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A soberania como vontade e como representação, por Diogo Pires Aurélio | Revista Estudos Políticos

Revista Estudos Políticos

A soberania como vontade e como representação, por Diogo Pires Aurélio

Posted in Nº 0 (2010/1) by Revista Estudos Políticos on junho 1st, 2010

Este artigo em PDF

Diogo Pires Aurélio é professor de Filosofia da Universidade Nova de Lisboa.

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Resumo

A soberania é frequentemente considerada um conceito em vias de perder a pertinência que conheceu nos últimos séculos e de alcançar um estatuto meramente histórico.  Na origem desta convicção, vaga mas generalizada, é possível identificar a suposição de uma racionalidade cosmopolita, onde o político tende a esgotar-se no ético, que põe em causa os estados como unidade de decisão. À luz desta perspectiva, o conceito de soberania revela-se não só ambíguo, mas antinómico. Neste artigo, proponho que a antinomia é inerente à soberania e considero  que: a) é impossível sacrificar qualquer um dos pólos da antinomia do poder soberano, sem retirar ao seu conceito a universalidade que lhe permite abarcar factos historicamente muito diferentes; b) o simples desajustamento entre o conceito na sua pureza, digamos, a priori e a realidade cada vez mais interdependente dos estados não é suficiente para refutar a sua pertinência enquanto operador que possibilita a compreensão do político no contexto da modernidade, isto é, sem o recurso ao transcendente ou à tradição.

Palavras-chave

Soberania, representação, política, ética

Abstract

Sovereignty is frequently considered a concept on the brink of losing the relevance it has enjoyed in the last decades and of becoming merely a historical curiosity. At the root of this vague yet widespread conviction it is possible to identify the assumption of a cosmopolitan rationality, in which the political is overridden by the ethical and its questioning of states as units of decision. In light of this perspective, the concept of sovereignty is not only ambiguous but antinomic as well. This article proposes that this antinomy is inherent to sovereignty and considers that: a) it is impossible to sacrifice any one of the poles of the antinomy of sovereign power without removing the concept’s universality, which is precisely what allows it to encompass several different historical factors; b) the simple maladjustment between the concept in its, as it were, a priori purity and the increasingly interdependent reality of States is not sufficient to refute its pertinence as an operator which makes it possible to comprehend the political in the context of modernity, that is, without resorting to the transcendent or to tradition.

Key words

Sovereignty, representation, politics, ethics

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A soberania é frequentemente considerada, em publicações sobre política e sobre relações internacionais, como se fosse um conceito em vias de perder a pertinência que conheceu nos últimos séculos e a caminhar para um estatuto meramente histórico. A bibliografia a seu respeito não pára de crescer, mas tornou-se um lugar-comum afirmar que nos encontramos em fase de transição daquilo que foi, até há pouco, o estado soberano para algo que vai suceder-lhe e que não sabemos ainda bem o que será.

Na origem desta convicção, vaga mas generalizada, podem apontar-se três ordens de factores:

a) Os processos de integração regional em curso, designadamente a integração europeia, e o desaparecimento de alguns dos tradicionais elementos da soberania, como o direito a cunhar moeda e o controlo das fronteiras, parecendo antecipar no horizonte um mundo sem soberanias.

b) A globalização da economia e de outras esferas de actividade, como a ciência ou a cultura, evidenciando um desajustamento entre o poder político, geograficamente circunscrito, e os vários centros de poder efectivo que operam actualmente à escala planetária.

c) A impregnação do discurso dominante em várias instâncias internacionais, especialmente a ONU, por uma racionalidade cosmopolita, onde o político tende a esgotar-se no ético, pondo em causa a razão de ser dessas unidades de decisão em última instância que são os estados e banalizando a ideia de uma comunidade internacional que chamaria a si o «monopólio da violência» e à qual, por conseguinte, se teria de conferir o direito de julgar e punir, assim como o direito de ingerência, se necessário manu militari.

Não vou aqui discutir as duas primeiras ordens de razões enunciadas, que são genericamente conhecidas e extravasam para lá do âmbito estritamente filosófico. Centrar-me-ei apenas no binómio estado soberano versus cosmopolitismo, à luz do qual o conceito de soberania se revela não só ambíguo, mas antinómico, para concluir depois que uma tal antinomia lhe é inerente. Dito por outras palavras, se a reduzirmos a um conceito unívoco, a soberania deixará de poder cumprir a função de foco virtual de onde emerge o político, função que ela desempenha desde os alvores da modernidade, ou seja, desde que o político se pensa à margem quer da teologia, quer das concepções que o entendiam como um destino intrínseco à natureza humana.

A soberania é inseparável do político em si mesmo. Conforme observou, recentemente, o jurista e politólogo Chris Brown, «se concordarmos que a política tem a ver com a governação e com a autoridade para definir os valores que são de defender na esfera pública (authoritative allocation of values), então um sistema baseado na ausência de instituições centrais com autoridade não será um sistema político»[1]. Inclusive um autor tão insuspeito neste assunto como Antonio Negri reconhece que, «até ao momento, todas as revoluções se limitaram a aperfeiçoar a forma do estado, sem lograrem destruí-lo»[2]. A soberania, contudo, na medida em que se pensa como forma de poder não só razoável, mas também racional, assenta numa lógica cujo desenvolvimento induz a ideia de democracia, a qual, por sua vez, induz, ao menos tendencialmente, a negação da ideia de soberania. Na verdade, se o poder soberano só faz sentido quando fundamentado num contrato que implica a vontade e a decisão de todos e de cada um dos indivíduos, em última análise, a substância da soberania equivale à sua negação. A circularidade aqui existente é manifesta e insuperável. Ao configurar a existência de um poder supremo, não como simples facto, mas como conceito imprescindível na arquitectura racional do poder, o pensamento moderno circunscreve o político à imanência do humano, rejeitando em consequência outro tipo de legitimação que não seja a que provém do consentimento, explícito ou implícito, daqueles que estão sujeitos a esse mesmo poder. Todavia, se consideramos, como acontece obrigatoriamente no quadro de uma concepção democrática, que a última ratio do poder soberano está na vontade dos que são seus súbditos, então o poder soberano não pode dizer-se verdadeiramente soberano. Ou seja, a ideia de soberania, enquanto processo de racionalização de um poder acima de todos os outros poderes, contém em si, por um lado, o gérmen e mesmo a exigência de uma democracia radical, por outro, a negação da simples ideia de democracia.

Resumindo, e antecipando algo a que voltarei na conclusão, a soberania incorpora na sua definição elementos que sugerem o seu esgotamento no âmbito de uma racionalidade cuja matriz é a ideia de igualdade e cujo horizonte é a ideia de democracia; mas, ao mesmo tempo, incorpora também elementos que impedem que a chamada «pós-soberania» se apresente como algo mais do que wishful thinking, ideologia ou simples futurologia. Não é, efectivamente, por se imaginar (seja dito de passagem) as Nações Unidas como dotadas de uma autoridade e de um poder superior ao que elas possuem, ou alguma vez possuíram, que o fenómeno político poderá pensar-se à margem da ideia de soberania; não é por alguns afirmarem que os estados e os imperialismos de ontem estariam hoje incorporados num mítico Império, funcionando em rede[3], que uma análise séria das unidades políticas realmente existentes e actuantes seja possível sem recurso a esse operador político essencial que é o poder soberano.

Semelhante antinomia, inerente ao conceito de poder soberano, pode enunciar-se do seguinte modo:

a) A soberania, para ter razão de ser, ou seja, para não ser simples expressão da força, tem de poder deduzir-se a partir das vontades dos indivíduos que lhe estão submetidos.

b) Não há soberania sem a suspensão das vontades individuais, ficando estas, minimamente que seja, reféns da vontade soberana.

Uma parte significativa dos autores que abordam uma tal antinomia tendem a encará-la como ocasional contradição que a realidade histórica se encarrega de resolver, num sentido ou noutro. Carl Schmitt, por exemplo, sugere a existência de uma sucessão lógica, se bem que dialéctica, entre o estado absoluto, tutelado por uma soberania que transcende o corpo social (visto que este só através daquela assume forma e vontade) e a democracia de massas do século XX, na qual, recusada como alienante a transcendência do poder, o estado não poderia senão coincidir, democraticamente, com a sociedade. Num artigo de 1931, intitulado «A viragem para o estado total», Schmitt escreve: «A sociedade que a si mesma se organiza no estado está a caminho de passar do estado neutro do liberal século XIX para um estado potencialmente total. A viragem violenta deixa-se construir como parte de um processo dialéctico que decorre em três estádios: do estado absoluto dos séculos XVII e XVIII, através do estado neutro do liberal século XIX, até ao estado total da identidade do estado e da sociedade»[4]. Jürgen Habermas, por seu turno, embora com pressupostos distintos e num registo obviamente diferente, sugere a existência de uma identidade consubstancial entre a soberania, ao menos na sua forma absoluta, e o fenómeno totalitário. Leiam-se estas suas palavras, escritas há menos de uma década: «A mobilização das massas no decorrer da Segunda Grande Guerra mundial, e a miséria das que estavam detidas nos campos de concentração, os comboios de refugiados e o caos das “pessoas deslocadas” deram origem a um colectivismo, ideia que se anunciava já no frontispício do Leviathan de Hobbes». E Habermas explica: «Os inumeráveis indivíduos já se confundem aí, de maneira anónima, para formar a figura super-potente de um macro-sujeito, capaz de acção colectiva»[5]. É certo que o autor não se revê na indistinção entre democracia liberal e regimes totalitários, duas formas políticas que tanto Schmitt como Heidegger tendem a encarar como simples variações da democracia de massas. Não é, porém, irrelevante a sua leitura do frontispício da 1ª edição do Leviathan, que ele interpreta como uma espécie de radiografia antecipada do totalitarismo. Na verdade, se reduzirmos a soberania a um só dos pólos da antinomia que lhe é inerente – a apropriação das vontades individuais pelo soberano –, esquecendo o seu outro pólo – a fundamentação da vontade soberana pelas vontades individuais –, ela deixará certamente de aparecer como antinómica, e o estado soberano poderá então tomar-se por um protótipo do estado total ou totalitário. Ao desaparecer, porém, a antinomia, desaparece também a operacionalidade do conceito, ficando a soberania transformada num vago e trivial sinónimo do poder e reduzindo-se a questão da política a uma simples questão de polícia.

Contrariamente a esta interpretação da soberania, que subestima a sua natureza intrinsecamente antinómica, a interpretação aqui proposta considera

a) que é impossível sacrificar qualquer um dos pólos da antinomia do poder soberano, sem retirar ao seu conceito a universalidade que lhe permite abarcar factos historicamente muito diferentes;

b) que o simples desajustamento entre o conceito na sua pureza, digamos, a priori e a realidade cada vez mais interdependente dos estados não é suficiente para refutar a sua pertinência enquanto operador que possibilita a compreensão do político no contexto da modernidade, isto é, sem o recurso ao transcendente ou à tradição.

1. A soberania como vontade

Comecemos por recorrer a Thomas Hobbes, autor para o qual tanto Schmitt como Habermas remetem, analisando a imagem em que Habermas vê uma prefiguração do totalitarismo. Sabe-se que esta imagem é uma gravura encomendada por Hobbes ao desenhador alemão Wenceslaus Hollar[6] para o frontispício da 1ª edição do Leviathan. A conformidade do desenho ao conteúdo da obra é de tal maneira grande, que se torna impossível não concluir que o filósofo dera ao artista indicações muito precisas.

fig. 1

Repare-se (fig. 1). O desenho ocupa um espaço rectangular que se divide, sensivelmente a meio, em duas partes, uma em cima, outra em baixo. A metade inferior subdivide-se, por sua vez, em três colunas verticais. A do meio tem o título, o subtítulo, o nome do autor, o local e a data da edição. Quanto às laterais, a da esquerda apresenta uma sucessão de vinhetas, cada uma delas com o seu motivo: na primeira a contar de baixo, vê-se uma batalha; nas seguintes, vemos sucessivamente um conjunto de armas e estandartes, um canhão, uma coroa e, por fim, um castelo. Há, portanto, ao longo da coluna, um movimento ascensional que vai da guerra à sua superação mediante a força e a autoridade do monarca. O mesmo se passa, em termos rigorosamente simétricos, no plano espiritual, representado na coluna da direita: em baixo, assiste-se a uma discussão entre teólogos; logo a seguir, vem um cacharolete com vários tipos de argumentos que se usam nas controvérsias; depois, surgem raios celestes, uma mitra de bispo e, finalmente, uma catedral. Quer no plano físico quer no plano espiritual, parte-se de uma base de conflitualidade, violência e anarquia, a qual se abandona progressivamente, à medida que vão surgindo sinais de força e poder. Tratando-se, porém, de dois planos não apenas distintos como virtualmente conflituais, os poderes que surgem no topo de cada uma das respectivas colunas constituem uma ameaça recíproca. O castelo e a catedral são duas conchas fechadas, dois símbolos entre os quais não é possível a síntese. Daí, a necessidade de a narrativa do político passar a uma outra dimensão, na qual tanto o poder espiritual como o poder temporal irão ser subsumidos pelo poder soberano, em termos porém que escapam ao domínio da razão e se perdem na mitologia.

Passemos então à parte superior da gravura. Aqui, logo em primeiro plano, está uma catedral, no meio de uma cidade amuralhada, tranquila e geométrica como só as cidades utópicas. Nos arredores, há mais igrejas, casas, campos cultivados e estradas. Ao fundo, emerge um corpo gigantesco, ocupando de tal modo a cena que todos os outros elementos da gravura se tornam quase insignificantes. O gigante não está implantado na paisagem, está para além, surge como que do nada, à semelhança do Cristo ressuscitado de muitas representações medievais, ou do Pantokrátos da teologia bizantina. Se tivermos em conta que o seu nome é Leviatã e que o leviatã é um peixe mitológico, compreender-se-á a sua estranha inscrição no espaço da gravura. Ele está como se viesse de além da terra, e tem, a encimá-lo, em jeito de legenda, uma frase tirada do livro de Job, 41, 24: non est potestas super terram quae comparetur ei (não existe sobre a terra poder que se lhe compare). Nas mãos, ele ostenta, não a espada e o ceptro, como é costume nos retratos dos reis, mas a espada e o báculo episcopal, para que fique claro que é tanto poder civil como poder eclesiástico, tanto poder temporal como poder espiritual, não restando nada fora da sua ordem jurídica. Quem é, afinal, esta figura onde Habermas pretende ver uma antecipação do estado totalitário, no qual a singularidade seria subsumida pela uniformidade de seres iguais uns aos outros perante um soberano literalmente descomunal?

Até ao século XX, a investigação prendeu-se quase exclusivamente com a identificação do rosto aqui retratado, vendo nele parecenças com Oliver Cromwell, líder do movimento que decapitara Carlos I e proclamara a República[7]. Coube a Carl Schmitt, em 1938, reparar pela primeira vez atentamente na ilustração e ler o próprio livro de Hobbes a partir da simbologia do seu frontispício, a figura bíblica do Leviatã, o monstro marinho que enfrenta Behemoth, o monstro terrestre[8]. Conforme sublinha Étienne Balibar, «Schmitt teve o génio de ver e de dizer, como ninguém antes dele, que a alegoria do monstro marinho aterrador, assim como o nome próprio que ela confere ao estado, tinham uma função e uma história próprias, que convinha confrontar sistematicamente com a doutrina da potência pública desenvolvida no corpo da obra, para evidenciar um excedente de significação, irredutível à simples ideia de “representação” ou de “personificação”, que é o seu contributo histórico manifesto»[9]. Ou seja, na medida em que é um deus produzido pela natureza dos homens, um homem dotado de uma potência sobre-humana, uma máquina dotada de vida animal, o Leviatã constituiria, na interpretação de Schmitt, a tentativa moderna de pensar o estado na sua antiga unidade, uma unidade só possível extravasando para lá dos cânones do lógico e entrando pelos meandros do teológico. Infelizmente – é ainda Schmitt quem o lamenta -, Hobbes teria vazado esta sua fulgurante intuição no quadro do mecanicismo cartesiano, abrindo assim o caminho a uma política pensada e contaminada pela neutralidade da ciência, a política em que se teria gerado o estado liberal e burocrático[10].

Deixemos, porém, a interpretação de Schmitt e voltemos ao frontispício do livro. O rosto do Leviatã está de frente, enquanto as pequenas figuras de indivíduos que lhe enxameiam o tronco e os braços estão de costas ou de perfil. Não existe nelas qualquer sinal de classe ou condição, como se tivessem desaparecido todos os vestígios dos muitos vínculos que tradicionalmente cimentam grupos particulares no interior da sociedade e que podem sempre constituir-se em focos de resistência, seja por via armada ou por via pacífica, através, por exemplo, dos seus parlamentares. Embora estas figuras não sejam rigorosamente idênticas – os fatos não são bem iguais, umas trazem chapéu, outras não, etc. – a relação ao corpo coroado torna irrelevantes estas pequenas diferenças. Ninguém se compara ao soberano e, por esse facto, e só por esse, todos os indivíduos são iguais. Ele, o corpo coroado, tem o que nenhum deles tem por si mesmo, isto é, a capacidade de subsistir sem receio de outrem. Em que é que se traduz essa capacidade? Precisamente no poder de demover qualquer tentativa de atentar contra ele, poder este que tem por contrapartida a submissão de todos à sua vontade e a estabilidade comum que daí resulta, isto é, o estado.

O estado, por conseguinte, apresenta-se aqui como um corpo que é feito, não de uma multiplicidade de corporações, mas de uma multiplicidade de indivíduos. São eles as partes mínimas, as unidades de sentido, deste «homem artificial». São eles também, ou melhor, é o medo que cada um deles tem de que algum outro lhe retire violentamente a vida, quem o constitui. Afastada a hipótese de uma soberania legitimada por Deus; afastada igualmente a hipótese de uma soberania baseada em qualquer tipo de desigualdade natural, porquanto ninguém está acima do medo da morte violenta, a perpetuação da vontade de sobreviver só pode ser assegurada mediante a escolha racional que leva ao pacto. São, por isso, as vontades individuais que criam o poder soberano e, consequentemente, a esfera política, à semelhança, diz Hobbes, do fiat pronunciado por Deus, que criou o universo e o homem[11].

Uma análise superficial poderá supor que a concepção do estado a partir da vontade e da palavra dada pelos indivíduos um por um, conforme a ilustração do frontispício do Leviathan pretende claramente mostrar, se destinaria apenas a legitimar a anulação preventiva de qualquer hipótese de estados dentro do estado. Sem dúvida, o estado soberano é um mecanismo para restabelecer a antiga coincidência da auctoritas e da potestas, eliminando assim a possibilidade que as convicções e as seitas possuem, se estiverem organizadas, de perturbar a paz. Mas isto constitui uma razão meramente funcional, ou estratégica. Do ponto de vista estritamente teórico, o que é relevante é que a vontade não seja pensável em outro sujeito que não o indivíduo singular. É por isso que interpretar o corpo político, à maneira aristotélica, como koinonia (comunidade de comunidades), sem o fundamentar na vontade individual, implicará sempre a ignorância da vontade de todos aqueles que não têm voz na polis – mulheres, filhos e escravos –, mesmo que por hipótese eles a tenham no plano doméstico. O estado soberano pensa-se a partir dos indivíduos porque, se não se puder ancorá-lo, ao menos virtualmente, no consentimento dessa miríade de átomos irredutíveis de vontade, haverá sempre no interior do corpo político submissões injustificadas, normas sem fundamento lógico e, por conseguinte, manchas de irracionalidade.

Pode, contudo, perguntar-se qual é o conteúdo exacto desse acto de vontade mediante o qual se produz o poder soberano. A resposta de Hobbes começa por ser negativa, ao referir os termos do pacto:

Cedo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante todas as suas acções (…). Graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz no seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros [12].

À primeira vista, tomando à letra esta formulação, o pacto fundamentaria a soberania no seu estrito sentido weberiano de «monopólio da violência». Com efeito, o pacto implica unicamente a promessa de não usar o direito natural, feita por cada um dos pactuantes na condição de todos os outros cederem igualmente esse direito. Estamos, por conseguinte, perante uma livre decisão, que suspende o uso individual dos meios de defesa ou de ataque postos pela natureza ao alcance dos indivíduos, tornando assim possível a constituição de uma potência cujo detentor, na medida em que não faz qualquer pacto, não conhecerá qualquer obstáculo à sua vontade. Esta potência, contudo, é realmente uma soma de impotências, porquanto está fundada apenas na impotência a que cada um se condena ao pactuar com cada um dos outros. As dificuldades inerentes a uma tal concepção da soberania são múltiplas. Referirei apenas duas, frequentemente apontadas na bibliografia dedicada a Hobbes:

a) Antes de mais, o pacto não fundamenta a obrigação de obediência universal, uma vez que os signatários se limitaram a prometer não pôr entraves à acção do poder soberano. Porém, não pôr entraves ao soberano, nem chamar a si a própria defesa, deixando essa tarefa entregue unicamente a alguém que monopoliza a violência, é diferente de uma verdadeira obediência. Um pacto de renúncia ao uso do direito natural, em si mesmo, é vazio: o soberano, seja ele um indivíduo ou uma assembleia, não carece apenas da neutralidade dos súbditos, carece também da sua participação activa, única fonte aonde recorrer para acudir às tarefas que o pacto lhe reserva, designadamente a defesa comum.

b) Na questão da defesa reside, aliás, a outra dificuldade da concepção da soberania como vontade que se fundamenta na vontade – real ou virtual – dos indivíduos. Na verdade, o contrato faz sentido na medida em que, fundando a commonwealth, elimina o medo da morte violenta, que na ausência daquela é geral e permanente. A suspensão da vontade livre não é senão o preço a pagar pela eliminação do medo que ameaça a vontade de sobrevivência. A ser assim, contudo, não é lógico exigir a alguém que ponha em risco a sua própria segurança, como inevitavelmente o soberano é obrigado a fazer ao colocar um soldado na frente de batalha[13]. O autor é, de resto, o primeiro a dar-se conta e a render-se a uma tal consequência, logo no capítulo XXI do Leviathan:

Caso um grande número de homens em conjunto – pergunta Hobbes – tenha já resistido injustamente ao soberano, ou tenha cometido algum crime capital, pelo qual cada um deles pode esperar a morte, terão eles ou não a liberdade de se unirem e se ajudarem e defenderem uns aos outros? Certamente que a têm: porque se limitam a defender as suas vidas, o que tanto o culpado como o inocente podem fazer[14].

Não vou aqui desenvolver a questão, suscitada por alguns intérpretes, de saber se Hobbes, como parece, legitima a revolução com base exactamente no mesmo princípio em que pretende legitimar a soberania. Do ponto de vista desta, o problema resume-se a compreender como pode uma instância de decisão fundar-se e legitimar-se na vontade individual e, ao mesmo tempo, determinar algo contra essa vontade. Por mais voltas que se dê, a vontade de cada signatário do contrato não se deixa pensar como aquilo a que poderíamos chamar uma vontade de não vontade, o que equivaleria a reconverter a pulsão vital, o endeavour, considerado por Hobbes o puro e simples desejo de sobrevivência, numa autêntica pulsão de morte.

A crítica de Rousseau ao contratualismo hobbesiano reside precisamente na verificação desta impossibilidade de alguém renunciar ao uso pleno da vontade sem negar a própria vontade. Já antes de Rousseau, Espinosa havia concluído, no início do capítulo XVII do TTP, que «ninguém pode alguma vez transferir para outrem a sua potência e, consequentemente, o seu direito, a ponto de deixar de ser um homem»[15]. Dito de outro modo, e conforme Schmitt reconhece, a esfera da interioridade individual, onde radica a vontade, não se deixa enclausurar em qualquer modelo de estado que se reivindique da razão, como é o caso do modelo «mecanicista» à luz do qual Hobbes tenta realizar a mencionada reunificação da auctoritas e da potestas[16]. Arredado da esfera interior, tomado apenas pelo seu lado de autómato sem vida, o estado não poderá senão aparecer como simples técnica de dominação, convertendo-se nesse «monstro frio» de que fala Nietzsche e que, em pleno século XX, irá configurar o estado burocrático e totalitário. É por isso que Rousseau olha para a política como se esta fosse um mecanismo destinado a salvar essa reserva de interioridade que é o essencial do homem e a que ele chama de liberdade individual. Porém, a superação que Rousseau sugere para o impasse hobbesiano, ao economizar deliberadamente o recurso a mediações de natureza política entre o singular e o universal, constitui um salto no absoluto da moral: obedecer apenas a uma «vontade geral», que não coincide com a vontade de nenhum dos cidadãos, nem com a da sua maioria, nem sequer com a da sua totalidade, poderá ser e é um imperativo ético, uma ideia da razão, mas elide por completo o problema da decisão, o problema daquele ou daqueles cuja vontade, mais ou menos condicionada, sobreleva a dos demais na definição das pautas de conduta que terão de ser impostas a todo o agregado. Para impor a vontade geral, Rousseau não pretende somente suprimir a vontade de um soberano, exterior ao corpo social, que decidiria arbitrariamente quem são os cidadãos e quem são os inimigos, como se devem comportar aqueles e quando se deve lutar contra estes. Rousseau quer também, ainda a montante, e uma vez constituído o corpo político, rasurar a própria vontade dos indivíduos, a qual é sempre suspeita de apego ao interesse particular: por ser inteiramente racional, a vontade geral não pode ser o equivalente da soma das vontades individuais; tem de ser a soma das diferenças existentes entre elas, «os mais e os menos que se entre-destroem»[17]. Desta forma, o resultado do contrato é, expressamente, «um corpo moral e colectivo, composto de tantos membros quantos votos tem a assembleia, o qual recebe desse mesmo acto a sua unidade, o seu eu comum, a sua vida e a sua vontade»[18]. Semelhante vontade não possui, obviamente, realidade empírica[19]. No entanto, ela não pode deixar de se imaginar como se fosse uma vontade individual e subjectiva, uma vontade que dá ordens a cada um dos súbditos. De que modo será possível concretizar este «soberano» sem soberania? Como traduzir politicamente esta vontade por assim dizer anfíbia, que paira algures a meio caminho entre o empírico e o transcendental? Emmanuel Sieyes, um leitor de Rousseau tão fiel que reproduz textualmente algumas das suas fórmulas, ver-se-á forçado a rearticular a doutrina para que ela possa realmente aparecer com alguma performatividade na fundamentação e actuação do estado.

Sieyes parte do princípio de que na origem do poder se encontra o «jogo das vontades individuais», que querem associar-se e que, «para darem consistência à sua união», estabelecem entre si um acordo quanto às necessidades comuns e aos meios de lhes acudir. Muito à maneira de Espinosa, observa que, por um lado, só existe poder efectivo no conjunto, mas, por outro lado, «na origem deste estão sempre as vontades individuais». A questão política é, por conseguinte, a de saber como é que as vontades individuais formam e dão execução à vontade comum. O que fazem, pergunta Sieyes, os elementos que querem associar-se? «Separam tudo o que é preciso para zelar e acudir às necessidades públicas e confiam o exercício desta porção de vontade nacional e, por conseguinte, de poder, a alguns de entre eles. Tal é a origem de um governo por procuração». Contudo, Sieyes previne de imediato: «a comunidade não se despoja do direito de querer»[20].

Em que é que consiste este direito de querer? O direito de querer é, antes de mais, a soberania entendida como pura liberdade, sem qualquer determinação, a vontade em estado de natureza. Mas é também o poder constituinte, como lhe chama Sieyes, o poder de definir os contornos a que obedecerão todas as disposições que os governantes venham a impor aos governados. E esse «direito de querer» é inalienável, ou seja, o conjunto não pode jamais ficar refém de nenhuma das formas em que se exprime a sua vontade: assim como a substância espinosista não se confunde nem se esgota em nenhum dos infinitos modos dos seus infinitos atributos, uma nação, diz Sieyes, «é independente de toda a forma e, de qualquer modo que ela queira, basta que a sua vontade apareça para que todo o direito positivo cesse perante ela, como se fosse diante da fonte e do senhor supremo de todo o direito positivo»[21].

Ao longo da exposição que Sieyes apresenta no cap. V de Qu’est-ce que le Tiers État, é visível o seu intuito de apresentar o direito como expressão de uma vontade comum, a qual, por sua vez, seria feita de vontades individuais. A substância da nação é a vontade, uma vontade impossível de alienar, e essa vontade exprime-se como um poder absoluto que é constituinte, isto é, que determina integralmente a constituição dos seus modos, a forma do estado e os constrangimentos a que terá de obedecer o seu ordenamento jurídico. A vontade soberana é, portanto, este poder constituinte que é princípio absoluto do ordenamento jurídico e, nessa qualidade, permanece subjacente a cada uma das leis positivas. Por debaixo de cada norma, lateja a vontade da nação, que é seu fundamento. Contudo, os elementos que informam essa vontade comum, isto é, as vontades individuais, não se cristalizam e estagnam no acto de vontade que dá origem à constituição da nação. Enquanto vontades e enquanto singulares, elas mudam e vão naturalmente opor-se e divergir a respeito dos próprios termos em que ficou selada a sua associação. Para que a ordem assim constituída se perpetuasse espontaneamente como vontade comum, nos termos em que Sieyes a define, seria necessário imaginar um conjunto de vontades que estivessem permanentemente a reactivar a vontade de permanecerem associadas. Dito de outra forma, seria necessário que a nação se definisse unicamente como poder constituinte, sem mediações, das quais a vontade comum corre sempre o risco de ficar refém ou de nelas se alienar. Ora, uma tal imagem de uma nação que se esgotaria na reafirmação contínua da sua identidade, uma nação por assim dizer parmenidiana, seria uma nação literalmente apolítica e irreal. Para realmente incarnar, para que a multiplicidade de vontades individuais assuma forma e assim se torne estado soberano, a nação tem literalmente de se desdobrar: a vontade comum, que é poder constituinte, só pode manifestar-se concretamente e assumir uma existência histórica dando-se uma forma, ou seja, afirmando-se como poder constituído. Nessa medida, a nação é um conceito limite: ela é vontade absoluta ou direito de natureza, aquilo a que Espinosa chama a «potência da multidão», mas é também o seu contrário, ou seja, vontade expressa e fixada numa Constituição, a qual molda os decretos e a acção dos governantes, conferindo assim uma forma concreta à liberdade dos cidadãos.

2. A soberania como representação

Chegamos, assim, à outra face da soberania, a soberania como representação. Para a analisar, proponho que se recorra de novo a Thomas Hobbes, o autor que nos inspirou na análise da primeira.

Embora a representação tenha sido, até há não muito tempo, esquecida pela maioria dos intérpretes do Leviathan, que se centraram predominantemente na questão do contrato, ela é o tema de um dos capítulos mais importantes da obra, o cap. XVI, e inaugura na história do pensamento político um paradigma de compreensão da soberania, ainda relativamente desconhecido nos dois livros anteriores em que Hobbes apresentara a sua doutrina política – The Elements of Law e On Citizen. Não se trata, sublinho, de uma correcção ao contratualismo, porquanto o contrato não desaparece. Mas também não é um simples acrescento lógico, uma vez que a representação se situa numa lógica diferente daquela que está em jogo no contratualismo. O pacto, com efeito, pressupõe a soberania como uma soma e um efeito de vontades, com as quais em última instância se confunde; a lógica da representação, pelo contrário, pressupõe que a vontade comum é algo de substantivamente diferente, quer de cada uma das vontades individuais, quer da sua soma. Na medida em que são singularidades irredutíveis, elas poderão, quando muito, pensar-se como um jogo de forças. Porém, a resultante deste jogo só ganha corpo se existir um indivíduo ou entidade concreta que a represente, isto é, que torne «empiricamente perceptível na realidade a concreta comunidade de povo, que existe e está presente como unidade ideal»[22]. De outra forma, sem uma entidade que seja autónoma desta unidade ideal para a poder representar, e não meramente figurar, será impossível ela existir como estado e como vontade comum que verdadeiramente ordena, em todos os sentidos que o verbo ordenar possui.

Hobbes dá-se conta desta equívoca dimensão da soberania e, por isso mesmo, tenta conjugar as duas lógicas para que ela remete, introduzindo no final da I Parte do Leviathan o citado capítulo sobre a representação. Já antes, porém, a ambiguidade da soberania se deixava adivinhar num pormenor curioso, que faz parte da história do próprio livro. Trata-se de um desenho do mesmo artista, aparentemente semelhante mas com diferenças significativas relativamente à gravura do frontispício da 1ª edição impressa, desenho esse destinado pelo próprio Hobbes à cópia manuscrita do Leviathan que enviou ao futuro Carlos II, na altura exilado em França.

fig. 2

Repare-se nesse desenho (fig. 2). A parte inferior é quase idêntica à da 1ª edição, salvo alguns caracteres e, obviamente, a menção do local e data de publicação, aqui substituída por um simples Anno Dei 1651. Já na parte superior, além de faltar, em cima, a legenda do livro de Job, a figura do corpo soberano é bastante diferente. É diferente no rosto, que alguns supõem ser o rosto de Carlos I[23], o monarca executado em 1649, mas é sobretudo diferente no tronco e nos braços. Aqui, o que vemos já não são indivíduos, como na gravura da edição impressa, são máscaras por detrás das quais não sabemos o que está. Keith Brown, para quem esta «versão desenhada parece inquestionavelmente a melhor expressão das ideias de Hobbes», observa que a imagem também traz à memória «a figura desse demónio cujo nome é Legião»[24]. Desapareceram, efectivamente, os rostos da figura anterior, que tinham boca e mãos e a quem, por isso mesmo, podíamos imaginar a fazer promessas e a assinar um contrato, para ficarmos agora perante um amontoado de máscaras. Da figuração da realidade, passámos a uma espécie de teatro, não fossem as máscaras, no entendimento explícito de Hobbes, a figura das personnae fictae, ou seja, das entidades que acedem à existência através unicamente da representação:

A palavra pessoa é de origem latina. Em lugar dela os gregos tinham prósopon, que significa rosto, tal como em latim personna significa o disfarce ou a aparência exterior de um homem imitada no palco. E por vezes, mais particularmente, aquela parte dele que disfarça o rosto como máscara ou viseira. E do palco a palavra foi transferida para qualquer representante da palavra ou da acção, tanto nos tribunais como nos teatros. De modo que uma pessoa é o mesmo que um actor. Tanto no palco como na conversação corrente. E personificar é representar, seja a si mesmo ou a outro[25].

Neste outro paradigma de compreensão da soberania, os elementos constituintes já não são, portanto, unidades de vontade, são unidades de representação. Há aqui, de resto, um certo paralelismo com a descrição da sensação que é o tema do capítulo I do Leviathan. A sensação, considera Hobbes, é uma aparência ou ilusão, que resulta da pressão de um corpo exterior sobre os órgãos dos sentidos e da contrapressão que ela desencadeia a partir do sistema nervoso central. A sensação não é reflexo nem de um nem de outro dos dois corpos que se encontram e chocam. Nem “subjectiva”, nem “objectiva”, a sensação é uma terceira entidade, real e no entanto diferente dos corpos para os quais remete. De igual modo, a representação é manifestação empírica de uma vontade comum que, na ausência desta sua manifestação, pura e simplesmente não existiria. O único modo de ser da vontade comum, a única existência que ela pode assumir enquanto superação das oposições e conflitos realmente existentes entre as vontades individuais, é a existência de um poder soberano, isto é, de um poder autónomo dessas vontades, cuja potência tem a virtude de estabilizar as tensões e reduzir as probabilidades de conflito, garantindo assim a concórdia civil. Diz Hobbes:

Uma multidão de homens é transformada em uma pessoa quando é representada por um só homem ou pessoa, de maneira a que tal seja feito com o consentimento de cada um dos que constituem essa multidão. Porque é a unidade do representante e não a unidade do representado que faz que a pessoa seja una. E é o representante o portador da pessoa, e só de uma pessoa. Esta é a única maneira como é possível entender a unidade de uma multidão[26].

É porque o representante não é reflexo nem efeito de nenhuma vontade real, fosse esta individual ou colectiva, que ele se diz soberano, ou seja, permanece legibus solutus, ao mesmo tempo que é fundamento de toda a ordem jurídica. Sublinhe-se que uma tal figura, cuja dimensão é literalmente desmedida, surge ao arrepio da lógica da vontade. Esta, com efeito, desenvolve-se através de uma sequência causal, que vai das vontades individuais até à vontade do soberano e, desta, retorna em forma de lei às vontades individuais. A lógica da vontade é uma lógica identitária, conforme observou Schmitt, ou, mais exactamente, uma lógica emanatista, plotiniana, em que a lei surge como a última das emanações do querer primordial dos indivíduos, ao mesmo tempo que se abate sobre eles como ordem superior. Pelo contrário, a lógica da representação assenta na diferença ontológica entre a vontade individual e a soberania, entre o estado de natureza e o estado civil, pondo a claro a natureza fictícia, se bem que operante, ou melhor, constituinte, do corpo soberano enquanto vontade comum.

Os dois paradigmas, como vimos, apresentam-se no sistema hobbesiano como se fossem, de alguma forma, complementares. Todavia, a oposição entre um e outro está latente e, mais do que isso, tem consequências práticas que vão emergir na história da soberania e do estado moderno. O paradigma da representação, ao reter a distinção ontológica que existe entre a vontade empírica dos representados e a vontade autorizada do representante, alberga em si a hipótese de um estado absolutista com fundamento na razão. Recusado o fundamento teológico do poder soberano e, por conseguinte, afastada a possibilidade de o rei falar em nome da divindade, este poderá ainda falar em nome da razão ou do interesse de estado, conforme sugere, por exemplo, Richelieu. O que é o interesse do estado ou interesse público? Nada de substancial. Tal como a vontade comum, embora se pense como pré-existindo a qualquer norma, o interesse só existe realmente a partir do momento em que o soberano o representa, isto é, o enuncia, e dele se deduz o direito positivo. Representando o interesse nacional, a soberania ainda remete, é certo, para os indivíduos, uma vez que a nação é impossível de pensar sem eles, mas deixa, por outro lado, de se pensar como consequência mecânica das suas vontades, ou como seu comissário, porquanto o que ela representa, o seu correlato, é um interesse que não corresponde, nem deve corresponder, aos interesses particulares de nenhum daqueles a quem se atribui.

Rousseau e o pensamento democrático que nele se inspira vão denunciar este mecanismo. Não é tanto, como se poderá supor, por alguns laivos de metafísica detectáveis no paradigma da representação. Metafísica por metafísica, a de Hobbes ficará sempre muito aquém da de Rousseau. Aquilo que verdadeiramente este contrapõe àquele é uma interpretação da soberania assente exclusivamente no modelo da vontade. O Contrato Social, com efeito, não só identifica a soberania com a vontade geral, como, além disso, recusa veementemente a representação:

A soberania não pode ser representada, pela mesma razão que não pode ser alienada; ela consiste essencialmente na vontade geral, e a vontade não se representa: ou ela é a mesma ou ela é outra; não há meio termo [27].

Uma das consequências desta recusa da representação é o facto de Rousseau ter de pensar a vontade geral nos mesmos termos em que pensa a vontade singular e atribuir à soberania popular as mesmas prerrogativas que requer a soberania hobbesiana. Esta, no entanto, previa a vontade subjectiva do príncipe ou os mecanismos que permitissem a uma assembleia passar da deliberação à decisão. Pelo contrário, em Rousseau, torna-se difícil, senão impossível, explicar como pode a inter-subjectividade soberana produzir a decisão, que o mesmo é dizer, como pode formar-se e, sobretudo, operar a vontade comum sem o seu duplo, a representação. Ora, no plano estritamente político, é esta a verdadeira questão. Não por acaso, as soluções que para ela foram sendo encontradas inclinam-se invariavelmente para a recuperação do paradigma da soberania como representação, seja implicando a rejeição cabal do paradigma da soberania como vontade, conforme acontece em Burke, seja conciliando os dois paradigmas, conforme se pode ver em Sieyes ou em James Madison.

Burke separa radicalmente as vontades individuais daquilo que deve ser o princípio da soberania, nos termos em que este já havia sido apontado pelos teóricos da razão de estado: o soberano obedece unicamente ao interesse público, o qual possui uma realidade objectiva e impessoal; em consequência, a lei não é uma questão de vontade, mas sim uma questão de razão e de verdade, uma questão relacionada com o dever e com a verdade. «Nem a minoria, nem a maioria, têm o direito de agir meramente por sua vontade em nenhuma matéria relacionada com dever, confiança, compromisso ou obrigação». E Burke acrescenta: «Os deveres não são voluntários. Dever e vontade são sempre termos contraditórios»[28]. O papel dos representantes – muitos ou poucos – é precisamente enunciar o conteúdo do interesse público a partir do seu saber, da sua consciência e do seu debate.

Pelo contrário, para Sieyes, o sujeito da soberania é, como vimos, a vontade nacional radicada nas vontades individuais. A nação, contudo, carece de instituições para se objectivar e, por isso, a par da «representação ordinária», que constitui o poder executivo, limitado pela constituição e aceite inclusive por Rousseau, Sieyes admite igualmente uma «representação extraordinária», dotada ela mesma de poderes constituintes, «posta em lugar da nação», querendo «como querem os indivíduos no estado de natureza» e cuja vontade «valerá como a da própria nação»[29]. Dito por outras palavras, ainda antes da constituição e do governo, é o próprio poder constituinte que carece, para se materializar, do mecanismo da representação.

Madison, por sua vez, sublinha a oposição entre a república, na base da qual se encontra a soberania como representação, e a democracia, que remete para o paradigma da soberania como vontade, concluindo em The Federalist Papers que «a voz do povo será mais consonante com o bem público se for pronunciada pelos representantes do povo, do que se for pronunciada pelo próprio povo»[30].

Qualquer destas versões, mais ou menos mitigada, da soberania como representação conhece, evidentemente, os limites próprios do paradigma, os quais se resumem no défice de legitimação que lhe é inerente. Quer se invoquem as dificuldades materiais que existem, a partir de um certo limiar demográfico, para o exercício de uma democracia efectiva, como fazem Madison e Sieyes; quer se assuma claramente que a soberania tem a ver, não com as vontades particulares, mas com a razão e o interesse objectivo do estado, como defende Burke, a representação exibe sempre uma fractura entre o singular e o comum: o representante decide, impõe autonomamente a sua vontade, à margem de tudo quanto estaria implícito no princípio da igualdade. E, no entanto, a soberania, já Hobbes o antevira, para ser justificável à luz da razão tem de estar legitimada, se mais não for virtualmente, pelo consentimento dos súbditos: são estes que autorizam as normas enunciadas pelo soberano e, no limite, só haveria verdadeira soberania quando esta fosse protagonizada por todos e cada um dos súbditos, isto é, quando houvesse identidade entre quem manda e quem obedece. O círculo, como se pode ver, não tem saída.

A melhor ilustração deste paradoxo reside no conceito de democracia representativa, através do qual se afirma um tipo de soberania que se pretende popular e, no entanto, se efectiva através da eleição de representantes que ditam as normas. Hans Kelsen comenta, a este respeito, que é necessário fazer uma distinção, no fenómeno democrático, entre ideologia e realidade. De acordo com a ideologia democrática, diz Kelsen, «a eleição deve ser uma delegação de vontade do eleitor no eleito». Como, porém, «a vontade não pode realmente ser delegada», tanto a eleição como a democracia são «impossibilidades lógicas». Por isso, para que a vontade se pense ainda como livre e determinada unicamente por si mesma, «a vontade que domina os eleitos deve ser considerada como vontade dos eleitos. Daí a ficção da identidade dos eleitores e dos eleitos»[31]. Perguntar-se-á, então, qual o significado desta delegação de vontade que se sabe impossível mas que nem por isso deixa de se ficcionar e tomar como se fosse real. Kelsen, recorrendo expressamente à psicanálise, responde que a representação da autoridade social é sempre um decalque da autoridade familiar, aquela que o indivíduo conhece e sente primeiramente. Por isso, acrescenta,

Tal como, no estádio primitivo do totemismo, os membros do clã colocam por ocasião de certas festas orgíacas a máscara do animal-tótem sagrado, quer dizer do antepassado do clã, a fim de, representando eles próprios o papel do pai, rejeitarem por um breve momento todos os laços sociais, assim também na ideologia democrática o povo-sujeito reveste o carácter de órgão investido de uma autoridade inalienável cujo exercício só pode ser delegado, e tem sempre de ser novamente delegado, nos eleitos. A doutrina da soberania popular é também – muito refinada e intelectualizada, sem dúvida – uma máscara totémica [32].

À primeira vista, dir-se-ia que Hans Kelsen se limita a recuperar a doutrina dos arcana imperii, denunciando o poder soberano como simples fantasia sem consistência, tal como ele é vulgarmente encarado pela ciência positiva – e positivista – do direito. De acordo com a mesma razão que tutela os princípios da liberdade e da igualdade, é impossível admitir, por detrás da norma, qualquer vontade particular, que seria injusta porque injustificada, ou qualquer entidade que a imaginação coloque no lugar da vontade comum a título de representante. Kelsen, porém, não ignora a natureza paradoxal da norma, o seu intrínseco desdobramento sob o ponto de vista lógico: se, por um lado, ela é dominação e possibilidade de sanção, por outro, não pode pensar-se como justa se não puder pensar-se como expressão da vontade comum. Daí que, numa derradeira tentativa de superação do paradoxo, Kelsen identifique a soberania e o estado com a própria ordem jurídica. É a norma reduzida à mais sofisticada e impessoal das suas configurações, a configuração de uma soberania sem soberano:

É da essência da democracia que as leis sejam criadas pelos mesmos indivíduos que estão limitados por elas. Ora, na medida em que a identificação do que manda e do que é mandado é incompatível com a natureza de uma ordem (command), as leis criadas de uma forma democrática não podem ser reconhecidas como ordens. Se nós as comparamos a ordens, teremos de eliminar por abstracção o facto de que essas ordens foram pronunciadas por aqueles a quem elas são dirigidas. Nós só podemos caracterizar as leis democráticas como ordens se ignorarmos a relação entre o indivíduo que dá a ordem e o indivíduo a quem ela é dirigida, isto é, se presumirmos uma relação entre este último e a ordem considerada como impessoal, como autoridade anónima. É esta a autoridade da lei, acima das pessoas individuais que são comandadas e que comandam. (…) A norma é uma ordem impessoal e anónima [33].

Conclusão

Em resumo, a soberania não é susceptível de se traduzir por um conceito unívoco. Se a associamos apenas à representação, fica por justificar a génese da vontade soberana enquanto vontade diferente das vontades individuais e detentora do poder de as submeter: o facto de se colocar no lugar dessa vontade um mero sistema impessoal de normas, como faz Kelsen, não parece suficiente para se poder ignorar o problema da fundamentação da norma. Em contrapartida, se associamos a soberania unicamente à vontade, explicar-se-á a obediência, porquanto a vontade soberana se identifica com as vontades dos súbditos e, por conseguinte, estes não obedecem senão a si próprios, mas omitir-se-á a impossibilidade de efectivação de uma vontade comum sem mediações, imaginando-a como se ela fosse idêntica a uma vontade individual. Numa palavra: a representação não pode pensar-se como vontade, a não ser recorrendo ao teológico-político, que a modernidade rejeita por impossível de justificar racionalmente; a vontade, por sua vez, não pode pensar-se como representação, a não ser recorrendo à mitologia de um corpo feito de muitos corpos individuais, com uma razão e um interesse comum trans-substanciado na vontade particular de um rei ou de uma elite, de um tirano ou de uma clique dirigente. É desse duplo impasse que deriva a necessidade de pensar hobbesianamente a soberania, como vontade e, em simultâneo, como representação.

As consequências desta insuperável ambiguidade são conhecidas. No plano interno de cada estado, a soberania enquanto representação exibe irremediavelmente, mercê da assimetria entre representados e representantes, a fragilidade da legitimação dos actos soberanos: por mais juridicamente fundamentada que se considere uma decisão de um representante que contrarie as promessas por ele feitas antes da sua eleição, os representados tenderão sempre, e com razão, a questionar a sua legitimidade, uma vez que ela surgirá irremediavelmente como arbitrária, exprimindo uma vontade e um interesse particulares. Em contrapartida, a soberania enquanto vontade, ao projectar-se na mítica identidade entre soberano e súbditos, tenderá a desdobrar-se em mecanismos de participação que, na sua expressão acabada, impossibilitariam a passagem da deliberação à decisão. O facto de se ter abandonado, desde meados do século XIX, a representação liberal em favor do sistema partidário, colocando a vontade comum a operar através dos partidos de massas, longe de eliminar a hipótese de as vontades individuais ficarem reféns da aristocracia de representantes, revelou, pelo contrário, a inevitabilidade de existirem oligarquias partidárias, conforme ficou definitivamente demonstrado, logo no início do século XX, por autores como Robert Michels.

Já no plano internacional, se a soberania como vontade sublinha o carácter singular de cada estado face aos demais, a soberania como representação, ao remeter para uma racionalidade que sobreleva as vontades individuais dos representados, coloca no horizonte do pensar a questão de uma soberania universal, que é, no entanto, empiricamente contrariada pela dinâmica da soberania como vontade.

A tensão entre estas duas lógicas, repito, é inevitável e faz parte integrante da figura da soberania, como tentei evidenciar, recorrendo à sua figuração inaugural na obra de Hobbes. Longe, portanto, de ser um dado recente e característico da pós-modernidade, a chamada crise da soberania, de que hoje em dia tanto se fala, está pelo contrário inscrita no cerne da ideia através da qual se realiza e pensa, desde o seu aparecimento, o estado moderno.

[1] Cf. Chris Brown, Sovereignty, rights and justice, International Political Theory Today, Cambridge, Polity Press, 2002, p. 6. Vide, igualmente, Neil MacCormick, Questioning Sovereignty, Law State and Pratical Reason, Oxford, Oxford University Press, 1999, pp. 123-136.

[2] Michael Hardt, Antonio Negri, Multitude – War and Democracracy in the Age of the Empire, New York, Penguin Press, 2004, trad. port. de Miguel Serras Pereira, Porto, Campo das Letras, 2005, p. 345.

[3] Vide a obra de Antonio Negri, em particular os livros escritos em parceria com Michael Hardt, Empire, Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 2000, e Multitude, cit.

[4] Carl Schmitt, «Die Wendung zum totalen Staat», in Positionem und Begriffe im Kampf mit Weimar – Genf – Versailles, 1923-1939, Berlin, Duncker & Humblot, 1994, p. 173. Sobre esta questão, vide Alexandre Franco de Sá, Metamorfoses do poder, Coimbra, Ariadne Editora, 2004, pp. 34-36.

[5] Jürgen Habermas, Die posnationale Konstellation (1998), trad. franc. in J. Habermas, Après l’état-nation, Une nouvelle constellation politique, Paris Fayard, 2000, pp. 14-15.

[6] Embora tenha sido também atribuída a Abraham Bosse, conhecido arquitecto e gravador francês da época barroca, parece hoje adquirido que Hobbes encomendou o trabalho a Václav Hollar, conhecido em Inglaterra como Wenceslaus ou Wenzel Hollar, desenhador nascido em Praga, em 1607, que foi professor de arte do futuro Carlos II e teve imenso sucesso em Londres, após a Restauração, como ilustrador e topógrafo. Keith Brown argumenta consistentemente esta hipótese e põe em relevo alguns dos pormenores de que nos servimos no presente trabalho. Cf. Keith Brown, «The artist of the Leviathan title- page», British Library Journal, IV (1978), pp. 24-36.

[7] A primeira vez que esta observação parece ter surgido, de modo expresso, é na obra de William Whewell, Lectures on the History of Moral Philosophy in England, London, John W. Parker & Son, 1852, p. 21.

[8] Carl Schmitt, Der Leviathan in des Staatslehre des Thomas Hobbes. Sinn und Fehlschlag eines politischen Symbols (1938), trad. franc., Le Léviathan dans la Doctrine de l’État de Thomas Hobbes, Sens et échec d’ un symbole politique, Paris, Seuil, 2002, em especial cap. 2 e 3.

[9] Étienne Balibar, «Préface», in Carl Schmitt, cit. p. 20.

[10] Carl Schmitt, cit., cap. 5-7, passim.

[11] Cf. Leviathan, Introdução, trad. port. de Maria Beatriz Nizza da Silva e João Paulo Monteiro, Lisboa, INCM, 1995, p. 24.

[12] Leviathan, cap. XVII, cit., p.146

[13] Habermas, confirmando a sua interpretação da soberania como expressão unicamente da vontade, a que atrás fizemos referência, diz isto mesmo de uma forma lapidar: «Hobbes tem que fazer derivar da causalidade da natureza humana instintiva as normas de uma ordem cuja função é precisamente obter pela força a renúncia à satisfação primária desses instintos». Jürgen Habermas, Theorie und Praxis, trad. cast., Madrid, Tecnos, 1987, p. 71.

[14] Leviathan, cap. XXI, cit., p.181.

[15] Tractatus Teologico- Politicus, cap. XVII, ed. Gebhardt, vol. III, p. 201, trad. port., INCM, 3ª ed., 2004, p. 339

[16] Referindo-se, no final do primeiro capítulo, à tese de Helmut Schelsky, que vê em Hobbes uma teoria da política liberta das determinações religiosas, Schmitt comenta: «(…)é decisivo saber se o mito do Leviatã criado por Hobbes era realmente uma restauração autêntica da unidade vital original, se ele resistiu ou não, enquanto imagem mítica e política, no combate contra a destruição judeo-cristã da unidade natural, e se estaria à altura da dureza e da crueldade de um tal combate». Carl Schmitt, cit., p. 80.

[17] Du Contrat Social, II, II, Paris, Garnier Flammarion, 1966, p.65.

[18] Cit. I, VI, p.52.

[19] Kelsen dirá, em nota de rodapé, que «a “vontade geral” de Rousseau, expressão antropomórfica da ordem estatal objectiva, válida independentemente da vontade dos indivíduos, da “vontade de todos”, é absolutamente incompatível com a teoria do contrato social, que é uma criação desta subjectiva “vontade de todos”». Vom wesen und Wert der demokratie, trad. franc., La démocratie. Sa nature – sa valeur, Paris, Éditions Dalloz, 2004, pp. 11-12.

[20] Emmanuel Sieyes, Qu’est-ce que le Tiers État?, Paris, PUF/Quadrige, 1982, p. 65-66.

[21] Cit., pp. 69-70.

[22] Gerhardt Leibholz, Die Reprasentation in der Demokratie (1928), trad. ital., Milano, Giuffrè Editore, 1989, p. 100.

[23] A sugestão é também de W. Whewell, cit., p. 21.

[24] Keith Brown, cit., p. 32.

[25] Leviatã, XVI, cit., p. 137.

[26] Cit., p. 139.

[27] Du Contrat Social, III, XV, cit. p. 134. Note-se que a posição de Rousseau sobre a matéria, ao contrário do que se supõe comummente, nem sempre coincide com a que é expressa nesta obra. Cf. Richard Fralin, Rousseau and Representation. A Study of the Development of his Concept of Political Institutions, New York, Columbia University Press, 1977

[28] An Appeal from the New to the Old Whigs (1791), in Burke’s Politics, ed. by Ross J.S. Hoffman & Paul Levack, New York, Alfred A. Knopf, 1949, p. 393.

[29] Cit., p.71.

[30] The Federalist Papers, 10, New York, Signet Classics, 2003, p.77.

[31] La démocratie, cit., p. 95.

[32] Ibidem, pp. 96-97.

[33] General Theory of Law and State (1949) New Jersey, Transaction Publishers, 2006, p. 36.

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