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Revista Brasileira de Ciências Sociais - For an unemployment sociology

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Revista Brasileira de Ciências Sociais

Print version ISSN 0102-6909

Rev. bras. Ci. Soc. vol.17 no.50 São Paulo Oct. 2002

http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092002000300007 

POR UMA SOCIOLOGIA DO DESEMPREGO*

 

Nadya Araujo Guimarães

 

 

A reflexão que apresento a seguir resulta do interesse em enfrentar um desafio interpretativo, qual seja, o de entender os elos entre os fenômenos do emprego e do desemprego em contextos de intensa flexibilização do trabalho e de reconstrução institucional e normativa dos padrões de proteção ao trabalhador. Desenvolverei a minha argumentação em três direções.

Primeira: procurarei rastrear o movimento de re-significação que se opera em torno da noção de "desemprego", perseguindo, com a literatura sociológica recente, a constituição (e legitimação social) da nova figura do "desempregado de longa duração".

Segunda: compararei os desenvolvimentos teóricos (voltados a entender este fenômeno) com os esforços empreendidos pela sociologia brasileira do trabalho no sentido de interpretar a problemática do desemprego, a partir da análise dos elos desse fenômeno com a natureza da organização social e com os padrões de desigualdade vigentes em nosso país.

Terceira: argumentarei em favor do valor heurístico de se recorrer a comparações contextualizadas – à luz de achados recentes relativos à fluidez entre fronteiras ocupacionais e ao trânsito entre situações no mercado de trabalho em outros países – com o intuito de discutir a validade de hipóteses desenvolvidas pela sociologia do desemprego (na Europa e, sobretudo, na França) para interpretarmos o caso brasileiro.

 

Da sociologia do trabalho à sociologia do emprego? Mudanças estruturais e resignificação de conceitos

A intensa reestruturação produtiva que se generalizou pelos países industrialmente mais avançados, a partir dos anos de 1980, tem sido especialmente estudada pelos seus efeitos na reconfiguração tecnológica e organizacional de ambientes produtivos, notadamente da indústria de transformação. Cuidadosas análises debruçaram-se sobre o cotidiano da organização e gestão, tanto da produção quanto do trabalho, identificando mudanças que apontariam para novos paradigmas de produção.

A literatura produzida pela sociologia do trabalho desde cedo chamou a nossa atenção para significativas alterações: (i) das práticas de emprego, com impactos sobre o tamanho dos efetivos (administrativos e operacionais), dando lugar a novas formas contratuais que segmentaram mercados internos e externos de trabalho; (ii) do conteúdo dos postos e da divisão de tarefas na operação direta dos processos produtivos; (iii) da divisão do trabalho na empresa, e da estrutura ocupacional dela resultante; (iv) das relações de hierarquia e de autoridade, vale dizer, das novas formas de divisão e circulação do poder nas organizações, com especial interesse para os mecanismos de produção de consentimento em contextos sob intensa mudança e restrição de antigos direitos.

Uma vez que esses estudos tinham nos locais de trabalho as suas unidades privilegiadas de observação, os seus resultados trataram, em especial, dos impactos das mudanças técnicas e organizacionais sobre aqueles que poderíamos chamar de os trabalhadores "sobreviventes" aos processos de reestruturação. Nessa medida, a preocupação esteve dirigida para as formas de contratação e uso do trabalho que emergiam nos ambientes em processo de reestruturação. Como, então, partir dessa reflexão para formular perguntas sobre os horizontes ocupacionais daqueles que não estão incluídos, ou que até foram recentemente excluídos desses ambientes de trabalho?

Duas vias de reflexão foram trilhadas pelos intérpretes. Analisarei cada uma delas, chamando atenção não apenas para os resultados empíricos mas, em especial, para os estilos de análise.

A primeira via procurou elaborar descrições cuidadosas sobre os trabalhadores "sobreviventes", seja no sentido de caracterizar as novas práticas de emprego, seja no de refletir sobre as chances de reinserção (ou, as "condições de empregabilidade", para usar o jargão) dos que se encontravam fora dos postos de qualidade no mercado de trabalho. O pressuposto (nem sempre explícito) que norteia essa primeira via de análise é que, em condições de ampla oferta de trabalho, e cabendo ao empresário o exercício soberano da seleção, era plausível acreditar que as características da mão-de-obra empregada expressassem, primordialmente, os requerimentos das políticas patronais de recrutamento e seleção, os quais (exatamente pela oferta quase ilimitada de trabalho) podiam se desvincular dos eventuais constrangimentos impostos pelo perfil dos indivíduos em busca de trabalho.

A segunda via procurou analisar as características dos próprios desempregados. Volume e formas do desemprego, ao lado do perfil dos trabalhadores desocupados, seriam bons indicadores para localizar e descrever aqueles grupos sociais com menores chances de inclusão. Por que chegar até eles se já se disporia, com a primeira via, de uma boa aproximação aos requerimentos empresariais? Porque só assim seria possível dimensionar o hiato entre características pretendidas pelos empregadores e "ativos" de qualidades efetivamente possuídos pelos que demandavam trabalho. Sem isso, ademais, seria impossível formular políticas – governamentais, sindicais e empresariais – com vistas à empregabilidade.

Qual o elo que articula essas duas vias de análise? O reconhecimento de que, no contexto atual de reestruturação produtiva e de intensificada internacionalização das estratégias de negócios das empresas, duas tendências repercutiriam sobre as oportunidades de emprego. Uma tendência à convergência (e nesse sentido à homogeneização) e uma tendência à hibridação (e, nesse sentido, à diversidade de formas locais). Assim, por um lado (e sob o signo da globalização produtiva e financeira), manifestar-se-ia um movimento de crescente convergência entre estruturas normativas e institucionais, nacionais e supranacionais, que estruturaria a oferta de bens e serviços.1 Além disso, a ele se somaria uma tendência à convergência também no que tange aos modelos normativos de cultura do trabalho (os já famosos "novos paradigmas de produção" e suas best practices). Entretanto, seria igualmente possível reconhecer um movimento em sentido contrário, uma contratendência, que promoveria a hibridação. Isto porque as normas e instituições que se difundem num contexto globalizado interagem com as especificidades (nacionais e setoriais) características dos contextos sociais em que essa difusão se verifica, e onde o seu enraizamento se faz necessário. Como essas tendências se expressam em face dos padrões atuais de emprego e de desemprego?

Observando pela ótica da tendência à convergência, ganha corpo a hipótese da difusão (irresistível) de um novo padrão de contratação e uso do trabalho, o chamado padrão flexível. Como, neste contexto, se expressaria o elo entre emprego e desemprego? O padrão fordista clássico – fundado nas negociações coletivas, no peso dos sindicatos e num sistema de proteção social – teria se tornado inadequado às estratégias empresariais contemporâneas, movidas pelo intuito de intensa racionalização (da produção e do trabalho), numa situação de acerba competição e de inusitada exposição a padrões internacionalizados de produção e consumo. "Focalização" e "desverticalização" estariam atrelados ao crescimento da "subcontratação" e da "externalização" do trabalho. Desse modo, o esforço produtivo passaria a ser o resultado da ação de firmas em redes, nas quais a grande empresa ("enxuta" e "focalizada") estaria agora estreitamente imbricada a um número seleto de fornecedores qualificados.2

Quais os efeitos no emprego? Alterar-se-ia a distribuição dos postos de trabalho entre setores e entre empresas, conforme o seu tamanho. Um deslizamento intersetorial levaria a um aumento do emprego nos serviços.3 Uma outra modalidade de recomposição faria com que o peso relativo do emprego nas pequenas e médias empresas ganhasse proeminência. Mas, além dessa redistribuição dos postos de trabalho, verificar-se-ia uma importante alteração nas relações sociais de trabalho, pois o deslizamento do emprego das grandes para as pequenas e médias empresas viria acompanhado de uma retração das formas de contratação em tempo integral e protegida (pelos resultados de negociações coletivas e pelo welfare público) e de um avanço nas formas chamadas "atípicas" de emprego,4 além de um aumento no trabalho por conta própria. Este efeito de precarização das relações de trabalho só se tornou possível, nos países centrais, por meio da flexibilização tanto do sistema de welfare quanto do sistema regulador da contratação do trabalho. Esta última, por sua vez, nutriu-se do fato de que a contração dos mercados internos de trabalho tomou de assalto, a um só tempo, os trabalhadores assalariados (regidos por relações estáveis e protegidas de trabalho) e os seus sindicatos, reduzindo as suas chances de resistir às mudanças e, conseqüentemente, alimentando-as. Isto significa uma terceira ordem de efeitos, aqueles que atingiram o próprio sistema de relações industriais, determinando as chances futuras de ampliação da flexibilização das relações sociais de trabalho.

Este conjunto de observações talvez possa ser resumido em duas grandes (e dramáticas) tendências. Em termos quantitativos, ingressávamos numa era em que o crescimento da produção passaria a se dar sem um aumento proporcional do emprego, levando a um crescimento daquela parcela do desemprego aberto que pode ser entendida como desemprego estrutural.5 Em termos qualitativos, polarizavam-se os postos de trabalho em "bons" e "maus" empregos. De imediato, uma indagação se colocava: quem eram os trabalhadores beneficiados pelos assim chamados "bons" empregos? Em outras palavras, o que caracterizaria aqueles trabalhadores que haviam logrado sobreviver à reestruturação, mantendo-se nos postos de trabalho de maior qualidade?

À luz da perspectiva da convergência, uma resposta tornou-se recorrente: os novos contextos produtivos diferenciavam sobremaneira os trabalhadores por seus níveis de capital humano, fazendo com que as chances de sobrevivência fossem tanto maiores quanto maior e mais ampla fosse a qualificação individual. Nesse sentido, uma primeira forma de equacionamento da questão sugeria que, quanto maior fosse a escolarização do trabalhador, maior seria a sua chance de reconversão profissional; maior, portanto, a sua "treinabilidade" e, logo, maior o seu grau de mobilidade profissional defensiva (intra-empresa ou entre empresas) em face da reestruturação produtiva. Maiores seriam, então, as suas chances de empregabilidade (Alves e Soares, 1997).

Mas, tal como destacaram alguns autores nessa linha de abordagem (como Amadeo et al., 1993), a flexibilidade ligava-se tanto à qualificação geral, quanto à qualificação específica dos trabalhadores. Isto porque, por um lado, os trabalhadores com mais capital humano geral acumulado eram os que estavam em situação de vantagem comparativa em momentos de ajuste e reestruturação. Eles percebiam e interpretavam melhor as mudanças econômicas, tendo maior capacidade de aprender novas técnicas a custos mais baixos; eram mais produtivos, além de terem a preferência em situações de retreinamento. Logo, concluía-se que aqueles que dispusessem de maior capital humano geral acumulado, tenderiam a ter também maior capital humano específico acumulado. Mas, por outro lado, o quadro se tornava complexo, visto que esses eram também os que, nos momentos de reestruturação produtiva, mais rapidamente perdiam capital humano específico acumulado. Assim, ainda que o custo de reaquisição fosse mais baixo, a perda de qualificação do tipo firm specific era mais acelerada nos contextos reestruturados. Por conseguinte, para se entender as chances de sobrevivência, a variável-chave parecia ser, então, a quantidade de capital humano específico em relação ao capital humano geral acumulado por cada trabalhador e dessa equação resultava o custo do ajuste para cada um dos tipos de trabalhador.

No entanto, observando-se a questão pelo ângulo dos que não sobreviveram nos contextos reestruturados, verificava-se a ampliação do volume do desemprego, fazendo deste um problema de ordem estrutural, mesmo nas economias avançadas. Entretanto, mais do que isto, alteraram-se as formas do desemprego e o perfil dos desempregados. Tais alterações, contudo, não apontavam numa única direção; ao contrário, na forma como se apresentam em diferentes países, elas sugeriam que as tendências à convergência, antes assinaladas, longe de unívocas, encontravam-se constrangidas por importantes limites societais (Bénoit-Guilbot e Gallie, 1992).

Observando aquelas mesmas tendências, mas sem as lentes da convergência, passou-se a explorar esses limites. Eles seriam, entre outros: os distintos tipos de práticas de emprego adotadas e o maior ou menor peso do Estado nas políticas de emprego; as diversidades de amplitude e de formato (público ou privado) dos sistemas de welfare que se desenvolveram nos diferentes países; a variada natureza do sistema de relações industriais e as conseqüências que dele resultam para as negociações salariais e para as relações profissionais; além de determinantes de ordem cultural mais ampla, que conformam aquilo que D'Iribarne (1990) apontou como "os códigos de legitimidade" e suas concepções implícitas sobre os direitos individuais.6 Todos esses fatores sobredeterminam as estratégias de competição das empresas, as suas políticas de recursos humanos, bem como a forma de inserção econômica dos diferentes países no novo cenário competitivo internacional.

Tendo isto em mente, pelo menos três situações típicas poderiam ser trazidas à discussão para pensarmos alternativas de explicação para as diferenças inter-societais e formas específicas de hibridação entre global e nacional (Demazière, 1995). A abordagem de tais situações nos permite lançar luz sobre os modos pelos quais as sociedades nacionais, por suas características específicas, reagem ao desafio que a reestruturação produtiva coloca para os seus sistemas de emprego. Vejamos inicialmente o caso do Japão. Ali, as taxas de desemprego mantiveram-se, por longo tempo, relativamente baixas7 graças a duas principais válvulas – de escape. Por um lado, a intensidade da subtilização do trabalho não se fazia transparente na forma de desemprego aberto, dado o intenso trânsito para a inatividade daqueles que eram desempregados; isto se deu particularmente no contingente das mulheres, indicando o peso das especificidades culturais concernentes às relações sociais de gênero na sociedade japonesa. Por outro lado, a porção "sobrevivente" teria sido preservada nos "bons" postos de trabalho ao sujeitar-se a uma intensa flexibilidade salarial.8 Tal flexibilidade se sustentara nas especificidades socioculturais do chamado "sistema japonês de emprego vitalício" e na forma de responsabilidade "na cadeia", e não apenas intra-firma, no que concerne à alocação de trabalhadores em postos de trabalho; com isto, um tipo de mobilidade predatória em direção aos elos mais distantes da cadeia assegurava a manutenção dos níveis de ocupação, flexibilizando e deteriorando as condições contratuais e de trabalho para parcela significativa dos trabalhadores (Hirata, 1992; Hirata e Zarifian, 1994).

Os Estados Unidos talvez pudessem tipificar uma segunda situação social no que concerne aos efeitos da reestruturação sobre o desemprego. Nesse país uma organização extremamente flexível do mercado de trabalho permitiu ampliar o número de postos ofertados e conter a elevação da taxa de desemprego (que, ainda assim, ultrapassou os 6% no início dos anos de 1990).9 Seria essa uma solução generalizável ou se trataria de mais uma equação social particular? Análises de dados comparativos que levavam em conta a realidade dos países da OCDE (Demazière, 1995, e Dedecca, 1996) sugeriram que as experiências de desregulamentação, fundadas na criação de empregos precários e de baixa remuneração, não estariam sendo capazes de fazer face ao crescimento do desemprego. Os experimentos de flexibilização levados a efeito em algumas economias avançadas, como a do Canadá10 e a da Inglaterra, haviam acabado por conduzir à elevação das taxas de inatividade forçada encontradas entre homens no auge da sua idade ativa, isto é, entre 35 e 44 anos.11

Finalmente, uma terceira situação poderia ser tomada de empréstimo da realidade de casos como a França, a Alemanha e a Itália, países cujas economias se caracterizavam pela reduzida capacidade de criação de empregos e que sofreram o impacto do rápido crescimento das taxas de desemprego. Nesses casos, diante de um sistema de welfare público ainda fortemente atuante,12 não somente cresce a subtilização do trabalho, mas esta assume uma nova feição, a do chamado "desemprego de longa duração". A novidade do fenômeno era notável e a própria forma de categorizá-lo evidenciava um paradoxo: o desemprego deixava de ser codificado como a privação involuntária e ocasional do trabalho (e, como tal, juridicamente reconhecido e estatisticamente mensurado) e passara a adquirir um caráter de extraordinária permanência.

E por que a permanência no desemprego parecia tão extraordinária aos olhos da literatura que interpretava a realidade desses países capitalistas? Porque, tal como conceituado até então, o desemprego evidenciava dois componentes fortes do código de legitimidade instalado em nossas sociedades. Primeiro, por ser ocasional, a privação do trabalho eximia aquele a ela sujeito da pecha social de "preguiçoso" (de "ocioso", de "fraco", "ineficiente" nos seus intentos de obter ocupação). Segundo, por ser involuntária, a privação do trabalho era "sofrida" pelo indivíduo que, deste modo, se diferenciava do trabalhador "indisciplinado", "instável" e "irresponsável" que era, por isso mesmo, o agente último da sua própria exclusão, na medida em que lhe faltavam (outra vez) os valores da cultura normativa do trabalho assalariado.13 Sendo assim, o reconhecimento social da legitimidade da situação de desemprego – definida como fenômeno transitório e involuntário – não punha em risco qualquer dos componentes normativos centrais à ética do trabalho como valor (Demazière, 1995a).14

Ora, a invenção de uma nova categoria social – a dos "desempregados de longa duração" – aliada à força que esse fenômeno assumiu exatamente naquelas sociedades capitalistas com maior tradição de regulação e proteção ao trabalho, é reveladora da novidade representada pela a ruptura do nexo entre emprego e desemprego. Rompido esse nexo, a subtilização do trabalho deixava de assumir a forma clássica e única do desemprego aberto e passava, como se viu nas situações anteriormente referidas, a se expressar em múltiplas formas, tais como: o trânsito à inatividade de indivíduos no auge da sua vida ativa, as formas precárias e/ou atípicas dos chamados "postos de baixa qualidade", além do desemprego de longa duração.

O que parece estar em jogo quando se toma em conta esta multiplicidade de formas de subtilização do trabalho? O fato de que o desemprego não apenas aumenta o seu volume e diversifica a sua forma, mas atinge desigualmente os indivíduos segundo as suas características de sexo, idade, categoria socioprofissional e escolaridade, variáveis tão caras à análise sociológica e sociodemográfica das desigualdades. Ou seja, o desemprego, além de involuntário, como queria o nosso modelo clássico de cultura normativa do trabalho, é hoje fortemente seletivo, visto que as chances de emprego estão desigualmente distribuídas entre os diferentes grupos sociais.

Esta seletividade tornara-se particularmente transparente na modalidade do "desemprego de longa duração", tal como a mesma se exprimiu a partir dos anos de 1980 nos países de capitalismo mais avançado. Nesses, os handicaps que se tornaram moralmente legítimos, e que justificavam as dificuldades de acesso do trabalhador ao posto de trabalho, já não eram tão-somente aqueles de ordem física, como no século XIX, tornando-se também handicaps de natureza social. Assim, no caso francês, por exemplo, dados colhidos entre 1983 e 1989,15 momento crucial da expansão do desemprego de longa duração, permitiram identificar um conjunto de fatores sociais de risco, que alteravam as chances individuais de empregabilidade.16 Como ressalta Demazière (1995, p. 55), "a combinação mais favorável reúne os traços seguintes: sexo masculino, jovem, diplomado e com pouco tempo de desemprego (68% de chances de retorno ao emprego), e a mais desfavorável é aquela representada pelos desempregados idosos, não-diplomados, do sexo feminino e passivos na sua busca de emprego (7% de chances de retorno ao emprego depois de dois anos)".

Ademais, um outro traço passou a caracterizar a organização contemporânea do mercado de trabalho. A saída da condição de desemprego não se fazia mais pela obtenção de uma ocupação estável, num posto de trabalho de boa qualidade. Ao contrário, as evidências empíricas, reunidas a partir de tendências dos países capitalistas mais avançados, sugeriam que não apenas "ocorrem, ao mesmo tempo, uma tendência no aumento do fluxo de entrada e uma redução no de saída das pessoas da condição de desemprego" (Dedecca, 1996, p. 14), mas, mesmo os que logram sair, apresentam uma tendência à fragilização dos vínculos subseqüentes de trabalho, que os fazia candidatos potenciais a novas situações de desemprego. Desapareceu, assim, a idéia da saída definitiva (ou, quando menos, duradoura) do desemprego, por meio da aquisição de um novo emprego.

Estávamos diante de uma forte evidência da dissolução do vínculo, tido até então como "natural", entre emprego e desemprego. E, assim sendo, o tempo de permanência no desemprego passara a ser uma medida sensível, isto é, uma boa antecipação das dificuldades futuras de (re)inserção profissional. "Tudo se passa como se o desemprego contribuísse para redistribuir os empregos" (Demazière, 1995, p.52), na medida em que a degradação das condições contratuais revelava-se uma característica comum a uma parte significativa dos desempregados que se reinseriam.17

Pois bem, se essa linha de argumentação mostrara-se sólida em sua capacidade de interpretar realidades onde a proteção social ao desemprego fora eficiente, o que dizer do alcance deste movimento do desemprego em realidades onde eram frágeis os regimes de welfare? Ou, para tomarmos de empréstimo as idéias de Esping-Andersen (1990 e 1999) e de Gallie (2001), que se passou naqueles contextos onde eram pouco eficazes os "sistemas de regulação pública voltados a assegurar a proteção aos indivíduos e à manutenção da coesão social mediante intervenção (por medidas legais e distributivas) nas esferas econômica, doméstica e comunitária" (Gallie, 2001: p. 2). Voltarei a esse aspecto institucional mais adiante; por ora, vou me deter ainda, um pouco mais, na questão da seletividade e em suas conseqüências para nossa agenda de pesquisa.

Se concordarmos com o que foi exposto até aqui, a própria idéia tradicional de empregabilidade precisa ser enriquecida.18 A probabilidade de obtenção do emprego passa a depender não apenas das medidas sociológicas clássicas de posição, que documentam o perfil de características do desempregado que se habilita no mercado de trabalho (como sexo, idade, escolaridade etc.). Ela passa a requerer uma análise longitudinal, ou seja, o conhecimento das trajetórias ocupacionais empreendidas, visto que as chances da (re)inserção profissional resultarão, em grande medida, das experiências anteriores de emprego e de desemprego. Além disso, as estratégias de busca do emprego têm nas redes sociais constituídas, seja nas experiências de trabalho, seja nos momentos de desemprego, especialmente a partir do grupo familiar, um outro importante fator de explicação do êxito na obtenção de um novo posto de trabalho.

Assim, a empregabilidade, mais que mera capacidade individual, deveria ser apreendida como uma construção social (Demazière, 1995 e 1995a; Outin, 1990), pois a chance de uma ação individual bem-sucedida na busca do emprego tem os seus graus de liberdade definidos para além da vontade e da conduta individuais. Isto porque – nos novos contextos produtivos, instabilizados por processos de acirrada competição entre empresas e de intensa reestruturação organizacional –, a trajetória ocupacional do trabalhador depende: da apreciação conjuntural e socialmente variável dos atributos individuais que o caracterizam; da sua "qualificação social", de um capital (social) acumulado para, por meio de redes eficazes, localizar e obter colocação num posto de trabalho, e, por fim, de fatores estruturais absolutamente externos e não-manobráveis por sua ação, como são as estratégias locacionais e de investimento das firmas (DiPrete e Krecker, 1991). Dessa forma, a empregabilidade passa a ser o resultado da interação entre estratégias, individuais e coletivas, tanto dos que buscam o trabalho assalariado, quanto daqueles que o empregarão (Outin, 1990).19

Não sem razão a literatura internacional fundada em estudos comparativos (ver, por exemplo: Gallie e Paugam, 2000; Gallie, 2001) chama a atenção para o fato de que variam significativamente entre países os perfis dos grupos sociais mais vulneráveis ao desemprego.

 

Por uma agenda de novos temas para uma sociologia do desemprego: as dimens§es normativo-institucional e biográfico-subjetiva20

Em que pese certa convergência entre os estudiosos no que concerne ao valor heurístico das comparações no processo de desvendar especificidades e/ou determinantes sociais do desemprego, é fato, entretanto, que análises sociológicas de cunho comparativo internacional ainda são raras nesse tema; no mais das vezes, os estudos limitam-se a construir séries estatísticas, baseadas em cálculos consistentes com normas internacionais de mensuração (oriundas, sobretudo, das definições operacionais da OIT). Qualquer que seja o seu grau de sofisticação, tais análises estão implicitamente fundadas na idéia – muito desconfortável para nós, sociólogos – de que o desemprego designa a mesma coisa nos distintos países a que se reportam as estatísticas coligidas.21

Ora, pelo que foi dito até aqui, uma análise sociológica do desemprego não poderia deixar de estar atenta para o fato de que a significação do desemprego varia nos espaços nacionais. Afinal, esse ponto de partida é o cerne da nossa abordagem disciplinar!

No caso, sabemos que os mecanismos de acesso a uma atividade profissional ou à obtenção de recursos materiais não são uniformes; ao contrário, eles variam em função dos contextos nacionais e das características biográficas (sexo, idade, etnia). Bem assim, os sistemas de seguro-desemprego e os dispositivos de redistribuição de recursos dirigidos aos que estão em busca de trabalho são operacionalizados de formas distintas, apoiando-se em critérios de elegibilidade igualmente diversos e socialmente determinados. Do mesmo modo, é também variável o tipo de apoio institucional que cada sociedade oferece aos seus desempregados na procura de emprego (agências governamentais de emprego, políticas de luta contra o desemprego, pequenos anúncios, coletividades locais, redes informais etc.).

Mesmo tomando em conta uma única sociedade, em diferentes momentos do tempo, tais formas também variam. Observe-se o caso do Brasil. Na conjuntura recessiva do início dos anos de 1980, embora o fenômeno do desemprego tivesse adquirido uma grande visibilidade social, a forma de intervenção de agências estatais, ou os mecanismos do sistema público, eram muito menos desenvolvidos e atuantes que o foram nos anos de 1990. A par disso, os sindicatos mostraram uma atuação importante em defesa dos "seus" desempregados, a sugerir tanto que, naquele momento, a chance de retorno a um outro emprego no mesmo setor permanecia no horizonte (tão logo amainasse a crise), como que os sindicatos detinham uma legitimidade social suficiente para arrecadar recursos (transitórios que fossem) para os fundos de suporte aos "seus" desempregados. No campo político, os movimentos de desempregados eram agentes centrais da demanda por um sistema de regulação pública mais eficaz, sendo indicativos de que a condição de desempregado não era um estigma que desonrasse; ao contrário, ela podia ser assumida como um sinal diacrítico, portador de uma identidade, mesmo sendo esta construída a partir de um estatuto transitório. Naquelas condições do início dos anos de 1980, o trabalhador a par de "desempregado" se mantinha, por exemplo, como "metalúrgico"; ou seja, sua origem ocupacional seguia sendo provedora de auto-reconhecimento e de reconhecimento pelos outros (notadamente pelo seu sindicato). Isto se tornava possível dada a crença nas chances do retorno ao "setor de origem"; e esta resultava da modalidade de estratégia de gestão do trabalho, baseada no turn-over dos trabalhadores. Tal construção subjetiva e o seu correlato institucional perderam sentido nos anos de crise da década seguinte (a década de 1990) no Brasil.

Assim sendo, a variação na significação do desemprego – que até aqui procurei ilustrar, ainda que rapidamente – se expressa tanto no plano normativo, das instituições que intervêm, de maneira variável, junto às populações designadas como desempregadas, quanto no plano subjetivo, das experiências vividas pelas pessoas colhidas pela situação de desemprego. Com isto, estou chamando a atenção para o fato de que uma sociologia do desemprego deve ter a responsabilidade de analisar, conciliando, duas dimensões que são caras (porque constitutivas) da nossa tradição disciplinar: por um lado, a construção institucional e normativa do fenômeno; por outro, a sua significação subjetiva, tecida ao longo dos percursos no mercado de trabalho e resignificada pela interpretação subjetiva das biografias individuais. Nesse sentido – e percebido em seu sentido sociológico forte – ser desempregado significa ser institucionalmente reconhecido, contabilizado e considerado como tal, mas, ao mesmo tempo, importa em, subjetivamente, definir-se, reivindicar-se e considerar-se como tal.

Por isso mesmo, os estudos comparativos tornam-se um bom método para descrever e compreender as formas (e as transformações) assumidas pelo desemprego em distintos contextos societais (D'Iribarne, 1990). A despeito da existência de convenções de mensuração, base das estatísticas que apóiam as nossas habituais comparações internacionais, um olhar sociológico sobre o fenômeno não deve perder de vista que as fronteiras entre o desemprego, a atividade e a inatividade são relativas, na medida em que essas resultam de construções sociais próprias a cada realidade. Por isso mesmo, há que se ter em conta as formas institucionais, os sistemas de regras, as dinâmicas normativas, que, diferindo de país a país, pesam de maneira específica sobre os contornos do emprego e do desemprego, mas também sobre as formas da atividade, sobre as categorizações que os indivíduos fazem de sua situação, sobre os seus percursos biográficos, sobre os universos e os valores profissionais. As comparações entre sociedades (ou entre momentos de tempo, numa mesma sociedade) permitem elucidar as lógicas institucionais em jogo e seu papel configurador do desemprego, do emprego e da inatividade.

Nesse campo, há ainda muitos caminhos por investigar numa possível agenda para uma sociologia do desemprego. O primeiro consiste na identificação dos atores institucionais que participam da regulação do emprego e na análise de sua legitimidade, tendo em conta os diferentes tipos de instituições intervêm neste processo: o Estado, naturalmente (embora não apenas ele); instituições públicas não-estatais (como sindicatos ou centrais sindicais) e seus parceiros sociais (ONGs, por exemplo); mas também a família (fundamental na estruturação dos papéis, divisão de responsabilidade no provimento da sobrevivência e ordenamento de estratégias para os seus membros face ao mercado de trabalho); bem como o conjunto das redes de ajuda mútua (fundadas, seja na consangüinidade, como as redes familiares, ou em outros tipos de identificação comunal, permanente, como origem regional ou étnica, ou transitória, como a vizinhança ou o culto).

Entretanto, sendo que o desemprego é uma construção subjetiva, muitas vezes a variação encontrada nas estatísticas do desemprego (se as comparamos com contextos sociais diversos) resulta de que, para serem socialmente reconhecidos (e contabilizados) como desempregados, é necessário que os indivíduos se auto-reconheçam como tais e acorram às instâncias de reconhecimento institucional do desemprego. Para entender, se, quando e como essa auto-identificação se produz, é imprescindível a análise das experiências biográficas, o estudo dos percursos profissionais dos desempregados, bem como do sentido subjetivo atribuído à condição do desemprego pelos indivíduos que a vivenciam.

Essas diferentes dimensões da experiência do desemprego estão, por sua vez, inscritas em quadros normativos, culturalmente diversos e que são imprescindíveis de serem resgatados quando se pretende construir uma sociologia das manifestações do desemprego.

 

Pensando comparativamente: o Brasil à luz de outras realidades

Em países como o Brasil, a questão do desemprego se coloca de maneira particularmente crítica. Ora, nesse tipo de contexto, nem a estruturação do mercado de trabalho generalizou a relação salarial estável como a forma dominante de uso do trabalho, nem a produção em massa se sustentou num movimento de extensão da cidadania e de proteção social na forma de um welfare público, socialmente eficaz na proteção do trabalho. Como bem analisou Silva (1990), as especificidades do nosso mercado de trabalho e das relações industriais, aliadas ao autoritarismo da relação Estado-sindicatos, fizeram com que, no Brasil, a organização da produção rígida de massa viesse a se impor livre das contrapartidas sociais que a legitimaram, diferentemente daquilo que historicamente se verificou no que Boyer denominou "fordismo genuíno".

Nos Estados Unidos, tais contrapartidas soldaram o compromisso entre política social do Estado, interesses da empresa e demandas do trabalhador. O princípio do five dollars a day tornou-se a expressão mais conhecida desse compromisso, onde o maior acesso ao consumo era apenas uma face externa da cidadania alcançada no âmbito da produção. Aqui, pelo contrário, nem o movimento sindical chegou a se constituir um interlocutor legítimo para negociar as condições de uso e remuneração do trabalho, nem o trabalhador alcançou a sua centralidade como consumidor, sobre a qual se assentaria a produção em massa.

Ademais, as relações de trabalho caracterizavam-se pela elevada instabilidade no emprego, por escalas salariais com grande diferenciação de níveis, pela maior rigidez na definição dos postos de trabalho, além da ausência de tradição de trabalho organizado em equipes. Em nossa sociedade, a cultura política jamais favoreceu a estabilidade das regras de negociação salarial, a inviolabilidade dos acordos trabalhistas ou a legitimidade da ação reivindicativa dos trabalhadores. O alto nível de desemprego e a ausência de tradição de intervenção negociada dos trabalhadores na introdução de novas tecnologias compuseram um modelo de sistema de relações industriais em tudo contrastante com o que prevalecera nos países onde se originaram os paradigmas pós-fordistas de organização do trabalho (Ferreira et al., 1991).

Alie-se a tudo isto a ausência de um sentido universalista e republicano nas ações sociais do Estado, o que levou à constituição de um arremedo de welfare público (se comparado ao caso francês, por exemplo), sem o correspondente desenvolvimento compensatório de um welfare privado (se considerada a experiência japonesa). Este tornou-se aqui perfeitamente desnecessário, substituído por um paternalismo autoritário erigido num contexto em que ainda era o velho despotismo de mercado a base para a produção do consentimento.

A reestruturação produtiva encontra-se, assim, às voltas com problemas sociais que afetam tanto os "sobreviventes" deste processo, quanto os que dele parecem estar sendo "excluídos". Diferentemente dos países capitalistas centrais, onde (como assinalei acima) podiam ser muito facilmente estabelecidos os limites (simbólicos e materiais) entre o desemprego e o pauperismo, tendo um e outro políticas e instâncias institucionais bem diversas a atendê-los, no caso brasileiro, carecia-se de políticas de empregabilidade e de assistência social.22

Entretanto, mesmo no que diz respeito ao pequeno contingente dos possíveis "sobreviventes", destaca-se, de imediato, o grave déficit de educação, expresso na baixa escolaridade da população brasileira em geral e no conjunto dos trabalhadores, em particular, e na quase destruição a que foi submetida a rede escolar pública.23

Como este "fordismo à brasileira" marcou as características do nosso sistema de formação profissional? Diferentemente da quase totalidade das experiências nacionais, aqui o sistema de formação profissional desenvolveu-se com completa autonomia vis-à-vis o sistema educacional. Mas, contrariamente a outras realidades tomadas como virtuosas, como é o caso, por exemplo, do modelo alemão, essa autonomia se fez presente também ante o próprio Estado e os sindicatos de trabalhadores. Distante do Estado, pela compreensão corrente de que a sua fonte de recursos (encargos sobre a folha de salários) é de natureza essencialmente "privada", tampouco o sistema de formação profissional esteve próximo das representações de trabalhadores que, até muito recentemente, não entendiam que a questão da qualificação pudesse ser parte da sua agenda política (Fogaça e Salm, 1995).

Este quadro completa-se com a falta de um forte envolvimento empresarial com a formação profissional e o treinamento. De fato, os baixos níveis de investimento em capital humano marcaram o crescimento capitalista brasileiro (Carvalho, 1992). Ao que tudo indica, o grande número de fatores institucionais que regulam o mercado de trabalho no Brasil (CLT, FGTS, seguro-desemprego, regras de reajuste salarial) acabou por produzir um sistema que não incentivou os trabalhadores a investir em seus empregos e nem as firmas a investir no treinamento e qualificação dos seus empregados. Os dados de Amadeo et al. (1993) sugerem que ou os custos de demissão no Brasil foram historicamente muito baixos, ou os incentivos do FGTS muito fortes de forma a contrabalançar esses mesmos custos. Nisto residem, talvez, as razões do pouco investimento empresarial no treinamento e qualificação da força de trabalho. Assim, diante da alta probabilidade de perda desse investimento, somente dispêndios específicos e indispensáveis eram realizados e, portanto, quanto menos qualificado fosse o trabalhador, menor a sua oportunidade dentro da firma e menor o seu salário. Para a firma, a estratégia ótima passou a ser aquela que buscava retirar o máximo do empregado enquanto ainda o tivesse como contratado, evitando comprometer-se com o seu futuro, e daí o pouco investimento em capital humano (especialmente quando se trata de trabalhadores menos qualificados) e elevada rotatividade da força de trabalho entre empregos.

Quão mais clara essa imagem sobre o caso brasileiro se nos afigurará se a compararmos a outras experiências de construção institucional do emprego e do desemprego?

Tem sido corrente encontrarmos autores que assumem ser a inscrição da análise em perspectivas comparativas seria uma estratégia produtiva para bem descrever os processos de conformação do desemprego. Comparam-se cadeias produtivas; dentro delas, complexos; nestes, firmas. Nas nossas análises (Cardoso, Comin, Guimarães, 2000; Cardoso, 2000; Guimarães, 2002) já havíamos chegado a reconhecer que, da forma como institucionalizado o mercado de trabalho e as formas de proteção (o nosso regime de welfare), o movimento de reestruturação das firmas deixava um legado de enorme desorganização nas trajetórias ocupacionais dos trabalhadores que a elas haviam pertencido. Ao tempo em que rompiam seus elos com os antigos empregadores, rompia-se igualmente o elo com o mundo do trabalho registrado e minimamente protegido. E, não importa como e onde observássemos, esta se mostrava a tendência dominante – a desafiar mercados internos de trabalho, carreiras profissionais, identidades coletivas, políticas públicas e estratégias individuais pelas quais se amealhava algum capital de qualificação.

A intensificação do trânsito no mercado de trabalho, a perda dos elos com um destino profissional anterior, levava a que os estudos de trajetórias de trabalhadores segundo os seus setores/cadeias de origem virtualmente perdessem sentido. Ou quando menos perdiam sentido para aquela parcela formada pelos trabalhadores cujo destino confluente e mais visível era o de perderem os elos com o seu passado, sendo lançados de volta ao mercado de trabalho, em percursos que tinham como marca principal a recorrência duradoura do desemprego. Havia que matizar, entre nós, o peso da figura do desemprego de longa duração; este supõe um sistema que ancora (e redes sociais que protegem) o desempregado, retendo-o nessa situação e com tal identidade.

Em condições de recorrência do desemprego, e estando o trabalhador sujeito a movimentos de inserção e re-inserção, é no mercado de trabalho que se trata de buscar o entendimento das suas possibilidades de mobilidade; o seu passado profissional pouco explica do seu futuro ocupacional. As instituições do mercado de trabalho, e notadamente aquelas que regulam, institucionalizando, o desemprego, tornam-se focos de primeira hora para novas interpretações.

Nesse sentido, as comparações intra-nacionais, entre cadeias, perdem o estatuto de caminhos de abordagem de elevado poder discriminador, cedendo-o às comparações entre sociedades, de modo a identificar-se as formas de institucionalização normativa e as conseqüências destas para os sujeitos. Que dizer, então, do caso brasileiro, se sobre ele refletimos tendo em mente duas realidades bastante distintas por terem sido constituídas sobre regimes de welfare (público, numa; privado, noutra) sustentados em outra estrutura normativa, como o caso da França e do Japão?24 E por que comparar o Brasil exatamente com esses dois outros países? Vamos por passos.

À primeira vista, esses três países estão muito distantes tanto pela situação do desemprego como pelas características de sua economia. Ademais, cada um se distingue pelo nível de desemprego (medido conforme convencionado pelas normas de comparação internacional, da OIT). Assim, a França apresentava (no momento em que formulávamos nossas idéias iniciais para um estudo comparativo) a taxa de desemprego mais elevada (10,9%, em 1998); o Japão, a mais fraca, embora aumentando de modo persistente (4,5%, em 1998); o Brasil, uma curiosa situação intermediária (7,6%, em 1998).

Além disso, cada país tinha uma trajetória socioeconômica singular: passagem de uma economia agrária e rural a uma industrialização e urbanização rápidas no curso da segunda metade do século XX, no Brasil; terceirização de uma economia industrial muito antiga, no caso francês; desenvolvimento econômico sem precedentes depois dos anos de 1950, no Japão. Diferenças tão consideráveis obrigavam-nos a examinar de maneira mais precisa as condições de uma comparação entre esses países. Isso nos levou a sublinhar tanto os traços comuns como as particularidades.

A despeito das grandes diferenças que caracterizavam o Brasil, a França e o Japão nos planos econômico, social e cultural, os três se inscreviam em um contexto de globalização das trocas, de desregulamentação fragilizadora das autoridades públicas, de padronização das normas de gestão, da produção e do emprego. Mesmo tendo histórias muito contrastadas, esses países estavam inscritos em um processo de internacionalização característico do período contemporâneo. Mais precisamente, eles conheciam um fenômeno comum, mas de amplitude e de temporalidade variáveis, marcado por uma ameaça às normas de emprego, com o rápido desenvolvimento de modalidades ditas "atípicas" de emprego, se tomamos como referência a norma de assalariamento.

Esse processo, entretanto, se traduz de maneira diferente em cada um dos contextos nacionais. No Brasil, observou-se a intensificação da mobilidade entre formas de ocupação com diferentes estatutos (empregos registrados e não-registrados, trabalhos regulares e "bicos" etc.), mas também um trânsito intenso entre condições de atividade, isto é, entre desemprego e inatividade, ou entre ocupação e inatividade. Na França, viu-se o crescimento de formas particulares de emprego concernentes tanto à duração e estabilidade do contrato de trabalho como ao tempo de trabalho. Já no Japão, houve o recuo do modelo do chamado "emprego vitalício", característico da grande empresa e aparição de formas de emprego precárias ou atípicas ao lado da difusão de empregos não-titulares de um estatuto formal, freqüentemente em tempo parcial e desprovidos de qualquer proteção social.

As transformações das formas de emprego e, por conseqüência, do desemprego afetaram seja os modos institucionais de regulação da relação salarial, seja as trajetórias profissionais. É por isso que se tornava estratégico, para pensar sociologicamente o processo em curso, centrar o foco do interesse analítico na articulação de sistemas institucionais e normativos que conformavam a gestão do emprego e do desemprego, bem como nos percursos biográficos que se desenvolviam nesses contextos em mutação. Ou seja, cada um dos países poderia ser caracterizado por uma convenção, por uma norma social própria que definiria (institucionalizando e criando um quadro de referência para a experiência subjetiva) a atividade ou a inatividade, o emprego ou o desemprego.

No Brasil, a institucionalização do desemprego era, ao mesmo tempo, fraca e recente. A debilidade da proteção social e das ajudas públicas aos desempregados, bem como o seguro-desemprego, conduziram a uma importante subdeclaração das situações de privação de emprego. Isso acarretou uma nebulosidade significativa sobre as fronteiras entre os estatutos sociais (emprego, desemprego e inatividade), que se manifestou, inclusive, publicamente nas questões polêmicas em torno dos números do desemprego.25 As condições de emprego são aqui muito heterogêneas, abrangendo desde espaços ocupacionais fortemente enquadrados por normas jurídicas e por uma proteção social a outros onde uma economia informal, submersa, aparece como particularmente desenvolvida e diversificada. Em um contexto de forte diminuição dos empregos formalmente registrados e protegidos, notável sobretudo no setor industrial no decurso dos anos de 1990, as atividades ocupacionais não registradas (como a dos assalariados sem registro em carteira e dos trabalhadores por conta própria) asseguraram o essencial da flexibilidade do emprego (representando mais da metade dos empregos), alimentando, ao mesmo tempo, o crescimento das atividades de serviços e dos "bicos".

Assim, num contexto onde o assalariamento da população ativa é "limitado" (Lautier, 1987), a desestabilização das condições de emprego provocou uma aceleração das transições entre o assalariado formalmente registrado e as atividades não registradas e protegidas. As estratégias defensivas que foram desenvolvidas passaram a se apoiar na combinação desses dois tipos de situação, seja para um mesmo indivíduo (acumulação, alternância), seja no seio do grupo familiar. A maioria das mulheres ativas trabalha em ocupações precárias ou informais, que são igualmente ocupadas em grande parte pelos ativos mais jovens. É evidente que tais mecanismos sociais de distribuição de formas de emprego têm efeitos estruturais sobre as reações subjetivas ao desemprego e, mais globalmente, sobre a trajetória e as atividades profissionais. A construção social do desemprego está marcada, aqui, pela ruptura da equivalência entre a privação do emprego e o desemprego. Ademais, onde a fronteira entre o desemprego e o emprego se faz tão mais permeável, ganham força outras categorias de identificação subjetiva e política (desabrigados, "sem-teto", "sem-terra", por exemplo), sendo tanto mais utilizadas quanto mais eficazes (que o desemprego) se mostrem para negociar a proteção social. Não sem razão os fortes movimentos de desempregados do início dos anos de 1980 cederam lugar a movimentos sociais onde outras identidades coletivas formam a argamassa que liga os interesses individuais. E, mesmo que a maioria dos "sem-teto" possa ser também "sem-emprego", não é a identidade subjetiva de "desempregado", coletivamente partilhada, que está na base da ação.

Na França, ao contrário, o desemprego é fortemente institucionalizado. As instituições públicas de recolocação cobrem o território nacional com uma malha fina, de há muito constituída. Por isto mesmo, podemos entender que a taxa de desemprego na região de Paris (cerca de 11%) fosse mais alta que a de São Paulo (cerca de 8%), no ano-base que tomamos para as comparações. E não sem razão; as pessoas privadas de emprego tendem – animadas pela forma como se institucionaliza o sistema de proteção social e de emprego – a se declarar como desempregados, inscrevendo-se (tão logo privadas de emprego) junto à ANPE (Agence Nationale pour l'Emploie). Só assim farão jus ao ingresso na malha fina do sistema de welfare.26

Entretanto, no caso francês, o desemprego se banaliza à medida mesma que se pluralizam as formas de vivenciá-lo. Mas, sobretudo – e essa é a característica sociologicamente mais saliente – o desemprego aparece cada vez menos sob a forma de uma ruptura abrupta no meio de uma carreira profissional contínua. E, nesse sentido – e esse é outro achado teoricamente importante – as formas (ou configurações institucionais) do desemprego dependem e expressam as formas (ou configurações institucionais) do emprego. Ora, na França, essas últimas diferenciaram-se bastante no curso dos últimos anos, abrindo-se o leque das chamadas "formas particulares ou atípicas de empregos", todas excepcionais ante a norma salarial. Essa excepcionalidade exprime-se em dois planos. No que concerne à duração e à estabilidade do contrato de trabalho, institucionalizam-se os Contratos de Duração Determinada (CDD), os contratos temporários e os estágios. No que concerne à duração da jornada de trabalho, ganha espaço o trabalho em tempo parcial. Em meados dos anos de 1990, no mercado de trabalho francês, cerca de 2,5 milhões de contratos (num total de 22 milhões) diziam respeito a indivíduos ocupados em regime de tempo parcial. Os jovens, ingressantes no mercado de trabalho, eram os mais absorvidos pelos empregos sob contratos precários; já as mulheres eram as candidatas primeiras aos cargos em tempo parcial (85% desses empregos em 1998).

Entretanto, as taxas de atividade das mulheres permaneciam muito elevadas, e conviviam com uma composição por gerações no acesso ao trabalho assalariado (Gaullier, 1999), de modo que o ingresso na vida ativa se faz cada vez mais tardio e marcado pelo desemprego (ou por situações intermediárias, de transição cada vez mais freqüente, entre o desemprego e o emprego). Já a interrupção da vida profissional é cada vez mais precoce (desemprego de trabalhadores idosos, mas também uma política de aposentadoria antecipada e de dispensa de procura de trabalho para os empregados mais idosos). Assim, as variáveis de gênero e de geração aparecem como particularmente importantes, seja para a análise das trajetórias profissionais e das relações subjetivas vis-à-vis os diferentes tipos de estatutos sociais, seja para entendimento das políticas institucionais de gestão do desemprego e da mão-de-obra.

No Japão, o desemprego é sem dúvida menos institucionalizado, mas por razões muito diferentes daquelas do caso brasileiro. É certo que os níveis de desemprego foram sensivelmente reduzidos até muito recentemente. Ademais – e esta é uma diferença notável –, a gestão do emprego estava entregue às empresas (normalmente grandes empresas), mais do que ao Estado. Só recentemente é que as grandes empresas passaram a demitir em maior escala, revertendo a política prévia de reter a mão-de-obra excedente, administrando sua alocação nas redes de firmas cooperantes.

Não sem razão, portanto, para os trabalhadores cultural e subjetivamente formados sob o signo do sistema de "emprego vitalício" – e que são quase exclusivamente os homens –, a experiência do desemprego esteve (e ainda está) marcada pela vergonha social, pelo sofrimento subjetivo da humilhação. Por isso mesmo, a inscrição nas agências de emprego é percebida como desonrosa. O desemprego não apenas é estruturalmente menor, mas a sua "subenumeração" (se quisermos reduzir o assunto à sua dimensão estatística) seria incompreensível fora de um quadro cultural que afasta o indivíduo do novo sistema de proteção que está se constituindo. Por certo, os empregos atípicos também se multiplicam (22% da população assalariada em 1998) e também sob formas diversas: o contrato temporário (arubaito), concentrado entre os jovens; o emprego não-titular (shokutaku) que atinge os ativos mais idosos; e, por fim, o chamado part-timer (aliás, muito mal denominado, pois ele implica freqüentemente uma duração de trabalho comparável ao tempo integral, mas sem os benefícios de seguridade social), que abrange 95% das mulheres ocupadas, em grande parte retomando uma atividade depois de ter criado os filhos.27 Ademais, para as categorias de mão-de-obra que não detêm um emprego registrado, as fronteiras entre o desemprego e o emprego, e mesmo entre atividade e inatividade, são mais descontínuas e incertas, pois no Japão (à diferença da França) as interrupções de emprego não são sistematicamente categorizadas e reconhecidas como desemprego, especialmente quando elas não dão direito a uma indenização. Uma das razões freqüentemente evocadas para explicar o fraco nível de desemprego durante os períodos de crise é que as mulheres, tendo perdido o seu emprego precário, não se lançariam à procura de um novo emprego (Freyssinet, 1984). As normas de atividade e os comportamentos em relação ao desemprego e ao emprego são muito diferenciados em função do gênero, mas também da posição no ciclo de vida (Sugita, 2002).

Essas observações, ainda provisórias e iniciais, já nos mostram o interesse em estruturar uma comparação entre Brasil, França e Japão pela lente das diferenças (e/ou especificidades) na forma de manifestar, definir e viver o desemprego em cada um desses países.

É certo que alguns poderiam seguir satisfeitos, lidando analiticamente com as maneiras habituais de tratar o assunto. Por certo, àqueles policy makers (que se satisfazem com as formas assentes na tecnocracia da ação pública) pode parecer suficiente não apenas medir (e a medida lhes parecerá de univocidade indiscutível) como reter, numa definição normativo-institucional indisputável, aqueles dois clusters que, por certo, são os que mais assomam à visão mais ligeira: de um lado, emprego estabilizado e, de outro, o desemprego institucionalizado. E, com efeito, por muito tempo, as nossas diretrizes de política pública apenas tiveram olhos para esses dois agregados. É certo que esse era o espelho de um modelo civilizatório que tinha na relação salarial o seu core e que postulava – por fortes razões intelectuais, políticas, mas também morais – que a universalização dessa norma era uma expressão da modernidade e, por isso mesmo, um norte construtor da ação política, da intervenção governamental e do refinamento acadêmico. Isso justificava situar as análises entre dois pólos, tipificados (cada um deles) em uma única forma de expressão.

Mas, uma outra maneira de lidar com o assunto também existe – mais sensível, eu diria –, mas que tem instaurado a disputa no campo do "bem medir", sob o argumento de que, na estrutura dos mercados de trabalho em sociedades de industrialização tardia, o outro do emprego estabilizado não pode ser apenas o desemprego institucionalizado. Por isso mesmo, propugnam para que se reconheça um leque de formas de desemprego mais amplo que o simples desemprego aberto, uma vez que este último é o outro apenas da relação salarial clássica. O contraste com a realidade das chamadas economias periféricas alertaria, então, para a existência, nesses países, de distintos padrões de estruturação do mercado de trabalho e da relação de emprego e, por conseguinte, para distintas formas do desemprego. O desafio para a inteligência analítica e para a política pública passa a ser não o chamado (e paradoxal, como vimos) "desemprego de longa duração", mas o fenômeno novo da "recorrência do desemprego". Esta forma de reagir ao problema chama, assim, a atenção para a necessidade de que a teoria e a prática não tenham em mente apenas aqueles dois clusters de situações concretas – o do emprego estável e o do desemprego institucionalizado –, mas que se debrucem sobre uma zona ampla, que se estende entre estes dois pólos, quantificando-a e fazendo dela um (senão, "o") endereço legítimo para políticas públicas.

O objetivo deste texto foi o de trazer à baila essa zona ampla e cinzenta que desafia o nosso ideal de modernidade, de universalismo e de inclusão, e que, portanto, carece ser bem medida, mas também ser bem teorizada (até para que a medida não perca a especificidade na busca obsessiva por quantidades, novamente "jogando fora a criança com a água do banho"). Essa zona está longe de ser apenas uma forma de "brasilianização" (para tomar um dos possíveis adjetivos em voga e aquele que mais de perto nos toca), termo que alude, para ser provocativa, à transposição de um modelo de certa forma espúrio ante os sistemas sociais de forte tradição regulatória, protecionista e republicana. Ao contrário, a recorrência do desemprego pode ser produzida, conforme sugerido acima, em distintos contextos societais, a partir de fatores também diversos. Tampouco se resolverá a questão, creio eu, retomando-se os termos do velho debate sobre a marginalidade que tanto furor fez entre latino-americanos e brasileiros, no sentido de indicar a forma como a inserção das nossas sociedades no capitalismo cindia o universo social e criava dois circuitos de reprodução.

Pelo contrário, acredito que essa zona (que pode ser quantificada, com mais precisão, introduzindo-se novas categorias e formas de desemprego e/ou de emprego) tem uma origem, um fundamento, uma representação normativa, uma construção institucional e uma introjeção subjetiva que devem ser buscadas em cada caso, não sendo tomadas exclusivamente como um epifenômeno de uma certa "globalização" ou "mundialização". Pois, apesar das recorrências (que nos levam a colocar o ônus da explicação no plano global), os fenômenos, quando bem entendidos em suas dimensões normativa, institucional e subjetiva, não apenas variam entre países (e seria acaciano parar por aqui), mas só adquirem sentido, só podem ser explicados e efetivamente compreendidos em toda a sua extensão, se estudados comparativamente, isto é, tendo em conta as especificidades dos seus quadros societais.

Estarei com isso desafiando o estatuto interpretativo de uma economia do trabalho? Nem de longe. Apenas busco, com esse tipo de argumento, avançar numa sociologia do desemprego, pela qual urge propugnar e sobre a qual o acúmulo de reflexão comparativa, temática, teórica e metodológica se faz urgente.

 

NOTAS

1 Perceptível, por exemplo, nas regulações do comércio e dos direitos de propriedade.

2 Deliberadamente recorri, nesse parágrafo, a uma coleção típica de categorias oriundas do jargão que se tornou corrente. Meu objetivo é chamar a atenção para o fato de que tal convergência se inscreve também nos esquemas interpretativos, produzindo um léxico e uma gramática próprios (porque desenvolvidos para retratar o que se acreditava serem as novas tendências do trabalho reestruturado em contextos de globalização).

3 Muitas vezes sem correspondente aumento de produtividade (o que, nos termos atuais, acarreta uma redução do rendimento do trabalho).

4 Como o emprego por tempo determinado ou o emprego de tempo parcial.

5 Dedecca (1996) refere o alerta da OCDE, formulado em 1995, no sentido de que, "mesmo que prossiga a expansão econômica, a taxa de desemprego [aberto] na zona da OCDE poderá se manter elevada – próxima a 7% no ano 2000. Taxa que será ainda superior à registrada antes da última recessão" (p. 18; grifos meus).

6 Os sistemas nacionais de seguro-desemprego são fartos em exemplos destes códigos específicos de legitimidade, na medida em que lhes cabe definir em que condições os trabalhadores recebem os benefícios previstos e por quanto tempo. Maruani e Reynaud (1993) apontam um exemplo eloqüente: em diversos países, prevalece um tipo de código de legitimidade que produz o entendimento de que a mulher casada deverá fazer jus a um valor de seguro menor que a mulher solteira (tal norma estaria vigente em países como a Alemanha, a Inglaterra e a Holanda, por exemplo). Este é, muito provavelmente, um fator não desprezível de elevação do trânsito à inatividade entre mulheres casadas, expostas a situações de espera prolongada de trabalho, e que resulta do modelo vigente de representação coletiva das relações sociais de gênero. Voltarei a esse tema em seguida.

7 Sua elevação constante levou-as ao patamar de 5% em 2001, percentual extraordinário para a média japonesa onde, mesmo quando apresentava taxas em alta, elas eram inferiores a 3% da população economicamente ativa.

8 Notadamente por meio do mecanismo dos prêmios de produção.

9 A flexibilidade no mercado de trabalho se ancoraria em características tais como: facilidade nos procedimentos de demissão, seguro-desemprego de valor pouco atraente, salário-mínimo bastante reduzido, dentre outras, todas elas apontando para um contexto social que aliava práticas de emprego (tradicionalmente desreguladas) à importância crescente de um welfare privado (ancorado nas políticas de benefícios diretamente outorgadas pelas empresas).

10 Cuja taxa de desemprego teria dobrado nas décadas de 1970 e 1980, alcançando 9% em 1990.

11 Estas alcançavam 6%, equivalendo ao dobro do caso francês, por exemplo (Demazière, 1995).

12 Expresso nas normas mais rígidas que cercam as demissões, em salários mínimos relativamente elevados e em valores de seguro-desemprego que permitem condições mínimas de subsistência.

13 De fato, a única forma de desemprego de longa duração moralmente aceita era aquela dos indivíduos tornados fisicamente incapazes para o trabalho, seja por doenças (decorrentes ou não do exercício profissional), seja por acidentes (decorrentes ou não da atividade de trabalho). Apenas a estes se estendia, até o fim dos "anos dourados", o benefício da seguridade social; os demais eram computados como inativos, e não mais como desempregados. Não é de espantar que esta concepção tenha vigorado durante o mesmo tempo em que a relação de emprego era representada, nessas mesmas sociedades, pela forma-padrão do assalariamento estável e protegido.

14 Para uma análise da introdução, em nosso sistema de representações coletivas, da categoria "desemprego", ver Salais, Bavarez e Reynaud (1986) e Topalov (1994).

15 Provenientes das pesquisas sobre emprego conduzidas pelo INSEE (Institut National de la Statistique et des Études Économiques).

16 Considerada aqui no sentido que lhe conferira Ledrut (1966): chance de permanecer empregado, ou de obter um novo posto de trabalho, se demitido.

17 Faço um intervalo nessa linha principal da minha argumentação apenas para uma reflexão em paralelo, que me parece interessante. Essa resignificação (estrutural e simbólica) do fenômeno do desemprego é intelectualmente percebida de modo distinto em diferentes comunidades acadêmicas que a recebem e processam. Na França, por exemplo, manifesta-se uma polarização entre uma "sociologia do trabalho" e uma "sociologia do emprego" (que reconstroem suas raízes, linhagens e lealdades de modo sistemático; ver, por exemplo, Maruani, Demazière em suas reflexões recentes). Já no Brasil, a sociologia do trabalho pouco a pouco passa a aproximar o ponto de vista dos estudos dos locais de trabalho (dominante em nossa tradição de análises do processo de trabalho e mobilizações sociais, que nasceu no final dos 70, deu a tônica aladora nos 80 e se manteve ainda forte na primeira parte dos 90), ao ponto de vista dos estudos sociológicos sobre os mercados de trabalho (importante nos anos de 1960 e 1970, sob a égide das análises acerca do desenvolvimento, modernização e marginalidade ocupacional, mas eclipsados do mainstream da sociologia nos anos de 1980, momento em que coube aos economistas do trabalho manter viva tal tradição de estudos). O compromisso parece estar sendo tecido em torno de uma nova agenda temática, da qual destacaria apenas alguns pontos: as análises sobre estratégias de reestruturação das firmas e seu nexo com destinos ocupacionais dos trabalhadores; os estudos sobre reespacialização das firmas (greenfields, estratégias de negócios em cadeias globalizadas) e impactos sobre mercados regionais de trabalho; análises sobre privatização e estratégias de gestão de desligamento e mobilidade de trabalhadores demitidos no mercado de trabalho.

18 Nesse ponto, apelo ao leitor no sentido de que procuremos (ao menos momentaneamente) despir nosso olhar interpretativo das conotações conjunturais e do debate político que esse conceito despertou entre nós, no Brasil dos anos de 1990, para reter e refletir sobre a pertinência e valor heurístico daquela formulação original do conceito (cf. Ledrut, 1966), como sendo "a probabilidade, mais ou menos elevada, de que uma pessoa, à procura de emprego, logre obtê-lo". Por vezes, embora difícil, esse é um útil exercício, especialmente num ramo disciplinar como o da sociologia do trabalho cuja agenda de reflexão é tão profundamente devedora da (e emula tão fortemente com a) pauta dos agentes sociais do denominado "mundo do trabalho".

19 Pretendo aqui chamar a nossa responsabilidade para alimentarmos, no Brasil, um debate acadêmico em torno de um conceito que tem trajetória não desprezível no campo dos estudos do trabalho, mas que assomou recentemente a cena do debate brasileiro marcado pela polarização ao redor dos argumentos que sustentaram as políticas públicas de qualificação e emprego a partir de 1995.

20 Nesse item minha reflexão é fortemente devedora da forma de problematização que venho recentemente desenvolvendo com outros colegas, e cuja primeira formulação conjunta se encontra disponível em Demazière, Guimarães, Hirata, Pignoni e Sugita, 2000.

21 Apenas muito recentemente os estudos têm avançado questionamentos a esta suposta similitude, pondo-a em xeque mesmo quando considerados apenas países relativamente similares em termos da natureza do seu desenvolvimento capitalista (cf. Gallie e Paugam, 2000).

22 Acompanhar a história de vida dos conceitos pode ser uma forma de perceber a maneira de deslindar os problemas. Assim, não deixa de ser significativo que só muito recentemente a noção de "empregabilidade" tenha sido erigida à posição central no discurso que informa as políticas sociais; ora, de há muito ela estava disponível no cardápio da burocracia estrangeira, fazendo parte do universo discursivo das agências internacionais (vide Comunidade Econômica Européia) e, com muito mais razão, sua presença teria cabimento num discurso governamental em realidade como a brasileira, de intenso trânsito ocupacional. Quanto às políticas de assistência, é notória a dívida social acumulada e escapa aos objetivos deste texto fazer a análise da mesma.

23 Para uma análise de dados relativos à população ocupada na indústria, ver Carvalho, 1992.

24 Na reflexão que compõe essa parte final novamente recupero argumentos e hipóteses do projeto que ora desenvolvo "Desemprego: abordagem institucional e biográfica – Uma comparação Brasil, França Japão" (Demazière, Guimarães, Hirata, Pignoni, Sugita, 2000).

25 Outra vez, o recurso à história das disputas pela construção dos conceitos e das medidas é eloqüente. A polêmica em torno da medida do desemprego, no Brasil, surgiu no bojo de uma ampla crise de crescimento e de emprego, a do início dos anos de 1980, mas também de uma crise de legitimidade política dos governos militares, como demonstra a ampla vitória oposicionista nas eleições de 1982. Nesse exato momento, o índice oficial, produzido pelo IBGE com base na norma OIT, passou a ser desafiado por uma outra forma de medida, testada numa pesquisa sindical sobre condições de vida em São Paulo. Dela gerou-se, a partir de 1984, um segundo grande inquérito estatístico, hoje com 17 anos contínuos de mensuração: a PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego, concebida e conduzida em parceria por uma instituição intersindical (o Dieese) e por um órgão de governo local (governo, então oposicionista, de Franco Montoro), a Fundação Seade, organismo ligado à Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo. O índice do Seade, baseado em metodologia distinta, introduz duas outras formas de desemprego, além do clássico desemprego aberto: o desemprego oculto pelo trabalho precário e o desemprego oculto pelo desalento. Só para exemplificar, segundo essa mensuração alternativa, a taxa de desemprego, em 1998 (ano tomado como referência, visto que era o último para o qual tínhamos informação quando, em 1999, iniciamos a refletir com vistas à comparação internacional), não seria de 7,6%, mas de 18,3%.

26 É certo (e pesquisas empíricas o demonstraram) que os indivíduos em posições sociais mais fragilizadas ou aqueles mais pauperizados tendem a fazê-lo em menor proporção. É certo também que o prolongamento da duração do desemprego pode conduzir ao desalento (que implica na suspensão da procura ativa de trabalho – elemento central de definição da figura do desemprego) e, com isto, pode acarretar a interrupção dos benefícios e a desqualificação para o sistema institucional de proteção. Mas não são esses os motores principais que dão sentido à conduta da "clientela" vis-à-vis o sistema francês de institucionalização do desemprego. Por isto mesmo, estima-se que mais que 80% dos desempregados inscrevem-se na ANPE.

27 Nesse país as curvas em "S" ainda são um bom modelo para representar o movimento das taxas de participação feminina. Para estudo cuidadoso e rico em detalhes, ver Sugita (2002). Na França (como na Europa, em média), elas tendem a aproximar-se das curvas de atividade masculina (no caso francês isto é evidente; ver Maruani, 2000), e mesmo no Brasil o crescimento recente e impactante das taxas de atividade das mulheres (ver Bruschini, 1998; Lavinas, 1998) acompanha uma mudança no perfil daquela que está no mercado: em vez de jovem, solteira e sem filhos, são as de mais idade, casadas, e com filhos as que sustentam o crescimento das taxas de atividade (Bruschini, 1998; Guimarães, 2001).

 

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POR UMA SOCIOLOGIA DO DESEMPREGO

Nadya Araujo Guimarães

Palavras-chave
Desemprego; trajetórias ocupacionais; Brasil.

O artigo busca refletir sobre os elos entre os fenômenos do emprego e do desemprego em contextos de intensa flexibilização do trabalho e de reconstrução institucional e normativa dos padrões de proteção ao trabalhador. Para tanto, a argumentação se desenvolve em três direções. Em primeiro lugar, acompanha o movimento de re-significação da noção de "desemprego", perseguindo, com a literatura sociológica recente, a constituição, e legitimação social, da nova figura do "desempregado de longa duração". Em segundo lugar, compara desenvolvimentos teóricos voltados a entender este fenômeno com os esforços empreendidos pela sociologia brasileira do trabalho no sentido de interpretar a problemática do desemprego. Em terceiro lugar, argumenta em favor do valor heurístico de comparações contextualizadas para testar, para o caso brasileiro, hipóteses desenvolvidas pela sociologia do desemprego na Europa e, sobretudo, na França.

 

FOR AN UNEMPLOYMENT SOCIOLOGY

Nadya Araujo Guimarães

Keywords
Unemployment; Occupational Trajectories; Brazil.

The article aims at reflecting on the links between the phenomenon of employment and unemployment in an intense made flexible work context as well as the institutional and normative reconstruction of the standards of workers' protection. In doing so the arguing unfolds in three directions: Firstly, it studies the movement to redefine the notion of "unemployed," pursuing, using the recent sociological literature, the constitution and social legitimacy making of the new idea of the "long-term unemployed." Secondly, it compares theoretical developments that have tried to understand such phenomenon with the efforts made by the Brazilian labor sociology to interpret the problem unemployment. Finally, it claims the heuristic value of contextualized comparisons to test, for the Brazilian case, hypothesis developed by the so-called unemployment sociology in Europe, above all, France.

 

POUR UNE SOCIOLOGIE DU CHÔMAGE

Nadya Araujo Guimarães

Mots-clés
Chômage; trajectoires occupationnelles; Brésil.

L'article propose une réflexion sur les liens entre les phénomènes de l'emploi et du chômage dans des contextes d'intense flexibilisation du travail et de la reconstruction institutionnelle et normative des valeurs de protection du travailleur. Pour cela, l'argumentation se développe en trois directions. En premier lieu, elle accompagne le mouvement de re-signification de la notion de ìchômage", tout en poursuivant, avec la littérature sociologique récente, la constitution et la légitimation sociale du nouvel aspect du "chômage de longue durée". Ensuite, il compare les développements théoriques qui cherchent à comprendre ce phénomène grâce aux efforts entrepris par la sociologie brésilienne du travail dans le sens d'interpréter la problématique du chômage. Finalement, il soutient la valeur heuristique de comparaisons contextualisées en vue de tester, pour le cas brésilien, les hypothèses développées par la sociologie du chômage en Europe et, surtout en France.

 

 

Nadya Araujo Guimarães, doutora em Sociologia pela Universidad Nacional Autónoma de México, é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e Pesquisadora do CNPq. Principais livros publicados: Competitividade e Desenvolvimento: Atores e Instituições Locais (co-editora juntamente com Scott Martin, S.Paulo, Ed. Senac, Coleção “Trabalho e Sociedade”, 2001), A Ocupação na América Latina: Tempos mais Duros (co-editora com Cláudio Dedecca, S.Paulo/Rio, ALAST, 1998), Trabalho e Desigualdades Raciais: Negros e Brancos no Mercado de Trabalho em Salvador (co-autora com Vanda Sá-Barreto, S.Paulo, Ed. Annablume, 1998), A Máquina e o Equilibrista: Inovações na Indústria Automobilística Brasileira (editora; S.Paulo, Paz e Terra, 1995), Imagens e Identidades do Trabalho (co-autora com Michel Agier e Antonio Sérgio Guimarães, S.Paulo, Hucitec, 1995).

* Versão revista de comunicação apresentada ao XXV Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 16-20 de outubro de 2001, Seminário Temático "Trabalhadores, Sindicatos e Nova Questão Social", Sessão "Teorias e Configurações da Classe Trabalhadora Hoje".