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Revista de Economia Contemporânea - Amartya Sen and the social choice: is it an extension of John Rawls's theory of justice?

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Revista de Economia Contemporânea

Print version ISSN 1415-9848

Rev. econ. contemp. vol.16 no.3 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2012

http://dx.doi.org/10.1590/S1415-98482012000300007 

ARTIGOS

 

Amartya Sen e a escolha social: uma extensão da teoria da justiça de John Rawls?1

 

Amartya Sen and the social choice: is it an extension of John Rawls's theory of justice?

 

 

Solange Regina MarinI; André Marzulo QuintanaII

IDoutora em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professora adjunta do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Contato: marin@smail.ufsm.br
IIMestre em Economia Aplicada pela UFRGS e técnico do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Contato: andremq@gmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo é apresentar a visão de Amartya Sen quanto à possibilidade da escolha social como um exercício comparativo e reflexivo com indivíduos comprometidos, tendo como ponto de partida a justiça como equidade de John Rawls. O argumento é o de que o agir por comprometimento e as várias identidades sociais estabelecidas pelos diferentes indivíduos durante suas vidas – considerando um conceito de indivíduo que não é o racional e autointeressado da Economia tradicional – são formas de desenvolver o pensamento seniano no que se refere ao processo de escolha social via raciocínio público, sem necessitar do conceito de racionalismo estrito como proposto na Economia.

Palavras-chave: Amartya Sen; escolha social; John Rawls; teoria da justiça; economia.
CLASSIFICAÇÃO JEL: D63; D71.


ABSTRACT

This paper presents Amartya Sen's view on the possibility of social choice as a comparative and reflexing exercise with committed individuals, having as starting point John Rawls' Justice as equity. The argument is that to act by commitment and the various social identities one develops during his/her life – considering a concept of individual that is not the rational and self-interested individual of traditional Economics – are ways for developing Sen's thinking related to process of social choice through public reasoning, without to adopt the concept of restrict rationalism like is proposed in Economics.

Keywords: Amartya Sen; social choice; John Rawls; theory of justice; economics.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Amartya Sen (1999f) diverge da teoria de John Rawls (1997), em primeiro lugar, contrapondo a supremacia da igualdade nos bens primários dos indivíduos para o alcance da justiça como equidade diante da diversidade humana em termos de características físicas individuais e de oportunidades e condições de vida. Sen argumenta que esse problema é resolvido com a elaboração dos elementos constituintes de sua abordagem – os funcionamentos e as capacitações –, os quais permitem relacionar a diversidade humana com a conversão dos bens em fins.

Em segundo lugar, Sen (1999f, p. 10) não investiga em profundidade o "acordo original" sobre os princípios particulares de justiça, ou seja, não aborda a forma rawlsiana de derivar justiça de equidade através do raciocínio público a partir da posição original. Somente mais tarde é que Sen (2009, 2008) propõe a análise crítica do contratualismo rawlsiano porque enfatiza a discussão pública como a base para as escolhas sociais, ainda que não delimite os procedimentos por meio dos quais o raciocínio público poderia ser conduzido. Sen argumenta a importância de procedimentos ou métodos de escolha social participatórios, mas é necessário também ponderar a capacitação dos indivíduos de tomar parte nesses exercícios de raciocínio público.

O requerimento de procedimentos para conduzir um processo de raciocínio público precisa ser também complementado com indivíduos críticos e autorreflexivos que superam o conceito de indivíduo da Economia tradicional. Célia Kerstenetzky (2000, p. 116) ressalta que Sen demanda uma noção de racionalismo mitigado – aceitação da existência de conflitos de valor ou dilemas morais –, e, por isso, precisaria ir além do ultrarracionalismo do contratualismo contrafactual de Rawls. Nesse sentido, é interessante investigar se a proposta rawlsiana poderia nos levar a uma noção de racionalidade necessária para o desenvolvimento do pensamento seniano no que se refere ao raciocínio público e à escolha social. Essa questão precisa ser discutida no sentido de se buscar uma visão alternativa de justiça, como a proposta por Sen (2009), que ainda esteja ligada às ideias de raciocínio público e da escolha social2. Como Kerstenetzky (2000) afirma, Sen precisa de um ser não tão racionalista como os que apoiam o utilitarismo e o contratualismo. Daí a necessidade de repensar a racionalidade individual ou o comportamento humano tanto quanto as normas e os contextos sociais ou condições de vida diferenciadas que podem influenciar os indivíduos e, consequentemente, o processo de decisão social através do exercício de raciocínio público.

Sen (2009), quando escreve a sua ideia de justiça, questiona o institucionalismo transcendental da teoria de Rawls. Mas é importante mencionar que a teoria rawlsiana tem suas fontes de atração. Uma delas é o fato de imaginar pessoas como racionalmente motivadas e que, sob as circunstâncias certas, elas optarão por instituições justas (Davis, 2011, p. 5). As circunstâncias certas, na teoria de Rawls, estão envolvidas com o dispositivo do véu de ignorância. Indivíduos racionais são autointeressados, mas o véu de ignorância força-os a serem mutuamente desinteressados e selecionar princípios de justiça que serão mais do que objetivos. Dessa forma, a justiça é o resultado da racionalidade – e do dispositivo do véu – e a atração da abordagem do institucionalismo transcendental é que fundamentalmente depende da visão de que os seres humanos são indivíduos racionais do tipo homo economicus definido pelos economistas (Davis, 2011).

Nessa linha de argumentação, Davis (2011) afirma que existem duas situações ligadas ao institucionalismo transcendental: uma voltada para o dispositivo do véu ser nada mais que uma tática, e outra que questiona diretamente a concepção de homo economicus. Sen enfatiza os indivíduos como seres capazes de raciocinar e de autor-reflexão; nenhum desses conceitos se encaixa na concepção de homo economicus, que representa indivíduos mecanicistas e reativos que respondem apenas para dadas disposições subjetivas (preferências) sobre as quais eles não têm comando (ibid., p. 5). Para Davis (2011), o conceito de individuo, isto é, o que são indivíduos para Sen, é central para entender sua abordagem "realization-focused comparison", que explica a justiça como uma imparcialidade obtida via processo de raciocínio público de pessoas capazes de deliberar e raciocinar sobre suas alternativas individuais e sociais no processo de escolha social.

O artigo objetiva desenvolver os argumentos senianos sobre escolha social tendo como ponto de partida a justiça como equidade de Rawls (1997) e a crítica recente de Sen (2009) a respeito da abordagem contratualista de justiça. Essa discussão tem como base o fato de que a proposta seniana não pode ser entendida sem a discussão da concepção de indivíduo, como enfatizado por Davis (2011)3, especialmente no que concerne ao comportamento comprometido e às identidades sociais formadas na identificação com os outros numa comunidade ou determinada classe social, como, por exemplo, na classe de trabalhadores, os quais podem ser usados no processo de escolha social, pois ressaltam as diversidades humanas e também os interesses mútuos.

Essa mudança na caracterização do comportamento humano – diferente da aceitação do comportamento racional maximizador − é importante para o desenvolvimento do raciocínio público nos processos de escolha social, bem como na formação dos valores sociais, uma vez que depende de pessoas reflexivas e reativas. O tratamento objetivo da justiça como equidade de Rawls, no que se refere aos seus argumentos de escolha social, pode ser de alguma ajuda nessa discussão. Porém, deve-se acrescentar a crítica de Sen no sentido de que seria mais interessante uma teoria da justiça não puramente contratualista, permitindo que uma pluralidade de princípios de justiça possa ser socialmente discutida via raciocínio público.

O artigo ressalta que o agir por comprometimento e as várias identidades sociais que os diferentes indivíduos estabelecem ao longo das suas vidas são formas de desenvolver o pensamento seniano no que se refere ao processo de escolha social via raciocínio público, sem necessitar do ultrarracionalismo contrafactual de Rawls, como ressaltado por Kerstenetzky (2000). Por isso que a ênfase deve ser dada à crítica de Sen ao pensamento de Rawls sobre justiça e raciocínio público como elementos importantes no processo de escolha social.

O artigo está dividido em duas partes. A primeira parte explora alguns pontos da teoria da justiça de Rawls por meio da discussão (i) da posição original no processo de escolha social dos princípios de justiça e (ii) do raciocínio público e indivíduos envoltos por um véu de ignorância. A segunda parte destaca (i) a crítica de Sen ao contratualismo rawlsiano, e (ii) ressalta a importância do raciocínio público e da escolha social com indivíduos críticos e comprometidos, que estabelecem identidades sociais no seu convívio em sociedade, os quais influenciam o processo de escolha social via participação pública. Por fim, são levantados alguns pontos sobre a possibilidade de discutir o processo de escolha social que não seja dependente do conceito de racionalismo estrito proposto na Economia.

 

2. A JUSTIÇA-COMO-EQUIDADE DE JOHN RAWLS

2.1. A POSIÇÃO ORIGINAL E A ESCOLHA DOS PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA

A justiça-como-equidade de John Bordley Rawls parte de uma posição original de igualdade, entendida como uma situação hipotética4. Nessa situação original, as diferentes pessoas racionais são concebidas como mutuamente desinteressadas, cujos julgamentos de valor não coincidem com seus próprios objetivos, como acontece na teoria econômica (Rawls, 1999, p. 12). Essa afirmação pode ser encontrada em Rawls (1958), quando especifica que "a man whose moral judgments always coincided with his interests could be suspected of having no morality at all" (Rawls, 1958, p. 173). Além disso,

... the guiding idea is that the principles of justice for the basic structure of society are the object of the original agreement. They are the principles that free and rational persons concerned to further their own interests would accept in an initial position of equality as defining the fundamental terms of their association. These principles are to regulate all further agreements; they specify the kinds of social cooperation that can be entered into and the forms of government that can be established. This way of regarding the principles of justice I shall call justice as fairness. (Rawls, 1999, p. 10)

A teoria rawlsiana, baseada em pessoas livres e racionais, é constituída de duas partes: (i) uma interpretação da situação inicial e do problema de escolha em tal situação, e (ii) um conjunto de princípios a ser adotado. Segundo Rawls (1999, p. 17), as pessoas na posição original são iguais em termos dos mesmos direitos no procedimento de escolha dos princípios de justiça. A proposta de Rawls é representar seres humanos como morais; como seres que têm uma concepção de bem e capazes de terem um senso de justiça. A base da igualdade é tomada como sendo a similaridade nos dois aspectos: a concepção de bem e o senso de justiça. Cada indivíduo é imaginado como tendo a habilidade de entender e agir sob quaisquer princípios adotados na posição original.

One may hold that the sense of justice is a necessary part of the dignity of the person. It is because of this dignity that the conception of justice-as-fairness is correct in viewing each person as an individual sovereign, as it were, none of whose interests are to be sacrificed for the sake of a greater net balance of happiness but rather only in accordance with principles with all could acknowledge in an initial position of equal liberty...In the absence of a sense of justice on everyone's part, there would be, it might be said, no objection to the utilitarian principle...One's conduct in relation to himself must be regarded by the principles of justice or, more generally, by the principles which rational and self-interested persons could acknowledge before one another in such a position. This conclusion differs from classical utilitarianism which holds that a capacity for pleasure and pain, for joy and sorrow, is sufficient for being a full subject of rights. (Rawls, 1963, p. 304-305)

Rawls, assim como Sen, era crítico do utilitarismo clássico5. Por isso, sua teoria da justiça não está baseada no argumento da maximização do autointeresse como única motivação da pessoa, e também não parte dos princípios da teoria da escolha racional6.

Rawls (1963, p. 304-305) criticou a visão utilitarista clássica devido à sua indiferença quanto à distribuição justa7: "and its reliance on a capacity for pleasure and pain, for joy and sorrow, as sufficient for being a full subject of rights". Além disso, argumentou que a visão utilitarista estende para a sociedade uma teoria da escolha que é estabeleci-da para o indivíduo, enquanto que a abordagem da "justiça-como-equidade" parte dos princípios de escolha social, que são objetos de um acordo original (Rawls, 1999, p. 25).

The striking feature of the utilitarian view of justice is that it does not matter, except indirectly, how the sum of satisfaction is distributed among individuals any more than it matters except indirectly, how one man distributes his satisfaction over time. Then, the most natural way of arriving at utilitarianism is to adopt for society as a whole the principle of rational choice for one man. (Rawls, 1999, p. 23-24)

Rawls enfatiza a importância das oportunidades da pessoa por meio da pressuposição dos dois princípios de justiça que caracterizam a necessidade de igualdade em termos dos "bens primários sociais" (Sen, 1999b, p. 364-365)8. Os dois princípios de justiça, tais como foram apresentados por Rawls na Tanner Lecture (escrita em 1981), são os seguintes9:

1. Each person has an equal right to a fully adequate scheme of equal basic liberties, which is compatible with a similar scheme of liberties for all.

2. Social and economics inequalities are to satisfy two conditions. First, they must be attached to offices and positions open to all under conditions of fair equality of opportunities. Second, they must be to the greatest benefit of the least advantaged members of society. (Rawls, 1995, p. 107)10

Para Sen (1999a, p. 365), o primeiro princípio mostra que as liberdades básicas têm prioridade sobre os bens primários; e o segundo mostra que eficiência, igualdade e vantagem individual são julgadas em termos de um índice de bens primários. Além disso, o segundo princípio admite a possibilidade de desigualdade na distribuição dos bens quando for para a vantagem do menos favorecido da sociedade – o princípio de diferença.

... the inequality is allowed only if there is reason to believe that the practice with the inequality, or resulting in it, will work for the advantage of "every" part engaging in it. This excludes the justification of inequalities on the grounds that the disadvantages of those in one position are outweighed by the greater advantage of those in another position. This rather simple restriction is the main modification Rawls wishes to make in the utilitarian principle as usually understood. (Rawls, 1958, p. 168)

Segundo Rawls (1997), o princípio de diferença tenta estabelecer bases objetivas para as comparações interpessoais de dois modos11. Primeiro, como é possível identificar o homem representativo menos favorecido, só são necessários julgamentos ordinais do bem-estar; nunca será preciso calcular uma soma de vantagens que envolva uma medida cardinal, como no utilitarismo clássico. Segundo, o princípio de diferença simplifica a base das comparações interpessoais, que são feitas em termos de expectativas de bens sociais primários12. As expectativas são definidas como a lista ordenada desses bens que um indivíduo representativo pode almejar (Rawls, 1997, p. 97).

O princípio de diferença, em sua forma mais simples, define que as desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas de modo a serem, ao mesmo tempo, (a) para o maior benefício dos menos favorecidos e (b) vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condição de igualdade de oportunidades. Com isso, Rawls, para estabelecer a hierarquia das condições dos indivíduos, troca o axioma da ordenação pela soma do utilitarismo, entendido como o critério de que a desejabilidade de certa situação seja ranqueada de acordo com a soma total das utilidades dos indivíduos participantes nessa situação pelo axioma do maximin (maximizar o mínimo), ou seja, a melhor distribuição para os menos favorecidos. Porém, Rawls (1997, p. 88-89) evita a denominação "critério de maximin". Segundo ele, tal critério é entendido como uma regra para escolha em condição de incerteza, enquanto o princípio de diferença é um princípio de justiça na posição original. Este último é um critério muito especial: aplica-se em primeiro lugar à estrutura básica da sociedade através de indivíduos representativos cujas expectativas devem ser estimadas mediante uma lista ordenada de bens primários.

Contudo, o axioma do maximin não funciona se o menos favorecido é indiferente diante de duas distribuições de bem-estar. Nesse caso, Sen (1998a) sugere definir a forma lexicográfica do critério de distribuição conhecido como o axioma do leximin. Levando em conta o utilitarismo e seguindo o critério acima, se os níveis de utilidade dos indivíduos em pior situação (os "últimos" na escala social) forem os mesmos num par de situações que está sendo comparado, então esse par pode ser ordenado pelo nível de utilidade dos segundos indivíduos em situação pior (os "penúltimos"). Se eles se igualarem, então o nível de utilidade relevante será o do terceiro pior (os "antepenúltimos"), e assim por diante. Sen (1999e, p. 101) deriva axiomaticamente a regra do maximin lexicográfico de Rawls, e nota que os resultados encontrados não dão razão para discordar das próprias conclusões de Rawls no que se refere à sua teoria. Esta conclusão assume que a teoria da ordem serial apresentada por Rawls oferece alternativa à visão utilitarista, o que lhe assegura um lugar de destaque na filosofia moral.

Apesar da similaridade entre os critérios do maximin e do leximin, Sen (1998a, p. 278-280) enfatiza que a diferença está na base informacional que é fornecida para os julgamentos morais e de valor entre a versão dos bens primários e o princípio de diferença de Rawls e a regra de leximin baseada na utilidade. No caso da regra de leximin apropriada pelo utilitarismo, a reivindicação de uma pessoa que pede um volume maior de bens está relacionada com a piora na sua situação em termos de bem-estar; enquanto que, na versão puramente rawlsiana, tal reivindicação está ligada com a menor quantidade de bens primários que a pessoa possui em relação às outras pessoas. O princípio de diferença mostrar-se-ia mais interessante, posto que evita a possibilidade de conceder mais renda para as pessoas que exigem bens caros (ou supérfluos) para a satisfação dos seus desejos.

Porém, Sen (1998a, p. 280) destaca que essa impossibilidade de conceder mais renda para as pessoas de gosto caro é estabelecida ao custo de não considerar, para efeitos de distribuição dos bens primários, as pessoas com necessidades especiais. Ou seja, o problema que Sen aponta na ênfase rawlsiana sobre os bens primários é que essa não seria uma base suficiente para se julgar a igualdade – o equalizandum –, uma vez que não considera problemas como a deficiência física que pode afetar a justiça distributiva. Em vista disso, Sen argumenta que a igualdade poderia ser discutida numa base informacional que considere também a relação entre os bens primários de Rawls e os diferentes indivíduos – a dos funcionamentos e das capacitações. Isso porque ele defende que necessidades, tais como as das pessoas fisicamente deficientes, podem não possibilitar a melhora nas situações desses indivíduos, mesmo diante da distribuição igualitária dos bens primários.

Vita (1999) contraria o argumento de Sen sobre a falta de atenção de Rawls à questão das pessoas com necessidades especiais, e salienta que é preciso destacar por que Rawls supôs que as comparações interpessoais de quinhões distributivos deveriam ser feitas com base em bens primários. Vita (1999, p. 483-487) observa que, na formulação inicial de Rawls dessa ideia, ele estava preocupado em mostrar que a defesa dos bens primários não se apoiava em nenhuma concepção abrangente do bem ou visão metafísica, mas, sim, em uma similaridade parcial entre as concepções do bem e os planos de vida dos indivíduos. Os bens primários foram entendidos como recursos institucionais do que seria racional uma pessoa preferir, quaisquer que fossem seus outros fins. Além disso, Vita destaca que o foco em bens primários poderia simplificar as comparações interpessoais, pelo menos em relação ao welfarismo, já que essas comparações são desnecessárias às avaliações de bem-estar social. "Estas avaliações deveriam ter por objetivo comparar o acesso a esses recursos institucionais, e não os níveis de êxito ou de felicidade alcançados pelos indivíduos ao colocá-los a serviço de seus planos de vida e fins" (Vita, 1999, p. 484).

A interpretação de Vita é ressaltada no sentido de explicitar que a influência de Rawls sobre a perspectiva de Sen é justamente a possibilidade de se fazer as comparações das vantagens das pessoas usando o que foi denominado por Rawls de recursos institucionais em vez de usar as métricas mentais subjetivas do desejo ou da felicidade. Além disso, Rawls parece influenciar Sen no que se refere à possibilidade de escolha social via participação pública.

Os princípios particulares de justiça rawlsiano, tanto quanto suas derivações – o princípio de diferença –, têm recebido muitas críticas. Porém, o ponto principal desse artigo é enfatizar a importância em todo o desenvolvimento do argumento rawlsiano no que tange aos princípios de justiça do raciocínio público e da escolha social, e não da validade ou do uso dos princípios em si mesmos. O interesse aqui, para seguir os argumentos de Rawls (1953) no que se refere à posição original, não é uma investigação metafísica ou ontológica, mas, sobretudo, de caráter político, econômico e social. O aspecto relevante e que precisa de maior consideração é o entendimento de como Rawls deriva sua concepção de justiça-como-equidade através do raciocínio público usando a pressuposição da posição original e de outros mecanismos semelhantes.

2.2. RACIOCÍNIO PÚBLICO VS. VÉU DA IGNORÂNCIA

O modelo teórico de Rawls consiste em chegar aos princípios de justiça usando a posição original e o véu de ignorância. Na posição original, os indivíduos morais e responsáveis agem e escolhem os princípios de justiça sem ter o conhecimento de qual posição ocuparão na sociedade depois de feita tal escolha. Ou seja, os indivíduos não escolhem de acordo com as possíveis posições ex post que terão na sociedade, uma vez que são envoltos em um véu que os impede de saber ex ante como ficarão após a escolha dos princípios de justiça.

A confiança de Rawls na possibilidade de se chegar a princípios de justiça usando apenas a pressuposição da ignorância desperta críticas. Uma delas enfatiza que as normas de justiça de Rawls não poderiam ser preenchidas na prática na ausência de identidade social, uma vez que existe uma relação entre os princípios de justiça e as demandas de afeição e afiliação. Porém, Sen (1999f) destaca que essa crítica não afeta in totum a relevância das normas de justiça de Rawls. Sen (ibid., p. 12) argumenta que o compromisso afetivo – como o destacado na crítica acima – poderia ser um importante aliado da justiça dentro da comunidade, ainda que a justiça não possa depender somente disso, uma vez que a interação social envolve, inescapavelmente, pessoas não ligadas por laços de afeição. Daí se depreende a necessidade de se conectar os princípios de justiça de Rawls a políticas públicas, regras sociais e normas comportamentais (ibid, p. 12).

Porém, ao explicar como os princípios de justiça são escolhidos, quando as pessoas são imaginadas sob um véu de ignorância na posição original, Rawls (1971) afirma que estes princípios seriam a escolha anônima deles.

To begin with, it is clear that since the differences among the parties are unknown to them, and everyone is equally rational and similarly situated, each is convinced by the same arguments. Therefore, we can view the choice in the original position from the standpoint of one person selected at random. If anyone after due reflection prefers a conception of justice to another, then they all do, and a unanimous agreement can be reached. (Rawls, 1971, p. 139)

Sen (1983, 1992) admite que, em alguma medida, sua abordagem da capacitação tem influência da concepção de Rawls acerca das oportunidades e vantagens dos indivíduos. Além disso, a abordagem seniana também deve ser entendida como uma extensão de Rawls no que se refere ao raciocínio público e à escolha social dos princípios de justiça.

DeMartino (2000, p. 109) questiona a asserção de Sen sobre a compatibilidade da igualdade de capacitações e o princípio de diferença de Rawls, ou seja, a ideia de que os funcionamentos podem ser desigualmente distribuídos quando pessoas com o menor conjunto imaginável de capacitações forem beneficiadas. DeMartino argumenta que a abordagem da capacitação de Sen não pode atender o autointeresse dos que estão em piores situações, uma vez que "a determination that inequality helps those worst-off is difficulty to make; at worst, the difference principle invites 'self-serving' justifications for inequality from those who gain thereby" (2000, p. 94).

Essa crítica parece voltada para a concepção política de justiça de Rawls. Sen, com efeito, aborda as concepções contratualistas de Rawls, mas está mais interessado na ênfase do raciocínio público e da escolha social de uma forma que incorpore a informação a respeito da identidade social das pessoas.

Sen (2002, p. 368) nota que o véu de ignorância de Rawls pode representar uma restrição informacional, pois exclui a informação a respeito da identidade social das pessoas. Ao supor princípios particulares de justiça, a partir da situação original hipotética, na qual indivíduos agem sob um véu de ignorância, Rawls estabelece normas particulares de justiça. O que Sen quer denotar é o fato de que as pessoas são capazes de usar suas diferentes motivações (identidades) para agirem em comprometimento com outras na sociedade, com quem elas se identificam, e isso pode influenciar a forma de raciocínio público no processo de escolha social de princípios de justiça rivais.

Sen (1999f, p. 27) requisita o reconhecimento da necessidade de escolha raciocinada na teoria rawlsiana. Em outras palavras, Sen questiona o poder de cobertura da posição original e de suas implicações para o entendimento de justiça tanto quanto suas consequências práticas. No entanto, Sen também alerta que a escolha raciocinada não pode ser aceita apenas por conformação sem uma reflexão crítica. Nesse sentido, mover-se entre escolha e reflexão crítica é importante não apenas para os reformadores, mas também para os tradicionalistas que resistem às reformas (ibid., p. 26). Com efeito, Sen realça que a razão desempenha um papel anterior ao da identidade, mas também ressalta que é importante considerar a influência da identidade social, desde que não seja descartado o papel do raciocínio e da escolha sobre as próprias identidades sociais e sobre as normas de justiça.

 

3. A CRÍTICA DE SEN E A POSSIBILIDADE DE ESCOLHA SOCIAL

3.1. A JUSTIÇA RAWLSIANA E O RACIOCÍNIO PÚBLICO

O ponto de partida da argumentação seniana é a sua luta contra a visão da economia de bem-estar tradicional, cujo fundamento ético é o utilitarismo. É com base na crítica dessa visão, e com a influência recebida da teoria da justiça de John Rawls, que Sen desenvolve sua perspectiva normativa do desenvolvimento como um processo de expansão das capacitações humanas.

Segundo Sen (1999b, p. 86), o mérito principal de Rawls é o seu foco na liberdade individual e nos recursos necessários para a liberdade substantiva. A teoria da justiça de Rawls, principalmente sua evidência nos bens primários, difere do utilitarismo por estar mais relacionada às oportunidades que as pessoas possuem do que ao uso realizado (ou resultados) dessas oportunidades. Como Sen e Williams (1983, p. 19) ressaltam, Rawls "has supported his focus on 'primary goods' by linking such goods with the opportunities offered, taking the use citizens make of their rights and opportunities as their own responsibility, since they are 'responsible for their ends'". A abordagem rawlsiana transforma o modo de se pensar as diferenças individuais na conversão de meios em fins. Muda o foco de nossa atenção com relação às desigualdades, antes centradas na renda e nas realizações, para as oportunidades reais e liberdades – uma ampliação na informação para a liberdade individual (Sen, 1992, p. 86). As principais dificuldades com o welfarismo e a sua métrica mental para a avaliação de bem-estar baseada nas diferentes interpretações de utilidade não se aplicam à teoria de Rawls, pois ela representa um movimento na direção de um critério mais objetivo para o bem-estar (Sen, 1999b, p. 365; 1985, p. 196).

A argumentação rawlsiana sobre os bens primários provê um espaço mais amplo para os julgamentos morais e de valor, e mostra ainda o problema com as variações inter-ends no relacionamento entre meios e fins. Falha, contudo, segundo Sen, ao não reconhecer que essas variações ocorrem também entre indivíduos – variações interindividuais – e no tratamento mais apropriado da diversidade humana em função de características físicas e sociais diferenciadas. Sen considera não apenas as oportunidades das pessoas, mas também como elas poderão ser usadas para que as pessoas atinjam seus fins mais valorados. Ou seja, "it fails to take into account the wide variations that people have in being able to convert primary goods into good living" (Sen, 2008, p. 334). Por isso, Sen (1999b, p. 74) defende que a liberdade é diferente como um meio dos fins que ela mesma representa, o que implica um espaço informacional adequado das liberdades substantivas – as capacitações – de escolher a vida que a pessoa deseja levar, e não das utilidades nem o dos bens primários.

Sen, ao elaborar sua abordagem da capacitação, parece resolver parte do que ele considerou ser a desatenção de Rawls para a diversidade humana, uma vez que os funcionamentos e as capacitações têm por objetivo capturar as diferenças entre as pessoas para enriquecer a discussão sobre bem-estar e desenvolvimento. Porém, Sen não tratou nessa ocasião da estrutura rawlsiana de derivar justiça de equidade com a posição original e indivíduos agindo sob o véu de ignorância; não discutiu a situação ideal a partir da qual Rawls elabora sua teoria da justiça.

Recentemente, Sen (2009, 2008) criticou o conceito de justiça de Rawls destacando duas linhas de pensamento sobre justiça. A primeira delas, ligada aos pensadores Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant, se concentra em identificar os arranjos sociais justos, tomando como principal tarefa da teoria da justiça a caracterização das instituições "justas". Como representante mais moderno desta linha de pensamento, está John Rawls e a sua teoria da justiça, constituindo um contrato social no qual se supõe que a população de um país independente faça parte.

Sen (2008) argumenta que a diferença empreendida por Rawls nesta abordagem é que ele parte das demandas de equidade para chegar aos seus princípios de justiça.

This he did through the device of a hypothetical "original position" of primordial equality when the parties involves have no knowledge of their respective personal identities within the group as a whole. They have to choose, under this "veil of ignorance", what exact rules should govern the society they are, as it were, about to "create". Rawls tries to get rid of selfish reasoning in the derivation of principles of justice through a hypothetical exercise, but the overwhelming motivation is to harvest the mutual benefits from cooperation in that imagined original position. (Sen, 2008, p. 335)

Sen concentra sua crítica na ideia de que a cooperação social decorreria de obrigações mútuas, uma vez que os benefícios conjuntos têm se tornado o ponto central nas teorias da justiça do mainstream. O que está em discussão aqui é o plano básico da motivação para a ação, ou seja, a motivação seria resultado de uma obrigação mútua para a cooperação ou de uma obrigação de poder efetivo.

Para exemplificar, Sen (2008) comenta uma analogia de Gautama Buddha com a responsabilidade de uma mãe para com o seu filho; a responsabilidade não decorre porque ela deu à luz a criança, mas porque ela pode fazer coisas que influenciarão a vida do filho que ele por si só não seria capaz de fazer. A questão aqui é a razão para a ação da mãe, que não é guiada pelas recompensas da cooperação, mas, sim, pelo reconhecimento de que ela pode, assimetricamente, fazer coisas pela criança que efetivamente farão uma grande diferença na vida dela.

A segunda perspectiva de justiça enfatizada por Sen remonta ao pensamento de Adam Smith, Marquês de Condorcet, Karl Marx e John Stuart Mill, na aceitação de uma variedade de abordagens que partilham o interesse comum de fazer comparações entre diferentes formas de vidas, que podem ser influenciadas pelo trabalho das instituições e pelo comportamento real das pessoas e suas interações sociais. Sen ainda afirma que a disciplina da "teoria da escolha social" está assentada neste segundo modo de conceituar justiça. Neste modelo alternativo, não se inicia a argumentação perguntando como se pareceria uma sociedade perfeitamente justa, mas, sim, quais injustiças poderiam ser removidas, ainda que possam ser deliberadas em um contrato.

Uma das limitações da abordagem do contrato social na posição original é uma injustificada convicção de que poderia haver somente uma combinação precisa de princípios que formaria o contrato – necessário para esta abordagem porque ela trabalha na identificação de uma combinação de instituições sociais ideais fundadas nesses princípios. A alternativa da abordagem da escolha social permite a possibilidade de uma pluralidade de princípios rivais, cada um com diferentes status, submetidos a exame crítico. É muito importante examinar criticamente todos os princípios que nos são apresentados; alguns deles podem ser rejeitados em uma investigação, mas mais de um pode realmente perdurar sobre a base de sua justificação.

O ponto central na discussão de justiça de Sen, e que interessa ao objetivo deste artigo, é a participação pública e crítica no processo de escolha social sobre possíveis ordenações de demandas de justiça. Nesse sentido, Sen recupera Adam Smith sobre a necessidade da imparcialidade – a visão do espectador imparcial smithiano13. O exercício de invocar o espectador imparcial demanda o reconhecimento de vozes distantes (países, culturas, e não apenas fatores locais), e isso não requer que sejamos respeitosos a todos os argumentos que venham de fora; podemos rejeitar a maioria deles, às vezes até todos, mas ainda persistirão casos particulares de raciocínio que poderão fazer-nos reconsiderar nosso próprio entendimento e visão ligados com experiência e convenções estabelecidas em um dado país ou cultura diferente da nossa.

Sen (1998) tem em vista não apenas a ampliação do espaço informacional usado para os julgamentos morais e de valor promovida por Rawls, mas também a pressuposição do véu de ignorância que subjaz o argumento da posição original para a escolha "social" dos princípios particulares de justiça. Essa pressuposição acredita na racionalidade e responsabilidade individual de forma que os indivíduos originais, e não reais, conforme enfatizado por Kolm (2000), cheguem a um consenso sobre princípios de justiça. Sen (2009) parte de uma concepção de justiça guiada pela sua abordagem do desenvolvimento como liberdade a la justiça como equidade de Rawls, mas baseada numa perspectiva aristotélica de avaliação de vida das pessoas (funcionamentos e capacitações). Por isso, defende a possibilidade da participação pública na escolha social dos princípios plurais de justiça que possam coexistir na sociedade.

Seguindo a perspectiva da capacitação (Sen, 1982; 1985a, p. 181; 1999b, p. 76-78), as ações dos indivíduos podem e devem ser valoradas, o bem-estar de uma pessoa pode ser entendido em termos de sua qualidade de vida, e viver pode ser avaliado por um conjunto de funcionamentos inter-relacionados. O conceito de funcionamento tem raiz aristotélica e reflete as coisas que a pessoa valora fazer e ser (Sen, 1999b, p. 74-76). Para Sen (1992, p. 40), a capacitação – o que uma pessoa pode ser e fazer –, caracterizada pelas várias combinações de vetores de funcionamentos que uma pessoa pode realizar, representa a liberdade de levar o tipo de vida que tem razão para levar. O conjunto de capacitações pode ser exemplificado como uma aproximação ao "conjunto orçamentário" no espaço dos bens, que representa a liberdade da pessoa comprar uma cesta de produtos, porém refletindo a liberdade de a pessoa escolher dentre os tipos de vida possíveis. Ou seja, "the capability set gives us information on the various functionings vectors that are within the reach of a person, and this information is important – no matter how exactly well-being is characterized" (Sen, 1992, p. 41-42).

O interessante é que, para Sen (1999, p. 78; 1997b, p. 397), a seleção de funcionamentos "valorados" – um exercício de avaliação – pode ser resolvida por meio da avaliação equilibrada a priori. O exercício avaliativo deve considerar a habilidade das pessoas de empreender um raciocínio dedutivo e deliberativo (Sen, 2002, Cap. 1). "The need for reasoned scrutiny applies not only to accommodating moral and political concerns in personal choices and in social living, but also in incorporating the demands of prudence" (Sen, 2002, p. 47). Quando Sen não define a priori uma lista de quais funcionamentos e capacitações seriam prioritários, é porque quer denotar a possibilidade de selecionar os funcionamentos mais importantes para as pessoas nas suas diferentes situações.

Para Sen (1999b, p. 78; 1997, p. 397), o ordenamento e a seleção de funcionamentos valorados – um exercício de julgamento – pode ser resolvido por meio de uma avaliação cuidadosamente considerada14. A ordenação dos funcionamentos e capacitações não precisa ser completa, mas parcial, de maneira que informe, não a melhor das alternativas, mas aquelas sobre as quais foi possível obter um "consenso deliberativo" das pessoas envolvidas na avaliação. A abordagem da capacitação seniana é deliberadamente incompleta, ou seja, aceita o uso de ordenamentos parciais (ou acordos parciais), ao invés de ordenamentos completos, para a seleção e comparação de funcionamentos e capacitações15.

Em vista disso, Sen (1999b, p. 253-254) ressalta a importância de reconhecer que os arranjos sociais acordados e as políticas públicas adequadas não requerem a existência de um ordenamento social único que estabeleça um ranking completo de todas as possibilidades sociais alternativas16. "Indeed, the insistence on the completeness on judgments of justice over every possible choice is not only an enemy of practical action, it may also reflect some misunderstanding of the nature of justice itself " (ibid., p. 254).

Ainda no que se refere à questão do ordenamento dos funcionamentos e capacitações, a seleção dos pesos dos diferentes funcionamentos depende da finalidade da análise; se o exercício envolver uma única pessoa, ela selecionará os pesos para os funcionamentos usando mais a reflexão pessoal do que o consenso (acordo interpessoal). Se a finalidade está voltada para os estudos sociais da pobreza, onde é importante chegar a uma escala de pesos para a avaliação social, existirá algum tipo de consenso deliberado sobre os pesos. Isso requer um acordo interpessoal envolvendo a discussão pública e a compreensão democrática (Sen, 2002, cap. 2; 1999b, p. 78-79)17. Além disso, esse exercício de escolha social que os indivíduos fazem permite a formação de valores sociais.

...the exercise of freedom is mediated by values, but the values in turn are influenced by public discussions and social interactions, with are themselves influenced by participatory freedoms. Each of these connections deserves careful scrutiny. (Sen, 1999b, p. 9)

Sen ainda destaca que "many of the more exacting problems of the contemporary world – varying from famine prevention to environmental preservation – actually call for value formation through public discussion" (2002, p. 290). Existe, portanto, uma necessidade particular, em tais contextos, de examinar como a formação dos valores ocorre a partir da discussão pública das situações que criam miséria, a fim de gerar a simpatia e o comprometimento por parte dos cidadãos para fazer algo para impedir sua ocorrência (ibid., p. 285). Por isso que Sen (2002, 1999b) insiste na formação de valores sociais dependente de uma combinação de democracia, imprensa livre e educação básica.

Sen (1999d, p. 10) distingue diferentes maneiras de a democracia enriquecer a vida dos cidadãos. Primeiro, a liberdade política é parte da liberdade humana em geral, e a participação política e social tem importância intrínseca para a vida humana e o bem-estar. Segundo, a democracia tem um valor instrumental quando possibilita que as pessoas expressem suas reivindicações. Terceiro, a prática da democracia fornece aos cidadãos uma oportunidade de aprender uns com os outros, e ajuda a sociedade a formar seus valores e prioridades. Até a ideia de necessidades, incluindo o entendimento sobre as "necessidades econômicas", requer a discussão pública e a troca de informações, visões e análises. A democracia tem, também, uma importância construtiva em adição ao seu valor intrínseco para a vida dos cidadãos e sua importância instrumental nas decisões políticas18.

As sociedades democráticas, especialmente quando deliberativas por natureza, oferecem o melhor caminho para se alcançar o enriquecimento da vida das pessoas. Mas, o raciocínio público democrático sozinho não é suficiente. Para Sen (2009, p. 13), é necessário também uma convicção comum de que o processo de raciocínio público é justo e imparcial, como Rawls tinha originalmente argumentado quando caracterizou justiça como equidade (Rawls, 1958), e como Adam Smith (1759), na Teoria dos Sentimentos Morais, com sua ideia de espectador imparcial aberto a ver coisas de qualquer ponto de vista. No final das contas, é o senso de imparcialidade das pessoas que lhes permite aceitar resultados que não estão a seu favor e que não empregam os princípios e valores que elas acreditam estarem corretos.

Sen (1999, p. 30) ressalta que a justiça poderia ser entendida, não como um planejamento algorítmico, mas como uma forma de pensamento político que ajuda a clarificar as demandas éticas com as quais se deparam as pessoas e as associações de grupo. Sen argumenta que precisamos entender a justiça, não em termos de sistemas ideais independentes do tempo – institucionalismo transcendental –, mas em termos da prática de alcançarmos um "acordo, baseado no raciocínio público, sobre a ordenação de alternativas que podemos realizar" (Sen, 2009, p. 7 e p. 17). O argumento de Sen para esta direção proposta retorna e estende sua abordagem de "ordenação parcial" mais antiga para a teoria da escolha social, que explica a escolha em conexão com duas formas importantes de incompletude: "unbridgeable gaps in information and judgmental unresolvability" (Sen, 2009, p. 103; 1970).

Para ele, então, abordagens transcendentais de justiça, tal como ele encontra em Rawls e na tradição contratualista, geralmente não são nem suficientes nem necessárias para explicar o processo de decisão: não são suficientes porque não alcançam um padrão ideal de justiça, e pouco nos informam sobre as escolhas concretas que fazemos no que se refere a resultados justos; não são necessárias porque frequentemente fazemos julgamentos comparativos sobre o que é justo, sem apelar para padrões ideais de justiça (Sen, 2009, p. 98).

Isso nos dá motivos adicionais para conceder importância às capacitações elementares tais como escrever, ler, estar bem informado e ter chances realistas de participar livremente no processo de decisão social. Para Sen (2004), o teste último é a liberdade que o cidadão tem de exercitar sua condição de agente e de participar no processo de escolha de uma forma informada19. Tudo isso, contudo, está relacionado a indivíduos socialmente comprometidos e influenciados por diferentes identidades sociais.

3.2. INDIVÍDUOS COMPROMETIDOS E AS IDENTIDADES SOCIAIS

Sen (2002, 1999b, 1999a, 1998ª, 1991, 1987a) critica as diferentes interpretações de racionalidade humana na Economia; elas refletem uma representação equivocada do comportamento humano, especialmente no que diz respeito às decisões econômicas. Para Sen (1977a), se for aceito que os indivíduos são unicamente racionais quando expressam seu interesse próprio, eles seriam nada mais do que tolos racionais porque não saberiam agir em diferentes situações com distintos critérios, faltando-lhes liberdade de pensamento. O argumento principal de Sen é que alguns motivos, como o que ele define como compromisso ou comprometimento – "the concern for other people's situation even when this would lead to a predictable worst situation for the person so concerned"– deveriam ser parte do comportamento econômico20.

Debatendo com a visão de que o ser humano age exclusivamente movido pelo autointeresse, aceita pela teoria econômica, Sen destaca que o bem-estar dos outros também contam (ou podem contar) nas considerações que levam as pessoas a agirem. Sen (2002, p. 35-36; 1999b, p. 270-272; 1999a, p. 91) afirma que essa preocupação pode estar movida por duas atitudes distintas: a simpatia e o comprometimento. A simpatia se refere à situação na qual o bem-estar da pessoa é afetado negativamente em vista da miséria e do infortúnio da outra pessoa e pode ser acompanhado, por exemplo, pelo sentimento de depressão (Sen, 1999a, p. 8). Comprometimento, no entanto, quebra o link entre o bem-estar individual e a escolha da ação do próprio indivíduo; mostra a ação de uma pessoa para remover a miséria da outra sem que o indivíduo que age esteja sofrendo pessoalmente diante de tal miséria. Se o que leva uma pessoa a reagir contra algo (como a tortura, a fome e a injustiça) é o fato de que esse algo a impede de dormir tranquila ou de aproveitar a vida, ela age por simpatia. Todavia, se esse algo não afeta a própria pessoa, mas atinge seus princípios morais, ela age por comprometimento. Sen (1999a, p. 102) nota que o comprometimento tem fundamento em julgamentos morais válidos socialmente, sendo relevante não apenas para observar a escolha real da pessoa, refletindo sua preferência, mas também para pensar sobre o papel da introspecção e da comunicação por meio da discussão pública ou da interação social.

Ainda nessa discussão sobre a importância das diferentes motivações das pessoas, Sen (2002, p. 33) introduz o sentido de self em termos de autoescrutínio. Sen acredita que o alcance da consciência de nós mesmos (ourself), compreendido como a capacidade de raciocinar e empreender autorreflexão, não se restringe à maximização do nosso autointeresse. Uma pessoa não age apenas porque simpatiza com as outras, mas porque tem motivos não restritos ao seu próprio bem-estar. Ou seja, uma pessoa que age por comprometimento não é influenciada pelos efeitos negativos da situação de outra pessoa sobre o seu próprio bem-estar. Além do agir por comprometimento, as pessoas agem motivadas por suas diferentes identidades sociais estabelecidas ao longo de suas vidas.

Além dos motivos simpáticos e do comprometimento moral, o conceito de bem-estar de uma pessoa pode ser influenciado pela posição de outras pessoas na sociedade, isto é, ela pode agir por comprometimento formado nas relações sociais. Sen (2002, p. 215-217; 1998b, p. 4) mostra o papel das diferentes identidades que podem influenciar nossa visão de nós mesmos e a forma pela qual entendemos nosso bem-estar, objetivos e obrigações comportamentais. A busca de objetivos privados pode ser comprometida pelo reconhecimento dos objetivos de outras pessoas com quem nos identificamos. É possível, portanto, desconectar a escolha da ação da pessoa da perseguição exclusiva do objetivo próprio, o que pode ser feito por meio de regras sociais de conduta que não seguem necessariamente as ordens do objetivo da maximização do autointeresse.

Sen (2002) enfatiza a relação entre a racionalidade e a diversidade de razões que motivam as escolhas individuais e sociais. O indivíduo não se preocupa apenas com seu consumo ou seu próprio bem-estar, mas também considera seus valores e escolhe à luz deles (ibid., p. 36). Mais ainda, o conceito que uma pessoa tem de seu próprio bem-estar pode ser influenciado pela posição de outras pessoas na sociedade, de maneira que se pode ir além de apenas se simpatizar com o outro. A pessoa pode agir por comprometimentos estabelecidos nos relacionamentos sociais com os outros. Sen (2002, p. 215; 1999c) aponta para a importância das diferentes identidades, tais como aquelas fornecidas pela comunidade e pela classe social, que podem ser cruciais para a nossa opinião sobre nós mesmos e para como entendemos nosso bem-estar, objetivos e obrigações comportamentais. A procura de objetivos privados por uma pessoa pode estar, então, comprometida com o reconhecimento dos objetivos dos outros com quem ela se identifica21. Isso possibilita desconectar a escolha das ações da procura dos objetivos próprios da pessoa, como se verifica, por exemplo, quando ela segue regras sociais de conduta que não podem ser interpretadas como sendo ordens do objetivo de maximização (Sen, 2002, p. 217).

Sen tem ressaltado a possibilidade de um exercício de escolha social, que por sua vez está baseado sobre uma caracterização mais ampla de racionalidade ou de comportamento humano. As várias identidades sociais que as diferentes pessoas estabelecem ao se identificarem com outras pessoas ou grupos delas pode ser uma forma de superar (i) as dificuldades com a visão de indivíduos entendidos como ilhas autointeressadas e (ii) a concepção política de uma pessoa como cidadã de uma nação que pode afastar todas as concepções e consequências comportamentais de outras formas de associação de grupo (Sen, 1999f, p. 30).

Além disso, Sen ressalta que as diferentes identidades que estabelecemos são problemas de escolha e não de mera descoberta (ou acaso), e que o raciocínio deliberativo desempenha um importante papel nesse processo. É importante considerar a diversidade de razões que estão por trás de nossas escolhas de identidades, valores sociais ou normas de justiça. "Choices do exist; the possibility of reasoning does too; and nothing imprisons the mind as much as a false belief in as unalterable lack of choice and the impossibility of reasoning" (Sen, 1999f, p. 27). Essas razões, entretanto, não são exclusivamente autointeressadas; estão relacionadas com o comprometimento das pessoas, que pode ser entendido como um resultado das relações sociais que elas estabelecem na vida em sociedade. Por outro lado, Sen também ressalva que essas relações sociais não são baseadas única e exclusivamente em afeição, o que requer a existência de normas de comportamento social ou de princípios de justiça. "Justice is important, and has to go much beyond the domain of communal affection" (ibid, p. 13).

Uma forma de funcionar o sentido de identidade é fazer os membros de uma comunidade aceitar certas normas de conduta como parte de um comportamento obrigatório perante outras pessoas da comunidade. Isso não é uma questão de perguntar a todo o momento o que eu ganho com isto, ou como minhas próprias metas são alcançadas deste modo, mas aceitar certos padrões de comportamento perante os outros. De fato, a aceitação de regras de conduta para com outras pessoas com as quais nos identificamos é parte de um fenômeno comportamental geral de agir conforme regras fixas sem seguir os ditados do goal-maximization (Sen, 1985, p. 350).

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem da capacitação de Amartya Sen pode ser entendida como uma extensão do entendimento de John Rawls no tocante ao critério objetivo de avaliar o bem-estar. A teoria da justiça de Rawls não está baseada no argumento da maximização do autointeresse como única motivação da pessoa, e também não parte dos princípios da teoria da escolha racional. Além disso, enfatiza a importância das oportunidades da pessoa por meio da pressuposição dos dois princípios de justiça que caracterizam a necessidade de igualdade em termos dos bens primários sociais. O próprio Sen admite que, em alguma medida, sua abordagem da capacitação tem influência da concepção de Rawls acerca das oportunidades e vantagens dos indivíduos. Por isso, o título de uma de suas obras ser "desenvolvimento como liberdade" a la "justiça-como-equidade" de Rawls.

No entanto, no que se refere à concepção de justiça, Sen propõe uma visão focada na possiblidade de comparação entre princípios plurais de justiça, e com isso critica a visão rawlsiana de uma perspectiva puramente contratualista. Sen, assim como Rawls, enaltece um caminho participativo e deliberativo para um acordo sobre princípios de justiça. Contudo, a ideia de justiça de Sen parece complementar o modelo teórico rawlsiano ao destacar a participação pública de indivíduos comprometidos no processo de escolha social.

O véu de ignorância na posição original da teoria da justiça de Rawls acaba sendo uma restrição informacional, uma vez que exclui informação a respeito da identidade social das pessoas. Ao supor princípios particulares de justiça a partir de uma situação original hipotética, na qual indivíduos racionais agem sob o véu de ignorância, Rawls estabelece normas particulares de justiça. Uma das limitações da abordagem do contrato social na posição original é uma injustificada convicção de que poderia haver somente uma combinação precisa de princípios que formaria o contrato. Já na visão alternativa de justiça discutida por Sen, existe a possibilidade de uma pluralidade de princípios rivais, cada um com diferentes status, submetidos a exame crítico.

Em conclusão, a abordagem seniana de escolha social pode ser entendida como uma forma de complementar a teoria da "justiça-como–equidade" de Rawls. O processo delineado por Rawls permite a possibilidade de participação pública, mas parece valer a preferência agregada dos indivíduos originais por determinados princípios particulares de justiça definidos a priori. Sen defende a participação pública via discussão crítica de princípios rivais de justiça que possam coexistir na sociedade e que serão avaliados por indivíduos críticos e comprometidos, e não por indivíduos racionais do tipo homo economicus.

 

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Artigo recebido em 13/01/2011 e aprovado em 16/08/2012.

 

 

1 Artigo apresentado no XIII Encontro Regional de Economia da Região Sul (ANPEC Sul 2010), realizado de 11 a 13 de agosto de 2010 na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
2 Kolm (2000, p. 238-239) chama a atenção para a diferença na escolha na posição original entre indivíduos originais e indivíduos reais. "[O] fato de o interesse pessoal imaginário existente de antemão – e, portanto, o julgamento e a escolha na posição original – não ser influenciado por uma posição e um interesse pessoal reais e específicos não implica que essa escolha seja justa ou equitativa com relação aos indivíduos reais futuros. A justiça não pode resultar da ignorância egoísta, que age apenas por interesse próprio. A teoria da posição original produz justiça para os indivíduos na posição original (na verdade, o melhor é o mesmo para todos), mas não a produz entre os indivíduos reais" (Kolm, 2000, p. 239).
3 Para uma discussão sobre o conceito de indivíduo e sua significância normativa para a Economia, ver Davis (2003).
4 "The parties in the original position are assumed to be moral persons abstracted from certain kinds of knowledge of themselves and their situation" (Rawls, 1963, p. 301).
5 Rawls critica o utilitarismo na sua doutrina clássica de Sidgwick cuja ideia é que a sociedade está ordenada de forma correta, e, portanto, justa quando suas instituições mais importantes estão planejadas para conseguir o maior saldo líquido de satisfação obtido a partir da soma das participações individuais de todos os seus membros (Rawls, 1997, p. 25). A questão de se obter o saldo líquido de satisfação não se apresenta na justiça como equidade; o princípio da maximização não é usado de forma alguma (Rawls, 1997, p. 33).
6Para uma discussão sobre a origem da teoria da escolha racional, ver Hollis e Sugden (1993). Destaca-se que uma das conclusões dos autores é a de que a teoria da escolha racional parece dispensar a filosofia moral: "the claim is false in any case, because the theory relies on assuming that agents are motivated by forward-looking reasons which refer only to the final consequences of acts" (Hollis e Sudgen, 1993, p. 33). Sugerem um resgate de Hume, para quem as paixões não são reduzidas a preferências sobre resultados; e de Kant, para quem a razão não precisa ser escrava da paixão e os agentes reflexivos podem repelir suas inclinações. Para uma leitura sobre o passado, o presente e o futuro da teoria da escolha racional, ver Hands (2011).
7 Não se questiona a existência de uma preocupação com o caráter distributivo na teoria moral do utilitarismo, mas sobre quais critérios essa distribuição seria a mais justa possível. Por isso, pode-se associar o caráter distributivo do utilitarismo à teoria da utilidade marginal, conforme sustentado por Arnsperger e Parijs (2003). No entanto, esse seria um método indireto de justiça distributiva, como, por exemplo, em favor da redução das desigualdades de rendimento: "uma taxação dos mais ricos, com transferência para os mais pobres, aumentaria sem ambiguidade a utilidade agregada" (Arnsperger e Parijs, 2003, p. 31). Na teoria da justiça de Rawls, a justiça distributiva é direta porque decorre do consenso na posição original.
8 Vita (1999, p. 481) destaca os bens primários sociais de Rawls que são: a) liberdades e direitos fundamentais; b) liberdade de movimento e de escolha de ocupação; c) capacidades e prerrogativas de cargos e posições de responsabilidade nas instituições políticas e econômicas da estrutura básica da sociedade; d) renda e riqueza; e) as bases sociais do autorrespeito. Além disso, ele ressalta que esses bens são considerados sociais no sentido de que ou são distribuídos diretamente por instituições sociais básicas, ou sua distribuição, como nos casos da renda e da riqueza, é regulada por essas instituições.
9 Esses princípios de justiça são uma versão modificada daqueles apresentados por Rawls na "Teoria da Justiça" devido às críticas de Hart (1973).
10 A mudança em relação à Teoria de Justiça (1971) está no primeiro princípio: as palavras "a fully adequate scheme" substituem "the most extensive total system" (Rawls, 1995, p. 107).
11 Aqui uma distinção importante em relação ao utilitarismo clássico que exige a maximização da soma algébrica de utilidades esperadas, obtida a partir de todas as posições relevantes, supondo alguma medida razoavelmente precisa da utilidade.
12 Em categorias amplas, os bens primários são direitos, liberdades e oportunidades, assim como renda e riqueza, e ainda um senso do próprio valor. "Os bens primários são coisas que se supõe que um homem racional deseja, não importa o que mais ele deseje. São bens sociais em vista de sua ligação com a estrutura básica; as liberdades e oportunidades são definidas pelas regras das instituições mais importantes, e a distribuição de renda e riqueza é por elas regulada" (Rawls, 1997, p. 97- 98).
13 "... todas as demais paixões da natureza humana parecem apropriadas e aprovadas quando o coração de cada espectador imparcial simpatizar inteiramente com elas, quando cada observador indiferente delas participa e partilha inteiramente" (Smith, 1999, p. 84).
14 Isso pode ser feito com a ajuda da objetividade posicional e da ordenação de dominância parcial, complementados pela abordagem da intersecção, como exposta graficamente por Sen (1992, p. 46-48; 1997b, p. 397).
15 Rawls discute a questão da atribuição de pesos a princípios conflitantes de justiça e destaca que o utilitarismo clássico recorre ao intuicionismo e constitui uma concepção de um principio único com um único critério decisivo, ou seja, estabelecido pelo princípio da utilidade, que seria o único a sistematizar nossos juízos. Sua proposta é usar uma pluralidade de princípios que possam ser inseridos na ordem serial de forma que represente a estrutura mais abrangente do conceito de justiça e que possa indicar caminhos pelos quais seria possível encontrar o melhor ajustamento. Para Rawls, a atribuição de pesos é parte essencial da teoria da justiça e que, se "não soubermos explicar como esses pesos devem ser determinados mediante critérios éticos razoáveis, os meios de uma discussão racional chegam ao fim" (1997, p. 45). Rawls defende que, numa teoria contratualista, os fatos morais são determinados pelos princípios, que seriam escolhidos na posição original, e tais princípios delimitam quais considerações são pertinentes do ponto de vista da justiça social. Pois, se cabe às pessoas escolher esses princípios, também cabe a elas decidir o grau de complexidade ou simplificação que desejam os dados éticos. O consenso original estabelece em que medida elas estão preparadas para transigir e simplificar a fim de estabelecer as regras de prioridades necessárias para uma concepção coletiva de justiça (Rawls, 1997, p. 48).
16 Até a "maximização", tecnicamente falando, não requer um ordenamento completo, desde que um ordenamento parcial nos permita separar um conjunto "máximo" de alternativas que não sejam piores do que qualquer das opções alternativas (Sen, 1999b, nota 7, p. 254). Para Sen (2000a, p. 486-487), a maximização não demanda, de fato, que todas as alternativas sejam comparáveis, nem mesmo requer que a melhor alternativa seja identificável. Ela apenas requer que não escolhamos uma alternativa pior do que outra possível de ser escolhida. Existe alguma confusão nesse ponto técnico, uma vez que o termo maximização é usado de diferentes maneiras. Algumas vezes, tal termo é empregado para indicar que devemos escolher a melhor alternativa. Tecnicamente, isso é descrito como otimização. A definição básica de maximização na literatura fundamental é a de selecionar uma alternativa para a qual não há nenhuma melhor. Maximização e otimização coincidem quando o ordenamento é completo, o qual pode ou não pode ocorrer. Na verdade, para a otimização funcionar, deveria existir sempre uma alternativa melhor a ser escolhida (não necessariamente uma única alternativa melhor, mas sempre uma alternativa melhor). A maximização não requer isso.
17 Para uma discussão acerca da importância da democracia, ver também Sen (1999b, cap. 9).
18 "The value of democracy includes its intrinsic importance in human life, its instrumental role in generating political incentives, and its constructive function in the formation of values (and in understanding the force and feasibility of claims of needs, rights, and duties)" (Sen, 1999d, p. 16).
19 A condição de agente da pessoa se refere à efetivação de objetivos e valores que ela tem razão de buscar, estejam eles conectados ou não com seu bem-estar. Sen (1985, p. 204) diferencia a liberdade de bem-estar, que é a capacitação de exercer funcionamentos particulares referentes ao bem-estar da própria pessoa, da liberdade da condição de agente, que é a capacidade de exercer qualquer coisa que a pessoa decide exercer.
20 Ver também Sen (1999b, p. 270-272), onde ele apresenta uma argumentação sobre prudência, simpatia e comprometimento.
21 Sen (1999c, p. 5) diz que é discutível se todos os desvios da rota do autointeresse podem ser traçados pela identidade social, "but it is hard to resist the understanding that social identity is a significant influence on human behavior".