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Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul - Advances in the diagnosis of bipolar mood disorder

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Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul

Print version ISSN 0101-8108

Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul vol.25  suppl.1 Porto Alegre Apr. 2003

http://dx.doi.org/10.1590/S0101-81082003000400004 

Avanços no diagnóstico do transtorno do humor bipolar

 

Advances in the diagnosis of bipolar mood disorder

 

 

Igor Alcantara; Ricardo Schmitt; Alexandre Willi Schwarzthaupt; Eduardo Chachamovich; Miréia Fortes Vianna Sulzbach; Rachel Tavares de Laforet Padilha; Rafael Henriques Candiago; Renato Moraes Lucas

Médicos Psiquiatras

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Atualmente, vemos transformações no diagnóstico do Transtorno de Humor Bipolar (THB). A prática clínica exige conhecimento mais detalhado da correlação THB – outras doenças psiquiátricas.
Nessa revisão não-sistemática, foram abordados aspectos diagnósticos do THB: a) histórico, b) Espectro Bipolar, c) Depressão Atípica (DeA) e Disforia Histeróide, d) Estados Mistos, e) relação THB-Transtornos de Ansiedade, f) relação com o diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), g) contraponto ao conceito de espectro bipolar.
A doença é conhecida desde a Grécia Antiga. Os estudos baseados nas publicações de Hagop Akiskal expandem o diagnóstico para além dos critérios usualmente utilizados, criando o conceito de espectro bipolar. A alta prevalência de comorbidade entre THB e Transtornos de Ansiedade corroboram que ambos compartilham o mesmo substrato neurobiológico. O debate demonstra que não há consenso, expondo a fragilidade dos nossos métodos diagnósticos. Entretanto, a revisão mostra a utilidade de sempre considerar o THB como diagnóstico diferencial.

Descritores: Transtorno do humor bipolar, Diagnóstico, Critérios, Comorbidade.


ABSTRACT

Nowadays, the diagnostic criteria for bipolar disorder (BD) have been changed. We need a better awareness about BD-another psychiatry diseases correlation for a good clinical practice.
The authors conducted a non-systematic review about some diagnostic topics in BD: a) history, b) bipolar spectrum, c) atypical depression and hysterical disforia, d) mixed states, e) BD and anxious disorders comorbidity, f) BD and borderline personality disorder relationship, g) bipolar spectrum contest.
The BD has been investigated since Hypocrites time. The studies based on Akiskal's ideas put the BD diagnostic beyond the common diagnostics criteria, establishing a new entity called bipolar spectrum. The high prevalence of comorbidity between BD and anxious disorders perhaps confirm the evidence that they share a same neurobiological substratum. There is no consensus and we realize that our diagnostics methods are fragile. However, this review point that the BD must be considered a differential diagnostic in clinical practice.

Keywords: Bipolar disorder, diagnostic, criteria, comorbidity.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Na última década assistimos a modificações na abordagem diagnóstica do Transtorno de Humor Bipolar. Inspirados em idéias da Grécia antiga e de Émile Kraepelin, muitos autores vêm propondo a expansão do conceito de bipolaridade para além dos critérios atualmente válidos.

Visando a abordar as formas atuais de pensar o Transtorno do Humor Bipolar (THB), realizamos uma revisão bibliográfica, buscando os seguintes aspectos: a) aspectos históricos do THB, b) a noção de Espectro Bipolar, c) os conceitos de Depressão Atípica (DeA) e Disforia Histeróide, d) os Estados Mistos, e) a relação entre THB e os Transtornos de Ansiedade, f)a relação com o diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), g) contraponto ao conceito de espectro bipolar.

 

2. ASPECTOS HISTÓRICOS DO TRANSTORNO DO HUMOR BIPOLAR

Loucura, melancolia, mania, fúria divina, possessão, bruxaria, tristeza, demência, psicose, depressão. Até chegarmos no Transtorno do Humor Bipolar, um grande caminho foi percorrido, que iniciou na Grécia e Roma juntamente com a história da nossa civilização. Descrever o seu trajeto é descrever a história da humanidade.

Os primeiros escritos sobre a existência da melancolia datam da civilização greco-romana e são descritas em personagens bíblicos como o rei Saul, no antigo testamento, e mitológicos, como na Ilíada, de Homero.

Saul, rei de Israel, um homem bravo, alto, forte e um valente guerreiro, luta contra os filisteus de maneira corajosa, mas em um dado momento, uma tristeza e um tormento tomam conta de sua vida. Não tem mais certeza de sua força e bravura, pensamentos de morte e tragédia passam a tomar conta dos seus dias, seus servos, preocupados, chamam a Davi, que tinha fama de tocar harpa e acalmar os estados de espírito; então, o atormentado rei se acalma. Saul melhora e tempos depois, volta a se sentir triste, desesperançoso e novamente atormentado. Não vendo saída para a sua situação, acaba por suicidar-se1.

Nos primeiros escritos médicos do século V, ainda havia muita influência da magia, fato que se modificou com os escritos naturalistas de Hipócrates1.

Hipócrates no século IV e V aC descrevia a melancolia (melan: negro; cholis: bile) como uma condição associada à aversão ao alimento, desalento, abatimento, insônia, irritabilidade e inquietude e afirmava que o medo ou a depressão prolongados significavam melancolia. Para ele, as doenças mentais seriam fenômenos derivados de um distúrbio humoral subjacente. Essa definição biológica que sobreviveu até o Renascimento fez parte da compreensão de que a saúde seria o equilíbrio dos quatro humores: sangue, bile amarela, bile negra e fleuma, e de que todas as doenças seriam produto do distúrbio desse equilíbrio A importância dessa teoria consiste na substituição da superstição pela biologia e na adoção do modelo de observação clínica como os componentes mais importantes para relatos de médicos e filósofos1,2.

Para Sorano de Éfeso, a mania envolvia prejuízo da razão com delírios, e a melancolia envolvia estar abatido, com propensão à raiva, quase nunca alegre e tranqüilo2.

Aretaeus da Capadócia, que viveu no século 1º dC, o "clínico da mania", foi o primeiro autor a sugerir que a mania é o estágio final da melancolia, uma visão que prevaleceu por séculos. Ele pensava que a mania e a melancolia tinham uma origem em comum na bile negra, em concordância com a teoria grega dos humores. Aretaeus também descreveu a ciclotimia. Suas observações são conhecidas hoje como o primeiro esforço nosológico em direção ao conceito moderno de transtorno bipolar2.

Galeno de Pérgamo (128 a 201 d.C.), por sua vez, estabeleceu a melancolia como uma condição crônica e recorrente que poderia ser uma doença primária do cérebro ou secundária para outras doenças. Essa é uma elaboração mais abrangente da teoria humoral2.

Da Grécia clássica até o início da Idade Média, as afecções mentais e físicas eram cuidadas primariamente por médicos. À medida que essa função foi sendo delegada aos monastérios e religiosos, devido à queda do Império Romano, as idéias iniciais cederam lugar a um período de trevas. A doença mental passou a ser atribuída à magia, ao pecado e à possessão demoníaca, alvo da Santa Inquisição1,2.

No final da Idade Média (séculos XV e XVI), as ciências empíricas atraíam interesse e aceitação, estimuladas pela ascensão da filosofia metódica de Francis Bacon2.

Pinel, em 1809, caracterizou a melancolia como uma doença composta de um número circunscrito de delírios em oposição à mania ou delírio generalizado que afetava todas as faculdades da mente.

Esquirol reconheceu o transtorno afetivo como uma forma distinta de perturbação mental, que ele chamou "lypemanie" (de perda, inibição e delírio mental) e abandonou o termo melancolia por considerá-lo excessivamente leigo e impróprio para uso técnico em medicina. Com seu trabalho, houve a transformação da visão de desestruturação psíquica global para o conceito de uma forma de loucura parcial, cujo distúrbio primário estaria nas emoções1.

No início do século XIX, apesar da divulgação das idéias de Esquirol, a melancolia ainda era difundida como subtipo de mania, um distúrbio primário do intelecto, de intensidade excessiva de idéias e de natureza irreversível. A melancolia era vista, pois, como uma variante da mania ou como seu estágio evolutivo. Seu prognóstico era reservado, na medida em que a demência era vista como seu estágio final. Somente após adequar a descrição psicopatologica da depressão, esse conceito pôde ser reconhecido como integrante da noção de doença maníaco-depressivo1.

A palavra depressão derivou-se da medicina cardiovascular da época, por referir-se à redução da função; a palavra foi aplicada aos quadros mentais de forma análoga, como depressão mental, que representavam o rebaixamento do estado de espírito de pessoas que padeciam de alguma doença.

Na metade do século XIX, Jules Falret e J. F. Baillarger formularam a idéia de que mania e depressão representariam diferentes manifestações de uma única doença, essa corresponderia às primeiras concepções explícitas da doença maníaco-depressivo como entidade nosológica única2.

O trabalho nosológico de Kraepelin foi decisivo para sintetizar os pensamentos de sua época e direcionar os estudos posteriores. Em 1899, ele agrupou todas as psicoses descritas anteriormente em uma entidade fundamental: doença maníaco-depressivo, que ele considerava uma afecção endógena e constitucional. Kraepelin foi o primeiro a desenvolver completamente um modelo de doença em psiquiatria, por meio de observações extensas e descrições cuidadosamente organizadas1,2,3.

O ano de 1966 marca o renascimento da doença bipolar com duas das mais importantes publicações na área de transtorno do humor em toda a história da psiquiatria: os trabalhos de Jules Angst ("Sobre a Etiologia e a Nosologia de Psicoses Depressivas Endógenas") e de Carlo Perris, que publica "Um Estudo de Psicose Bipolar (Maníaco-Depressiva) e a Psicose Depressiva Recorrente Unipolar"3.

Dunner et alli, em 1976, introduziram a distinção entre Bipolar tipo1 (com episódios maníacos) e Bipolar tipo 2 (com episódios tipo hipomaníacos)3.

Iniciam-se as discussões sobre o Espectro Bipolar descritas ao longo deste trabalho.

 

3. TRANSTORNO DO HUMOR BIPOLAR: UMA VISÃO DE ESPECTRO

A noção de diagnóstico categorial para o Transtorno do Humor Bipolar utilizada nas classificações diagnósticas atuais (DSM-IV-TR e CID-10) vem recebendo críticas de alguns autores, sendo proposta uma abordagem dimensional para o diagnóstico destes transtornos.

A abordagem diagnóstica dimensional (continuum) propõe que a psiquiatria moderna promova uma mudança de suas diretrizes diagnósticas, inspirada nas idéias de Emil Kraepelin. Parte desta é representada pela noção de Espectro Bipolar, que se estenderia muito mais além das categorias diagnósticas de THB tipo I, THB tipo II e ciclotimia.

Esta mudança do paradigma de entendimento dos transtornos bipolares traz uma gama de conseqüências na abordagem e no tratamento do THB, incluindo um aumento de prevalência de 1% para cerca de 5% da população geral. Ademais, expande a utilização de estabilizadores de humor em detrimento da prescrição de antidepressivos, entre outros fármacos.

Representadas especialmente pelas publicações de Hagop Akiskal, polêmico autor na área, são propostas subdivisões específicas do THB em um número maior de subgrupos, descritas a seguir4,5:

a) THB tipo I – Mania plena: caracterizada pela presença de uma síndrome maníaca clássica com sintomas psicóticos (mania significa psicose em Grego). Em alguns casos, o início do quadro pode apresentar uma mistura de depressão e mania, chamada de mania disfórica por alguns autores.

b) THB I1/2 – depressão com mania prolongada, caracterizada pela presença de hipomania. Destaca que o limite que divide o quadro de mania e hipomania é impreciso e ainda confuso. Ainda assim, enfatiza que a hipomania não tem o caráter disruptivo presente na mania.

c) THB II – depressão com hipomania, caracterizada por episódios moderados ou severos de depressão intercalados com períodos de hipomania de, no mínimo, quatro dias de duração.

d) THB II1/2 – depressões ciclotímicas, caracterizadas pela presença de períodos de hipomania menores do que quatro dias em um paciente com episódios depressivos recorrentes. Destaca a importância desse subtipo, uma vez que a maioria dos episódios hipomaníacos tem de um a três dias de duração, não sendo assim considerados como tal pelos sistemas classificatórios.

e) THB III – hipomania associada a antidepressivos, caracterizada por pacientes que apresentam episódios de hipomania ou mania quando em uso de antidepressivos. Usualmente ocorre em pacientes com temperamento ciclotímico prévio.

f) THB III1/2 – bipolaridade mascarada ou desmascarada por abuso de estimulantes. Os autores propõem essa categoria para pacientes que apresentam episódios de hipomania ou mania diretamente associada ao uso de estimulantes.

g) THB IV – depressão hipertímica, caracterizada por pacientes que apresentam temperamento hipertímico de longa duração, com episódios depressivos tardios sobrepostos.

Os autores destacam que essas categorias ainda não são suficientes para descrever todas as características presentes no espectro bipolar. Assinalam também a importância do conceito de depressão pseudo-unipolar, dando ênfase à noção de que muitos pacientes diagnosticados como deprimidos possam apresentar na realidade alguma manifestação integrante do espectro bipolar.

 

4. DEPRESSÃO ATÍPICA E DISFORIA HISTERÓIDE NO ESPECTRO BIPOLAR

O conceito de Depressão Atípica (DeA) surgiu com o trabalho de West e Dally, em 1959, estudando pacientes responsivos e irresponsivos a IMAO (Inibidores da Mono-Amino-Oxidase) e notando a presença do histórico de fobias, de "conversões histéricas" e de ausências de sintomas neurovegetativos melancólicos entre os pacientes responsivos a IMAO6,7.

Desde então, temos até hoje divergências quanto à possibilidade da depressão atípica ser uma categoria diagnóstica única e constante. Diversos autores8-10 em trabalhos atuais contestam a validade dos atuais critérios do DSM-IV-TR, principalmente quanto à permanência do Critério A (humor reativo) como necessário para validar os achados do Critério B (duas das seguintes: ganho de peso, hipersonia, paralisia "de chumbo" e sensibilidade à rejeição interpessoal.). Estes pacientes não podem ter critérios para melancolia ou depressão psicóticas (Critério C).7,10.

Com relação à pacientes do espectro bipolar, temos amplas variações de prevalência que decorrem da diversidade de metodologia empregada. Por exemplo, nos mais de 20 estudos relativos a espectro bipolar do italiano Franco Benazzi, suas amostras provêm de pacientes avaliados unicamente por ele, em sua clínica particular, escolhidos de forma não randomizada e sem controle. Desta série de casos, o autor publica diferentes análises. Muitos de seus trabalhos apresentam dados que foram aferidos de forma diversa dos critérios do DSM-IV-TR. Assim sendo, seus trabalhos tendem a hiperestimar a prevalência de bipolares tipo II e de depressão atípica nesta população. Já no estudo de Rihmer e colaboradores, vemos a prevalência de bipolares tipo II muito baixa, provavelmente relacionada ao baixo valor preditivo da escala diangóstica "Diagnostic Interview Schedule" aferida por estudantes universitários treinados por uma semana. Como no exemplo do estudo de Rihmer11, há uma necessidade de desenvolver melhores métodos diagnósticos que aumentem o valor preditivo do diagnóstico de bipolares tipo II, podendo assim delimitar melhor quantos dos pacientes com DeA são do espectro unipolar e quantos são do espectro bipolar.

Em pacientes do espectro bipolar que têm episódio depressivo maior (EDM), pelo menos 30% apresentam características atípicas. Para Benazzi e Akiskal e colaboradores, estes índices podem chegar a mais de 60%, variações decorrentes dos critérios utilizados para seleção e aferição das amostras6,12.

Em pacientes com diagnóstico de EDM, pelo menos 10% se tornarão bipolares ao longo da vida13.

A maioria dos poucos estudos que avaliam a frequência de espectro unipolar em pacientes com DeA fica em mais de 50%13.

Outro grupo que merece consideração é aquele chamado de Disforia Histeróide. O termo Disforia Histeróide, apresentado por Klein e Davis, em 1968, é descrito como um subgrupo de depressão, que acomete especialmente mulheres e que apresenta sintomas afetivos atípicos associados a extrema intolerância à rejeição pessoal e vulnerabilidade à perda de relacionamentos românticos, aparentando comportamento histriônico. Ao serem desapontadas afetivamente, estas mulheres tornam-se agudamente deprimidas com intensa disforia, coléricas, hostis e com comportamento suicida, reagindo ainda, com frivolidade e/ou euforia em resposta a oportunidades amorosas. Os sintomas afetivos atípicos tendem a ser de hipersonia e hiperfagia, com especial consumo de doces e sentimento de estarem extremamente fatigadas. Liebowitz et al colocaram especial ênfase diagnóstica na reatividade do humor frente a eventos ou situações positivas14.

Himmelhoch et al15 referem-se à "depressão anérgica", que se caracteriza por severa fadiga, sintomas neuro-vegetativos inversos e retardo psicomotor e argumentam que esta apresentação é especialmente comum em pacientes bipolares. Este quadro sintomático é semelhante à descrição clássica da depressão atípica, com piora ao entardecer, insônia predominantemente inicial, hipersonia, aumento do apetite ou peso. Akiskal et al15 afirmam que a existência de sintomas atípicos em um quadro depressivo é um fator preditivo para o desenvolvimento de mania ou hipomania.

O DSM-IV-TR12, ao incluir à "sensibilidade a rejeição interpessoal" aos sintomas atípicos de quadros depressivos, não diferencia Depressão atípica de disforia Histeróide como diagnósticos distintos. Benazzi16, estudando a prevalência daquele sintoma em pacientes bipolares tipo II e unipolares, tem com resultado uma maior freqüência do mesmo sintoma em Bipolares II, reforçando a idéia de que sintomas atípicos estejam mais relacionados a Transtorno do Humor Bipolar. Por outro lado, Posternak15, estudando a prevalência de sintomas atípicos em patologias afetivas e ansiosas, observa uma taxa semelhante destes em unipolares e bipolares (I e II), ressaltando uma maior taxa para reatividade de humor entre unipolares e maior sensibilidade à rejeição entre bipolares.

Estes estudos são transversais, não permitindo aferir se o humor reativo ou a sensibilidade à percepção de rejeição interpessoal são primários ou secundários aos episódios de depressão atípica7.

Apesar das limitações metodológicas, há uma forte tendência da literatura de encontrar mais pacientes com episódios de depressão atípica, que se apresentem com as seguintes características: prevalência maior no sexo feminino, idade de início precoce (adolescência ou início da vida adulta), maior cronicidade e menor remissão completa10 e mais comorbidades com transtornos de ansiedade como fobia social, transtorno do pânico (com agorafobia)8,1719. Nos pacientes com comorbidade com transtornos de ansiedade, há uma maior taxa de tentativas de suicídio19. Alguns estudos têm achado maior prevalência de hipocondria e transtorno dismórfico corporal em pacientes com DeA8.

Uma maneira de resumir os achados atuais seria a formação de clusters fenomenológicos, ampliando o critério diagnóstico de características atípicas nas seguintes categorias não excludentes:

1. Pacientes em episódio depressivo maior com proeminência de sintomas de ansiedade, sem psicose com sintomas típicos de ansiedade psíquica, somática, tensão, ansiedade fóbica e pânico;

2. Pacientes com episódio depressivo maior com sintomas vegetativos atípicos como aumento do apetite, aumento da sonolência, sensação de peso nas pernas e/ou braços, associado a humor reativo e irritabilidade com padrão persistente de extrema sensibilidade à percepção de rejeição interpessoal;

3. Pacientes com episódio depressivo maior com características anérgicas (mais comumente encontrado em depressões bipolares).

Neste momento, temos pelo menos uma evidência mais clara para esta população: o uso de ADT (Antidepressivos Tricíclicos) não é eficaz nem efetivo, bem como aumenta as chances de viradas maníacas e ciclagem rápida em uma proporção significativa dos casos. Os IMAOs e ISRS (Inibidores Seletivos de Recaptação da Serotonina) apresentam eficácia aguda no manejo da DeA, tanto em unipolares quanto bipolares tipo II, não permitindo a remissão completa do quadro, mas diminuindo o prejuízo social e funcional, bem como frequência e intensidade de novos EDMs. A retirada da medicação provoca altas taxas de recaída nesta população, o que confirma que pacientes com residual sintomático tendem a ter maior risco de recaídas e cronicidade. Quando falamos de bipolares tipo II, os dados acima também se aplicam a eles, contudo os bipolares tipo II recebem ainda um risco aumentado de virada hipomaníaca, as quais são em geral três vezes mais elevadas que em unipolares. Isto ainda é mais grave quando vemos pacientes bipolares tipo I, sendo que nestes as taxas de virada maníaca são mais altas, a despeito de uma resposta mais errática aos antidepressivos. Do ponto de vista farmacológico, a lamotrigina vem sendo proposta como opção terapêutica, se não efetiva, em monoterapia que possa ser similar ao lítio em potencializar os efeitos dos antidepressivos atuais20-22.

 

5. ESTADOS MISTOS

A questão dos Estados Mistos não encontra consenso entre os pesquisadores. As idéias variam desde critérios mais rígidos como na CID-10 e no DSM-IV-TR (que requerem a presença de critérios para um episódio maníaco sobrepostos aos critérios de um episódio depressivo), até propostas mais abrangentes, incluindo todos os estados de mania que apresentem mínimos elementos depressivos, ou vice-versa.

A importância dos estados mistos é óbvia se considerarmos que, dependendo da classificação, entre 20 e 74 % dos pacientes com doenças afetivas apresentaram em algum período um estado misto23.

O grupo de Akiskal, utilizando alguns conceitos de Kraepelin, sugere que esta classificação seja o resultado da interação entre os episódios depressivos maiores e maníacos com o temperamento prévio dos pacientes, nitidamente um temperamento oposto, resultando daí as diferentes apresentações. Assim, teríamos fundamentalmente 3 tipos de estados mistos24:

Tipo 1: como resultante de um temperamento depressivo com a mania.Geralmente psicótico, com sintomas incongruentes com o humor.

Tipo 2: como resultante de um temperamento ciclotímico com uma depressão maior, no qual o substrato de temperamento ciclotímico permanece ativo durante o episódio depressivo, gerando sintomas como labilidade de humor, irritabilidade, fuga de idéias e abuso de substâncias, além de impulsividade sexual. Freqüentemente não psicótico, podendo ser confundido com Transtorno de Personalidade Borderline.

Tipo 3: como resultante de um temperamento hipertímico com uma depressão maior, na qual o episódio depressivo inclui apetite sexual, agitação e pressão para falar. São as depressões que evoluem mal com antidepressivo e geralmente respondem ao lítio.

Na Tabela 1 (Anexo 1), podem-se verificar os seis tipos de Estados Mistos propostos por Kraepelin resultantes da interação entre funções como humor, atividade e pensamento.

Os estados mistos são considerados desde Kraepelin as maiores evidências da relação entre mania e depressão. Este autor descreveu a mistura sindrômica destes dois pólos: tanto a entrada de sintomas depressivos dentro da mania, quanto o surgimento de hipomania em episódios depressivos completos25.

Não existe uma terminologia definida para estes estados, sendo denominados de "estado misto", "mania mista", "depressão durante a mania" ou "mania disfórica", de maneira intercambiável na literatura. Apesar do conceito psicopatológico de Disforia incluir apenas a existência de irritabilidade ou ansiedade associada à tristeza ou exaltação afetiva, o DSM-IV-TR requer, para o diagnóstico de estado misto, manifestações depressivas ou de mania completas, apenas reduzindo o tempo necessário para o diagnóstico definitivo.

O número de critérios necessários para o diagnóstico permanece em discussão. González-Pinto26, referindo-se ao trabalho desenvolvido por S. McElroy em Ohio, USA, baseado nos critérios do DSM-IV-TR classifica a Mania Disfórica em Possível quando está presente apenas um sintoma depressivo, em Provável quando estão presentes dois sintomas depressivos e em Segura quando existem três sintomas.

Akiskal25, referindo-se à prevalência deste quadro dentro do THB como um todo, afirma que o número de sintomas depressivos dentro na mania ou vice-versa definiria a percentagem. Cita um trabalho realizado na França, envolvendo 100 pacientes (com sintomas maníacos pelo DSM-IV), avaliados por entrevista diagnóstica semi-estruturada derivada do DSM-IV. Quando eram considerados os critérios de completa manifestação depressiva dentro da mania, foi verificada uma taxa de 6.7%, mas quando foram avaliados pela inclusão de dois ou mais sintomas depressivos, a taxa verificada foi de 37% de maníacos disfóricos. O mesmo autor, estudando as taxas de estados mistos dentro de diferentes trabalhos, refere que em torno de 40% dos pacientes com THB apresentaram um evento misto no curso de suas doenças.

Akiskal25, realizando uma revisão a partir da denominação Mania disfórica, relata algumas características referidas na literatura: 1 – abuso alcoólico e condições neuro-psiquiátricas seriam mais comuns dentro deste quadro; 2 – o mesmo tem sido mais bem caracterizado dentro de mulheres internadas; 3 – o curso da doença apresenta mais episódios depressivos que maníacos; 4 – tendência à repetição do quadro; 5 – história familiar de mais quadros depressivos que maníacos; 6 – grande potencial de suicídio; 7 – confusão e sintomas psicóticos, incluindo incongruência do humor, sendo consideradas importantes características clínicas. Estas características são igualmente ressaltadas por González-Pinto, bem como uma esperada recuperação mais lenta dos pacientes e um maior risco de recaída com maior freqüência de hospitalizações. Este autor acrescenta, acerca da idade de início da doença, que adolescentes estariam especialmente predispostos à mesma. Segundo Cassano27, a manifestação de THB em crianças abaixo dos 12 anos de idade é mais freqüentemente acompanhada de sintomas afetivos atípicos (disfóricos ou com ciclagem rápida), apesar de poderem apresentar manifestações maníacas ou depressivas semelhantes aos adultos.

 

6. TRANSTORNO BIPOLAR E COMORBIDADE COM TRANSTORNOS ANSIOSOS

A associação entre sintomas ansiosos e depressão unipolar está bem estabelecida na literatura. Além das taxas de comorbidade dos transtornos de ansiedade com depressão serem bem conhecidas, atualmente já existem evidências de que esses transtornos dividem o mesmo substrato neurobiológico28,29.

No entanto, não podemos afirmar o mesmo para o transtorno bipolar. Classicamente, a literatura pouco contempla a relação entre essas duas entidades nosológicas. Comumente, na prática clínica diária, fazemos-nos as seguintes perguntas: a) qual a taxa de comorbidade entre transtornos ansiosos e transtorno bipolar? b) quais transtornos ansiosos são mais prevalentes em comorbidade?; c) a comorbidade piora o prognóstico e resposta ao tratamento? ; d) podemos predizer o aparecimento de sintomas bipolares em pacientes com transtornos de ansiedade?

A maioria dos estudos sobre essa comorbidade tem como ponto de partida pacientes com diagnóstico de transtorno bipolar; isto é, investigam as taxas de prevalência de transtornos ansiosos em pacientes com diagnóstico primário de THB. Dois grandes estudos populacionais15,29 – Epidemiologic Catchment Area (ECA) e National Comorbidity Survey (NCS) – demonstraram taxas de prevalência ao longo da vida (lifetime) de transtornos ansiosos significativamente mais altas entre pacientes bipolares quando comparados à população em geral. O estudo ECA demonstrou que pacientes com transtorno bipolar apresentam prevalência de 21% para transtorno do pânico e Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), comparados a 0,8% e 2,6% para a população em geral. No estudo NCS, a prevalência de transtornos ansiosos em geral no THB foi de 92,9% contra 24,9% da população. Confirmando esses achados, estudos clínicos com amostras menores reproduzem esses números. Um estudo conduzido por Angst30 demonstrou significativa associação entre hipomania e transtorno do pânico e fobia social. Tais achados têm levado à especulação de que a prevalência de sintomas de ansiedade em pacientes com THB possa ser até mesmo maior do que a encontrada em pacientes com depressão unipolar31,32. Outro achado interessante é que cerca de 43% dos pacientes com mania mista apresentam algum episódio bem definido de ataque de pânico (29), o que corrobora as observações de Kraepelin sobre sintomas de humor e ansiedade. Também algumas evidências apontam que sintomas de ansiedade são um marcador do aparecimento de sintomas depressivos na mania33,34.

A investigação do diagnóstico comórbido específico de ansiedade demonstra os seguintes achados:

1 – Transtorno do Pânico: em pacientes com diagnóstico de THB, a prevalência de pânico varia de 20,8% a 33,1%. Para pacientes com depressão unipolar, essa taxa é de 10%. Pacientes com THB têm um risco 1,8 vez maior de apresentar pânico quando comparados à depressão unipolar. Além disso, um estudo de história familiar35 demonstrou que cerca de 88% dos pacientes com transtorno do pânico tinham ao menos um familiar com história de THB.

2 – TOC: o estudo ECA demonstrou prevalência de 21% em pacientes com THB, comparado a 12,2% em pacientes com depressão unipolar. Além disso, um estudo clínico36 sugeriu que os sintomas de TOC podem variar durante o curso do THB. Por exemplo, os sintomas de TOC podem desaparecer nos períodos de mania e reaparecer durante a remissão ou em episódios depressivos.

3 – Fobia social: o estudo NCS demonstrou prevalência de 47,2%, comparada a 13,3% na população em geral29.

Embora com consideráveis limitações metodológicas, esses estudos vêm demonstrando que a comorbidade entre transtornos de ansiedade e THB piora consideravelmente o prognóstico desses pacientes, assim como já evidenciado nos casos de ansiedade e depressão unipolar. Pacientes com THB e algum outro transtorno ansioso apresentam risco aumentado de suicídio, abuso de substâncias psicoativas e resposta pobre ao lítio37,38. Evidências de grau C apontam o valproato de sódio como boa alternativa para tratamento farmacológico desses pacientes29.

A investigação longitudinal de pacientes com transtorno de ansiedade para detectar prevalência de THB não é muito descrita na literatura até hoje. Alguns estudos apontam prevalência de 13,5% a 23,1% de THB em pacientes diagnosticados primariamente com pânico. Para pacientes com TOC, essa taxa foi de cerca de 15% e de 21,1% para fobia social29.

O momento atual é de grande efervescência no que se refere a critérios diagnósticos e apresentação clínica do THB. Inúmeras publicações e encontros científicos vêm acontecendo tanto no nosso meio, quanto em outros centros mundiais. A relação entre ansiedade e THB é apenas um dos tantos aspectos contemplados nessa grande discussão. Podemos afirmar que o momento é muito mais de criação de hipóteses e campos de pesquisa do que exatamente de respostas. No entanto, algumas "certezas provisórias" podem ser destacadas: a) a comorbidade entre ansiedade e THB existe; b) a presença de um dos diagnósticos parece aumentar o risco de uma apresentação comórbida; c) as evidências atuais apontam para uma prevalência aumentada de pânico, TOC e fobia social em pacientes com THB; d) comorbidade piora prognóstico e dificulta o tratamento farmacológico; e) talvez, a melhor conclusão que podemos tirar das evidências atuais é que devemos ficar atentos para a associação entre essas duas doenças e suas conseqüências na apresentação clínica, prognóstico e tratamento escolhido.

 

7. TRANSTORNO DO HUMOR BIPOLAR E TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE

Uma importante discussão acerca das apresentações clínicas do THB diz respeito ao seu relacionamento com os Transtornos da Personalidade, em especial o Transtorno da Personalidade Boderline (TPB).

A relação entre Personalidade e Transtornos de Eixo I em geral foi proposta por Goodwin e Jamison em quatro diferentes níveis39:

a) Personalidade como fator predisponente para doença.

b) Personalidade como uma manifestação da doença.

c) Personalidade como um modificador da doença.

d) Personalidade sendo alterada pela doença.

Falando-se exclusivamente sobre a relação entre THB e TPB, são apresentadas as seguintes possibilidades de relacionamento entre os dois diagnósticos5.

a) Os dois representam diferentes pontos no espectro de uma mesma entidade nosológica.

b) Representam diferentes doenças com sintomatologia semelhante.

c) Um diagnóstico representa apenas um subgrupo do outro.

d) Um deve ser encarado como fator causal ou contribuinte para o outro.

Importantes sintomas, como instabilidade afetiva, impulsividade e momentos psicóticos, são apresentados tanto por pacientes com THB, como por aqueles com TPB. Este achado sugere que apenas a classificação psiquiátrica atual não apresenta a chave para a solução do problema40.

Vários aspectos são estudados na tentativa de elucidar a melhor forma de diagnosticar os dois transtornos: estudos de sono, história familiar, avaliação de resposta farmacológica, avaliação do padrão de relações interpessoais, uso de questionários padronizados e discussão de casos clínicos por especialistas.

A avaliação do padrão de sono demonstrou uma diminuição na latência do sono REM (Rapid Eyes Movement) para bipolares e borderlines em três estudos, sugerindo compartilharem o mesmo diagnóstico. No entanto, os pacientes considerados Borderlines também apresentavam histórico de Depressão Unipolar ou Bipolar. A latência do sono REM não distinguiu entre borderlines e bipolares ou entre borderlines e controles normais41.

Avaliação da história familiar não esclarece em definitivo a questão. Akiskal et al relatam aumento de bipolaridade entre familiares de borderlines42; no entanto, Pope et al encontraram apenas depressão unipolar. Neste estudo, os pacientes borderlines também apresentavam depressão43.

O uso de moduladores de humor em pacientes com TPB produz melhoras nos sintomas de humor, mas não alcança uma total modificação no curso da doença, como costuma fazer nos transtornos bipolares. Existe ainda a confusão pelo fato do TPB poder se apresentar em comorbidade com um transtorno de humor, e apenas este último responder ao tratamento44,45.

Os instrumentos diagnósticos costumam ser bastante limitados para diagnosticar Transtornos de Personalidade. O TCI (Temperament e Caracter Inventory), desenvolvido por Cloninger, foi capaz de distinguir entre Bipolares e Borderlines. Por sua vez, o grupo de Akiskal et al desenvolveu o "Inventário de Temperamento Bipolar", que realizou diagnóstico positivo para THB em uma amostra de pacientes com TPB39,46.

Quando foi avaliado o padrão de relacionamento interpessoal, comparando THB e TPB, verificou-se que paciente borderlines podem ser diferenciados dos bipolares. Borderlines tendem a vivenciar seus relacionamentos como hostis e com risco de abandono. Bipolares tendem a encarar os outros como submissos e sob seu controle47.

Rudra Prakash48 lembra que, por vezes, diagnósticos de TPB têm sido baseados na irresponsividade a tentativas medicamentosas. Contudo, a responsividade a antiepiléticos não significa necessariamente que dado paciente possua um diagnóstico de THB, haja vista a presença de problemas neurológicos sub-clínicos em pacientes com TPB.

Em resumo, a discussão acerca da validade diagnóstica do TPB, ou sua inclusão no espectro dos Transtornos do Humor, está polarizada, entre dois grupos. Akiskal et al., através das semelhanças fenomenológicas, fatores biológicos e achados de história familiar, defendem a inclusão do TPB no espectro do THB. Outros autores, avaliando as relações interpessoais, diferenças fenomenológicas e resposta ao tratamento, consideram que o Transtorno de Personalidade Borderline é um diagnóstico válido e diferente do THB.

 

8. CONTRAPONTOS À IDÉIA DE ESPECTRO BIPOLAR

Guy Goodwin49 externa sua preocupação com a ampliação do termo "hipomania", observando que este redimensionamento de significados psicopatológicos tem sido publicado em trabalhos que contam com amostragens pequenas. O termo hipomania estaria sendo utilizado como representante de uma generalização que relaxa nos critérios do DSM-IV-TR para severidade e tempo. A isso, acrescenta a questão de quando se deve ou não tratar a elevação do humor. Observa que, no Reino Unido, a disfunção social e ocupacional pode estar presente ou ausente quando se realiza um diagnóstico de hipomania. Assim, contrário ao uso generalizado do termo, defende o uso do DSM-IV-TR e seus critérios específicos de classificação, como orientador de condutas terapêuticas49.

Angst & Marneros1 levantam problemas concernentes ao conceito de espectro bipolar, por exemplo, quando apontam a falta de estudos que sustentem o subtipo "bipolar III", observando não haver provas advindas de estudos controlados com placebo e somente estudos prospectivos indicando que depressões com hipomania, primeiramente manifestadas com o uso de antidepressivos, freqüentemente progridem para transtorno bipolar. Ainda aponta o fato de estudos familiares não suportarem amplamente o conceito de espectro bipolar. Assim, propõem que o conceito de espectro restrinja-se à sintomatologia observada na clínica e não evolua pra conclusões na questão genética1.

Diagnósticos de Transtornos da Personalidade ficam preteridos, muitas vezes, por treinamentos inadequados nesta área, sem valorização de aspectos de funcionamento social, desenvolvimental e dados da história do paciente50. Feiner acrescenta que o uso da expressão transtorno bipolar "resistente" ao tratamento, fala de farmacoterapias, sem significar que intervenções não-biológicas também hajam sido oferecidas. Ainda diz que transtornos bipolares estariam tão superdiagnosticados quanto a esquizofrenia o foi no passado, e que o diagnóstico de transtorno bipolar está ameaçado de diluição (com o conceito de espectro), assim como ocorreu no passado, até que Kraepelin estabelecesse as diferenças entre "dementia praecox" (esquizofrenia) e "manic depressive insanity" (transtorno bipolar).

 

9. CONCLUSÃO

Avaliar a ocorrência de THB na população é fundamental, devido aos enormes prejuízos causados por este transtorno. A idéia de espectro bipolar contribui para que menos pacientes sejam inadvertidamente medicados com antidepressivos, piorando o curso de suas doenças. No entanto, é necessária cautela para evitar-se a diluição do conceito com a conseqüente perda dos princípios fundamentais do atendimento médico, a saber: diagnóstico e tratamento.

O THB apresenta-se em alta comorbidade e piora de forma inequívoca o curso e a resposta ao tratamento dos transtornos de ansiedade.

Os quadros de depressão atípica, disforia histeróide, episódios mistos e o transtorno de personalidade borderline carecem de estudos de validade diagnóstica. Por outro lado, apenas a avaliação de respostas farmacológicas não é suficiente para equacionar este problema.

O amplo debate nos mostra que, talvez, um dos pontos mais frágeis da Psiquiatria seja o do diagnóstico. O fenômeno é conhecido desde antes da Grécia Antiga, mas a dificuldade em defini-lo se apresenta cada vez mais atual. Considerar o diagnóstico do THB como diferencial parece ser uma conduta prudente e adequada na prática clínica.

 

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Endereço para correspondência
Igor Alcantara
Rua Ramiro Barcelos, 1954 apto. 605
90035-002 – Porto Alegre – RS
E-mail: igoralcantara@uol.com.br

Recebido em 21/01/2003
Revisado em 11/03/2003
Aprovado em 18/03/2003

 

 

ANEXO 1