It is the cache of ${baseHref}. It is a snapshot of the page. The current page could have changed in the meantime.
Tip: To quickly find your search term on this page, press Ctrl+F or ⌘-F (Mac) and use the find bar.

Revista de Saúde Pública - Social performance expectations in psychiatric patients of a general hospital ward

SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.36 issue6A sixteen-year epidemiological profile of a pediatric intensive care unit, BrazilSchizophrenia in males of cognitive performance: discriminative and diagnostic values author indexsubject indexarticles search
Home Page  

Services on Demand

Article

Indicators

Related links

Share


Revista de Saúde Pública

Print version ISSN 0034-8910

Rev. Saúde Pública vol.36 n.6 São Paulo Dec. 2002

http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102002000700012 

Expectativa de desempenho social de pacientes psiquiátricos internados em hospital geral
Social performance expectations in psychiatric patients of a general hospital ward

Maria Stela Setti Moreiraa, José Alexandre de Souza Crippab e Antonio Waldo Zuardia

aDepartamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. bDepartment of Psychological Medicine, Institute of Psychiatry, University of London, UK

 

 

DESCRITORES
Desempenho social. Expectativa. Pacientes internados. Psiquiatria. Enfermagem psiquiátrica. Alta do paciente. Seguimentos. Ajustamento social. Escalas de graduação psiquiátrica.

RESUMO

OBJETIVO:
Avaliar, prospectivamente, o desempenho de atividades socialmente esperadas de pacientes psiquiátricos durante o primeiro ano após a alta de uma enfermaria psiquiátrica em hospital geral; e avaliar a expectativa do próprio paciente e a do familiar em relação a esse desempenho.

MÉTODOS:
O estudo foi realizado em um hospital geral localizado em Ribeirão Preto, SP. Foi aplicada a Escala de Katz ao paciente e ao familiar informante, durante a internação, referindo-se à semana que antecedeu a admissão e um, seis e 12 meses após a alta hospitalar, referindo-se à semana anterior. Concluíram o estudo, 55 pacientes (33 do sexo feminino e 22 do sexo masculino) e seus respectivos familiares informantes dentre as 86 díades que iniciaram o estudo. Os escores das escalas de desempenho e expectativa foram comparados pela análise de variância (ANOVA) e pelo teste t de Student.

RESULTADOS:
A expectativa não mostrou variação significativa na avaliação do paciente ou do familiar. Nas duas avaliações, a expectativa foi significativamente maior que o desempenho. Entretanto, foi observada melhora significativa no desempenho de atividades socialmente esperadas em relação à pré-internação, desde o primeiro mês após a alta. Essa melhora se manteve ao longo do primeiro ano, tanto na avaliação do paciente como na da família.

CONCLUSÕES:
Os resultados sugerem que a internação em uma enfermaria psiquiátrica, em hospital geral, além de reduzir os sintomas psiquiátricos, colabora para a melhora no desempenho de atividades socialmente esperadas. Esse nível de desempenho manteve-se constante durante o primeiro ano após a alta, embora variáveis demográficas e clínicas possam influir nesses resultados.

KEYWORDS
Performance. Expectation. Inpatients. Psychiatry. Psychiatric nursing. Patient discharge. Follow-up studies. Social adjustment. Family. Psychiatric status rating.

ABSTRACT

OBJECTIVE:
To prospectively assess the performance of socially expected activities of psychiatric patients in the first year after their discharge from a psychiatric ward of a general hospital. Also, to evaluate the patients' and their family' expectations on the former's performance.

METHODS:
The study was carried out in a general hospital in Ribeirão Preto, Brazil. The Katz Scale was applied to the patient and their family informer at the time of hospitalization regarding to the week preceding admission, and at one, six and 12 months after hospital discharge, regarding to the preceding week. Of the 86 pairs who were initially included in the study, 55 patients (33 women and 22 men) and their respective family informers completed the study. Performance scores and expectations were compared using variance (ANOVA) and t-student test.

RESULTS:
Expectation did not show significant variations either in the patient's evaluation or in the family's evaluation. According to both evaluations, expectation was significantly higher than performance. A significant improvement in the performance of socially expected activities was observed as early as one month after discharge compared to the pre-admission period and was unchanged along the first year in both evaluations of the patient and their family.

CONCLUSIONS:
These results suggest that admission to a psychiatric ward of a general hospital, in addition to reducing the psychiatric symptoms, contributed to improving the performance of socially expected activities. The average level of performance was unchanged throughout the first year after discharge, although demographic and medical variables can influence these results.

 

 

INTRODUÇÃO

O ajustamento social pode ser definido como o reflexo das interações sociais do indivíduo com as outras pessoas, seu desempenho e satisfação nos diversos papéis sociais, que podem ser modificados pela cultura e pela expectativa familiar.28 Os transtornos mentais freqüentemente causam prejuízo ao funcionamento social, trazendo sofrimento para o indivíduo e para os seus familiares. Desta forma, a aceitação do distúrbio nem sempre é fácil, especialmente em transtornos mentais crônicos e incapacitantes como a esquizofrenia, pois, normalmente, o desempenho social do paciente é visto como um critério da evolução e um objetivo a ser atingido.4

Recentemente, diversos estudos têm sido desenvolvidos em relação à recaída e seguimento de pacientes psiquiátricos, ressaltando-se a importância do papel dos membros da família.23 O ajustamento social adequado é um fator importante de prevenção de recaída em situações estressantes19 e um meio de evitar possíveis comentários críticos e hostilidade dos familiares em relação aos déficits sociais,26 que estão associados a um aumento na taxa de recaída.13

Várias pesquisas têm relatado melhora no ajustamento e funcionamento social após intervenção terapêutica para membros da família,2 embora o mecanismo pelo qual esta melhora é alcançada ainda não tenha sido determinado.22

A internação em Unidades Psiquiátricas de Hospital Geral (UPHG), com uma abordagem multiprofissional, ocorre por um curto período e o tratamento é orientado no sentido de conseguir rápida atenuação da sintomatologia e pronta reinserção social. Porém, é questionável se esse tipo de tratamento – que objetiva fundamentalmente a redução de sintomas – pode contribuir para melhorar a adaptação social do paciente.7 Também, não está claro se este tipo de internação possibilita intervenções adjuvantes com familiares, o que poderia reduzir as expectativas de desempenho do paciente em atividades socialmente esperadas.22

Assim, o presente estudo objetiva avaliar se a internação em uma UPHG pode alterar o desempenho social dos pacientes e verificar qual seria a expectativa do paciente e do familiar em relação a esse desempenho.

 

MÉTODOS

Sujeitos

No período de um ano, foram convidados a participar desse estudo todos os pacientes internados consecutivamente na Unidade Psiquiátrica (UP) do de um hospital geral de Ribeirão Preto, SP, e um familiar informante referente a cada paciente. Foram totalizadas 86 díades (paciente e seu familiar) das quais 55 completaram o estudo.

Foi considerado familiar informante aquele que durante a internação apresentasse melhores condições para avaliar o paciente, tais como: que residisse com o paciente, que tivesse acompanhado o episódio atual do distúrbio e apresentasse boa adesão às atividades da UP que envolvessem o familiar (visitas, reuniões com familiares e solicitações para entrevista).

Depois de receberem os esclarecimentos, os pacientes e familiares consentiram em participar da pesquisa. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

Caracterização do local do estudo

A UP está instalada no terceiro andar de um edifício de 13 andares, contando com quatro enfermarias de quatro leitos, dois quartos individuais, sala para reuniões de grupos, sala de terapia ocupacional, sala para atividades sociais, dois consultórios, sala de serviço social, refeitório e copa para uso dos pacientes.

A equipe multiprofissional que desenvolve atividades com os pacientes é constituída por: um médico docente coordenador, quatro médicos assistentes, três médicos residentes de primeiro ano e um de segundo, enfermeiro diretor de serviço, enfermeiro chefe, cinco enfermeiros assistentes (um por turno), 16 auxiliares de enfermagem (quatro por turno), um assistente social, um assistente social aprimorando, um terapeuta ocupacional, um terapeuta ocupacional aprimorando, um psicólogo aprimorando, um escriturário, um agente administrativo.

Várias atividades são programadas com o objetivo de melhorar o desempenho dos pacientes, entre elas: grupos operativos diários, quatro grupos de terapia ocupacional, um período de ginástica, um período de passeio externo, um grupo com familiares, reuniões nucleares (paciente e familiar) e pelo menos um atendimento individual, por semana.

Instrumentos de avaliação

Formulário 1 (modificado), da Associação para Metodologia e Documentação em Psiquiatria (AMDP),1 utilizado para levantamento das variáveis demográficas e socioeconômicas

Escala de Ajustamento de Katz,9 traduzida e adaptada para o português20

Optou-se por esta escala por ter sido amplamente utilizada nas últimas décadas em uma extensa variedade de settings, em pacientes com diagnósticos heterogêneos e em populações de não-pacientes. Existem disponíveis consideráveis estudos de confiabilidade, validade, sensibilidade e normas, bem como material para treinamento.28 A escala de Katz tem como importante característica o fato de se basear nas informações fornecidas pelo próprio paciente e de um parente próximo, utilizando a comparação das respostas de ambos como um meio de tentar assegurar a validade das respostas. A escala tem sido utilizada no todo ou em parte, aparentemente sem grandes problemas. As comparações entre os níveis de expectativa e aquilo que é efetivamente conseguido fornece informações significativas não só sobre o paciente, como também sobre seu meio ambiente, representado pelas informações do informante, assim como das expectativas de ambos.20

Este instrumento é constituído de dez formulários para avaliação do ajustamento social de pacientes psicóticos. Foram utilizados os seguintes formulários: a) Nível de Desempenho de Atividades Socialmente Esperadas, aplicado aos pacientes (S2) e familiares (R2); b) Nível de Expectativas do Desempenho de Atividades Socialmente Esperadas aplicado aos pacientes (S3) e familiares (R3). Os formulários contêm 16 itens que avaliam responsabilidades familiares e sociais, cuidados consigo mesmo, ajustamento à própria casa, relacionamento com a família e vizinhança, atividades sociais e comunitárias. Os formulários sobre desempenho social (S2 respondido pelo paciente e R2 respondido pelo familiar) têm as seguintes graduações: "Não está fazendo", com pontuação 1; "Está fazendo um pouco", com pontuação 2; e "Está fazendo regularmente", com pontuação 3. Os formulários S3 e R3, sobre expectativas do desempenho social, possuem os mesmos itens dos anteriores, diferindo apenas nas graduações: "Não esperava que ele fizesse", com pontuação 1; "Esperava que ele fizesse um pouco" com pontuação 2 e "Esperava que ele fizesse regularmente", com pontuação 3. A graduação "Não se aplica" tem pontuação 0 em todos os formulários.

Ficha de acompanhamento

Uma ficha para registro da modalidade de tratamento e possíveis mudanças de diagnóstico foi utilizada nos períodos entre as entrevistas realizadas no momento de aplicação das escalas de Katz.

Procedimento

Os dados demográficos e socioeconômicos (Formulário 1, AMDP) foram obtidos na semana da alta da internação integral, em entrevista conjunta com o paciente e com o familiar.

Os formulários da Escala de Ajustamento de Katz e a Ficha de Acompanhamento foram aplicados durante a internação (na semana que antecedeu a alta) e um, seis e 12 meses após a alta. Na internação, foi solicitado aos pacientes e aos familiares que tomassem como referência a semana anterior à mesma. A aplicação dos formulários na semana que antecedeu a alta hospitalar minimiza a influência da sintomatologia do paciente sobre a sua auto-avaliação (12). Nas outras três medidas foram tomadas como referência a semana anterior. As escalas de ajustamento social foram aplicadas no momento dos retornos ambulatoriais regulares. Os pacientes que não realizaram seguimento no ambulatório foram convidados a comparecer ao hospital ou receberam visitas domiciliares para aplicação das escalas. Mesmo assim, alguns pacientes e familiares não aderiram ao estudo.

Análise dos resultados

Os escores totais das escalas de desempenho e de expectativa, preenchidas pelos pacientes e pelos familiares referentes ao período anterior à internação e um, seis e 12 meses após a mesma, foram comparados por meio da análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas. A mesma análise foi realizada para avaliar a interação dessas medidas com variáveis demográficas (sexo, idade e grau de instrução) e clínicas (diagnóstico, internações anteriores, duração da internação de referência, reinternações no período e tipo de seguimento após a alta). Foi utilizado o teste t de Student para as comparações entre os escores totais do desempenho e da expectativa, avaliados por pacientes e familiares, em cada um dos quatro momentos de aplicação das escalas. Os pacientes com diagnóstico de esquizofrenia foram ordenados em dois grupos distintos: a terça parte dos pacientes com menor e a terça parte com maior expectativa prévia dos familiares. Nesses grupos, o desempenho foi analisado por meio da ANOVA e avaliad pelos pacientes e familiares.

As análises foram realizadas por meio do programa SPSS, versão 6.0. O nível de significância considerado foi de p<0,05.

 

RESULTADOS

O número de sujeitos foi reduzindo ao longo do estudo: eram 79 após um mês, 66 após seis meses e 55 após um ano. Essa redução ocorreu devido ao abandono do tratamento e não localização do paciente (22), óbito (4) ou ausência do familiar (5). Os óbitos de pacientes ocorreram por causas não psiquiátricas.

As características demográficas e clínicas dos pacientes que "completaram" e dos que "não completaram" o estudo são apresentadas na Tabela 1.

 

 

O grupo de pacientes que abandonou o estudo diferiu do grupo dos que completaram-no em relação ao número de internações anteriores. No grupo dos que não completaram o estudo houve nítido predomínio de pacientes que estavam sendo internados pela primeira vez.

Dos 55 pacientes que completaram o estudo, 40 tiveram o mesmo familiar informante em todas as avaliações. Os demais (15) tiveram mudança de familiar em pelo menos uma das avaliações. No entanto, não ocorreu interação significativa com o fator "um ou mais familiares informantes", na avaliação de desempenho, avaliado pelo próprio paciente (ANOVA - F159,3 =1,6; p=0,19), desempenho avaliado pelo familiar (ANOVA – F159,3 =1,34; p=0,26), expectativa avaliada pelo paciente (ANOVA - F159,3 =0,94; p=0,42) e expectativa avaliada pelo familiar (ANOVA - F159,3 =0,48; p=0,70). Em razão disso os 55 pacientes foram analisados em conjunto.

A Figura 1 mostra os escores totais médios de desempenho e expectativa da escala de Katz, na avaliação de pacientes e de familiares. A ANOVA mostrou que o desempenho do paciente variou significativamente nos quatro períodos da avaliação, tanto na realizada pelo paciente (ANOVA – F162,3 =6,38; p<0,0001), como pelo familiar (ANOVA - F162,3 =11,71; p<0,0001). Entretanto, a expectativa não mudou significativamente na avaliação do paciente (ANOVA - F162,3 =1,12; p>0,05) ou do familiar (ANOVA - F162,3 =0,15; p>0,05).

 

 

Comparando os escores de desempenho e expectativa do paciente e da família nos diferentes tempos, por meio do teste t de Student, verificou-se que a expectativa foi significativamente maior que o desempenho, tanto na avaliação do paciente, como na da família. Entretanto, isto não ocorreu na avaliação dos familiares aos 12 meses após a alta, quando os escores de expectativa e desempenho não diferiram significantemente.

Os resultados da ANOVA em função das variáveis demográficas e clínicas são apresentados na Tabela 2.

 

 

Os pacientes com mais do que quatro anos de escolaridade avaliaram que os seus desempenhos foram significantemente melhores após a internação do que os pacientes com menos do que quatro anos de escolaridade. Para os familiares, o desempenho dos dois grupos de pacientes não diferiu. Os pacientes que permaneceram mais do que 30 dias internados apresentaram tendência a melhor desempenho em relação aos pacientes que permaneceram menos tempo, tanto na avaliação dos próprios pacientes como na de seus familiares. Além disso, a expectativa dos familiares dos pacientes internados por menos do que 30 dias diminuiu significantemente em relação ao grupo que permaneceu internado por um período maior, durante o primeiro ano após a alta. A expectativa dos familiares também diminuiu significantemente nesse período, no grupo de pacientes que necessitaram reinternação.

Os pacientes esquizofrênicos, cujos familiares tinham menor expectativa em relação a seu desempenho durante a internação, tiveram melhor desempenho no período de um ano após a alta do que aqueles cujos familiares tinham uma expectativa maior. Essa diferença foi estatisticamente significativa (F39,3 =6,37; p<0,001) na avaliação dos próprios pacientes (Figura 2).

 

 

DISCUSSÃO

Apenas 64% dos pacientes incluídos no estudo participaram de todas as avaliações realizadas durante o primeiro ano após a alta, principalmente devido à não adesão ao tratamento ambulatorial (25%). Esta percentagem de seguimento está abaixo de 70%, portanto com importante potencial de viés. Porém, mesmo considerando todas as causas de exclusão do presente estudo (36%), essa percentagem é ainda menor do que a de outros estudos de seguimento após a alta, como o de Kemp et al10 em que ocorreu perda de 42,5% em seguimento de 6 meses.

O grupo dos pacientes que "completaram" o estudo não diferiu significativamente do grupo dos que "não o completaram" em relação ao sexo, idade, grau de instrução, diagnóstico clínico e tempo de internação. Observou-se que ocorreu predomínio significante de pacientes internados pela primeira vez no grupo dos pacientes que "não completaram" o estudo. Resultado semelhante foi observado por Huguelet et al7 em pacientes com diagnóstico de esquizofrenia. Esse fato sugere que pacientes em primeira internação têm dificuldades de adesão ao tratamento ambulatorial.

Analisando o conjunto de pacientes que concluíram o estudo, verificou-se melhora significativa no desempenho de atividades socialmente esperadas em relação à pré-internação, já no primeiro mês após alta, que se manteve ao longo do primeiro ano, tanto na avaliação do próprio paciente como na da família. Essa melhora significativa de desempenho não foi observada em outros estudos realizados no Brasil.15-17,26 Entretanto, todos os pacientes desses estudos tinham diagnóstico de esquizofrenia, enquanto que no presente estudo os pacientes com esse diagnóstico representaram 44% do total.

Os resultados do estudo sugerem que a internação numa UP, além de reduzir os sintomas psiquiátricos, contribui para a melhora no desempenho de atividades socialmente esperadas. Essa melhora poderia ser justificada pelo enfoque terapêutico da UP estudada, que não está voltada apenas para a remissão dos sintomas, mas também para a reintegração social. Assim, conforme proposto anteriormente,12 a reabilitação social pode ser iniciada em uma unidade de internação aguda de curto prazo. No entanto, não se pode descartar que essa melhora no desempenho pode ter ocorrido devido à remissão dos sintomas, uma vez que estudos anteriores verificaram associação entre o ajustamento social e os sintomas psiquiátricos.3,5 Possivelmente, tanto a redução dos sintomas como as atividades voltadas para a reintegração social, desenvolvidas durante a internação, exerceram influência na adaptação social dos pacientes.

A melhora do desempenho social, observada já no primeiro mês após a internação, persistiu por um ano. A maior parte da literatura disponível relacionada a acompanhamento de paciente após internação integral, refere-se a diagnósticos específicos e a taxas de recaídas, o que dificulta a comparação com nossos dados.24 Se considerarmos o diagnóstico mais grave – esquizofrenia – podemos encontrar estudos que mostram uma evolução mais favorável do que se pensava há algumas décadas.21 O acompanhamento de pacientes esquizofrênicos por cinco anos após a alta mostrou que apenas 19% tiveram prejuízo grave no desempenho social.25

O nível de expectativas sobre o referido desempenho não variousignificativamente durante todas as avaliações realizadas no primeiro ano após a internação, sendo sempre maior que o nível de desempenho, tanto na avaliação do familiar como na do paciente. Essa observação concorda com a de Johnson8 que, aplicando a Escala de Katz, verificou que os familiares de pacientes hospitalizados tinham maior expectativa em relação ao desempenho do que os familiares que não encaminharam os pacientes para internação nos cinco últimos anos. A autora justifica essa observação pela crença dos familiares, de que o funcionamento social dos pacientes recentemente hospitalizados pode melhorar. Por outro lado, os familiares que não procuraram internação para os seus pacientes nos últimos cinco anos aceitaram o nível mais baixo de funcionamento social.

No presente estudo, também verificou-se que algumas variáveis clínicas e demográficas influíram na avaliação do desempenho dos pacientes ou na expectativa de seus familiares.

Pacientes com menos do que quatro anos de escolaridade não se avaliaram como tendo melhora no desempenho após a internação, ao contrário do que ocorreu com os que tinham maior escolaridade. A variável "escolaridade" está ligada a extrato social e, na maioria dos estudos, a baixa escolaridade tem relação com classe social baixa,6 o que poderia justificar o pior desempenho. Porém, no presente estudo, a auto-avaliação de pior desempenho no subgrupo de pacientes com menos do que quatro anos de escolaridade não parece refletir o desempenho real, pois os familiares avaliaram que os pacientes apresentaram a mesma melhora de desempenho após a internação independentemente da escolaridade do paciente. Uma possibilidade para a presente observação seria uma avaliação deficiente dos pacientes com menor escolaridade.

A variável "tempo de internação" apresentou tendência a interferir significativamente no nível de desempenho. Observou-se melhor desempenho no subgrupo de pacientes que permaneceram internados por mais do que 30 dias, em relação aos que permaneceram menos tempo, tanto na avaliação dos pacientes como na de seus familiares, concordando com os achados verificados por Singer & Grob.27 Por outro lado, um menor tempo de internações psiquiátricas tem sido defendido desde a década de 60; portanto, o correspondente aumento de serviços comunitários de apoio intensivo adequados para o período após a alta é necessário,16 evitando assim o surgimento dos "novos crônicos das UP".24 O fato de os pacientes com maior tempo de internação terem melhor desempenho está indicando a necessidade de um cuidado intensivo por maior tempo, o que não significa que isso deva ocorrer com o paciente internado. Serviços extra-hospitalares poderiam atender essa necessidade sem os prejuízos causados por uma internação integral prolongada.16

Os familiares dos pacientes que permaneceram mais do que 30 dias internados tiveram maior expectativa do que os familiares dos pacientes que permaneceram por menor tempo. Isto pode estar relacionado ao fato desses pacientes terem apresentado melhor desempenho no período. A expectativa dos familiares também apresentou tendência a associar-se ao número de reinternações. Observou-se que essa expectativa foi diminuindo no decorrer do primeiro ano de seguimento, no subgrupo de pacientes que tiveram reinternações no período, sugerindo que internações próximas induzem um sentimento de desesperança nos familiares. É interessante observar que essas duas variáveis (tempo de internação e de reinternações) não interferiram no nível de expectativa dos pacientes.

Outro resultado observado foi a correlação entre o nível inicial de expectativa dos familiares e o desempenho dos pacientes com diagnóstico de esquizofrenia. Nesses pacientes, o terço com menor nível de expectativa da família teve melhor desempenho do que o terço com maior expectativa. Essa diferença atingiu níveis estatisticamente significativos na auto-avaliação dos pacientes. Esse resultado aponta no mesmo sentido do estudo de Shirakawa et al,26 que utilizando a mesma Escala de Katz, encontrou correlação inversa entre a expectativa do familiar e o desempenho do paciente apenas em esquizofrênicos do sexo masculino. No presente estudo, a análise nos dois sexos foi inviável em razão do reduzido número de sujeitos. Estudos anteriores mostraram que essa supe expectativa dos familiares sobre o desempenho de pacientes esquizofrênicos podem gerar atitudes demonstradas como altos níveis de emoção expressa (EE).23

No Brasil, Martins et al14 observaram altos níveis de EE em familiares de esquizofrênicos – diferentemente do que o previsto –, que ocorrem principalmente devido a um superenvolvimento familiar. Huguelet et al7 demonstraram que pacientes esquizofrênicos que viviam em famílias com alta emoção expressa (EE) apresentaram pior ajustamento social em seguimento de quatro anos do que aqueles que viviam em famílias com baixa EE, apesar de achados contraditórios terem sido relatados.11

Michaux 18 relatou que pacientes provenientes de famílias com superenvolvimento emocional apresentavam pior desempenho social, quando comparados com pacientes procedentes de famílias muito críticas. O presente estudo confirmou a suposição corrente de que familiares com superenvolvimento emocional também tenham alto nível de expectativa, uma vez que se caracterizam por superproteção e grande interesse, antes e durante a hospitalização.

De modo geral, os resultados do presente estudo confirmam a importância da UP no tratamento psiquiátrico, mostrando que ela não se limita à redução de sintomas, mas também colabora na melhora do ajustamento social do paciente. Os achados aqui relatados, também reforçam o papel dos familiares no seguimento de pacientes psiquiátricos. Entretanto, futuros estudos com uma amostra maior, por um maior período de tempo de seguimento e avaliando diagnósticos específicos – como esquizofrenia – parecem ser necessários.

 

REFERÊNCIAS

1. AMDP System. Manual zur Dokumentation Psychiatrischer Befunde. Berlin: Springer Verlag; 1979. (Dritte Auflage).        [ Links ]

2. Barrowclough C, Tarrier N. Social functioning in schizophrenic patients. I. The effects of expressed emotion and family intervention. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 1990;25:125-9.        [ Links ]

3. Breier A, Schreiber JL, Dyer J, Pickar D. National Institute of Mental Health longitudinal study of chronic schizophrenia. Prognosis and predictors of outcome. Arch Gen Psychiatry 1991;48:239-46.        [ Links ]

4. Chaves AC, Mari JJ, Shirakawa I. Gênero, sintomas e desempenho social na esquizofrenia. In: Shirakawa I, Mari JJ, Chaves AC, editores. O desafio da esquizofrenia. São Paulo: Lemos Editorial; 2001. p. 103-18.        [ Links ]

5. Cooper JE, Bostock J. Relationship between schizophrenia, social disability, symptoms and diagnosis. In: Henderson, Burrows, editors. Handbook of Social Psychiatry. London: Elsevier Science Publishers; 1988. p. 317-30.        [ Links ]

6. Dalgalarrondo P. Repensando a internação psiquiátrica. A proposta das unidades de internação psiquiátrica de hospitais gerais [Dissertação de Mestrado]. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas; 1990.        [ Links ]

7. Huguelet P, Zabala I, Cruciani G, Binyet S, Favre S, Gonzalez C et al. [Four year follow-up of social adjustment of a cohort of schizophrenic patients] Encephale 1995;21:93-8.        [ Links ]

8. Johnson SW. Mutual expectations. How family members view the social role of the mental health center client. J Psychosoc Nurs Ment Health Serv 1986;24:35-6.        [ Links ]

9. Katz MM, Lyerly SB. The Katz adjustment scales. Psychol Rep Monogr 1963;13:503-35.        [ Links ]

10. Kemp R, Hayward P, Applewhaite G, Everitt B, David A. Compliance therapy in psychotic patients: randomised controlled trial. BMJ 1996;312(7027):345-9.        [ Links ]

11. King S, Dixon MJ. Expressed emotion, family dynamics and symptom severity in a predictive model of social adjustment for schizophrenic young adults. Schizophr Res 1995;14:121-32.        [ Links ]

12. Mann NA, Tandon R, Butler J, Boyd M, Eisner WH, Lewis M. Psychosocial rehabilitation in schizophrenia: beginnings in acute hospitalization. Arch Psychiatr Nurs 1993;7:154-62.        [ Links ]

13. Mari JJ, Streiner DL. An overview of family interventions and relapse on schizophrenia: meta-analysis of research findings. Psychol Med 1994;24:565-78.        [ Links ]

14. Martins C, de Lemos AI, Bebbington PE. A Portuguese/Brazilian study of Expressed Emotion. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 1992;27:22-7.        [ Links ]

15. Menezes PR, Mann AH. Characteristics of hospital-treated schizophrenia in Sao Paulo, Brazil. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 1993;28:267-74.        [ Links ]

16. Menezes PR, Mann AH. The social adjustment of patients with schizophrenia: implications to the mental health policy in Brazil. Rev Saúde Pública 1993;27:340-9.        [ Links ]

17. Menezes PR, Rodrigues LC, Mann AH. Predictors of clinical and social outcomes after hospitalization in schizophrenia. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci 1997;247:137-45.        [ Links ]

18. Michaux WW. The first year out. Baltimore: The Johns Hopkins Press; 1969.        [ Links ]

19. Miklowitz DJ, Goldstein MJ, Falloon IR. Premorbid and symptomatic characteristics of schizophrenics from families with high and low levels of expressed emotion. J Abnorm Psychol 1983;92:359-67.        [ Links ]

20. Miranda CT. Escalas de ajustamento de Katz. In: Centro de Estudos em Psicofarmacologia Clínica, editores. Escalas de avaliação para monitorização de tratamentos com psicofármacos. São Paulo: Editora Ave Maria Ltda; 1989. p. 171-9.        [ Links ]

21. Montero I, Gómez-Beneyto M, Ruiz I, Puche E, Adam A. The influence of family expressed emotion on the course of schizophrenia in a sample of Spanish patients. A two-year follow-up study. Br J Psychiatry 1992;161:217-22.        [ Links ]

22. Montero I, Ruiz Perez I, Gomez-Beneyto M. Social adjustment in schizophrenia: factors predictive of short-term social adjustment in a sample of schizophrenic patients. Acta Psychiatr Scand 1998;97:116-21.        [ Links ]

23. Otsuka T, Nakane Y, Ohta Y. Symptoms and social adjustment of schizophrenic patients as evaluated by family members. Acta Psychiatr Scand 1994;89:111-6.        [ Links ]

24. Patrick M, Holloway F. A two year follow up of new long-stay patients in an inner city district general hospital. Int J Soc Psychiatry 1990;36:207-15.        [ Links ]

25. Shepherd M, Watt D, Falloon I, Smeeton N. The natural history of schizophrenia: a five-year follow-up study of outcome and prediction in a representative sample of schizophrenics. Psychol Med Monogr 1989;15Suppl:1-46.        [ Links ]

26. Shirakawa I, Mari JJ, Chaves AC, Hisatsugo M. Family expectation, social adjustment and gender differences in a sample of schizophrenic patients. Rev Saúde Pública 1996;30:205-12.        [ Links ]

27. Singer JE, Grob MC. Short-term versus long-term hospitalization in a private psychiatric facility: a follow-up study. Hosp Community Psychiatry 1975;26:745-8.        [ Links ]

28. Weissman MM. The assessment of social adjustment: a review of techniques. Arch Gen Psychiatry 1975;32:357-65.        [ Links ]

 

Correspondência para/ Correspondence to:
Antonio Waldo Zuardi
Av. Cândido Pereira Lima, 745 Jdim Recreio
14040-250 Ribeirão Preto, SP, Brasil
E-mail: awzuardi@fmrp.usp.br

Recebido em 5/6/2001. Reapresentado em 8/3/2002. Aprovado em 5/4/2002.