamento exclusivo, não pareceram estar relacionadas a problemas com a amamentação, saúde do bebê ou características das atividades profissionais das mulheres. Esses problemas e características foram similares nos dois grupos. No presente estudo, observou-se que a decisão sobre quanto tempo amamentar de forma exclusiva esteve relacionada às informações recebidas acerca do aleitamento materno antes e durante a gestação, bem como logo após o nascimento do bebê.

Evidenciou-se a relevância das informações recebidas acerca dos benefícios do aleitamento materno para a constituição da determinação das mulheres em amamentar, e para tomada de decisões acerca da duração do aleitamento exclusivo. Isto sugere que prover boa informação sobre a amamentação contribui para suscitar o desejo de amamentar, mesmo quando a gravidez ainda é um projeto, e auxilia a sedimentar esse sentimento no imaginário das mulheres.

Porém, os resultados apresentados também permitem questionar como se interpretam e são reelaboradas as informações relativas ao aleitamento materno. Isso porque, nos dois grupos estudados, a percepção das mulheres sobre a duração do aleitamento exclusivo esteve marcada pelo seu entendimento acerca do que significa amamentar exclusivamente. Ao contrário do que preconiza a literatura especializada,8,12 e que tem sido a ênfase das campanhas de amamentação, as mulheres entendiam que, desde que o único leite recebido pelo bebê fosse o materno, o aleitamento era exclusivo, ainda que o bebê recebesse também outros alimentos. A diferença foi que as mulheres do grupo de AE adotavam a perspectiva de que quanto mais tempo oferecessem somente o leite materno – sem outros alimentos – mais benefícios teria o bebê; enquanto as mulheres do grupo de AP acreditavam que três meses de aleitamento exclusivo já eram suficientes para que o bebê recebesse os benefícios correspondentes. A figura do pediatra apareceu com relevância nas falas das mulheres para justificar esses pontos de vista distintos sobre por quanto tempo a criança deveria receber apenas leite materno.

De modo geral, aliás, as orientações do pediatra foram recebidas como a palavra de uma autoridade no assunto, acatada pelas mães, de forma que a opinião dele sempre foi a mais relevante para a tomada de decisão quanto à duração do aleitamento exclusivo. O pediatra, como médico, representa a ciência legítima, autorizada a emitir juízos e conselhos sobre os procedimentos que resultam em boa saúde ou que podem ser danosos.4 Entretanto, as mães não recebem as orientações do médico passivamente. Pelo contrário. As determinações do pediatra tendem a ser assimiladas e incorporadas na medida em que são julgadas corretas, com base naquilo que as mães consideram ser práticas que promovam a boa saúde das crianças.3 Por exemplo, em estudo realizado em Pelotas, mostrava-se às mães a curva de crescimento da criança, apontando a adequação ou não do peso e altura visando a estimular o aleitamento materno para melhorar esses indicadores. Verificou-se que essas mensagens de incentivo à amamentação conflitavam com o contexto social e os modelos de saúde que as mães tinham e, por vezes, produziam resultados negativos, até precipitando a introdução de outros alimentos na dieta dos bebês.3 Parece, portanto, que embora a autoridade do pediatra seja tão enfatizada pelas participantes do estudo, ela necessita ser relativizada, reconhecendo-se o peso do entorno social e do entendimento que cada mãe tem acerca da amamentação.

Nesse mesmo sentido, também não se deve esquecer do papel que a opinião de parentes, amigos e do marido/companheiro exerce nas decisões sobre a amamentação. No presente estudo, esses atores sociais foram percebidos como tendo, em geral, atitudes positivas e de valorização do leite materno, ainda que nem sempre dessem relevância às formas mais estritas de aleitamento exclusivo. Não se pode menosprezar essa influência positiva, também apontada por Perez-Escamilla et al11 em estudo realizado no México (1993). Esses autores, inclusive, sugeriram que as campanhas de estímulo ao aleitamento materno também estejam voltadas para as pessoas que rodeiam o binômio mãe-filho, de modo a propiciar um ambiente favorável à amamentação.

Considerando em conjunto esse quadro de influências sobre as decisões relativas à amamentação, evidencia-se que, para que se consiga efetivamente produzir atitudes e práticas positivas, é necessário focalizar a sociedade como um todo – e não apenas as mulheres, visando a estabelecer o aleitamento materno como um valor social.1

Ao mesmo tempo, é preciso atentar para o processo de comunicação acerca dos benefícios e requisitos da amamentação bem sucedida, especialmente aquele que se dá entre a mulher-mãe e o pediatra. Ficou claro nos resultados discutidos que há significativas diferenças na maneira como as mulheres podem apreender de forma distinta os conteúdos que lhes são passados. É preciso também prestar atenção a quais conteúdos os próprios pediatras estão dando crédito e repassando às mulheres como verdade científica. Assim sendo, seria indicado realizar estudos voltados ao esclarecimento desse processo de comunicação, bem como à investigação da perspectiva dos pediatras quanto à relação entre conhecimento científico e orientações que eles dão às mulheres-mães.

Os resultados também apontaram a importância de existir creche no local de trabalho para a manutenção do aleitamento materno após a licença de maternidade, o que já foi apontado Hardy & Osis6 (1991) e Rea et al12 (1997). Ficou claro que, mesmo que houvesse o forte desejo e determinação das mulheres amamentarem, sem a existência da creche e do apoio institucional no local de trabalho, elas não teriam mantido o aleitamento após a licença.

Esse aspecto também requer atenção da sociedade e do Estado, porque as leis atualmente em vigor não determinam que, necessariamente, as empresas devem dispor de creche no local de trabalho; permite-se que se façam convênios com creches situadas em outros locais, na prática, em qualquer lugar, o que possibilita que os empregadores cumpram a "letra" mas não "o espírito da lei".6,12,13 Além disso, através de acordos coletivos, os sindicatos, por vezes, têm reivindicado o pagamento de vale-creche, visto como um benefício por eles e pelas próprias trabalhadoras. Entretanto, esse recurso nem sempre permite que as mulheres tenham o bebê acessível durante o expediente, para amamentá-lo.13

Os resultados analisados, portanto, apontam duas áreas em que se pode atuar para criar condições objetivas para as mulheres trabalhadoras amamentarem. A primeira é a educação, que deve ser dirigida a toda a população, e não apenas a mulheres grávidas, prestando-se especial atenção à maneira como o conhecimento científico é comunicado e apreendido pelas pessoas. A outra área refere-se à adequação das leis que visam a proteger as mulheres trabalhadoras que amamentam, de modo a criar, de fato, o suporte institucional que é necessário para permitir a continuidade da amamentação depois da licença de maternidade.

 

AGRADECIMENTOS

Às funcionárias e usuárias do Centro de Convivência Infantil da Universidade Estadual de Campinas, especialmente às que participaram com suas opiniões e sugestões.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Maria José Duarte Osis
Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas
Caixa Postal 6181
13084-971 Campinas, SP, Brasil
E-mail: mjosis@cemicamp.org.br

Recebido em 17/1/2003
Reapresentado em 1/9/2003
Aprovado em 19/9/2003
Projeto parcialmente financiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS - Processo n. 96353) e pelo Fundo de Apoio ao Ensino e à Pesquisa (Faep/Unicamp - Processo n. 0528/98)

 

 

Trabalho realizado no Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas (Cemicamp), SP.