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Rem: Revista Escola de Minas - Arcabouço Estrutural da Ilha cristalina de Rivera (Uruguai) e sua implicação na potencialidade mineral

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Rem: Revista Escola de Minas

Print version ISSN 0370-4467

Rem, Rev. Esc. Minas vol.55 no.1 Ouro Preto Jan./Mar. 2002

http://dx.doi.org/10.1590/S0370-44672002000100013 

Geologia

 

Arcabouço Estrutural da Ilha cristalina de Rivera (Uruguai) e sua implicação na potencialidade mineral

 

Telmo F. P. de Quadros
Prof. Dr., DEMIN, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: tquadros@ufrgs.br

Jair C. Koppe
Prof. Dr., DEMIN, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: jkoppe@ufrgs.br

Adelir J. Strieder
Prof. Dr., DEMIN, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: adelir@ufrgs.br

João Felipe C. L. Costa
Prof. Dr., DEMIN, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: jfelipe@ufrgs.br

 

 

Resumo

A Ilha Cristalina de Rivera, situada no extremo norte do Uruguai, constitui uma janela do embasamento pré-cambriano, circundada por sedimentos da bacia do Paraná. Essa região, apesar de ter pequena dimensão, possui fundamental importância geoeconômica na Republica Oriental do Uruguai, por possuir diversas ocorrências minerais de ouro, especialmente em veios de quartzo e uma mina de ouro em atividade (Mina San Gregório). Esse trabalho apresenta uma análise a respeito do arcabouço estrutural dessa região, com base em levantamentos estruturais, aerogeofísicos e imagens de satélite. A partir desses elementos geológicos, o controle estrutural das ocorrências auríferas e do depósito de ouro é avaliado em escala local e regional. Com base na organização estrutural regional, é avaliado o potencial mineral comparativo entre os setores oeste e leste da Ilha Cristalina de Rivera.

Palavras-chave: análise estrutural, geofísica, exploração mineral de ouro, Ilha Cristalina de Rivera, Uruguai.

Abstract

The Rivera Crystalline Island form a Precambrian basement window located in northern of Uruguay. Althoug its reduced area, this region plays a geoeconomical basic role in the Uruguay Oriental Republic, for several gold occurrences, specially gold quartz veins and a gold mine in activity (San Gregorio Mine). This work presents a structural analysis of the region based in geostructural, aerogeophysical and satellite image data. Based on geological elements, the gold occurrences structural control is availed in local and regional scale. Based on regional structural organization, the mineral potential, in west and east sectors is availed.

Keywords: structural analysis, geophysics, gold mineral exploration, Rivera Crystalline Island, Uruguay.

 

 

1. Introdução

A Ilha Cristalina de Rivera (ICR) constitui uma janela do embasamento pré-cambriano, que está circundada por sedimentos gonduânicos da bacia do Paraná e que se expõe no norte do Uruguai. Essa porção do embasamento é relativamente reduzida e perfaz cerca de 110 km de comprimento e aproximadamente 40 km de largura máxima. No entanto, apesar de sua pequena dimensão, a ICR possui fundamental importância de ordem geoeconômica para a República Oriental do Uruguai, tendo em vista as inúmeras minas e ocorrências auríferas em veio de quartzo existentes na área.

A Ilha Cristalina de Rivera (ICR) localiza-se no Departamento de Rivera (República Oriental do Uruguai). A área tem, como limites extremos, as coordenadas Gauss - Uruguai 513266 (-55º39'37" W) a 619221 (-54º32'31" W) de longitude e 6527977 (-31º24'00" S) a 6470579 (-31º55'00" S) de latitude, perfazendo 2610.79 km2 (Figura 1).

Vários autores têm contribuído, mesmo que de maneira preliminar, para um melhor entendimento da geologia da região; entre eles destacam-se Bossi (1965, 1979, 1987), Ferrando e Fernandez (1971), Preciozzi et al. (1985), Soliani Jr. (1986), Cordani e Soliani Jr. (1990), Monteiro (1990), Arcelus (1990) Bossi e Campal (1991, apud Bossi & Campal, 1993), Masquelin (1993) e Quadros (1995). Alguns desses autores, como Soliani Jr. (1986) e Cordani e Soliani Jr. (1990), entre outros, apresentaram sugestões a respeito do posicionamento geotectônico da ICR, colocando-a em uma situação de borda do Cráton Rio de La Plata e sugerindo uma correspondência com o Bloco Taquarembó no Estado do Rio Grande do Sul. Mais recentemente, Hartmann et al. (1998) descrevem a evolução geotectônica do sul do Brasil e Uruguai entre 3.3 Ga e 470 Ma com determinação de idades U/Th/Pb em zircão por Sensitive High-Resolution Ion MicroProbe (SHRIMP). De acordo com esses autores, o Bloco Taquarembó e a ICR fariam parte da borda retrabalhada do Cráton de La Plata, com idades entre 2.2 e 2.0 Ga, remanescente do Supercontinente Atlântico (Rogers et al., 1994).

Esse trabalho apresenta uma avaliação do potencial mineral da Ilha Cristalina de Rivera em uma base comparativa entre os setores oeste e leste. Esse estudo é feito com base em levantamentos estruturais, aerogeofísicos e imagens de satélite.

 

2. Geologia e estruturação da Ilha Cristalina de Rivera

As informações de cunho geológico e estrutural obtidas até o momento permitem postular a existência de dois grandes setores estruturais na região: o Setor Oeste e o Setor Leste. O limite entre esses setores é mais ou menos gradacional e está posicionado na região aproximadamente central da ICR, no entorno das minas Zapucay e Zapucay II (Figura 2).

 

Figura 2 - Esboço geológico preliminar da Ilha Cristalina de Rivera, com ocorrências minerais de ouro conhecidas.

 

No Setor Oeste, na região de entorno da Mina San Gregorio, está a maioria das ocorrências minerais da ICR. Nessa região, há grande predominância de granitóides classificados predominantemente como granodioritos, de granulação média a grossa, em geral inequigranulares, localmente porfiróides e estruturalmente semelhantes aos granitos não deformados descritos por Frey et al. (1976), nos quais predominam as estruturas e texturas da rocha ígnea original.

Esses corpos granitóides são cortados pelo Sistema de Cisalhamento Rivera (Quadros et al., 1995 e Quadros, 1995), que é transcorrente e de dimensão regional. Os granitóides foram predominantemente alojados pré-transcorrência e mostram desde clivagens de fratura, até uma leve foliação, dada pelo alongamento de alguns grãos de quartzo e de feldspato nas adjacências das zonas de mais alta deformação.

Cordani e Soliani Jr. (1990) indicam uma idade Rb-Sr de 680±22 Ma para esses granitóides e relacionam-os a episódios magmáticos reflexos de borda cratônica, sintectônicos ao Ciclo Brasiliano. Porém, de acordo com a postulada evolução geotectônica de Hartmann et al. (1998), esses granitóides talvez fossem um pouco mais jovens e poderiam, então, ser posicionados com a Orogênese Dom Feliciano.

Associados aos granitóides, também ocorrem metarenitos, metassiltitos e mármores, em geral separados por falhas com geração de filonitos de pequena possança, por vezes brechados, algumas vezes portadores de raros sulfetos.

Esses corpos formam ilhas relativamente preservadas entre as zonas de cisalhamento. De modo semelhante, ocorrem corpos lenticulares com espessura no intervalo de 2-10 m, constituídos por bandas centimétricas de magnetita alternadas com bandas quartzosas, de maneira relativamente desordenada.

Essas rochas bandadas com quartzo + magnetita mostram-se fortemente deformadas, possuem cristais fitados de quartzo (ribbon quartz), alongados paralelamente à estrutura, e freqüentemente assumem aspecto gnáissico. Esses litotipos (magnetita quartzito bandado) também ocorrem próximo a Vichadero (Bloco Leste da ICR) e na área de Valentines, mais a sul (Bossi, 1966 e 1987), onde mostram aumento gradacional no conteúdo de feldspatos até os granitos gnaissificados.

Internamente às zonas de cisalhamento que cortam as rochas granodioríticas, ocorrem, em alguns locais, granitóides mais diferenciados, classificados predominantemente como sienogranitos protomiloníticos, em geral equigranulares de grão fino a médio. Esses granitos estão freqüentemente mais deformados, por vezes hidrotermalizados; mostram clivagens de fratura como uma feição comum, além de faixas miloníticas de espessura variada. Nas porções menos deformadas, mostram estruturas de fluxo magmático, dadas pelo feldspato potássico e pelos raros minerais máficos; muitas vezes, essas estruturas têm a mesma orientação do fluxo tectônico e das estruturas frágeis principais das zonas de cisalhamento. As porções mais deformadas exibem variável alteração hidrotermal, caracterizada por sericitização, carbonatação, cloritização, oxidação e silicificação.

Internamente às zonas de cisalhamento, também ocorrem rochas dioríticas, de granulação fina a média, de coloração cinza a verde-escuro e de textura tipo sal/pimenta (grãos claros de plagioclásio e escuros de minerais ferromagnesianos). Essas rochas exibem vários graus de milonitização e, principalmente, uma hidrotermalização de características mineralógicas semelhantes à hidrotermalização dos sienogranitos protomiloníticos, acrescida de forte sulfetação.

A associação litológica contida nas zonas de cisalhamento é a associação característica da Mina San Gregorio. O sienogranito forma a lapa da Estrutura San Gregorio e mostra, nas zonas de maior deformação, faixas miloníticas com marcante alteração hidrotermal. O diorito, por outro lado, constitui a capa da mesma estrutura e forma, nas zonas mais deformadas, faixas miloníticas também muito hidrotermalizadas. Essas duas litologias são, na área da mina, separadas por um K-feldspato granito de granulação grossa, deformado em caráter mais frágil, e por um veio de quartzo, que marca a falha principal da zona de cisalhamento.

As litologias internas da Estrutura San Gregorio (sienogranito e diorito) mostram feições de magma mingling e são admitidas como sintranscorrentes.

Ao sul-sudoeste da Mina San Gregorio, ocorre uma estrutura elíptica. Essa estrutura foi interpretada por Quadros (2000) como um corpo intrusivo de composição básica. Essa intrusão desenvolve um padrão sindeformacional de lineamentos em relação à zona de cisalhamento que contém a Mina San Gregorio e pode estar relacionada ao processo de formação das Minas San Gregorio, Santa Tereza e San Antônio. O padrão sin-deformacional é indicado por lineamentos e curvilineamentos, posicionados em um padrão circular a elíptico e com duas terminações de forma triangular.

Na porção leste do Setor Oeste, ocorrem granitos alcalinos que exibem vários graus de deformação, mas predominantemente de caráter frágil. Os lineamentos parecem apresentar uma possível estrutura elíptica de grandes dimensões (aproximadamente 20 km de diâmetro).

O Setor Leste apresenta maior variedade litológica e é predominantemente constituído por rochas do Complexo Basal de idade transamazônica (idade Rb-Sr 2.2Ga, Cordani & Soliani Jr., 1990). As rochas que ocorrem nesse setor são granito-gnaisses, milonito-granitos, magnetita quartzito bandado e raros metassedimentos. Essas rochas mostram feições metamórficas relacionadas aos fácies anfibolito e granulito. Essas rochas também são cortadas e intrudidas por diques de riolitos e dacitos e por pequenos stocks de dioritos, monzonitos, granitos, possivelmente relacionadas ao Ciclo Brasiliano. O Setor Leste é marcado por zonas de cisalhamento transcorrente dextrógiras do Sistema de Cisalhamento Rivera.

Essas zonas de cisalhamento mostram uma continuidade do Setor Oeste para o Setor Leste. Porém esse Setor Leste possui um caráter geométrico das zonas de cisalhamento diferente em relação ao Setor Oeste: no Setor Oeste, as zonas de cisalhamento (vistas a partir dos lineamentos estruturais, Figura 3) são fortemente ramificadas e desenvolvem inflexões transtrativas no sentido horário, que estão associadas com as principais ocorrências de veios de quartzo com Au, por outro lado, as zonas de cisalhamento do Setor Leste são mais retilíneas, com pequeno número de inflexões transtrativas.

As zonas de cisalhamento do Setor Leste mostram feições estruturais frágil-dúcteis, principalmente porque impressas sobre rochas gnáissicas. No entanto, as zonas de cisalhamento ainda mostram ramificações sintéticas (transtrativas); porém pode-se verificar a formação de dobras en échelon balizadas por zonas de cisalhamento paralelas.

Essa articulação de estruturas é o grande diferencial do comportamento estrutural entre os dois setores estruturais definidos. A alteração hidrotermal e a formação de veios estão, nesse caso, relacionadas com estruturas transtrativas e com a charneira de dobras en échelon. Os minerais de alteração hidrotermal são basicamente clorita, sericita, óxidos e Au.

 

3. Arcabouço tectônico da Ilha Cristalina de Rivera

Bossi (1987), ao descrever a área Cuñapirú-Vichadero (Ilha Cristalina de Rivera), observa que a principal fase tectônica da área gerou linhas estruturais de direção NW e que não houve uma segunda fase tectônica sobreposta. Bossi e Campal (1991, apud Bossi & Campal, 1993), ao caracterizarem o Terreno Nico Perez, indicam o deslocamento para sul do bloco triangular delimitado pelo lineamento Sarandí del Yi-Piriápolis (direção NNW e sentido de movimento dextrógiro) e pela faixa milonítica Isla Patrulla (direção NE e sentido de movimento levógiro). Bossi e Campal (1991, apud Bossi & Campal, 1993) situam essa movimentação tectônica numa idade aproximada de 530 Ma, a partir de uma datação Rb-Sr em rocha total em um granito foliado, interno ao lineamento Sarandí del Yi-Piriápolis.

Masquelin (1993, 1998) refere-se à importante orientação E-W das estruturas deformacionais na ICR e no restante da área cratônica do Uruguai. Quadros et al. (1995) e Quadros (1995), ao estudar a Mina San Gregorio e uma importante extensão do Setor Oeste, observaram um conjunto de estruturas com orientação azimutal principal WNW, a qual sofre inflexões para azimutes NW. Quadros et al. (1995) fazem referência a dois outros conjuntos de estruturas, de caráter secundário, cujas orientações estão dispostas nos azimutes 330º - 360º (NNW) e 010º - 040º(NE), respectivamente. A análise estrutural dessas zonas de falha, Quadros et al. (1995) e Quadros (1995), indicou um caráter transcorrente dextral para as estruturas WNW (principal) e NNW (secundária) e um caráter também transcorrente, porém sinistral, para a estrutura NE (secundária). A partir da análise estrutural, observou-se a ocorrência de pelo menos duas fases deformacionais: 1) a primeira (Fase D1), que produziu as estruturas WNW, foi responsável pela formação das áreas de transtração e foi nitidamente predominante em toda a Ilha Cristalina de Rivera; 2) a segunda (Fase D2) produziu as estruturas NNW e NE, as quais deslocaram e rotacionaram as estruturas da Fase D1. As zonas de cisalhamento formadas na fase D1 atravessam toda a ICR e formam o denominado Sistema de Cisalhamento Rivera.

Regional e localmente, as zonas de cisalhamento foram formadas durante a fase D1 e mostram um padrão anastomosado cuja direção geral é WNW; em detalhe, observa-se que a direção principal é E-W e que essa direção está infletida para NW-SE, constituindo inflexões subsidiárias transtrativas. Em nível local, as inflexões produziram estruturas do tipo bend dilatacionais e duplexing at bends (Woodcock & Fischer, 1986), as quais caracterizam a denominada Estrutura San Gregorio. A Estrutura San Gregorio está constituída por falhas e por faixas miloníticas do tipo P (direção principal E-W) e R (inflexão subsidiária NW), que formam o sítio extensional onde se instalou o depósito aurífero da Mina San Gregorio.

O Setor Oeste da ICR parece ter sido estruturado em níveis crustais mais rasos, com a deformação realizada em caráter mais frágil e com as pressões e temperaturas equivalentes ao fácies xistos-verde. Nesse setor, as zonas de cisalhamento formaram dilatâncias relacionadas às inflexões e anastomosamentos, de modo que o fluxo de fluidos foi preferencialmente canalizado nessas estruturas e, assim, foram iniciados os processos de alteração hidrotermal e de mineralização. Os principais minerais de alteração correntes e estáveis nesse ambiente de menor temperatura da ICR foram: quartzo, epídoto, clorita, carbonato, sericita, óxidos, sulfetos e Au.

Em direção a leste, os lineamentos estruturais (zonas de cisalhamento; Figura 3) extraídos de imagem de satélite LANDSAT TM5, segundo metodologia desenvolvida por Amaro e Strieder (1994), tendem a coalescer a partir da área central da ICR e a manifestar um padrão geométrico mais retilíneo. Porém, mesmo no Setor Leste da ICR, pode-se observar estruturas do tipo splays e duplexes, que geram zonas de dilatância favoráveis à ocorrência de depósitos minerais; essas estruturas, no entanto, têm menor largura e comprimento. Nesse Setor Leste, também foi observada a ocorrência de estruturas relacionadas a um padrão do tipo wrench tectonics (Wilcox et al., 1973), onde há a geração simultânea, ou quase simultânea, de dobras en échelon e de falhas por deformação frágil-dúctil em rochas anisótropas. As dobras en échelon foram instaladas sobre rochas gnáissicas e foram produzidas por mecanismo de deslizamento flexural, o que propiciou a abertura de espaços dilatacionais nas charneiras, de maneira a permitir o alojamento de veios de quartzo. Assim, a variedade de estruturas dilatacionais no Setor Leste da ICR (charneira e plano axial de dobras e ramificações de fraturas, por exemplo) é maior, porém o fluxo de fluidos hidrotermais e mineralizantes pode ter sido mais disperso.

O padrão estrutural (wrench tectonics), as petrotramas e estruturas deformacionais (foliação milonítica, lineações de alongamento, etc.) e a composição litológica (gnaisses) no Setor Leste da ICR mostram que os mecanismos de deformação têm caráter mais dúctil do que no Setor Oeste. Para o Setor Leste, postula-se, então, um nível crustal mais profundo, no qual as temperaturas e pressões equivalem aos fácies anfibolito e, em algumas porções localizadas, fácies granulito.

Esses elementos estão em acordo com as referências de alguns autores que avaliaram as condições regionais de metamorfismo na ICR (Masquelin, 1993, p.ex.). Além disso, é importante notar que, em níveis crustais mais profundos, a ocorrência de depósitos minerais é naturalmente condicionada a menores espaços dilatacionais e a menores fluxos de fluidos, que forçam a geração de depósitos de menor volume. Apesar disso, importantes depósitos nesse tipo de ambiente deformacional são conhecidos, como, por exemplo, o distrito de Golden Mile, Kalgoorlie, Western Australia (Mueller & Harris, 1987; Boulter et al., 1987).

 

4. Arcabouço estrutural e a potencialidade mineral da ICR

A compartimentação da ICR em dois grandes setores estruturais pode estar relacionada ao soerguimento diferencial da região, à erosão dos sedimentos da bacia do Paraná e à exposição do seu embasamento. O mapa aeromagnetométrico resultante da aplicação de filtro com algoritmo de integral vertical, que objetiva salientar feições profundas, de maior comprimento de onda (Figura 4), mostra a compartimentação da ICR em duas grandes áreas, com uma passagem gradual do segmento oeste para o segmento leste, o que é corroborado pela estruturação das zonas de cisalhamento (Figura 3).

Dessa forma, é plausível supor que a ICR tenha sido exposta por soerguimento e erosão diferencial durante o Cenozóico. Durante esse processo, o segmento leste sofreu um maior soerguimento, o que permitiu a exposição das estruturas e das litologias geradas em maior profundidade crustal. O segmento oeste, por outro lado, preservou estruturas e litologias de níveis crustais mais rasos.

De acordo com o mapa aeromagnetométrico resultante da aplicação do filtro integral vertical (Figura 4), o Setor Oeste (porções com cores azul e verde do mapa) é identificado por baixas intensidades magnéticas, enquanto o Setor Leste (porções de cores magenta e vermelha do mapa) está caracterizado por altas intensidades magnéticas. Essa compartimentação não é fortemente abrupta (ausência de falhas que as separem) e permite a interpretação de um soerguimento diferenciado ao longo da extensão maior da ICR; a porção leste foi mais soerguida em relação à porção oeste, o que propiciou a detecção de corpos magnéticos originalmente mais profundos na porção leste.

O soerguimento diferencial é indicado pelos trabalhos de reconhecimento geológico na ICR e pelas estruturas deformacionais, que mostram uma diferenciação gradacional entre a porção leste e a porção oeste, a qual é compatível com a exposição de níveis crustais distintos pelo soerguimento diferencial. As zonas de cisalhamento coalescem em direção ao leste (níveis crustais mais profundos), padrão comum em ambientes mais profundos (Naylor, 1986).

Esses elementos permitem dois distintos modelos conceituais de mineralização. No Setor Leste, um modelo epigenético mesozonal, padrões estruturais de maior profundidade (estruturas tipo wrench) e alto grau de granito-gênese sugerem a diminuição da sua importância em termos de favorabilidade mineral, visto que depósitos desse tipo têm ocorrência mais restrita e menor volume. Já, o Setor Oeste da ICR mostra uma estruturação em níveis crustais mais rasos, a deformação tem um caráter mais frágil e as pressões e temperaturas foram equivalentes ao fácies xistos-verde. Nesse setor, as zonas de cisalhamento formaram dilatâncias relacionadas às inflexões, de modo que o maior fluxo de fluidos foi preferencialmente canalizado nessas estruturas e, assim, foram iniciados os processos de alteração hidrotermal e de mineralização.

Esse processo condicionou um modelo de mineralização preferencialmente do tipo epigenético epizonal.

Esse último modelo sugere uma maior favorabilidade mineral para o Setor Oeste. A esse respeito deve-se observar que a maior parte das ocorrências minerais conhecidas, inclusive a Mina de Ouro San Gregorio, estão localizadas na porção oeste da ICR.

 

5. Conclusões

O arcabouço estrutural da Ilha Cristalina de Rivera, com base em levantamentos geoestruturais, aerogeofísicos e imagens de satélite, indica a existência de uma compartimentação da ICR em dois grandes setores estruturais, que estão relacionados ao soerguimento da região, à erosão dos sedimentos da bacia do Paraná e à exposição do seu embasamento.

Esses elementos levam a propor a existência de dois distintos modelos conceituais de mineralização:

a) Um modelo epigenético mesozonal com padrões estruturais de maior profundidade (estruturas tipo wrench) e alto grau de granitogênese condicionado ao Setor Leste.

b) Um modelo de mineralização epigenético epizonal a mesozonal composto por padrões estruturais mais rasos formados por zonas de cisalhamento predominantemente frágil, caracterizadas por um padrão de inflexões transtrativas presentes no Setor Oeste. Essas condições indicam que o Setor Oeste possui um maior potencial mineral, principalmente para ouro, em função do modelo proposto.

 

6. Agradecimentos

Agradecemos à Crystallex International Corporation e à CAPES pelo suporte financeiro. Nossos agradecimentos especiais ao staff da Crystallex International Corporation pelo apoio de infra-estrutura, pelo fornecimento dos dados e pelas interessantes discussões a respeito da geologia e da exploração mineral da região.

 

 

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Artigo recebido em 13/07/2001 e aprovado em 08/02/2002.