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Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia - Vaginal hysterectomy versus abdominal hysterectomy in patients without uterine prolapse: a randomized clinical trial

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Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia

Print version ISSN 0100-7203

Rev. Bras. Ginecol. Obstet. vol.25 no.3 Rio de Janeiro Apr. 2003

http://dx.doi.org/10.1590/S0100-72032003000300005 

TRABALHOS ORIGINAIS

 

Histerectomia vaginal versus histerectomia abdominal em mulheres sem prolapso genital, em maternidade-escola do Recife: ensaio clínico randomizado

 

Vaginal hysterectomy versus abdominal hysterectomy in patients without uterine prolapse: a randomized clinical trial

 

 

Aurélio Antônio Ribeiro Costa; Melania Maria Ramos de Amorim; Telma Cursino

Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP)
Mestrado em Saúde Materno-Infantil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: comparar os resultados intra e pós-operatórios em pacientes sem prolapso genital ou doenças anexiais, submetidas a histerectomia vaginal ou abdominal.
MÉTODOS: realizou-se estudo do tipo ensaio clínico aberto, randomizado, em pacientes sem prolapso genital que se submeteram a histerectomia total, indicada por doenças benignas, no IMIP, em Recife, Pernambuco. Incluíram-se 35 pacientes, alocadas aleatoriamente em dois grupos, sendo 19 submetidas a histerectomia vaginal e 16 a histerectomia abdominal. Foram estudadas as seguintes variáveis: volume de perda sangüínea, necessidade de hemotransfusão, tempo operatório, dor pós-operatória (intensidade e uso de analgésicos), tempo de permanência hospitalar, complicações operatórias, tempo de retorno às atividades e grau de satisfação das pacientes. Para análise estatística, utilizaram-se os testes c2 de associação, exato de Fisher e Mann-Whitney para comparação dos grupos, considerando-se significativo erro alfa menor que 5%.
RESULTADOS: o volume de sangue perdido durante as histerectomias por via abdominal (mediana de 902 mL) foi significativamente maior em relação à perda durante as histerectomias vaginais (mediana de 520 mL), e nenhuma paciente neste último grupo requereu hemotransfusão, contra 19% no primeiro grupo. A duração da cirurgia foi semelhante, com mediana de 120 minutos nos dois grupos. A intensidade da dor, verificada pelos escores da escala analógica visual, foi significativamente menor entre as pacientes submetidas a histerectomia vaginal, que também apresentaram menor freqüência de utilização de analgésicos. Não houve diferença na freqüência de complicações intra ou pós-operatórias entre os dois grupos, encontrando-se apenas um caso de infecção em cada grupo e um caso de trombose venosa profunda no grupo das histerectomias vaginais. O tempo de retorno às atividades das pacientes submetidas à histerectomia vaginal foi significativamente menor (mediana de 35 dias) em relação ao outro grupo (mediana de 40 dias). O grau de satisfação foi semelhante nos dois grupos.
CONCLUSÕES: os benefícios da histerectomia vaginal no presente estudo incluíram menor volume de perda sanguínea intra-operatória, menor intensidade da dor pós-operatória, menor freqüência de solicitação de analgésicos e menor tempo de retorno às atividades após a cirurgia. A via vaginal pode substituir com vantagens a via abdominal em pacientes com indicação de histerectomia.

Palavras-chave: Histerectomia abdominal. Histerectomia vaginal. Complicações da cirúrgia. Ensaio clínico.


ABSTRACT

PURPOSE: to compare intra- and postoperative results of vaginal hysterectomy with those of abdominal hysterectomy in women without genital prolapse or adnexal pathology.
METHODS: a randomized, open clinical trial was conducted, involving 35 patients without genital prolapse scheduled for total hysterectomy due to benign disease, at IMIP, Recife, Brazil. These patients were randomly assigned to vaginal hysterectomy (19 patients) or abdominal hysterectomy (16 patients). Main outcome measures included estimated blood loss, rate of blood transfusion, duration of surgery, postoperative pain (intensity and analgesic requirement), time in hospital, postoperative complications, recovery time and patient satisfaction. Statistical analysis was performed using c2, exact Fisher and Mann-Whitney tests at a 5% level of significance.
RESULTS: estimated blood losses were significantly lower in vaginal hysterectomy (median of 520 mL) than in abdominal hysterectomy (median 902 mL). There was no blood transfusion among patients of the vaginal hysterectomy group, in contrast to 19% of the abdominal hysterectomy group. Duration of surgery was similar (median of 120 min in both groups). Postoperative pain, as measured by visual analog scale and analgesic requirement, was lower for vaginal hysterectomy than for abdominal hysterectomy. There was no statistically significant difference regarding frequency of postoperative complications. There was one case of infection in each group and one case of thrombosis in the vaginal hysterectomy group. Postoperative hospital stay was shorter in the vaginal group. Recovery time was significantly shorter in the vaginal group (median of 35 days) versus the abdominal group (median 40 days). Overall patient satisfaction with the operation was similar in the two groups.
CONCLUSIONS: patients without genital prolapse submitted to vaginal hysterectomy for treatment of benign diseases had some advantages in relation to those submitted to abdominal hysterectomy: lower intraoperative blood loss, lower postoperative pain and faster recovery time. Vaginal hysterectomy may replace abdominal hysterectomy in most patients who require hysterectomy.

Keywords: Abdominal hysterectomy. Vaginal hysterectomy. Gynecologic surgery. Postoperative complications. Clinical trial.


 

 

Introdução

A histerectomia é uma das cirurgias ginecológicas mais realizadas nos serviços de todo o mundo. As indicações mais freqüentes são as doenças benignas (leiomiomatose uterina, endometriose, hiperplasias), ao passo que as doenças malignas representam em torno de 10% das indicações1.

Entre janeiro de 2000 e setembro de 2002 foram realizadas no Brasil cerca de 300.000 histerectomias, das quais pouco mais de 22.000 por via vaginal2. Salvo exceção de alguns poucos serviços, a tradição brasileira sempre foi de histerectomia abdominal3, conquanto nos últimos anos venha despontando aumento das indicações da cirurgia vaginal4,5. Em outros países, o interesse pela cirurgia minimamente invasiva tem levado a aumento da freqüência de histerectomias vaginais, sobretudo com o advento da histerectomia assistida por laparoscopia6.

Diversos estudos têm demonstrado vantagens da técnica vaginal, porém apenas um ensaio clínico randomizado comparou os resultados da histerectomia vaginal simples com a histerectomia abdominal7. Estudos observacionais comparando as duas técnicas evidenciam, além da recuperação mais rápida e da menor freqüência de complicações, custos bem mais baixos para o Sistema de Saúde8-10. Por outro lado, vários ensaios clínicos controlados comparando a histerectomia vaginal assistida por laparoscopia com a técnica abdominal tradicional têm sido publicados, demonstrando vantagens inequívocas como menor perda sanguínea, menor necessidade de hemotransfusão, menor taxa de complicações, menor tempo de hospitalização e recuperação pós-operatória mais rápida11-14.

Considerando que a histerectomia vaginal simples, sem intervenção laparoscópica, apresenta teoricamente as mesmas vantagens da cirurgia vídeo-assistida, sem os inconvenientes da anestesia geral, do maior tempo cirúrgico, necessidade de instrumental especializado e custos elevados, realizamos o presente estudo para comparar os resultados intra e pós-operatórios em pacientes sem prolapso uterino, submetidas a histerectomia vaginal ou abdominal em hospital público de ensino.

 

Pacientes e Métodos

Realizou-se ensaio clínico randomizado, aberto, para comparação da histerectomia vaginal com a histerectomia abdominal. O estudo foi realizado no Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP), hospital-escola com programa de residência médica em Tocoginecologia, onde se realizam anualmente cerca de 500 histerectomias. A utilização da técnica vaginal para histerectomia em pacientes sem prolapso uterino teve início em 2000, após curso teórico-prático para treinamento dos cirurgiões ginecológicos. A pesquisa em tela desenvolveu-se durante os meses de março a novembro de 2002, tendo sido o protocolo original aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.

Incluíram-se pacientes com doença benigna e idade entre 30 e 65 anos, excluindo-se os casos com prolapso genital, doenças anexiais, atraso menstrual ou gravidez confirmada, doença trofoblástica gestacional, volume uterino maior que 300 cm3 e história de duas ou mais laparotomias anteriores. Todas as pacientes foram devidamente informadas sobre o estudo e as técnicas cirúrgicas envolvidas e aquelas que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

O tamanho da amostra foi calculado para testar a diferença entre os grupos (histerectomia vaginal versus abdominal), utilizando-se teste para diferença de duas médias, considerando-se nível de significância de 5% e poder de 90%. As estimativas de média (390 mL) e desvio-padrão para perda sangüínea foram obtidas a partir de estudos anteriores15. Para detectar diferença de pelo menos 300 mL nas médias de perda sanguínea durante a cirurgia, seriam necessárias 70 pacientes. Este número foi aumentado para 76 (38 em cada grupo), prevendo-se eventuais perdas. Entretanto, quando se realizou análise interina depois de se completar o seguimento da 38ª paciente, verificou-se superioridade do tratamento em um dos grupos. Considerando-se a questão ética, foi suspensa a inclusão de novas pacientes e descontinuado o estudo. Foram excluídas três destas 38 pacientes que, depois da randomização, tiveram suas indicações cirúrgicas revertidas antes da cirurgia.

A randomização foi realizada a partir de tabela de números randômicos gerada no programa Epitable, do Epi-Info 6.04d. Somente após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, o pesquisador realizou a alocação da paciente em um dos dois grupos, após abertura de envelope lacrado que continha o grupo selecionado para aquela participante, garantindo-se a ocultação da alocação.

Todos os procedimentos foram realizados em bloco cirúrgico, pelos médicos-residentes do segundo ano em Tocoginecologia, auxiliados e supervisionados por preceptores, médicos da equipe, todos com título de especialista em Ginecologia e Obstetrícia e experiência com ambas as técnicas. Para todos os casos, utilizou-se raquianestesia, com bupivacaína pesada a 0,5% associada a 0,1 mg de morfina. As técnicas adotadas para histerectomia vaginal e abdominal foram, respectivamente, a de Heaney, modificada16 e a de Richardson17.

Todas as pacientes receberam antibioticoprofilaxia com cefazolina (1 g), imediatamente antes do início da cirurgia, independente da via (abdominal ou vaginal), conforme rotina da instituição. Sondagem vesical de demora (Foley) foi mantida durante a cirurgia e por 24 horas depois. Administraram-se 5.000 UI de heparina por via subcutânea a cada 12 horas para profilaxia do tromboembolismo, até que fosse possível a livre deambulação.

Verificou-se a duração do ato operatório, medida a partir do momento da primeira incisão, até a última sutura. O tempo da anestesia, por sua vez, foi avaliado desde a realização do bloqueio, até o momento em que a paciente era retirada da sala. A estimativa de perda sangüínea intra-operatória foi realizada por meio da pesagem de gazes e compressas utilizadas durante o ato cirúrgico.

Para avaliação da intensidade da dor pós-operatória, utilizou-se a Escala Analógica Visual, cujos escores foram mensurados com seis, 12 e 24 horas. Nesses mesmos intervalos, observou-se a necessidade de utilização de analgésicos, conforme solicitados pelas pacientes. Pesquisaram-se complicações pós-operatórias, como infecção do sítio cirúrgico, definida pelos critérios do CDC (1999)18, trombose venosa profunda, hematomas e ligadura de ureter. Analisou-se ainda o tempo de permanência hospitalar depois da cirurgia (em horas), o tempo de retorno às atividades habituais e o grau de satisfação das pacientes.

Definiu-se o tempo de retorno às atividades habituais como o tempo (em dias) transcorrido entre o momento da alta e o reinício das atividades de trabalho fora ou dentro do lar, e entre este momento e o reinício da atividade sexual. O grau de satisfação foi mensurado de acordo com a avaliação subjetiva de cada paciente, sobre sentir-se ou não satisfeita com a cirurgia. Ambos os parâmetros foram avaliados no retorno pós-operatório, com oito, 15, 30 e 45 dias.

A análise estatística foi realizada no programa Epi-Info 2002, de domínio público. Para comparação das variáveis numéricas, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney, uma vez que a maioria destas não apresentava distribuição normal. Os testes c2 de associação e exato de Fisher foram utilizados para comparação das variáveis categóricas. Em todas as etapas da análise, considerou-se significativo erro alfa menor que 5%.

 

Resultados

Os grupos foram similares em relação a idade, paridade, índice de massa corporal, volume uterino, freqüência de hipertensão e laparotomias prévias. Também não houve diferença significativa nas indicações cirúrgicas, apesar de tendência a maior freqüência de miomatose uterina entre as pacientes submetidas a histerectomia vaginal (Tabela 1). Não foi necessário o uso de técnicas de morcelamento em nenhum dos casos. Também não se verificou conversão de histerectomia vaginal em abdominal.

 

 

A perda sanguínea foi significativamente menor em pacientes submetidas a histerectomia vaginal em relação à abdominal (mediana de 520 mL versus 920 mL, respectivamente). Por outro lado, realizou-se hemotransfusão em 19% das pacientes que se submeteram a histerectomia abdominal, o que não aconteceu em nenhum caso da cirurgia vaginal. A duração do ato cirúrgico foi semelhante em ambos os grupos, apesar de uma freqüência maior de tempo cirúrgico superior a duas horas no grupo de histerectomia abdominal. A duração do tempo de anestesia também foi semelhante nos dois grupos (Tabela 2).

A freqüência de complicações intra e pós-operatórias foi reduzida e semelhante nos dois grupos. Apenas uma paciente de cada grupo apresentou infecção pós-operatória, sendo um caso de infecção incisional superficial no grupo da histerectomia abdominal e um caso de infecção de cúpula vaginal no grupo da histerectomia vaginal. Ocorreu apenas um caso de trombose venosa profunda (paciente submetida a histerectomia vaginal). Não houve formação de hematomas ou ligadura de ureter.

Verificou-se menor duração da permanência hospitalar pós-operatória no grupo da histerectomia vaginal (mediana de 44 horas) em relação à abdominal (mediana de 48 horas). O tempo de retorno às atividades corriqueiras também foi significativamente menor para as pacientes submetidas à histerectomia vaginal (mediana de 35 dias) em relação à histerectomia abdominal (mediana de 40 dias). Em cerca de 95% das pacientes submetidas à histerectomia vaginal, o retorno às atividades ocorreu em menos de 40 dias, contra 50% das pacientes submetidas à histerectomia abdominal. Observou-se grau de satisfação com o procedimento cirúrgico semelhante nos dois grupos, sendo que aproximadamente 95% das pacientes submetidas a histerectomia vaginal e 87,5% daquelas submetidas a histerectomia abdominal manifestaram-se satisfeitas com a cirurgia (Tabela 2).

Analisando-se a intensidade da dor pela escala analógica visual, verificaram-se escores significativamente menores no grupo da histerectomia vaginal tanto com seis como com 12 e 24 horas de pós-operatório (mediana de zero em todas as avaliações, contra cinco, seis e 12 no grupo da histerectomia abdominal) (Tabela 3). A necessidade de analgésicos foi significativamente menor com 12 horas entre as pacientes submetidas a histerectomia vaginal (26,0%) em relação à histerectomia abdominal (68,8%), verificando-se ainda tendência a menor freqüência de uso de analgésicos com seis e 12 horas no primeiro grupo (respectivamente 26,3 e 26,1%) em relação ao segundo (respectivamente 56,2 e 50%).

 

 

Discussão

Os resultados deste estudo sugerem que a histerectomia total, realizada pela via vaginal para pacientes sem prolapso genital com indicação cirúrgica por doenças benignas, constitui abordagem cirúrgica com melhores resultados e menor nível de complicações intra e pós-operatórias. Mesmo em se tratando de pequeno ensaio clínico, incluindo apenas 35 pacientes, evidenciou-se menor perda sanguínea intra-operatória, menor intensidade da dor pós-operatória, menor permanência hospitalar e tempo mais rápido de retorno às atividades habituais.

Estes achados não são surpreendentes, uma vez que vários autores têm demonstrado vantagens da via vaginal sobre a abdominal para a realização de histerectomia4,5,19-21. Além da recuperação mais rápida e da menor freqüência de hemorragia e outras complicações, a via vaginal implica custos bem mais baixos para o Sistema de Saúde9,10.

Por outro lado, expressivo número de estudos não controlados ressalta a exeqüibilidade e segurança das histerectomias vaginais sem intervenção laparoscópica: em série prospectiva de 806 histerectomias por doenças benignas, na ausência de prolapso uterino, a histerectomia vaginal isolada foi possível em 80,6% dos casos, sendo necessária a laparoscopia em apenas 9,4% e laparotomia em 10% das intervenções22.

Em nosso meio, Macedo et al.4, no Rio Grande do Norte (Natal), publicaram sua experiência com 370 histerectomias vaginais em pacientes sem prolapso uterino, descrevendo taxa de complicações menor que 4%. A média de tempo cirúrgico foi de 60 minutos. Figueiredo et al.5, no Paraná (Londrina), avaliaram 300 mulheres sem prolapso genital, com indicação de histerectomia por doença benigna, tendo realizado com sucesso histerectomia vaginal em 99% (297 mulheres), com apenas duas conversões para laparotomia e uma para laparoscopia. O tempo cirúrgico médio foi de 51 minutos, com uma perda sanguínea média de 180 mL (variando entre 50 e 1050 mL). Complicações intra-operatórias ocorreram em apenas quatro pacientes (1,3%) e complicações pós-operatórias (infecção urinária) em 3,7% (11 casos).

Não obstante todas essas vantagens da histerectomia vaginal, descritas em estudos observacionais, comparados ou não, deve-se salientar que, do ponto de vista da Medicina Baseada em Evidências, para nortear a decisão clínica e estabelecer novas práticas, essas não representam evidências de qualidade, uma vez que se categorizam em sua maioria como nível IIb, grau de recomendação B. Inequivocamente, o melhor tipo de desenho de estudo para determinar a eficácia de uma intervenção é representado pelo ensaio clínico controlado, representando nível de evidência Ia ou Ib, grau de recomendação A23.

Nesse sentido, apesar de numerosas referências disponíveis na literatura sobre histerectomia vaginal, são muitos raros os ensaios clínicos randomizados comparando esta técnica às outras. Na verdade, pesquisando os bancos de dados LILACS/SciELO, Medline e EMBASE, encontramos apenas um ensaio clínico controlado comparando histerectomia vaginal simples (sem laparoscopia) com histerectomia abdominal7 e dois ensaios clínicos comparando histerectomia vaginal com e sem laparoscopia11,24. Assim, até onde chega nosso conhecimento, este representa o segundo ensaio clínico controlado comparando histerectomia vaginal simples com a histerectomia abdominal, sendo certamente o primeiro realizado no Brasil.

No estudo de Ottosen et al.7, realizado na Suécia, randomizaram-se 120 mulheres com indicação de histerectomia em três grupos: histerectomia vaginal simples, histerectomia vaginal assistida laparoscopicamente e histerectomia abdominal. O tempo cirúrgico foi significativamente maior para a histerectomia vaginal assistida laparoscopicamente (102 minutos) em relação à histerectomia vaginal simples (81 minutos) e à histerectomia abdominal (68 minutos). Apesar do tempo cirúrgico mais curto com a técnica abdominal, esta se associou a prolongada permanência hospitalar e maior tempo de convalescença. Estas duas variáveis não diferiram significativamente quando comparadas histerectomia vaginal simples e com laparoscopia. Os autores concluíram que a via vaginal deveria constituir a técnica de escolha para histerectomia.

Em outra direção, Summitt et al.11 compararam apenas os casos submetidos a histerectomia vaginal simples (27 casos) em relação à histerectomia vaginal assistida laparoscopicamente (29 casos). Encontraram um tempo cirúrgico significativamente menor para os casos de histerectomia vaginal isolada (65 minutos) em relação aos casos com laparoscopia (120 minutos), observando maior freqüência de dor pós-operatória e menores taxas de hematócrito nesse último grupo. Os custos da histerectomia assistida por laparoscopia foram significativamente maiores (em torno de US$ 7900) do que os custos da cirurgia vaginal isolada (em torno de US$ 4900). No outro ensaio clínico randomizado, Soriano et al.24 encontraram resultados semelhantes em termos de duração da cirurgia, porém não houve diferença na recuperação pós-operatória e duração de permanência hospitalar entre os dois grupos. Em ambos os estudos, os autores concluíram que não existem vantagens em se realizar a cirurgia vaginal combinada com laparoscopia.

Em suma, nosso estudo vem ao encontro dos resultados descritos por vários autores, tanto em estudos observacionais como em ensaios clínicos, apesar da raridade desses últimos. Julgamos que os resultados aqui encontrados são bastante encorajadores, animando-nos a prosseguir ampliando as indicações de histerectomia pela via vaginal em nosso serviço.

Um questionamento pertinente, portanto, é: por que ainda são realizadas tão poucas histerectomias por via vaginal em todo o mundo? De acordo com Davies et al.25, o treinamento e a experiência em cirurgia vaginal parecem ser os principais determinantes do tipo de cirurgia que se realiza nos diversos serviços. A maioria dos ginecologistas persiste relutante em realizar histerectomias vaginais em pacientes sem prolapso uterino, mesmo com evidências suficientes demonstrando a exeqüibilidade da cirurgia nessa condição7,25.

É indiscutível que a histerectomia vaginal simples é menos invasiva do que a laparoscópica, uma vez que dispensa a incisão abdominal, pode ser realizada sem anestesia geral e com menor tempo cirúrgico, o que certamente minimiza os riscos operatórios. De acordo com Richardson et al.26, o uso da laparoscopia para a cirurgia vaginal representa na maior parte dos casos uma perda de tempo. Figueiredo et al.27 também discutem a necessidade de se utilizar o laparoscópio na histerectomia vaginal, uma vez que a cirurgia vaginal isolada é factível na maior parte dos casos, sempre que o útero é móvel e não existe tumor anexial associado. Os autores sugerem que "em última análise, o principal papel do laparoscópio parece ser o de permitir que o ginecologista se dê conta de que a histerectomia vaginal simples pode ser realizada na maior parte dos casos".

Embora não disponhamos de dados brasileiros, devemos registrar que tem havido progressivo aumento do interesse pela histerectomia vaginal em nosso país, interesse este que pode ser avaliado pela disseminação de cursos sobre a técnica e pela abordagem cada vez mais freqüente do tema em congressos de Ginecologia e Obstetrícia.

A partir dos resultados encontrados, integrados às evidências disponíveis na literatura, julgamos válido recomendar que a via vaginal deve constituir a técnica de escolha, como primeira opção em pacientes com indicação de histerectomia, desde que presentes critérios como mobilidade uterina e volume uterino de no máximo 300 cm3. Evidentemente, com o aumento da experiência e habilidade dos cirurgiões, técnicas de morcelamento podem ser utilizadas para reduzir o volume uterino, ampliando portanto o leque de indicações da via vaginal, porém a comprovação da vantagem dessas técnicas requer outros ensaios clínicos controlados.

Julgamos ainda importante, no sentido de disseminar a prática da histerectomia vaginal em nossa região, uma maior ênfase em cirurgia vaginal nos programas de Residência Médica, bem como a reciclagem constante dos cirurgiões em atividade, em cursos com carga horária suficiente para o treinamento prático, sob supervisão de profissionais experientes. Por outro lado, devem ser conduzidos estudos nos diversos serviços, para determinar os resultados da adoção das novas práticas. Devemos salientar que a avaliação dos próprios resultados faz parte dos cinco passos recomendados para a prática da Medicina Baseada em Evidências, sendo fundamental que os diversos serviços gerem essas evidências28.

 

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Endereço para correspondência
Melania Maria Ramos de Amorim
Rua Neuza Borborema de Sousa, 300 - Bairro Santo Antônio
58103-313 - Campina Grande – Paraíba
E-mail: melamorim@uol.com.br

Recebido em: 3/1/2003
Aceito após modificações em: 12/3/2003