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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas - Hydropower in the Amazon: renewability and non-renewability of energy policy. Since is desired the search for renewable energy conversion why not renew the energy policy as well?

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Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas

Print version ISSN 1981-8122

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. vol.7 no.3 Belém Sept./Dec. 2012

http://dx.doi.org/10.1590/S1981-81222012000300012 

DEBATE: HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA: DESENVOLVIMENTO PARA QUEM?

 

Hidrelétricas na Amazônia: renovabilidade e não renovabilidade da política energética. Se é desejável a renovabilidade das formas de conversão de energia, por que não é desejável renovar a política energética?

 

Hydropower in the Amazon: renewability and non-renewability of energy policy. Since is desired the search for renewable energy conversion why not renew the energy policy as well?

 

 

Francisco Del Moral Hernandez

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. São Paulo, São Paulo, Brasil

Autor para correspondencia

 

 


RESUMO

O ensaio tem a intenção de discutir, apresentando como pano de fundo os recentes projetos hidrelétricos propostos e em andamento na Amazônia brasileira, aspectos referentes aos processos de licenciamento ambiental, problemas conceituais que dizem respeito à caracterização da conversão hidrelétrica como energia limpa e renovável. Este trabalho parte da análise de planos governamentais e das discussões sobre projetos hidrelétricos, identificando a necessidade de implementar mudanças institucionais e de fortalecer as leis ambientais e de proteção dos direitos de populações tradicionais e indígenas. Propõe-se uma nova maneira de formular problemas energéticos e de planejar a oferta de energia, que leva em consideração aspectos sustentáveis e patrocinadores da discussão pública, além do entendimento e da incorporação das consequências sobre os grandes ciclos biogeoquímicos que dão suporte às conversões de energia.

Palavras-chave: Hidrelétricas. Política energética. Planejamento energético. Energias renováveis. Amazônia.


ABSTRACT

The essay intends to discuss, with the background of the recent hydroelectric plants under way in the Brazilian Amazon, aspects relating to processes of environmental licensing, conceptual problems that concern the characterization of hydropower conversion as clean and renewable energy. This work starts from the analysis of government plans and discussions on hydropower projects, identifying the need to implement institutional changes and strengthen environmental laws and the protection of the rights of traditional and indigenous populations. We propose a new way of formulating energy problems and energy supply planning, which takes into consideration sustainable aspects and the public discussion, beyond understanding and incorporating the effects on the major biogeochemical cycles that support energy conversions.

Keywords: Hydropower. Energy policy. Energy planning. Renewable energy. Amazon.


 

 

Os seguidos planos decenais de energia elétrica exibem números potenciais de grande expressão. Exemplo disso são os números relacionados com o potencial hidrelétrico brasileiro instalado, que somam 74.724 GW de potência, e com potencial inventariado na Amazônia de outros 40.883 GW adicionais (Brasil, 2007). Os números relacionados ao potencial eólico brasileiro teórico superam os 143 GW (CEPEL, 2001), ou seja, são mapeamentos das regiões nas quais a energia cinética contida em massas de ar em movimento poderia ser convertida em energia de rotação com maior ou menor eficácia, dependendo de cada local e da frequência de aparecimento de ventos mais ou menos fortes, mais ou menos persistentes. A análise desses planos decenais, sejam eles destinados ao inventário da força das águas ou dos ventos, evidencia uma superposição de mapeamentos, na qual cada 'recurso energético' estaria superposto a bases cartográficas dotadas de muita realidade, mesmo nas abstrações que toda representação carrega: áreas nas quais estão assentadas florestas, cerrados, cursos d'água, montanhas, planícies, dunas - informações e representações sobre as quais temos algum conhecimento, desde cedo nos bancos escolares, por meio de colorações distintas existentes nos mapas.

Nesta superposição de informações, também observamos outros mapeamentos dotados de muita realidade e de expectativa futura: são os mapeamentos das linhas de transmissão que já se conectam ou poderiam se conectar aos locais identificados como regiões ou parques hidrelétricos/eólicos. Assim, os ciclos biofísicos e biogeoquímicos que ocorrem em escala planetária se manifestam de maneira diversificada ao olharmos globalmente, e se manifestam de modo 'individualizado' ao observarmos regiões específicas. Poderíamos, por exemplo, constatar que há, não ao norte, mas bem ao sul, próximo ao arroio Chuí, uma concentração de velocidade dos ventos, que potencialmente oferecem uma boa relação W/m2, expressão de uma capacidade de conversão de energia por unidade de área. Ou seja, uma capacidade de transformação da energia presente em massas de ar em movimento em energia de rotação nos rotores e em energia elétrica nos modernos aerogeradores. Colocamos aspas simples no termo 'individualizado' porque ele deve ser devidamente compreendido. Se, de fato, existe uma concentração de energia potencial hidráulica ou cinética eólica em determinada região, esta manifestação se deve à existência de grandes ciclos e movimentos de massas de ar, que carregam gradientes de temperatura fundamentais para o movimento do ar e da água (esta última em seus vários estados físicos).

O primeiro apelo a ser efetivado sobre a opção hidrelétrica feita pelo Brasil - que pode se desdobrar em conduta metodológica para pesquisar, refletir ou agir politicamente - é voltar os olhos para aqueles mapeamentos, visualizando os mapas e as informações agrupadas para entender nosso grande país: olhando de cima, tentando obter uma visão de conjunto, as manifestações das paisagens e, depois, entendidos minimamente os fenômenos globais de circulação e movimento da matéria, tentar entender a possibilidade local, sempre lembrando que ela está ancorada na existência global dos grandes ciclos naturais.

Um aspecto que chama a atenção na leitura dos sucessivos planos governamentais na área de energia é o não reconhecimento da vida útil das usinas hidrelétricas, em termos efetivos de estabelecer dentro do horizonte de planejamento as ações de descomissionamento e suas consequências ambientais. Ao contrário disso, lê-se:

Outro aspecto a ser destacado é a quase ilimitada longevidade das grandes usinas hidrelétricas, ao contrário das usinas termelétricas que esgotam sua vida útil em cerca de trinta anos. Grandes usinas hidrelétricas podem durar, talvez, mais de um século, sendo cerca de três quartos de seus custos de investimento representados por estruturas físicas de duração ilimitada (até mesmo seus equipamentos eletro-mecânicos têm vida relativamente longa, em torno de setenta anos, exigindo apenas eventuais recapacitações). Deste modo, esgotado o período inicial de amortização dos investimentos, estas usinas podem continuar

a produzir a mesma energia a custos reduzidos, o que proporciona uma redução nas tarifas, resultando nos dias de hoje em importante vantagem competitiva para o país (Brasil, 2007, p. 159).

Esta atenção à vida útil das hidrelétricas se faz necessária, pois somos frequentemente submetidos à ideia de que a conversão hidrelétrica de energia é renovável. Há uma espécie de confusão que precisa ser desfeita. Se o ciclo da água pode ser globalmente caracterizado como renovável, não podemos dizer o mesmo da conversão de energia hidrelétrica, pois esta necessita da dinâmica de um rio, que já teve sua dinâmica original alterada, e da persistência operacional de um conjunto de máquinas. Por sua vez, a história da hidroeletricidade pode ainda ser considerada recente no Brasil, ao menos no que diz respeito à idade dos grandes projetos hidrelétricos. Mas não se justifica o fato de que intervenções técnicas do porte que temos não gerem discussões referentes à necessária análise do ciclo de vida (ACV) das plantas de hidroeletricidade, incluindo aqui a emissão de metano acumulado especialmente nas usinas de reservatórios em áreas de floresta tropical. Já há acúmulo de discussão técnico-científica sobre o tema1. Mesmo sendo o descomissionamento de hidrelétricas uma operação técnica recente no caso brasileiro, ainda restrita a pequenas centrais hidrelétricas, as consequências gerais, assumidas em estudos de caso internacionais, ainda são pouco reconhecidas. No entanto, já se sabe que, durante a operação, reservatórios acumulam sedimentos e que as consequências ambientais desse acúmulo de material durante o descomissionamento e a demolição de uma grande barragem ainda não são devidamente contabilizadas2. Esta discussão é particularmente decisiva no caso brasileiro, já que os planos de longo prazo, como o PNE 2030, apontam para a expansão da fronteira hidrelétrica sobre a Amazônia brasileira, repleta de rios de planície, que carregam grande quantidade de sedimentos no curso de seus longos trajetos.

A divulgação dos planos vem simultaneamente acompanhada, ao menos no âmbito discursivo, da preocupação ambiental. As Tabelas 1 e 2, confeccionadas a partir do citado plano 2030, evidenciam a aceleração, por meio dos números identificados, de potenciais hidrelétricos da região e a menção a restrições ambientais.

 

 

Associada a cada menção de impacto, temos a contabilidade do potencial hidrelétrico, caracterizado como indisponível em princípio.

Pela leitura dos planos mencionados e das justificativas de cada grande projeto de infraestrutura energética, também se nota a menção à dimensão regional, como parte integrante da 'retomada do planejamento regional governamental', que pretende ganhar relevo. As particularidades regionais, tais como a existência de localidades isoladas do sistema elétrico interligado, os diferentes graus de adequação aos índices de universalização do acesso à eletricidade, as vocações regionais vinculadas à presença biofísica de recursos naturais, tendo como expressão e exemplo mais recorrente o imenso potencial hidrelétrico da Amazônia ainda inexplorado, são mencionadas como elementos balizadores das opções e variáveis dos planos.

É comum, ainda, observar, no debate sobre os grandes projetos, a associação da ideia de planejamento a certa 'impermeabilidade' à interferência política. Esta interferência se apresentaria regionalmente como recurso de primeira ordem, particularmente ligado a uma quimera, na qual populismo, clientelismo, tutela, concessão de favores, paternalismo, compadrios e relações promíscuas entre o poder público e o privado contribuiriam decisivamente para que não exista, no Brasil, um Estado de caráter eminentemente público. A 'impermeabilidade' propiciada pelo planejamento se apresentaria com dupla manifestação: na tecnocracia e na democracia, antitéticas (Bobbio, 1986). Desse modo, o protagonismo na sociedade industrial caberia ao especialista, sendo impossível ao cidadão comum ocupar esse lugar, muito embora seja este último aquele que, com maior intensidade, sentirá os efeitos da contaminação local e as perturbações, também localizadas, que resultam de alterações dos grandes ciclos que mencionamos.

A eficácia da 'impermeabilidade' política da ação planejadora estatal pode ser questionada quando se observa os processos de licenciamento ambiental precipitados, a pressão pela derrubada de liminares judiciais, a lentidão no julgamento de mérito de Ações Civis Públicas e, pelo contrário, a rapidez na apreciação de recursos, quando impetrados pelos postulantes de determinado mega-projeto. Outra inversão importante é colocar as obras em andamento sem projetos completos e análises ambientais seguras, consumando ou produzindo o fato de que, se interrompidas, poderão causar prejuízo, como se já não o estivessem causando, haja vista a constatação de que as condicionantes publicadas nas licenças ambientais concedidas, via de regra, não vêm sendo verificadas.

Imagina-se que o debate ou o embate púbico poderia mudar fatos consumados por decisão política mais centralizada, ou mesmo clarear os espaços de disputa. Porém, é recente o advento de consultas públicas aos planos decenais, consideradas novidade no modelo institucional do setor elétrico, como ocorreu a partir do Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica (PDEE-2006/2015), que permaneceu para consulta pública na página eletrônica do Ministério das Minas e Energia (MME). O MME e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) se responsabilizaram pela recepção de contribuições. Iniciativa positiva, porém insuficiente, se considerarmos que não se conformou verdadeiramente como debate público: o formato de audiências públicas (talvez com um calendário de audiências previamente definido), com registro das mais variadas colaborações, seria preferível. O período de exposição do Plano Decenal na internet normalmente é curto, comprometendo a formação de opinião pública e organização dos grupos sociais interessados em discuti-lo. O registro e a circulação pública das contribuições não se verificam. A divulgação da metodologia de análise e incorporação das contribuições (visíveis ao público interessado) seriam condições essenciais para que houvesse controle social do processo. De fato, registre-se, um caso louvável ocorreu em caráter presencial em 18 de fevereiro de 2009, por iniciativa do Ministério Público Federal3.

O processo de formulação da política de oferta de energia entende o problema energético como uma questão de escassez, e com essa espinha dorsal os planos são constituídos: se há falta de energia e combustível, providencia-se mais. É uma espécie de fuga para frente - a solução técnica e administrativa aparece dentro do repertório já conhecido de soluções: o cenário futuro é o cenário presente expandido, situação representada na Figura 1. Aqui se apresenta o questionamento da renovabilidade ou não renovabilidade da política energética: a possibilidade de pensá-la de maneira renovada para, respondendo ao apelo mencionado no início do texto, incorporar o entendimento e as consequências sobre os grandes ciclos biogeoquímicos e físicos.

 

 

O debate acadêmico e político não deveriam prescindir de perguntas, que se explicitam na sucessão de projetos propostos: os processos de licenciamento ambiental, que mesmo com muitos limites operacionais abrem espaço a questionamentos, são considerados um grande obstáculo por quem e para quem? A pergunta evidencia a existência de parcela social antagonista a vários projetos e obras de infraestrutura. Não deveria se tratar, no entanto, de um juízo sintético a priori, no qual o antagonismo e seus porta-vozes sociais também são agrupados no rol de obstáculos. O fato empírico de contraposição deve carregar as positividades da promoção de melhor qualidade de vida e, especialmente, de mais cuidado com o mundo, pois existe um sujeito coletivo que formula (e formulou) uma legislação de proteção ambiental mais adequada, presente na Constituição Brasileira de 1988. Recordando que até mesmo documentos do Banco Mundial (2008) mencionam a ideia de 'governança ambiental', podemos identificar mais uma contradição entre a intenção e o gesto de políticas estatais que não se renovam: lembremos dos episódios que envolveram o licenciamento ambiental da Usina de Belo Monte (rio Xingu, Pará), nos quais houve sério enfraquecimento da ideia de 'governança ambiental' associada a empreendimentos hidrelétricos, quando a própria diretoria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e os analistas do órgão federal sofreram pressão de ministérios interessados na célere aprovação do historicamente remendado projeto Kararaô-Belo Monte, proposto na Volta Grande do Xingu (Magalhães e Hernandez, 2011).

As usinas hidrelétricas do Complexo do Rio Madeira (Santo Antonio e Jirau, Rondônia) e o projeto de Belo Monte são exemplos de desfiguração dos processos de licenciamento ambiental, apesar de terem um discurso sempre em voga de necessária sustentabilidade ambiental. Os empreendimentos, no entanto, são tributários de tristes constatações: audiências públicas não efetivas, pressão sobre analistas ambientais, oitivas indígenas não realizadas, Estudos de Impacto Ambiental (EIA) insuficientes e mal elaborados, ausência dos proponentes dos projetos nas audiências públicas realizadas no Senado Federal, na Câmara dos Deputados e no Ministério Público Federal4.

Um dos aspectos mais problemáticos na caracterização de consequências sociais e ambientais, na sequência de atos administrativos e processuais do licenciamento ambiental, é a construção dos conceitos de 'área de influência' e, principalmente, de 'área diretamente afetada', presentes nos termos de referência para licenciamento ambiental. Esses conceitos fazem parte de acepções patrimonialistas relacionadas ao conceito de 'atingido'5. Assim, o 'atingido' diretamente é aquele que tem seu terreno alagado, quando é reconhecido como proprietário. A aplicação do conceito também se estende às áreas de construção direta, às linhas de transmissão, aos canteiros de obras etc.

Os contornos da definição de 'área diretamente afetada' que prevalecem nos termos de referência para licenciamentos ambientais no Brasil se afastam daqueles preconizados pela Comissão Mundial de Barragens, que sugere abordagem mais ampla, relacionada ao deslocamento compulsório de 'modos de vida', ampliando a noção de 'atingido':

O Deslocamento é definido aqui englobando tanto o "deslocamento físico" quanto o "deslocamento dos modos de vida" (ou privação destes). Em um sentido estrito, Deslocamento resulta do deslocamento físico de pessoas que vivem na área do reservatório ou do projeto. Isso ocorre não apenas pelo enchimento do reservatório, mas também pela instalação de outras obras de infraestrutura do projeto.

Contudo, o alagamento de terras e a alteração do ecossistema dos rios - seja a jusante ou a montante da barragem - também afetam os recursos disponíveis nessas áreas - bem como as

atividades produtivas. No caso de comunidades dependentes da terra e de recursos naturais, isso resulta frequentemente na perda de acesso aos meios tradicionais de vida, incluindo a produção agrícola, a pesca, a pecuária, o extrativismo vegetal, para citar alguns exemplos. Isso provoca não apenas rupturas na economia local, como efetivamente o deslocamento das populações - em um sentido mais amplo - do acesso a recursos naturais e ambientais essenciais ao seu modo de vida. Este tipo de deslocamento priva as pessoas de seus meios de produção e as desloca de seus meios de existência e reprodução cultural. Desta forma, o termo "atingido" refere-se às populações que enfrentam um ou outro tipo de deslocamento (WCD, 2000, p. 102-103).

Um exemplo oportuno para evidenciar esta disparidade conceitual é o caso de Belo Monte e seu processo de licenciamento ambiental, no qual as regiões ribeirinhas e suas populações ameaçadas pela formação do trecho de vazão reduzida não foram consideradas como diretamente afetadas, não obstante a constatação de profundas alterações futuras em seus modos de vida e mesmo sem evidências da garantia de segurança hídrica6. A desconsideração de pareceres dos técnicos do IBAMA e de pesquisadores de equipes independentes, associada à ausência de debates públicos amplos (Magalhães e Hernandez, 2011), evidenciam um distanciamento do aprofundamento conceitual, necessário para que as consequências ambientais e sociais dos vários projetos hidrelétricos propostos pelo governo brasileiro, com superposição cada vez mais frequente com áreas protegidas, sejam efetivamente caracterizadas.

O documento "Carta da Amazônia", redigido ao final do primeiro ciclo de debates sobre hidrelétricas na Amazônia (1988)7, alerta que, à época, os estudos de impacto ambiental e socioeconômico previstos na legislação brasileira eram realizados, de maneira recorrente, por empresas que dependiam de recursos financeiros dos proponentes dos empreendimentos hidrelétricos, o que comprometeria a idoneidade dos resultados. O documento propõe que os estudos básicos fundamentais para a identificação de impactos nas áreas de influência sejam realizados por equipes reconhecidas pela comunidade científica e independentes financeiramente dos proponentes da obra, e também que os recursos financeiros necessários para os estudos de impacto ambiental não sejam gerenciados pelos proponentes ou pelas empresas responsáveis pelo projeto. Comentava-se, ainda, a necessidade de audiências públicas para a apreciação dos Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA). Contudo, passadas algumas décadas da vigência da lei que exige a realização de audiências públicas para licenciamentos ambientais de obras de grande porte, constata-se a ineficácia dessas audiências no sentido de informar e debater consequências ambientais e sociais8.

Com a consolidação dos projetos hidrelétricos em uma nova direção - que chamamos, no decorrer desta análise, de avanço da fronteira hidrelétrica na Amazônia (não restrita à fronteira brasileira) -, aparecem novamente argumentos para justificar a exploração, sob risco de insegurança energética, do que falta do potencial hidrelétrico inventariado, mesmo que boa parte disso seja apenas raciocínio teórico, sob o ponto de vista da capacidade de financiamento ou mesmo do aspecto construtivo. Contemporaneamente aos processos de licenciamento ambiental de Jirau, Santo Antonio (rio Madeira, Rondônia), Belo Monte (rio Xingu, Pará), do Complexo Hidrelétrico do Tapajós (rios Tapajós e Jamanxim, Pará) e de uma plêiade de pequenas centrais hidrelétricas, ressurge o conjunto retórico de que o 'meio ambiente', os índios, as organizações não governamentais (ONG) estrangeiras e os ambientalistas seriam cúmplices do 'sujamento' da matriz energética brasileira ou corresponsáveis por um segundo 'apagão', como ficou conhecido o racionamento de energia durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

A consolidação de instituições destinadas a proteger o direito ambiental, normativo e ideológico, e as garantias constitucionais das comunidades ribeirinhas tradicionais e das populações indígenas tem gerado um movimento oposto, fazendo surgir a reação por nova estruturação social que não coíba a expansão da energy industry. Lembramo-nos das palavras de Buarque (1982), ao dizer que o problema energético brasileiro deixa de ser brasileiro e de caráter energético para tornar-se uma disputa pelo recurso natural e por processos de acumulação, que envolve a garantia de acesso a um território por setores oligopolizados da economia, da política e da economia política.

Assim, tomam relevo nos grandes projetos e nas figuras de financiamento associadas a eles não só a discussão do que poderíamos chamar, no jargão do planejamento, de 'segurança energética', mas também a segurança institucional, que engloba segurança jurídica, risco de mercado, risco de implantação de operação, risco político, para citar alguns9. Estruturam-se sociedades de propósito específico com a dupla justificativa de desonerar uma das fontes de risco (leia-se a presença do Estado, dos governos e as estruturas lentas da burocracia) e, em termos de endividamento público, não contribuir para que ele aumente. Esta desoneração, contudo, não existe na prática, pois os exemplos recentes mostram que o investimento público prevalece em projetos gigantes e em projetos pulverizados10.

A redução do 'elemento problema' - a necessidade expansiva por energia - aparece em nossa discussão específica. A formulação oficial do problema energético brasileiro trata de garantir o suprimento de uma demanda que se retroalimenta, um teorema que se perpetua com a demonstração da briga entre as curvas de oferta e demanda sinalizada nos vários planos, tendo o risco de deficit como ameaça acompanhante no processo de legitimação. Bielschowsky (1997, p. 18-19) comentou, à época do processo de privatização da indústria elétrica brasileira, nos anos 1990:

A cada ano, os "Planos Decenais" reapresentam, com pouquíssimas variações de texto, a mesma "lógica" pública que tem presidido o planejamento de expansão do setor até o momento. Trata-se, em primeiro lugar, de atender, com poucos "riscos de déficit", à expansão prevista de demanda e, segundo, de estabelecer uma sequência das obras, de acordo com a ordem de custos crescentes, introduzindo-se, eventualmente, critérios ad-hoc, de ordem emergencial ou geopolíticos.

A atualidade do comentário se mantém, e é ainda mais evidenciada pela leitura dos sucessivos planos decenais de expansão de oferta de energia. Mais recentemente, os chamados projetos 'estratégicos' e 'estruturantes', como os propostos para os rios Madeira e Xingu, são colocados para a sociedade, por seus proponentes, como emergenciais e necessários para o progresso/desenvolvimento. A oferta de projetos de geração esbarra em cronogramas extremamente otimistas, muitas vezes desvinculados das reais possibilidades de obter o financiamento adequado e ágil, paralelamente a um processo de encomenda de equipamentos cujos prazos de entrega não se viabilizam de maneira a atingir as metas dos cronogramas acordados. Esta situação recorrente evidencia velocidades conflitantes nas expectativas de quem contrata, de quem está sendo contratado, de quem acompanha o processo de licenciamento ambiental e de quem pode sofrer consequências e benefícios em razão da implantação dos projetos.

Lancemos mão de um exemplo: os leilões de energia elétrica anteriores a 2008 foram bastante questionados pela contratação de um valor percentual significativo para a geração termelétrica, particularmente o 4º leilão, proveniente de novos empreendimentos, realizado em 26 de julho de 2007. Foram licitados contratos para suprimento de energia de geração hidrelétrica e termelétrica, com início de entrega em janeiro de 2010, mas foram arrematados apenas projetos termelétricos a óleo combustível. As críticas que surgiram questionaram as opções leiloadas, mais poluentes do que aquelas potencialmente disponíveis - entenda-se a vantagem comparativa brasileira -, como a hidrelétrica, e as dificuldades de operacionalização da compra de equipamentos e da contratação de serviços em tempo hábil11.

O problema da garantia do suprimento de energia elétrica se baseia na premissa do risco de deficit de 5%, o que acarreta custos associados a deficits também altos. Ressalte-se que a dependência deste cálculo de deficits leva em conta a preponderância de um sistema eminentemente hidrelétrico, cuja parametrização dos riscos está em função de cálculos probabilísticos complexos, associados à ocorrência de chuva nas bacias hidrográficas que drenam a água para os reservatórios já constituídos. Assim, alguns especialistas caracterizam esta situação como frágil e com excessiva dependência de uma fonte de geração única. Haveria um risco inerente ao sistema por conta da dúvida hidrológica quanto às reservas permanentemente suscetíveis a eventuais estiagens ou à eventual aceleração do consumo de energia.

Existe forte oposição por parte das comunidades ribeirinhas e indígenas, com certa capilaridade nos meios de comunicação, no Ministério Público, em parcelas da comunidade científica e nas redes digitais, aos projetos de hidrelétricas em curso, aos processos de licenciamento ambiental e às obras de infraestrutura. Existe também um posicionamento bastante crítico que se manifesta por meio de organizações não governamentais ligadas à defesa dos direitos humanos e à conservação do meio ambiente. Para cada um destes posicionamentos, manifestados em debates, em artigos ou em entrevistas de jornais, se antepõe o discurso oficial da ordem. Nesse contexto, as instituições estatais funcionam como porta vozes da segurança social, direcionando a discussão de tal forma que as soluções para os problemas (e suas formulações) tendem a se apresentar dentro de uma lógica de senso comum, isto é, tendem a amparar a sociedade, no sentido de evitar desordens estruturais e tranquilizá-la ao garantir que existem instituições fortes capazes de administrar a crise.

Quase invariavelmente, o discurso oficial interroga os grupos críticos ou opositores com a seguinte pergunta: então, o que se propõe no lugar? Eduardo Viveiros de Castro (2008, p. 237) nos diz em entrevista: "A ideologia interpela a pessoa, obriga-a a responder. A pessoa, quando dá fé, já respondeu. Ouvir a pergunta é ter dado a resposta - a pergunta é uma resposta". O dizer 'não' tem a potência para criar novos problemas, pois não há, a priori, soluções pré-definidas. O dizer 'não' posiciona o problema energético em outro patamar, fugindo do leque das soluções ordinárias.

Quando analistas afirmam que há problemas nos processos de licenciamento ambiental, eles não têm o papel e a função de dizer (e não o fazem) se há alternativas gerais ao projeto. Isso não está na alçada deles. Uma negativa de licença ambiental pode abrir novos problemas e novas formulações. Frequentemente ouve-se dizer que o licenciamento ambiental deve ser técnico e feito por técnicos, mas o que se observa é que a assinatura da licença se torna política. No Apêndice se observa a descrição do fenômeno de desfiguração do licenciamento ambiental, a partir de observação factual referente aos licenciamentos das hidrelétricas dos rios Madeira e Xingu.

A leitura da vastíssima coletânea intitulada "Energia na Amazônia" (Magalhães et al., 1996)12, publicada em meados dos anos 1990, nos apresenta, em muitos de seus capítulos, o esforço intelectual e de pesquisa para propor alternativas aos projetos de grandes hidrelétricas na região. Lê-se, nos artigos, a preocupação com a manutenção dos modos de vida nas várias localidades amazônicas, com os prejuízos acumulados e os potenciais oriundos da construção de novas hidrelétricas, com as chamadas fontes alternativas, além de aspectos da diversificação da matriz energética. Nota-se que, mesmo no debate mais crítico, adentra-se na ordem do discurso pela expansão da oferta de energia.

A pergunta anteposta à crítica da necessidade, forma e velocidade da expansão da oferta de energia - 'o que se propõe, então, como alternativa?' - caracteriza um trajeto imanente: demarca um espaço a ser percorrido e um enclosure, que nada tem a ver com a ideia representada no discurso oficial, segundo a qual o fenômeno expansivo da geração de energia elétrica seria emancipador das regiões, seria sinônimo de excelentes oportunidades de geração de emprego e seria patrocinador da distribuição de renda nos lugares onde são construídos projetos de 'conversão de energia limpa e renovável'. A pergunta não está aberta para um elemento móvel, mas sim para o bom funcionamento das instituições que já produzem certo número/repertório de elementos-problema. Daí o estranhamento quando se diz que não cabe aos grupos sociais ameaçados, especialmente aqueles sob risco de espoliação do modo de vida, propor alternativas, mas sim aos 'especialistas', únicos habilitados a reconhecer a complexidade da questão.

A existência de um organizador primário na sociedade - quais sejam, em seu conjunto, as estruturas de acumulação dentro do modo de produção hegemônico (o capitalista) - produz um feixe de estruturas também relacionadas com os processos de licenciamento ambiental, com os caminhos possíveis de formulação de um problema energético e sua superação. Sob vários aspectos, defendemos que o problema energético brasileiro (para o qual as novas hidrelétricas da Amazônia seriam chaves de sua superação) não diz respeito a aspectos exclusivamente intrafronteiriços: a conexão internacional se faz presente. Evidenciamos a dupla posição que o Brasil, em particular, ocupa: um papel hegemônico no continente, mas exportador de matérias-primas energo-intensivas em fluxo internacional. O balanço do comércio exterior evidencia uma divisão internacional da apropriação dos recursos naturais. Os licenciamentos ambientais e as operações dos grandes projetos não poderiam passar incólumes à influência desta organização primária, que tem como rebatimento a construção de estruturas que dão abrigo ao processo de acumulação.

Vejam-se, novamente, os exemplos descritos no Apêndice, onde são identificados aspectos muito semelhantes em relação à condução dos licenciamentos ambientais das usinas dos rios Madeira e Xingu, sobretudo as imposições e supremacias intra e interinstitucionais e a impossibilidade efetiva do processo de licenciamento ambiental ser caracterizado como espaço de produção e circulação de conhecimento, com respeito ao diagnóstico de consequências, à tomada de decisão e ao convencimento público.

A retração de áreas de conservação demarcadas já é movimento concreto e observável, particularmente nas unidades ou nas terras indígenas em que ocorrem ou se anteveem superposições de interesse para a formação de reservatórios. Tal desdobramento se materializou na proposta de decreto para a redução da área de unidades de conservação no rio Tapajós, para dar lugar aos reservatórios das usinas hidrelétricas13 (incluindo o seccionamento dos rios Tapajós e Jamanxim - ver Figura 2).

 

 

Um complicador, a nosso ver, diz respeito a uma aproximação entre o inventário de potenciais hidrelétricos por bacia hidrográfica e uma espécie de pré-aprovação da licença ambiental para um conjunto de aproveitamentos hidrelétricos dentro de uma mesma bacia, o que contribuiria para a celeridade do licenciamento final e para uma sinalização ao planejamento de novos leilões de energia elétrica. É o que se depreende dos objetivos do grupo de trabalho formado por representantes de instituições governamentais em 2008, relatados por Couto (2008):

Neste mês de setembro, um grupo de trabalho integrado por profissionais da Agência Nacional de Energia Elétrica, Empresa de Pesquisa Energética, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos

Naturais Renováveis e do Ministério de Minas e Energia foi formado e começou a debater propostas que visam a agilizar o processo de licenciamento (...). Esta etapa poderia implicar, possivelmente, a concessão de licença prévia para todos os aproveitamentos hídricos previstos na bacia - o que agilizaria a entrada desses futuros empreendimentos em leilões de energia (...).

Não obstante os aspectos positivos que visões integradas e de conjunto possam trazer, o problema apresenta-se quando, mais uma vez, a justificativa pública é embasada nos dogmas da 'energia limpa' e da necessidade célere do atendimento do suprimento energético, tido, ex ante, como indispensável. Destacamos o posicionamento do diretor-presidente da Empresa de Pesquisa Energética sobre o tema: "Ninguém está pleiteando afrouxamento [de regras ambientais]", destacou Maurício Tolmasquim durante o IX Encontro da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (APINE), ocorrido em 25 de setembro de 2008, em Brasília (Couto, 2008). Segundo ele, cabe 'racionalizar' os processos de licenciamento, de modo que as hidrelétricas, considerados empreendimentos de geração limpa, isto é, sem emissão de gás carbônico, tenham o mesmo grau de agilidade no licenciamento obtido pela geração térmica, que emite mais CO2.

Nos documentos oficiais e a cada reedição dos Planos Decenais, se corrobora esta imagem de vantagem competitiva abundante, a ter sua exploração ampliada em razão do caráter 'renovável', 'limpo'. No Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica 2006-2015 (Brasil, 2006, p. 74), lê-se:

A fonte hidrelétrica se constitui numa das maiores vantagens competitivas do país, por se tratar de um recurso renovável e com possibilidade de ser implementado pelo parque industrial brasileiro

com mais de 90% (noventa por cento) de bens e serviços nacionais.

Além do mais, ao possuir uma das mais exigentes legislações ambientais do mundo, é possível ao Brasil garantir que as hidrelétricas sejam construídas atendendo aos ditames do desenvolvimento sustentável.

Tal destaque também está presente no capítulo V ("Instrumentos legais e normativos a obedecer do Estudo de Impacto Ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte") do Estudo de Impacto Ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (Leme Engenharia, 2009)14, no qual ainda aparecem justificativas sobre o aproveitamento sustentável do potencial hidrelétrico da região Norte, amparado na Política Energética Nacional (artigo 2º, inciso VI), sob a guarda do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), a quem compete:

Sugerir a adoção de medidas necessárias para garantir o atendimento à demanda nacional de energia elétrica, considerando o planejamento de longo, médio e curto prazos, podendo indicar empreendimentos que devam ter prioridade de licitação e implantação, tendo em vista seu caráter estratégico e de interesse público, de forma que tais projetos venham assegurar a otimização do binômio modicidade tarifária e confiabilidade do Sistema Elétrico (Brasil, 1997).

O Plano Nacional de Energia 2030 mostra um potencial de 29.196 MW sem restrições e um potencial de 47.862 MW com restrições, a serem aproveitados na bacia do Amazonas (rios Tapajós, Xingu, Madeira, Negro, Trombetas, Branco, Jari e Paru) (Brasil, 2007, p. 35-37). Esse documento exibe, em termos totais nacionais, números expressivos e que mostram que uma grande fatia do potencial hidrelétrico da Amazônia corresponde ao que chamamos de ampliação da fronteira hidrelétrica. Lê-se no PNE 2030:

Se considerado que certas interferências são intransponíveis, a possibilidade de aproveitamento desse potencial no horizonte do estudo se reduz muito. Por exemplo, o potencial a aproveitar indicado na seção precedente, de 126.164 MW, excluídos os recursos estimados, "encolhe" para 116.199 MW, se desconsiderados os aproveitamentos que apresentam interferência direta em parques e florestas nacionais; ou, então, para 87.069 MW, se desconsiderados aqueles que interferem diretamente com terras indígenas; ou, ainda, para 77.104 MW se somadas as duas interferências (Brasil, 2007, p. 55).

E ainda:

(...) a expansão da oferta de energia elétrica no Brasil pode e deve seguir com predominância da hidroeletricidade; o aproveitamento do potencial hidráulico deve ser feito de forma social e ambientalmente sustentável; e o aproveitamento do potencial hidráulico da Amazônia é fundamental para expansão da oferta de energia elétrica a longo prazo.

Quando se tem em conta que dois terços do território nacional estão cobertos por dois biomas de alto interesse do ponto-de-vista ambiental, como o são a Amazônia e o Cerrado, e que 70% do potencial hidrelétrico brasileiro a aproveitar localizam-se nesses biomas, pode-se antever dificuldades para a expansão da oferta hidrelétrica. Essas dificuldades são ampliadas por uma abordagem que se apóia em uma ótica ultrapassada pela qual projetos hidrelétricos, por provocarem impactos socioambientais, não podem constituir-se em elementos de integração e inclusão social, e também de preservação dos meios naturais. Muitas áreas no entorno de vários reservatórios já instalados no país estão hoje, em muitos casos, entre as mais bem conservadas, inclusive com relação à biodiversidade (Brasil, 2007, p. 160-161).

Os números, no entanto, acabam não revelando que, em cada um dos projetos, a potência efetivamente acionada pelas águas dos rios amazônicos inventariados está aquém da potência instalada, apregoada ao longo das seções do plano. Esta limitação física da capacidade de geração, no entanto, só vem a público de maneira mais contundente a cada licenciamento ambiental proposto, especialmente nos momentos em que as críticas individualizadas ganham mais visibilidade.

Na Tabela 3, procura-se mostrar que a relação potência firme/potência instalada varia na faixa de 51 a 55% para os projetos propostos nos rios Tapajós e Jamanxim. Todas as usinas são do tipo fio d'água, com pouca capacidade de regularização, e várias delas apresentam superposição com unidades de conservação. Na verdade, este é apenas mais um conjunto de usinas a fio d'água que segue uma trajetória característica dos novos projetos em execução nos rios Madeira e Xingu, também usinas a fio d'água, que apresentam alta potência instalada e potências médias de acionamento com valores bem inferiores, uma vez que não existem reservatórios com grande regularização do fluxo de água rumo às turbinas. Particularmente, o projeto de Belo Monte, proposto para ser construído na Volta Grande do Xingu, exibe um gap de 69% entre a potência instalada e a potência firme, calculado por simulações do Sistema Elétrico Interligado. Destaque-se que o estudo das afluências históricas de vazões no Xingu15 mostra que o rio já apresentou vazão afluente com valores menores do que a capacidade estimada de engolimento de apenas uma turbina da casa de força principal (de um total de vinte e duas). Ou seja, é plausível a hipótese de que, em certas épocas do ano, a casa de força principal de Belo Monte não tenha nenhuma de suas turbinas em operação.

Se observadas as vazões históricas mínimas (ou próximas delas), deve ser compreendido que - ao menos como possibilidade real e que já se verificou no passado - o atendimento da chamada 'vazão ecológica' para o leito original do rio Xingu comprometeria até mesmo o engolimento de apenas uma das 22 turbinas propostas na casa de força principal, cuja vazão unitária é de 695 m3/s, com rendimento máximo de 95%. Nesta situação ou em uma situação próxima (média das vazões mínimas anuais - 1.017 m3/s), o que teríamos: a vazão do Trecho de Vazão Reduzida atendida, o atendimento de uma ou duas máquinas, ou nenhuma delas? Esta é uma situação real de operação. A antevisão da operação crítica deve ser alertada, bem como a opção que surgirá entre manter a geração de energia próxima de zero ou o nível de água baixíssimo em ¾ da Volta Grande do Xingu, a partir do eixo da barragem principal na ilha do Pimental.

Este gap é espaço aberto para projetos a montante e para a reedição de projetos idealizados desde a década de 1980, mesmo que remodelados16. Explica-se: apesar da justificativa expressa no EIA quanto à resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), de 17 de julho de 2008, de que apenas um aproveitamento hidrelétrico seria construído no rio Xingu (Goy, 2008, p. B-8), a própria ociosidade da usina de Belo Monte coloca-se como risco à manutenção dessa resolução. Esta ociosidade poderá ser alvo e sofrer pressão futura diante de necessidade energética expressa tendencialmente no Plano Decenal 2009-2017. Como é possível a maior usina hidrelétrica em território nacional oferecer apenas 39,75% de seu potencial e gerar pouquíssima energia nos meses secos?

Qual seria a saída para regularizar o fluxo de água se não um barramento adicional a montante? Estas indicações de operação ociosa não são favoráveis à manutenção de um único aproveitamento hidrelétrico no Xingu. A própria Eletronorte se manifestou em versões preliminares do EIA:

O estudo energético em questão considera apenas a existência do Complexo Hidrelétrico Belo Monte no rio Xingu, o que acarreta que o mesmo não aufira qualquer benefício de regularização a montante. Embora os estudos de inventário hidrelétrico do rio Xingu realizados no final da década de 70 tivessem identificado cinco aproveitamentos hidrelétricos a montante de Belo Monte, optou-se por não considerá-los nas avaliações aqui desenvolvidas, em virtude da necessidade de reavaliação deste inventário sob uma nova ótica econômica e socioambiental. Frisa-se, porém, que a implantação de qualquer empreendimento hidrelétrico com reservatório de regularização a montante de Belo Monte aumentará o conteúdo energético dessa usina (apud Hernandez, 2009).

Fearnside (2009) corrobora a ideia de que Belo Monte é convite para barramentos futuros no rio Xingu, ao contrário do que diz a citada resolução do CNPE, e ainda aponta que a história da hidreletricidade na Amazônia revela que acordos e decisões do passado não são levados a cabo quando se iniciam obras e a própria operação das usinas:

A história recente do setor hidrelétrico na Amazônia não é promissora. Há dois casos documentados onde as autoridades desse setor diziam não dar continuidade à determinada obra devido ao impacto ambiental, mas na realidade, quando chegou a hora no cronograma, fizeram exatamente o que haviam prometido não fazer. De fato, o que aconteceu seguiu os planos originais, sem nenhuma modificação resultante das promessas feitas por preocupações ambientais. Um caso foi o enchimento de Balbina, que era para permanecer durante vários anos na cota de 46 m acima do nível do mar, mas foi diretamente enchido, além da cota originalmente prevista de 50 m (Fearnside, 1989). O outro caso foi Tucuruí-II, onde a construção foi iniciada em 1998, sem um EIA-RIMA, baseado no argumento (duvidoso) de que sua construção não ocasionaria impacto ambiental, por não aumentar o nível da água acima da cota de 70 m de Tucuruí-I, mas, na realidade, a partir de 2002 o reservatório simplesmente foi operado na cota de 74 m conforme o plano original (ver Fearnside, 2001, 2006a). Estes casos (Balbina e Tucuruí-II) são paralelos à atual situação de Belo Monte e à promessa de não construir Babaquara/Altamira (Fearnside, 2009, p. 71-72).

Observa-se um aninhamento, no processo de licenciamento ambiental, de outros procedimentos de adequação das instituições como receptáculos de alguns dogmas que se contrapõem a evidências empíricas (renovabilidade da energia hidrelétrica, energia limpa, garantia de segurança energética). O licenciamento aparece como sinônimo de mitigação, mas acaba dando guarida ao processo de acumulação, transformando as possibilidades de debate em justificativas para a expansão da oferta. De maneira correlacionada, interage com as instituições, identificando e reorganizando códigos, leis, debates, criando situações críticas, nas quais as análises não são explicitadas ou, quando o são, aparecem como contribuições exóticas, outsider, românticas ou atrasadas, não sendo consideradas como contribuições para um debate mais amplo.

Mesmo as adequações legais, que são objeto e papel do Ministério Público, passam a ser entendidas como obstáculos e críticas a determinado projeto, quando, na verdade, são exigências da codificação legal estabelecida. As influências e regulações parciais trabalham no sentido desse aninhamento, transformando o processo de análise, auditoria e licenciamento ambiental em uma ação desfigurada de produção de alternativas no repertório comum. O que testemunhamos é mais do mesmo, isto é, um falso debate que se sintetiza na fórmula de negar a negativa, dando aceno positivo com a positividade de melhorar projetos e diminuir impactos, constrangendo o ambiente democrático ao utilitarismo que o processo de acumulação, sem paixões, mas como imposição sistêmica, exige de maneira perene.

 

COMENTÁRIOS FINAIS

Consideramos a possibilidade de caracterizar o processo de licenciamento ambiental, notadamente aqueles analisados neste artigo, das Usinas Hidrelétricas de Belo Monte, Santo Antonio e Jirau, como 'autolicenciamento', no qual os proponentes e empreendedores jogam papel decisivo na ocupação da cena política oficial e mais visível, dispondo de influência nos blocos de poder dentro do Estado e dos meios de comunicação. A concentração de poder e de recursos políticos tem consequências ao produzir disparidades na absorção dos benefícios econômicos e ao socializar os prejuízos ambientais e sociais das grandes obras, que se fazem sentir com intensidade nas localidades e vizinhanças. Em si, o fenômeno de autolicenciamento seria uma estruturação institucional da acumulação capitalista, que esbarra na velocidade de um licenciamento ambiental mais criterioso e que demanda um tempo distinto dos cronogramas elaborados para a realização do retorno dos investimentos. Perde-se a ideia-força de que o processo de licenciamento ambiental tem também o papel prático de não licenciar. Em vez disso, atribui-se-lhe a expressa missão de identificar 'mitigações' (as tais 'condicionantes' que, em momento posterior, também se tornam campo de disputa na verificação do cumprimento).

Chamam particularmente nossa atenção os desdobramentos da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que, historicamente, se colocou como um teste para o avanço dos grandes projetos hidrelétricos na Amazônia. Há especificidades que a caracterizam como um projeto tecnicamente duvidoso e ambientalmente catastrófico, motivos pelos quais muitos pesquisadores e especialistas postularam publicamente a posição de que deveria ser abandonado. Do específico para o geral, instiga à reflexão o fato de que, por meio das licenças ambientais e da outorga dos recursos naturais (acesso à terra, à água e à floresta), o tempo necessário para que os projetos se materializem possa ser reduzido.

O projeto Belo Monte, que é um arremedo do projeto Kararaô, da década de 1980, vem sendo gestado há mais de 30 anos. A luta contrária aos barramentos do rio Xingu também data dos primeiros anúncios do barramento integral do rio. Os grandes debates e embates de 1988 e 1989 sobre as hidrelétricas no Xingu trouxeram à cena pública a imagem da índia Tuíra passando seu facão na face do então diretor da Eletronorte, José Muniz Lopes, e também a parceria do cantor Sting com o cacique Raoni. Ambos, à época, deram divulgação internacional aos posicionamentos contrários aos barramentos no rio Xingu.

O caso de Belo Monte toma, portanto, ares de emblema e fato transnacional e se torna um processo cosmopolítico, pelo qual muitos se interessam, em vários lugares, e no qual se reconhecem, embora seja localizado e tenha sido discutido no interior de uma caixa preta. O fato intrigante, apesar do mérito político, não é a resistência longeva das populações ribeirinhas, dos indígenas, pesquisadores e ativistas contra o barramento do rio Xingu e afluentes, mas sim a presença física e política dos proponentes do projeto desde aquela época.

O volume de informações referentes às riquezas minerais, aos valores de uso e à qualidade das terras vem sendo acumulado durante décadas, tanto é que pontos de referência geográficos já carregam o nome de empresas, tais como o 'Travessão do CNEC', a base da Eletronorte, as marcações de estacas e marcas de cotas ao longo dos travessões vicinais da Transamazônica. Desde longa data, o acúmulo de informações é gestado antes do processo de acumulação de capital que adviria da implantação do projeto, da valorização fundiária e da espoliação verificada na história da hidreletricidade brasileira.

As expectativas de expansão da oferta de eletricidade são associadas ao discurso da satisfação de uma garantia de suprimento, que, por sua vez, se alinha à ideia de segurança energética. Verificamos, no decorrer do trabalho, que a ameaça de crise de abastecimento é elemento decisivo e legitimador na formulação do problema energético brasileiro, e seu desdobramento em termos de construção de grandes hidrelétricas tem redundado na concessão de territórios e recursos naturais para grandes empresas, em processos de licenciamento ambiental apressados, na caracterização deficiente de consequências sociais e ambientais, na condução de projetos sob forte pressão política, condicionados pelas datas sugeridas de leilões de energia elétrica.

Particularmente, a longa extensão do rio Madeira, onde se constroem as usinas de Santo Antonio e Jirau, é caracterizada como área para grandes projetos de investimentos conectados com hidrovias, geração de energia elétrica, logística associada de transportes, especialmente de produtos da monocultura, como a soja. Mais recentemente, o licenciamento ambiental de Belo Monte, que se apresenta como salvaguarda para barramentos consecutivos no rio Xingu e como teste político para outros barramentos dos grandes rios da bacia amazônica, se revela como mais um exemplo de repetição dos problemas mencionados. No chamado Complexo Hidrelétrico do Tapajós, no qual constam sete barramentos nos rios Tapajós e Jamanxim, destaca-se a superposição com áreas de conservação oficialmente constituídas. O avanço dos projetos hidrelétricos em andamento e propostos na bacia amazônica é real.

O volume de recursos necessários para dar prosseguimento a estes projetos é imenso. Supera meia centena de bilhões de reais. Outros projetos hidrelétricos no Peru também aparecem como estratégicos para o Ministério de Minas e Energia. Em uma moldura ampla, pode-se ver que é proposta uma quantidade muito grande de barramentos, que decisivamente caracterizam o avanço da fronteira hidrelétrica para a Amazônia, não exclusivamente a brasileira. A fronteira de investimentos também procura se deslocar para essa região, mas o volume alocado de recursos ainda é duvidoso, tanto nas cifras como na possibilidade de efetivar-se. Tenhamos como exemplo o caso de Belo Monte, no qual a segurança de financiamento está vinculada a desembolsos de um banco público, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e a fundos de pensão de empresas estatais. Não obstante a dificuldade de efetivar financiamentos dentro das fronteiras nacionais, a presença do BNDES também se amplia para os países vizinhos e, possivelmente, estará associada à consolidação de financiamento para projetos hidrelétricos no Peru, já que existe um acordo firmado entre os dois países para a conexão do Sistema Elétrico Interligado Nacional com as hidrelétricas propostas no país vizinho.

 

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Autor para correspondência:
Francisco del Moral Hernandez
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade. GT Energia e Ambiente
Rua Dr. Jose Ramos de Oliveira Jr., Quadra G, Lote 9A
Campinas, SP, Brasil. CEP 1085-751
(delmoral@hotmail.com)

Recebido em 11/09/2012
Aprovado em 27/11/2012

 

 

1 Emissões referentes ao descomissionamento representam mais do que nove vezes a emissão pela decomposição da biomassa no reservatório e oferecem uma tremenda contribuição à emissão total (durante todo o ciclo de vida) de hidrelétricas (Pacca e Horvath, 2002; Pacca, 2007). Na Análise do Ciclo de Vida do reservatório de Glen Canyon, observa-se a relação 3.500.000 toneladas de CO2 eq. X 33.000.000 toneladas de CO2 eq. Para os 33.000 km2 de reservatórios brasileiros, o impacto total da subestimativa das emissões de CH4 pela superfície da água dos reservatórios é próximo daquele gerado pela emissão da queima de combustível fóssil na grande São Paulo, enquanto a emissão total das superfícies dos reservatórios ultrapassa a emissão dessa cidade. Emissões de CH4 presente na água que passa pelas turbinas e pelos vertedouros representam um impacto adicional sobre o aquecimento global (Pueyo e Fearnside, 2011). Sobre o assunto, ver Pacca (2007, 2003).
2 Dados de 1991 (Sloff, 1991; Pacca, 2007) contabilizam que um volume de acumulação de 4.900 km3 corresponderia a um acúmulo de sedimentos por afluência na taxa de 50 km3/ano para usinas com alta capacidade instalada, o que nos conduziriam a uma vida média de 100 anos para grandes hidrelétricas.
3 A audiência teve os seguintes debatedores: Dra. Débora Duprat, da Procuradoria Geral da República; Dra. Gilda Carvalho, Procuradora-Geral dos Direitos do Cidadão; Dr. João Akira Omoto, do Ministério Público Federal; Susana Kahn, Secretária de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente; Altino Ventura Filho, Secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia; Maurício Tolmasquim, Presidente da Empresa de Pesquisa Energética; Eduardo Vieira Barnes, Assessor da Coordenação-Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI); Prof. Dr. Célio Berman, da Universidade de São Paulo; e Prof. Dr. Carlos Vainer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para detalhes, consultar Brasil (2009).
4 Para uma resenha dos problemas mencionados, consultar Switkes e Bonilha (2008) e Magalhães e Hernandez (2011).
5 Ver, a esse respeito, Vainer (2008). A Área Diretamente Afetada (ADA) é comumente caracterizada pela delimitação dos contatos diretos entre as estruturas construtivas (obras associadas, canteiros, canais, reservatórios, subestações, linhas de transmissão do empreendimento) e a área em que elas podem ser implantadas. As resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) entendem que os chamados 'trechos de vazão reduzida' (TVR) devem ser englobados na ADA. Isto é bastante comum para pequenas centrais hidrelétricas, no caso de existirem trechos desviados do curso natural do rio. Na interpretação do caso de Belo Monte, que tem um TVR de 100 km, os termos de referência e as caracterizações da área de influência foram negligentes nesta necessidade de aprofundamento conceitual. Sobre uma crítica geral da caracterização de Área Diretamente Afetada no estabelecimento de termos de referência, consultar Brasil (2004).
6 Ver, especialmente, o desdobramento prático da utilização do conceito de Área Diretamente Afetada nos pareceres presentes em Magalhães e Hernandez (2009). Sobre a segurança hídrica, ver Molina (2009) e Nota... (2011).
7 Carta da Amazônia. Documento final do 1º ciclo de debates sobre hidrelétricas na Amazônia. Belém, 29 ago. - 1 set. 1988. Mimeografado.
8 Destaque-se a Resolução CONAMA n° 09/87: "Art. 1º - A Audiência Pública referida na Resolução CONAMA nº 001/86 tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito". Cabe um comentário: espera-se das audiências públicas que se tornem universalmente conhecidos, passíveis de entendimento e de discussão, os estudos realizados sobre o empreendimento proposto, e que sejam garantidos prazos adequados para que este conjunto de debates possa prover aos interessados e às comunidades envolvidas ou ameaçadas familiaridade com os estudos técnicos, geralmente complexos, e uma plena identificação das localidades que sofrerão consequências. O acesso à informação seria uma espécie de precaução e preocupação prévia ao debate, também por iniciativa das instituições do poder público, para patrocinar uma interpretação coletiva sobre as consequências ambientais e sociais da implementação de obra técnica de grande envergadura e intensiva no uso de recursos naturais.
9 A categorização dos nove riscos fundamentais em projetos de infraestrutura, concebidos pelo Project Finance, pode ser vista em Siffert Filho et al. (2009).
10 De acordo com Siffert Filho et al. (2009, p. 27), "relativamente à geração de energia elétrica, o BNDES aprovou no período 142 projetos, com um montante de financiamento no valor de R$ 21,3 bilhões e investimentos de R$ 36,2 bilhões, agregando ao sistema elétrico brasileiro 15.214 MW de potência instalada. Também se destaca a forte predominância das hidrelétricas, que concentraram R$ 13,6 bilhões de financiamentos, com uma expansão de capacidade de 11.130 MW. Quando consideradas também as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), os números aumentam para R$ 17,6 bilhões em financiamentos, ou 12.476 MW de potência, o que perfaz 82% do incremento total". Há outro projeto de grandes dimensões, o acordo Brasil-Peru, firmado em 16 de junho de 2010, em Manaus, no qual os governos desses países estipulam um limite de 6.000 MW de exportação para o Brasil, com tolerância de 20% (Acuerdo Brasil-Peru, 2010). Mencione-se que a quantidade de energia a ser exportada envolveria a construção de, ao menos, seis hidrelétricas e conexões de linhas de transmissão com o Sistema Interligado Nacional (SIN) do Brasil. Ver Rodriguez et al. (2011).
11 Ver, a esse respeito, reportagem publicada no jornal "Valor Econômico", em 08/11/2010 (Goulart, 2010). O choque de velocidade entre os múltiplos projetos propostos e leiloados e as conexões reais dos interesses variados das corporações pode ser exemplificado pelo caso do grupo Bertin: este grupo enfrentava dificuldades causadas por projetos leiloados menos de dois meses antes da data oficial na qual deveria colocar em operação sete usinas termelétricas com capacidade de 1.400 megawatts (MW), pois as turbinas sequer haviam sido embarcadas na origem (Europa e Estados Unidos) e a empresa ainda precisava construir outras 23 usinas termelétricas, perfazendo 5.000 MW de potência instalada, o que supõe R$ 7,5 bilhões para colocar o conjunto dos empreendimentos em operação. O tema do atraso das usinas é frequente em rodas de agentes do setor elétrico, que não se cansam de dizer que o grupo Bertin tem o apoio do governo desde que ajudou a criar concorrência no leilão da hidrelétrica de Belo Monte. Na Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), os projetos das térmicas já foram multados várias vezes por atrasos e as empresas tentam convencer a agência de que quem atrasou o cronograma foi o próprio governo.
12 Obra em dois volumes, com 68 artigos, assinados por 77 intelectuais e pesquisadores. Neste conjunto de reflexões aparece o empenho honesto e franco na discussão de alternativas energéticas locais.
13 Ver Angelo (jul. 2011; ago. 2011). Na notícia de agosto de 2011, "o Mapinguari foi reduzido em 8.000 hectares para ceder espaço aos canteiros de obras das usinas de Santo Antônio e Jirau. Para o presidente do ICMBio (Instituto Chico Mendes), Rômulo Mello, a alteração foi uma 'correção' de um erro de desenho cometido na criação do parque, em 2008". O jornal "O Estado de São Paulo" também registrou a notícia (Salomon, 2011), segundo a qual duas outras unidades terão os limites alterados para o licenciamento ambiental de quatro hidrelétricas do complexo do rio Tapajós. Segundo a notícia de Salomon (2011): "Para o projeto seguir adiante, faltava tirar do caminho da obra as restrições impostas às unidades de conservação. O Parque Nacional Campos Amazônicos perdeu ao todo, por meio da MP [Medida Provisória], 340 quilômetros quadrados e ganhou outros 1,5 mil quilômetros quadrados. No caso do Parque Nacional Mapinguari, o ajuste ocorreu por conta da revisão do alcance do canteiro de obras e dos lagos das Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira".
14 Destacam-se as menções: "Segundo consta no PNE, o potencial hidrelétrico do país é de 261 GW, sendo que 43% desse total, o equivalente a 112 GW, encontra-se na região Norte. Ressalta-se que dos mencionados 112 GW o potencial ainda a ser aproveitado é de 64% (sessenta e quatro por cento). Assim, pode-se concluir que existe expressivo potencial hidrelétrico a ser explorado no norte do país" (Leme Engenharia, 2009, p. 6).
15 Mencione-se, ainda, que os dados mais antigos de vazão do rio Xingu foram obtidos por meio de correlações de similaridade com a bacia do Tocantins. É uma série histórica muito curta, de medidas realizadas efetivamente, em poucos pontos, somente a partir de 1969, em locais próximos de Altamira e na Volta Grande do Xingu. Por extrapolação e por similaridade, chega-se a estimativas recuadas no tempo até 1931.
16 O inventário do potencial hidrelétrico para o rio Xingu, refeito em 2007, prevê quatro obras, excluindo-se o aproveitamento Jarina e Cachoeira Seca.